REl - 0600508-71.2020.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão (TRE-RS; REl n. 0600894-71.2020.6.21.0085; Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, sessão de 08.9.2021.).

Sendo essa a hipótese dos autos, pois apresentado, com a peça recursal, extrato bancário, conheço do documento anexado ao ID 44854353.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.019,90, em razão das seguintes irregularidades: a) recebimento de recurso de origem não identificada (RONI); e b) divergências entre os registros de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização.

Passo ao exame particularizado de cada apontamento.

a) Recebimento de Recurso de Origem Não Identificada

Quanto à primeira irregularidade, o parecer conclusivo (ID 44854339) identificou o recebimento de crédito sem a identificação do CPF/CNPJ do doador nos extratos eletrônicos, de acordo com os seguintes apontamentos:

Entretanto, a partir dos extratos eletrônicos disponíveis no Sistema de Divulgação de Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87718/210000885839/extratos), é possível verificar que a doação foi realizada mediante transferência eletrônica de valores – TEV, e não por depósito em dinheiro não identificado.

A operação mediante TEV é necessariamente realizada diretamente entre contas de uma mesma instituição bancária. Dessa forma, a ausência de identificação da contraparte nos extratos eletrônicos deve ser atribuída exclusivamente ao banco, pois os valores foram repassados de forma correta, ou seja, por meio de transferência eletrônico entre contas bancárias, em conformidade com o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE VALORES SEM A IDENTIFICAÇÃO DO CPF. ART. 21, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEMONSTRADO O CUMPRIMENTO DA NORMA DE REGÊNCIA. FALHA SANADA. AFASTADO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, em virtude do recebimento do valor de R$ 1.000,00 sem a identificação do CPF na transferência bancária, contrariando o que prevê o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

2. Matéria preliminar. 2.1. Conhecidos os documentos apresentados com o recurso, de acordo com orientação firmada por esta Corte, mormente porque o exame da documentação independe de novo parecer técnico. 2.2. Alegada nulidade da sentença por ausência de intimação a respeito do exame preliminar das contas. Em consulta aos autos eletrônicos de 1º grau, é possível verificar a certidão confirmatória da intimação do exame preliminar. Afastada a preliminar.

3. Constatado o recebimento de recurso de origem não identificada. Na espécie, doação realizada por meio de Transferência Eletrônica de Valores - TEV (CRED TEV), e não por depósito em dinheiro não identificado. A operação efetuada via TEV é efetuada entre contas de um mesmo banco, sendo o doador necessariamente identificado pela instituição financeira. Juntada aos autos cópia do comprovante da transferência, constando o remetente, e emitido recibo eleitoral indicando o doador. Observada a forma exigida pelo art. 23, § 4º, inc. I, da Lei das Eleições e restando esclarecida a origem da receita, impõe-se a reforma da sentença, para aprovar as contas sem ressalvas, pois sanada a única irregularidade verificada. Afastado o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Provimento. Aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 060032695 ARROIO DO MEIO - RS, Relator: DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 31.01.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03.02.2022.) Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. OMISSÃO DE DESPESA COM ENCARGOS BANCÁRIOS. QUITAÇÃO DE DÉBITO SEM TRÂNSITO DOS VALORES EM CONTA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. DOAÇÃO VIA TEV. ÔNUS DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA DE INFORMAR OS DADOS DO DOADOR. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL AFASTADO. AUSENTE IRRESIGNAÇÃO QUANTO ÀS DEMAIS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de recebimento de recurso de origem não identificada - RONI, a ser recolhido ao erário; omissão de despesa com encargos bancários; e pagamento de despesa declarada no sistema da Justiça Eleitoral, sem trânsito de valores na conta bancária.

2. Valor recebido sem indicação do CPF do doador, a título de RONI, ingressou em conta via TEV - transferência eletrônica de valores -, recaindo o ônus de informar os dados do contribuinte sobre a instituição bancária, e não sobre o candidato. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional afastado.

3. Ausente irresignação quanto à omissão de despesa com encargos bancários e pagamento de expensa sem o trânsito dos valores pela conta bancária. Vícios mantidos.

4. Irregularidades remanescentes de baixa monta, a autorizar, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação do juízo de desaprovação. Reforma da sentença para aprovar as contas com ressalvas.

5. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 060032428 ARROIO DO MEIO - RS, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 21.01.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 26.01.2022.) Grifei.

 

Corroborando o acima exposto, a candidata juntou com o recurso o extrato bancário de sua conta pessoal, destacando a anotação de “envio TEV”, no valor de R$ 2.000,00, em 01.10.2020 (ID 44854353), com a finalidade de demonstrar que os recursos são oriundos da conta bancária de sua titularidade.

Portanto, tendo sido observada a forma de doação exigida pelo art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e demonstrada a origem dos recursos, deve ser afastada a irregularidade e, por consequência, a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional ante a descaracterização da verba como recursos de origem não identificada.

 

b) Divergências entre os Registros de Despesas na Prestação de Contas e Aqueles Informados Para a Justiça Eleitoral

O parecer técnico (ID 44854339) identificou omissão de gastos eleitorais em razão da divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, obtidas mediante circularização, emitidas pelo fornecedor UNIVERSO ONLINE S/A, no valor de R$ 19,90, para o pagamento de licenciamento ou cessão de programas de computador.

Em sua defesa, a recorrente alega que o valor é inferior a R$ 1.064,10, considerado módico pela legislação vigente, que permite a realização de despesas por qualquer eleitor de forma isenta de contabilização.

De fato, de acordo com o disposto no art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19, qualquer eleitor pode realizar gastos totais de até R$ 1.064,10 em apoio a candidato de sua preferência, não sujeitos a contabilização:

Art. 43. Com a finalidade de apoiar candidata ou candidato de sua preferência, qualquer eleitora ou eleitor pode realizar pessoalmente gastos totais até o valor de R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), não sujeitos à contabilização, desde que não reembolsados (Lei n. 9.504 /97, art. 27).

 

Entretanto, nos termos do parágrafo 1º do artigo 43 da Resolução TSE n. 23.607/19 “na hipótese prevista neste artigo, o comprovante da despesa deve ser emitido em nome do eleitor”.

Na hipótese, não há documentos que comprovem que o pagamento foi realizado por eleitor em benefício da candidata. Ao contrário, a nota fiscal n. 84749005, não registrada na prestação de contas, foi emitida para o CNPJ da campanha e em nome da candidata.

A legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceituam os arts. 59 e 60, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

 

[...].

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Portanto, impõe-se reconhecer que a despesa não foi declarada nas contas da recorrente, contrariando o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

 

I - pelas seguintes informações:

(...).

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

[…].

 

Por conseguinte, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, tal como determinado na decisão recorrida.

 

Conclusão

No caso concreto, a irregularidade subsistente (item “b”) alcança o valor de R$ 19,90, que representa, aproximadamente, 0,78% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 2.556,25), permitindo a aprovação das contas com ressalvas, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A conclusão pela aprovação com ressalvas das contas, todavia, não afasta a determinação ao recolhimento da quantia de R$ 19,90 ao Tesouro Nacional, que decorre exclusiva e diretamente da caracterização do uso de recursos de origem não identificada.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Iara Maria da Silva Santos, relativas ao pleito de 2020, e reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 19,90 (dezenove reais e noventa centavos).