REl - 0600972-87.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, as contas de ADAN RIVAS CORREA DAVILA foram desaprovadas, sendo-lhe comandado o ressarcimento de valores ao erário, em sentença assim fundamentada:

Não foi esclarecido pelo candidato doação recebida de permissionário de serviço público no valor de R$ 1.000,00, bem como houve o recebimento de valores em espécie em desacordo com o disposto no art. 21 da Res. TSE n. 23.607/19.

O Ministério Público Eleitoral pugnou pela desaprovação da prestação de contas.

Isto posto, considerando os apontamentos do Parecer Conclusivo de Desaprovação de Contas e a manifestação do Ministério Público Eleitoral, JULGO DESAPROVADA a presente prestação de contas do candidato identificado em epígrafe, bem como DETERMINO o recolhimento do valor de R$ 1.935,90 ao Tesouro Nacional, uma vez que considerados como recursos de origem não identificada e/ou fonte vedada.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Recebimento de recursos de fonte vedada.

Foi indicado nos pareceres técnicos (IDs 44940815 e 44940820) que o candidato recebeu doação de R$ 1.000,00 oriunda de DANIELLE TONIAL DOS ANJOS, CPF n. 801.265.700-78, permissionária de serviço público.

Na peça recursal, alega-se que a permissão estava inativa, inclusive já tendo a permissionária protocolizado em novembro de 2020 a cedência a seu irmão, e que a doadora possuía emprego em uma empresa privada, fato que impediria a permissão.

Pois bem.

Dispõe o art. 31, inc. III e §§, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Das Fontes Vedadas

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

III - pessoa física permissionária de serviço público.

(...)

§ 3º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

§ 4º Na impossibilidade de devolução dos recursos ao doador, o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 5º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 6º O disposto no § 50 deste artigo não se aplica quando o candidato ou o partido político promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

(...)

§ 8º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade, e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.

§ 9º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de fonte vedada não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e do art. 14, § 10, da Constituição da República.

§ 10º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

§ 11º O Tribunal Superior Eleitoral disponibilizará, em sua página de internet, as informações recebidas dos órgãos públicos relativas às permissões concedidas, as quais não exaurem a identificação de fontes vedadas, incumbindo ao prestador de contas aferir a licitude dos recursos que financiam sua campanha.

In casu, não foi acostado qualquer elemento de prova de que DANIELLE TONIAL DOS ANJOS não ostentasse a qualidade de permissionária de serviço público, ao tempo da doação.

Com efeito, os documentos carreados aos autos – Comprovante de Rendimentos Pagos e de Imposto sobre a Renda Retido na Fonte, exercício 2021, ano-calendário 2020, e Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ano-base 2019 – não se prestam a afastar aquela conclusão, alicerçada em informação proveniente de órgão público.

É de se frisar que a juntada de eventual prova de ser a pessoa impedida de desempenhar determinada atividade laboral cumulativamente com a permissão não é hábil a evidenciar a extinção do respectivo contrato público, pois poderia indicar tão somente a violação deste, na hipótese de haver vedação.

Portanto, indene de dúvida a caracterização da irregularidade.

Nesse quadro fático, determinou o magistrado a quo, com arrimo no parecer técnico conclusivo (ID 44940820), o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 1.000,00.

Tendo em vista que o recorrente não observou o comando previsto no § 3º do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19, procedendo a imediata devolução dos valores ao doador originário, entendo correta a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 31, § 4º c/c art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, na linha do quem vem decidindo esta Corte (Recurso Eleitoral 0600316-34, Acórdão 25/08/2021, Relator Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico; Recurso Eleitoral 0600417-54, Acórdão 18/11/2021, Relator Oyama Assis Brasil de Moraes, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico).

II – Recebimento de recursos de origem não identificada.

A unidade técnica zonal, analisando a conta bancária de campanha, detectou o recebimento de dois depósitos sucessivos, no importe de R$ 1.000,00 cada, perfazendo o total de R$ 2.000,00, ocorridos no dia 07.10.2020, com a identificação do próprio candidato.

Na sentença, que acolheu o parecer conclusivo, foi glosado o valor excedente a R$ 1.064,10, equivalente a R$ 935,90.

No recurso, o candidato cinge-se a afirmar que houve equívoco em sua interpretação sobre as normas de regência.

Não lhe assiste razão.

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir reproduzido:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…).

Dessa maneira, segundo dispõem os §§ 1º e 4º em testilha, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores serem recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador.

Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res. TSE n. 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 03.12.2018.).

2.  O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.). Grifei.

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE N. 23.463/15. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res. TSE n. 23.463/15, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92/93). Grifei.

A exigência normativa de que as doações de campanha sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa a coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Não se olvida que este Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente, por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Entrementes, na hipótese vertente inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada.

Portanto, restou configurada a irregularidade, que afeta a transparência das contas.

A rigor, na linha da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, deveria ter sido comandado o recolhimento ao Tesouro Nacional de toda a importância eivada de mácula e efetivamente empregada pelo candidato em sua campanha, vale dizer, R$ 2.000,00.

Entretanto, no decisum vergastado foi unicamente entendido como irregular o montante que excedeu a R$ 1.064,10, ou seja, R$ 935,90, de sorte que, tendo havido recurso apenas do candidato, não pode ser agravada sua situação, impossibilitando a ordem de recolhimento de toda a quantia, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.

Assim, as irregularidades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 1.935,90, cifra que representa 38,83 % das receitas declaradas (R$ 4.985,34), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão).

Destarte, deve o juízo de desaprovação das contas ser mantido.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de ADAN RIVAS CORREA DAVILA, relativas às eleições de 2020, mantendo-se o dever recolhimento do valor de R$ 1.935,90 ao Tesouro Nacional.