PC-PP - 0600206-73.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2022 às 14:00

VOTO

O Diretório Estadual do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB apresenta contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2019, disciplinado quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.546/17.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidades remanescentes relativas à (1) recepção indevida de verbas do Fundo Partidário; (2) ausência de comprovação com gastos do Fundo Partidário; (3) recepção de verbas de fontes vedadas; e (4) ausência de comprovação do emprego de verbas em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Passo à análise.

1. Recebimento indevido de verbas do Fundo Partidário

O exame das contas apontou o recebimento de repasses realizados pelo Diretório Municipal do PTB de Canoas no montante de R$ 122.075,00, verba proveniente do Fundo Partidário, dos quais R$ 9.975,00 foram transferidos no dia 26.9.2019. Observo que o Diretório Regional da agremiação, que apresenta contas nestes autos, estava impedido de receber tais verbas no período de 21.9.2019 a 21.10.2019 em virtude da desaprovação de suas contas do exercício financeiro de 2014.

Sustenta o prestador que anexou certidões fornecidas pelo Tribunal Regional Eleitoral, as quais atestariam a inexistência de impedimento para o recebimento na data em que ocorreu.

Sem razão.

Explica o parecer conclusivo:

Porém, a primeira certidão a qual se refere o partido (ID 41093183 pg. 2-3), foi fornecida pela Secretaria Judiciária do TRE/RS em 17/05/2019, data na qual a Prestação deContas Anual de 2014 constava como “em recurso”. O apelo foi encaminhado ao TSE em 04/04/2019 e na data em que expedida a certidão, não havia ainda, a determinação de suspensão do recebimento do Fundo Partidário, pois pendente o julgamento do recurso.

O acordão que julgou as contas desaprovadas transitou em julgado no dia 20/09/2019 e acarretou a suspensão de recebimento do fundo no período de 21/09/2019 a 21/10/2019, conforme informações do sistema SICO (ID 11367133). Tais informações também estão disponíveis para a consulta pública na internet (SICO-web), no endereço http://sico-consulta-web.tse.jus.br/sico-consulta-web/home.jsf

(…)

Já a segunda cópia de certidão juntada pelo partido aos autos (ID 41093183 pág. 1), emitida pela Secretaria de Auditoria do TRE/RS, certifica que não constavam registros de suspensão de Fundo Partidário para o Diretório Estadual do PTB na data de 17/12/2020, uma vez que referido impedimento já havia cessado. A certidão demonstrou a exata condição da agremiação para aquele momento na qual foi emitida (…).

 

Como esclarecido, as certidões atestam a aptidão do partido para receber recursos públicos do Fundo Partidário em datas diferentes, anterior e posterior, do marco em que efetivamente ocorreu a doação, configurando claro desrespeito à decisão judicial que determinou a suspensão de quotas daquelas verbas públicas no período compreendido entre 21.9.2019 e 21.10.2019 e, em consequência, impõe-se o recolhimento da quantia irregularmente recebida.

Nesse sentido o entendimento desta Corte proferido no Processo 06000278-31.2018.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado na sessão de 12.5.2021.

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2017. RECEBIMENTO E USO IRREGULAR DE VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO ENQUANTO VIGORAVA A SUSPENSÃO DOS REPASSES. RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ART. 31 DA LEI N. 9.096/95. DUPLO TRATAMENTO DAS DOAÇÕES PERCEBIDAS ANTES E APÓS O ADVENTO DA LEI N. 13.488/17. DEPÓSITOS SEM IDENTIFICAÇÃO DE ORIGEM – RONI. ARTS. 7º, 8º e 13 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. QUANTIA IRREGULAR CORRESPONDENTE A 26,66% DAS RECEITAS. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE ILÍCITO, COM ACRÉSCIMO DE 5% DE MULTA, AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PELO PERÍODO DE UM MÊS. DESAPROVAÇÃO. (...) 2. Da utilização de recursos do Fundo Partidário em período de impedimento ao repasse de novas verbas da espécie. Inaplicabilidade do art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.877/19. O dispositivo invocado pelo partido foi acrescentado à Lei dos Partidos em data posterior à contabilidade apresentada, não cabendo sua aplicação ao feito atual em respeito ao princípio do tempus regit actum. O termo inicial da penalidade é a data de publicação da respectiva decisão, e não de sua comunicação pela Justiça Eleitoral aos órgãos partidários. Dessa forma, irregulares os repasses posteriores à data do comando judicial sancionador. Falha que conduz à obrigação de devolver as quantias ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.464/15. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União em caso de condenação do Diretório Nacional pelo TSE, no processo próprio de contas, em razão da ilegalidade do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum, nos termos do art. 275 do Código Civil. Oportunidade em que o órgão partidário poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do Código de Processo Civil para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente. (…) (Grifei.)

O prestador alega que ficou ciente do trânsito em julgado da condenação apenas em 18.11.2019, persiste, no entanto, a vedação de recebimento no período indicado, vez que, conforme o julgado transcrito, “o termo inicial da penalidade é a data de publicação da respectiva decisão, e não de sua comunicação pela Justiça Eleitoral aos órgãos partidários”, assim, não subsiste a alegação.

Portanto, mantida a irregularidade, o recolhimento de R$ 9.975,00 (nove mil novecentos e setenta e cinco reais) ao Tesouro Nacional é consequência direta da aplicação da legislação de regência.

2. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Partidário

Conforme o exame de prestação de contas, a agremiação não apresentou documento fiscal hábil e não comprovou pagamento realizado com verbas do Fundo Partidário relativamente aos gastos detalhados na tabela abaixo:

Os apontamentos somam R$ 45.505,59 e foram divididos conforme segue.

2.1 Fornecedor L&P CLE Informática Ltda – itens 1, 6, 13 e 17

No referente ao fornecedor L&P CLE Informática Ltda, foram apresentadas faturas com a descrição de “locação de equipamento contrato 1294”, não havendo juntada do contrato correspondente.  Ademais, os extratos bancários não identificam o beneficiário dos respectivos pagamentos.

Em alegações finais, o partido sustentou que as faturas de locação são documentos idôneos e suficientes a comprovar a contratação e o regular pagamento de máquina impressora.

Sem razão, novamente.

A matéria está disciplinada no art 18, caput e § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(…)

§ 4º Os gastos partidários devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19.

(Grifei.)

Destaco que as faturas de locação não se prestam à comprovação de gasto eleitoral, pois omitem descrição detalhada do tipo de prestação de serviço, registrando apenas “locação de equipamento contrato 1294”. A exigência poderia ser suprida com a juntada do respectivo contrato, o que não ocorreu.

Além disso, o pagamento das despesas na forma realizada impossibilitou a identificação do beneficiário nos extratos bancários, tornando inviável a vinculação do pagamento à pessoa do credor indicado e a verificação, por esta Justiça Especializada, da regularidade do gasto e do efetivo pagamento.

Nesse norte, não comprovada a regularidade das despesas efetuadas junto ao fornecedor L&P CLE Informática Ltda., remanescem as irregularidades apontadas nos itens 1, 6, 13 e 17.

2.2 Fornecedor Ticket Serviços S/A – itens 2, 10, 14, 16, 18, 20, 21

No que se refere ao fornecedor Ticket Serviços S/A, foram apresentadas cópias dos boletos sem detalhamento dos serviços prestados e sem vinculação do gasto com a atividade partidária, e os extratos bancários igualmente não identificam o beneficiário dos respectivos pagamentos.

Sustenta a agremiação que o nome da empresa contratada comprova a despesa eleitoral e o beneficiário do recebimento por ser publicamente conhecida.

Mais uma vez, os argumentos não merecem acolhida, pois, como fundamentado no item anterior, o detalhamento do serviço prestado e o atendimento à forma de pagamento prescrita são indispensáveis para a regularidade da despesa eleitoral.

Sublinho ser irrelevante o fato de a empresa fornecedora ser renomada, pois isto não exime o prestador de atender a legislação eleitoral, sendo indispensável a comprovação dos pagamentos por meio de autenticação bancária dos boletos ou comprovante via rede mundial de computadores. Igualmente, não há nos autos os recibos de entrega dos tickets aos destinatários, que seriam alegados colaboradores da campanha.

Julgo que a falha não pode ser afastada por carecerem os gastos de requisitos mínimos de esclarecimento contábil.

2.3 Fornecedores Santa Catarina Informática LTDA., ASS. EMP. DO SBE – RMPA e Empresa Jornalística JC Jarros LTDA – itens 3, 5, 8, 9, 11, 12, 15

No concernente aos fornecedores Santa Catarina Informática LTDA., ASS. EMP. DO SBE – RMPA e Empresa Jornalística JC Jarros LTDA, a manifestação do órgão técnico apontou que não houve a apresentação de documentos fiscais, mas tão-somente boletos sem detalhamento dos serviços prestados e sem vinculação do gasto com a atividade partidária. Ainda, os extratos bancários não identificam os beneficiários dos respectivos pagamentos.

Nas alegações finais, informa o partido que se trata de prestação de serviço de contabilidade por Santa Catarina Informática LTDA., aquisição de vale-transporte aos empregados com ASS. EMP. DO SBE – RMPA e assinatura mensal do Jornal do Comércio com a Empresa Jornalística JC Jarros LTDA, de forma que alega que os boletos estariam aptos a demonstrar a regularidade das despesas.

Friso uma vez mais que as notas oferecidas não suprem as exigências legais e, na linha da fundamentação dos itens anteriores, subsistem as irregularidades por ausência de elementos mínimos de esclarecimento e transparência.

Argumento comum relativo às falhas descritas nos itens 2.1, 2.2 e 2.3. 

A título de desfecho relativamente aos três primeiros subitens, entendo pertinente pontuar fundamentação específica no relativo à alegação do prestador que o parecer preliminar “não requisitou a apresentação do contrato como documento indispensável, pois, reconheceu os documentos como idôneos a comprovar a regularidade das despesas respectivas”.

A alegação, porém, não se firma, e como se trata de raciocínio que contraria a verdade dos autos deve ser expressamente consignado o seu afastamento. Noto que no exame inicial de prestação de contas (ID 11367133), com relação aos gastos da tabela reproduzida acima, manifestou-se o órgão técnico contábil deste Tribunal:

Não foi possível identificar o efetivo pagamento de tais gastos, pois, nos extratos bancários, bem como nos extratos eletrônicos disponibilizados, não há identificação da contraparte e o partido não anexou aos autos quaisquer comprovantes bancários de pagamento. Além disso, a comprovação desses gastos não foi feita através de notas fiscais (números 1 a 24 da tabela acima). Quanto ao item de número 25 da tabela acima,(…)

Assim sendo, consideram-se irregulares os pagamentos efetuados com Fundo Partidário acima descritos, no montante de R$ 45.505,59 (item 2), representando 33,3% dos valores despendidos com esse tipo de recurso, sujeitos à devolução ao Erário conforme determinação do artigo 59, §2º5 ; da Resolução TSE 23.546/2017.

Portanto, resta claro que fora expressamente realizada a anotação desde o primeiro exame das contas, no sentido da carência de comprovação do pagamento dos gastos, não se podendo afirmar que houve reconhecimento da idoneidade, mesmo que tácita, dos documentos para comprovação da regularidade das despesas.

2.4 Fornecedor Crédito Real Imóveis – Itens 4, 7, 19, 22 e 25

Relativamente à falha envolvendo a empresa Crédito Real Imóveis, a unidade técnica identificou que a agremiação trouxe aos autos somente o comprovante de pagamento referente ao item 22 da tabela acima, com registro dos dados do beneficiário, pois no mais o partido apresentou meros boletos bancários acompanhados de descrição do serviço de locação de imóvel na Rua Riachuelo, 1038, Porto Alegre, sem juntar o contrato de locação.

Destaco a pertinente manifestação do Procurador Regional Eleitoral quanto à indispensabilidade da apresentação dos instrumentos de contrato:

De regra, os contratos de locação de imóvel são acostados para fazer prova dessa despesa. No presente caso, não foi juntado o contrato. A juntada do contrato de locação se faz importante, inclusive, para que se saiba quem é o locador, considerando que são tidas por irregulares os gastos com recursos públicos (Fundo Partidário) com locações de imóveis em que figura como locador o próprio dirigente partidário, pois afronta os princípios da impessoalidade, economicidade e eficiência, consoante a jurisprudência atual do TSE. A juntada apenas de boletos de pagamento à imobiliária, sem identificação do locador não atende à transparência que se espera em prestações de contas de recursos do Fundo Partidário.

No que toca ao pagamento elencado como item 25, não foi apresentado o suposto beneficiário do pagamento, exatamente a empresa Crédito Real Imóveis, mas sim “Silveira e Vargas Sociedade de Advogados”, e a justificativa do partido, no sentido de que “por estar em atraso em cobrança extrajudicial, foi pago ao advogado procurador da imobiliária administradora dos imóveis”, não merece acolhida, pois não há nos autos instrumento de cessão de crédito ao profissional da advocacia ou qualquer outro documento que demonstre um mínimo de coerência jurídica do afirmado.

Tratando-se de "advogado procurador da imobiliária" é certo que a beneficiária haveria de continuar sendo a empresa Crédito Real Imóveis.

Nesse norte, impõe-se manter o reconhecimento das irregularidades listadas na tabela presente na abertura do item 2, no montante de R$ 45.505,59 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinco reais com cinquenta e nove centavos).

3. Recebimento de verbas de fontes vedadas

No presente tópico, a análise técnica verificou nos extratos bancários relativos à Conta 687074204, Agência 100, Banco 41, contribuições oriundas de pessoas físicas que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário durante o exercício do ano de 2019.

Conforme dados extraídos da tabela integrante do parecer conclusivo presente nos autos, verifico que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul consta como vínculo empregatício de todos os contribuintes, e que as doações foram realizadas no curso do exercício de 2019, em montante de R$ 68.882,00.

Nomino os doadores e cargos ocupados:

- Andrea de Vasconcellos Pinheiro, Assessor IV (D/A) e Assessor Superior I;

- Antonio Alexis Trescastro da Silva, Assessor III;

- Bruna Mena Bueno, Assessor III (D/A);

- Eliane Marin, Assessor I (D/A);

- Eloisa Almeida Da Silva, Assessor IV (D/A);

- Ieda Cristina Martelete De Martinez Risco, Assessor I (D/A);

- Lauricio Martins Madruga Terlan, Assessor I;

- Leila Maria Da Silva Chiden, Assessor Iv (D/A) e Diretor Do FDDR;

- Leonardo Dos Santos Lages, Assessor V;

- Marcelo Miguel Viana, Assessor I (D/A);

- Marcelo Silva Da Rosa, Assessor I, Assessor IV;

- Marizete Peret, Assessor IV;

- Marta Helena Coteskvisk Motta, Assessor I (D/A);

- Mauricio Soares Schleder, Assessor VI (D/A);

- Pamela Concilio Reis, Assessor I;

- Paulo Eliseo Baptista Da Silva, Chefe De Gabinete;

- Ramiro Augusto Farina, Assessor III, Assessor Superior I e Assessor VI;

- Ricardo Maciel, Assessor Superior II (D/A);

- Rogerio Brasil Ferrari, Assessor Especial III;

- Zaluar Dos Santos, Assessor III (D/A) e Assessor IV.

A situação encontra-se nitidamente a receber subsunção do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…) V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

O comando legal, aliás, foi regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.546/17:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...) IV - autoridades públicas.  § 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Indico que nenhum dos doadores elencados no rol teve a sua filiação comprovada, de forma que a situação não aproveita a alteração produzida pela Lei n. 13.488/17 no art. 31 da Lei n. 9.096/95, a qual prevê que as pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, podem realizar contribuições a campanhas eleitorais desde que filiadas a partido político.

Mesmo o reiterado argumento da agremiação, de insuficiência de tempo para verificar a existência da ficha de filiação dos contribuintes, sequer em tese a socorre, pois observo que os documentos referidos seriam inúteis pelo caráter unilateral que comportam, insuficientes para a comprovação do vínculo partidário, o qual somente é perfectibilizado por meio do registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (por exemplo, o RE n. 16-71.2019.6.21.0073, Rel. Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler. Julgado em 21.9.2020, unânime.)

Este é, também, o posicionamento do e. Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PROVA. DOCUMENTO UNILATERAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 20/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se acórdão unânime do TRE/SE em que se indeferiu o registro de candidatura do agravante, não eleito ao cargo de vereador de Arauá/SE em 2020, por ausência de prova de filiação partidária antes dos seis meses que antecedem o pleito (art. 9º da Lei 9.504/97). 2. Nos termos da Súmula 20/TSE, "[a] prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública". 3. No caso, conforme a moldura fática do aresto a quo, o candidato apresentou "relação interna do partido, ficha de filiação e declaração firmada pelo partido", documentos, contudo, insuficientes para comprovar o tempestivo ingresso nos quadros da grei. Precedentes. 4. De outra parte, concluir a respeito da regular filiação a partir de ata notarial, cuja transcrição exata não consta da moldura fática do acórdão regional, esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, não sendo possível o reexame fático–probatório em sede extraordinária. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060019096, Relator Min. Luis Felipe Salomão, DJE 30.06.2021) (grifei)

Ainda quanto ao presente item, o PTB sustenta não haver como considerar os contribuintes autoridades, pois seriam subordinados destituídos de poder de mando.

Contudo, esclareço que a discussão trazida perdeu objeto a partir da nova redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, acima referida. Colho trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o qual adoto expressamente como razões de decidir:

Nesse sentido, a redação atual do art. 31, inc. V, da Lei dos Partidos Políticos ao substituir a expressão “autoridade pública” por “pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.” ampliou a vedação inclusive para os cargos de mero assessoramento.

Ao estabelecer a proibição de que partidos políticos recebam recursos de pessoas que exercem função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou de cargo ou emprego público temporários, a regra em tela tem em vista a observância dos princípios constitucionais da Administração Pública, tais como a moralidade, pois impede que os cargos e funções na estrutura administrativa sejam transformados em moeda de troca, em autêntica compra ou aluguel do cargo público mediante a canalização, para o partido, de parte dos recursos públicos dirigidos à remuneração pelo trabalho do servidor; a eficiência, pois permite que o critério a conduzir a nomeação para as funções e cargos seja a competência ou aptidão para a atividade a ser desempenhada, e não o mero fato de o contemplado servir como fonte de custeio do partido; bem como a impessoalidade, seja na assunção, seja no desempenho do cargo ou função, respectivamente ao evitar o favoritismo na escolha ou manutenção apenas daqueles que verterão contribuições ao partido, bem como ao pautar a atuação pela aplicação isonômica da lei em prol do interesse público. Nessa via, a alteração no art. 31 da Lei 9.096/95, operada pela Lei n.º 13.488/2017, na parte em que inseriu o inciso V, atendeu aos princípios constitucionais em tela quando retirou o termo “autoridade” que havia no antigo inciso II, passando a permitir que detentores de cargos eletivos (e, portanto, de natureza política) efetuassem doações, porém incorporou e ampliou a interpretação conferida pelo TSE ao dispositivo anterior, de maneira a abranger na vedação aqueles que exercem funções e cargos públicos de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, pelo que a proibição não atinge mais apenas os exercentes de funções de chefia ou direção, senão também as atividades de assessoramento e outras. Neste ponto, a Constituição Federal não deixa dúvida de que os cargos e funções de livre nomeação e exoneração abrangem não apenas as hipóteses de chefia e direção, mas, igualmente, de mero assessoramento, conforme se extrai do seu art. 37, inc. V, in verbis:

Art. 37 (…) (...) V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Irregulares, portanto, as doações realizadas pelos ocupantes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, pois não comprovada filiação ao partido político.

Ainda, o recolhimento dos valores recebidos de fonte vedada é corolário lógico do ilícito, de maneira que a quantia de R$ 68.882,00 (sessenta e oito mil, oitocentos e oitenta e dois reais) deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

4. Ausência de comprovação do emprego de verbas do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

O parecer final da SAI apontou que a agremiação não comprovou os gastos com recursos do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, tendo concluído o órgão técnico que a documentação acostada não é suficiente para demonstrar a alegada finalidade, nos termos do art. 22, § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

§ 3º A aplicação de recursos a que se refere este artigo, além da contabilização em rubrica própria do plano de contas aprovado pelo TSE, deve estar comprovada mediante a apresentação de documentos fiscais em que conste expressamente a finalidade da aplicação, vedada a comprovação mediante o rateio de despesas ordinárias, tais como água, luz, telefone, aluguel e similares.

Sustenta a agremiação que as despesas se referem a reuniões e eventos do PTB Mulher, na sede da agremiação em Porto Alegre e no interior do Estado, estando comprovadas pelas notas fiscais totalizadas no valor de R$ 4.436,94.

Não há como acolher a argumentação, pois verifico que as notas fiscais são referentes a despesas com doces, salgados, bebidas e descartáveis, R$ 387,89 e R$ 769,00, hospedagem, R$ 215,00, combustível, R$ 145,00, fretamentos de ônibus, R$ 780,00 e R$ 1.400,00, confecção de banner, R$ 495,00, além de um recibo de transferência ao beneficiário PORTAL GULA IND COM LTDA, no valor de R$ 245,00.

Ora, os gastos não representam a finalidade da aplicação imposta pela norma de regência, não evidenciando a efetiva execução e manutenção das políticas de promoção a participação das mulheres na política, mas sim consubstanciam mero provisionamento contábil, prática reprovada pelo art. 18, § 3º, do diploma citado.

No ponto, o descumprimento legal tem previsão de transferência do valor não corretamente aplicado, nos termos do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

(…) V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 5o O partido político que não cumprir o disposto no inciso V do caput deverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Portanto, julgo que a quantia de R$ 4.436,94 (quatro mil, quatrocentos e trinta e seis reais e noventa e quatro centavos) deva ser transferida para a conta específica, nos termos do § 5º referido. Indico que a situação não redunda em aplicação de multa, consoante a Emenda Constitucional n. 117, de 5 de abril de 2022, que acrescentou os §§ 7º e 8º ao art. 17 da Constituição Federal.

5. Cominações Legais

Considerada a análise realizada, passo aos efeitos das falhas identificadas.

5.1. Verificadas irregularidades que comprometem a lisura da contabilidade, a desaprovação é medida que se impõe com base no art. 46, inc. III, al. ‘a’, da Resolução TSE n. 23.546/17;

5.2. Constatado o recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário em período em que a agremiação estava impedida de receber tal espécie de verbas, impõe-se a devolução ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 9.975,00;

5.3. Não comprovada a aplicação dos recursos oriundos do Fundo Partidário, deve ser recolhida ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 45.505,59, com fulcro no art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

5.4. Presente o recebimento e a utilização de recursos de fonte vedada impõe-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 68.882,00, nos termos do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

5.5. Ausente comprovação relativa à aplicação dos recursos do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a quantia de R$ 4.436,94 deve ser transferida para a conta específica, nos termos do § 5º do art. 44 da Lei n. 9.096/95, sem contudo a aplicação de multa, tendo em vista a redação do art. 17, §§ 7º e 8º, da Constituição Federal, acrescidos pela Emenda Constitucional n. 117, de 05 de abril de 2022;

5.6. Ocorridas irregularidades conforme detectado, em diversos graus de gravidade e no total de R$ 128.799,53, e levado em consideração o total de recursos do Fundo Partidário movimentados no exercício, R$ 692.342,00, entendo por fixar a multa prevista pelo art. 49, caput, da Resolução TSE n. 23.546/17 (art. 37 da Lei n. 9.096/95) no no patamar de 10%, ou seja, equivalente a R$ 12.879,95; 

5.7 A penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário representa consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, devendo incidir cumulativamente nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17. A jurisprudência utiliza os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade da sanção, com dosimetria de período de um a doze meses e, na hipótese, mostra-se razoável que a agremiação sofra a penalização de suspensão de repasse de quotas pelo período de 1 (um) mês, considerando que representatividade dos recursos provenientes de fonte vedada alcança 9,94% do total arrecadado.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO e, nos termos da fundamentação, determino:

a) o recolhimento do valor de R$ 124.362,59 (R$ 9.975,00+R$ 45.505,59 +R$ 68.882,00) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

b) a transferência da quantia de R$ 4.436,94, nos termos do § 5º do art. 44 da Lei n. 9.096/95;

c) o pagamento de multa de 10% sobre o montante irregular, perfazendo a quantia de R$ 12.879,95, com fundamento nos arts. 37 da Lei n. 9.096/95 e 49 da Resolução TSE n. 23.546/17; e

d) a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) mês, por aplicação analógica do § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, conforme entendimento deste Tribunal.