REl - 0600697-17.2020.6.21.0118 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/04/2022 às 14:00

VOTO

I. Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

II. Das Preliminares

II.1. Da Aplicação dos Efeitos da Revelia em Razão da Ausência de Impugnação Específica sobre os Fatos

O recorrente alega que as contestações apresentadas pelos investigados Rejane, Adriana e Joel são idênticas e genéricas, não deduzindo impugnação específica em relação aos fatos narrados na petição inicial. Assim, requer o reconhecimento da confissão, com a aplicação dos efeitos da revelia e da preclusão para a produção de provas.

Nos autos, porém, verifica-se que as contestações apresentadas por Joel (ID 44838612), Adriana (ID 44838617) e Rejane (ID 44838620) foram ofertadas de forma tempestiva e estão ancoradas na negativa dos fatos imputados, bem como na ausência de provas suficientes à caracterização dos ilícitos eleitorais, o que não equivale à ausência de impugnação das narrativas acusatórias.

Não bastasse, considerando que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral cuida de matérias de interesse público e indisponível, mormente em ações fundadas em práticas de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio, por meio das quais são tuteladas a legitimidade e normalidade das eleições e liberdade do exercício do voto, revelam-se inaplicáveis, nestas demandas judiciais, os efeitos da revelia, conforme disposto no art. 345, inc. II, do CPC.

Nesse sentido, o seguinte julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2018. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. RECURSO ORDINÁRIO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AIJE POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. JULGAMENTO CONJUNTO COM A AIJE Nº 0603024-56/DF. PROMESSAS DE RECONSTRUÇÃO DE CASAS DEMOLIDAS PELA AGEFIS E DE REFORMA EM CRECHES E ESCOLAS PÚBLICAS COM RECURSOS PRÓPRIOS. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA E DE AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO REJEITADAS. MÉRITO. CONFIGURAÇÃO DE PROMESSAS GENÉRICAS. INEXISTÊNCIA DE DISPÊNDIO DE RECURSOS PATRIMONIAIS. GRAVIDADE NÃO DEMONSTRADA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO.

[...].

3. Ausência de contestação dos fatos alegados na AIJE nº 0603024-56/DF, julgada em conjunto. Foi oferecida defesa em peças com conteúdo semelhante, ante a similitude das causas de pedir das ações julgadas em conjunto. Ademais não se perfaz a produção dos efeitos da revelia, em virtude dos interesses públicos indisponíveis e relevantes tutelados pela AIJE. Preliminar rejeitada.

[...].

(TSE - RO-El: 06029916620186070000 BRASÍLIA - DF, Relator: MIN. OG FERNANDES, Data de Julgamento: 27.8.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 215, Data 26.10.2020.) (Grifei.)

Por essas razões, rejeito a preliminar.

II.2. Da Aplicação dos Efeitos da Revelia em Razão da Intempestividade da Contestação

Em segunda preliminar, o recorrente afirma que a defesa comum de Gilmar, Luiz José, Carlos Henrique e Cesar Alberto foi apresentada de forma extemporânea, uma vez que os réus foram notificados, em 19.12.2020, do prazo de 5 (cinco) dias para contestar, o qual se iniciou em 21.01.2021, considerado o recesso judiciário, e findou em 25.01.2021. Contudo, a contestação somente foi apresentada em 26.01.2021, o que, segundo defende a agremiação, implicaria no não conhecimento da peça, nos efeitos da revelia e na preclusão defensiva.

De seu turno, o Juízo a quo entendeu pela tempestividade da contestação oferecida, fundamentando-se nos seguintes termos (ID 44838643):

Analisando-se os autos, verifica-se que os requeridos foram notificados para apresentarem defesa no prazo de 05 dias.

Outrossim, considerando que na legislação eleitoral não há disposição expressa acerca da contagem do prazo, aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil, de modo que o prazo para apresentação de defesa inicia com a juntada do último mandado cumprido.

Com efeito, verifica-se que os requeridos foram notificados em 19.12.2020, sendo os mandados juntados aos autos em 10.01.2021.

Ademais, tendo e vista a suspensão dos prazos processuais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, conforme disposto no artigo 220 do Código de Processo Civil, constata-se que o prazo para apresentação de defesa iniciou-se em 21.01.2021.

Doutra feita, consoante disposto no §2° do art. 7° da Resolução TSE n. 23.478/16, “os prazos processuais, fora do período definido no calendário eleitoral, serão computados na forma do art. 224 do Novo Código de Processo Civil”. O art. 224 do Código de Processo Civil, por sua vez, estabelece que, “salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento”.

Logo, o prazo para apresentação das defesas encerrou-se em 26.01.2021, motivo pelo qual estão tempestivas as contestações protocoladas em 25.01 e 26.01.

É acertada a conclusão da Magistrada a quo.

A juntada de carta AR é considerada um ato processual e, portanto, uma vez efetivada durante o recesso forense, previsto no art. 220 do CPC, deve ser considerada realizada no dia 21.01.2021, sendo o marco inicial para a contagem do prazo para a contestação o primeiro dia útil que se seguiu, ou seja, 22.01.2021.

No mesmo sentido, acosto decisão do egrégio TJ-RS:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA (IMÓVEIS). REVELIA AFASTADA. CONTESTAÇÃO APRESENTADA DENTRO DO PRAZO LEGAL. SUSPENSÃO DOS PRAZOS EM RAZÃO DO RECESSO FORENSE. ATO Nº 08/2014-OE. ART. 241, I C/C 297 DO CPC. As intimações e demais atos processuais realizados dentro do prazo de suspensão, em processos físicos ou eletrônicos, considerar-se-ão efetivados no primeiro dia útil seguinte ao último dia da suspensão. Juntada da carta AR de citação considerada efetivada em 21 de janeiro de 2015. Contestação tempestiva. Decisão reformada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO MONOCRATICAMENTE.

(Agravo de Instrumento Nº 70064486533, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: DES. GIOVANNI CONTI, Julgado em 11.5.2015.) (Grifei.)

Assim, o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de defesa encerrou-se no dia 26.01.2021, sendo, assim, tempestiva a peça apresentada.

Logo, a prefacial deve ser rejeitada.

II.3. Da Omissão da Sentença na Análise de Prova Acostada à Petição Inicial

A parte demandante, na exordial, consigna a juntada de “áudio enviado à eleitor pelo próprio NACK, oferendo transporte para o dia da votação, no dialeto próprio da região, mas traduzido pelo tradutor juramentado Otmar Hoffmann, matrícula n. 264, que certifica o oferecimento de transporte para eleitor no dia da eleição” (ID 44838562, pág. 7).

Na análise do ponto, a Magistrada sentenciante acolheu a manifestação do Ministério Público Eleitoral, lançada nos seguintes termos: “Quanto ao documento referido como tendo sido elaborado por tradutor juramentado (pag. 7 da inicial), referente à áudio enviado a eleitor pelo requerido Gilmar Fuhr não há indicação de sua juntada aos autos, tampouco do referido áudio”.

Diante disso, o recorrente assevera que as provas referidas foram efetivamente anexadas à petição inicial e constam nos autos e, por consequência, “resta nula a sentença por não se prestar a enfrentar todas as provas apresentadas nos autos, adotando manifestação que não corresponde com a veracidade do feito”.

Embora, de fato, tenha um equívoco na observação da Juíza sentenciante, pois a tradução juramentada foi efetivamente apresentada por ocasião da propositura da ação (ID 44838578), não há nulidade a ser declarada.

A narrativa do fato, em si, constou analisada na sentença em conjunto com as demais alegações articuladas e provas produzidas, não estando a decisão fundamentada exclusivamente na ausência do referido documento, consoante bem aduziu o Procurador Regional Eleitoral em seu parecer:

(...) o juízo de improcedência da ação quanto ao ponto do transporte de eleitores não se baseou apenas nesse elemento, senão em diversos outros, como a ausência de identificação dos eleitores que teriam sido transportados por terceiros até as seções eleitorais e das pessoas referidas nas conversas degravadas, a ausência de oitiva dessas pessoas e do motorista de aplicativo Eduardo Soares de Lima, a fim de esclarecer os fatos, bem como a ausência de identificação, na ata notarial, das pessoas que teriam trocado as mensagens.

Portanto, a omissão na análise da tradução juramentada não acarretou prejuízo às partes ou à cognição judicial, devendo ser afastada a declaração de nulidade, conforme prescreve o art. 219 do Código Eleitoral.

Da mesma forma, não vislumbro razão para devolver os autos à instância a quo, pois, ora reconhecida a oportuna apresentação do documento, a causa está madura para julgamento por este Colegiado, por incidência dos princípios da celeridade e da primazia do julgamento de mérito, aplicando-se o art. 1013, § 3°, do CPC.

Assim, rejeito a presente preliminar de nulidade da sentença.

II.4. Da Nulidade por Ausência de Manifestação do Ministério Público Eleitoral

O recorrente afirma a nulidade da sentença em razão da ausência de intervenção do Ministério Público Eleitoral em determinados momentos da marcha processual, deduzindo o seguinte:

Compulsando os autos, observa-se que não houve manifestação do Ministério Público Eleitoral em pontos cruciais do presente feito, como previamente ou logo após a distribuição da presente demanda, impedindo que o Ministério Público adotasse a postura mais adequada ao feito, fato que fulmina de nulidade a decisão proferida.

Ocorre que o procedimento previsto na LC n. 64/90 não preceitua a obrigatoriedade de vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral “previamente ou logo após a distribuição da presente demanda”.

Na hipótese, a atuação do Promotor de Justiça Eleitoral, na condição de custos iuris, ocorreu a partir da apresentação das defesas pelas partes demandadas (ID 44838642), sendo-lhe garantida a ciência e a oportunidade de manifestação em todas as demais etapas relevantes do curso processual.

Quanto à postura adotada pelo órgão ministerial em relação à produção de provas, colho a bem-lançada manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes:

O fato de o órgão ministerial apontar insuficiência probatória somente no seu parecer final diz respeito à independência funcional do seu representante, o qual preferiu, enquanto fiscal da ordem jurídica, permanecer equidistante das partes. Não pode a parte autora, pela via oblíqua de uma alegada omissão do Parquet, superar um ônus que lhe competia, consistente na comprovação dos fatos constitutivos do seu direito.

Desse modo, presente a intervenção do Ministério Público Eleitoral e não havendo prejuízo concreto à sua atuação, afasto a preliminar invocada.

III. Do Mérito

No mérito, o MDB de Presidente Lucena sustenta que a campanha eleitoral de 2020 dos candidatos GILMAR FUHR (conhecido como “Nack) e LUIZ JOSE SPANIOL (conhecido como “Lui”), respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeito eleitos de Presidente Lucena, e JOEL LUIS METZ, candidato a Vereador eleito, teria sido eivada de ilegalidades, fraudes e abusos de poderes político e econômico, praticados ou intermediados pelos ora recorridos, com utilização da máquina pública em benefício das candidaturas, captação ilícita de sufrágio, transporte de eleitores e despesas eleitorais não contabilizadas (“caixa 2”).

Passo à análise discriminada dos fatos imputados e das questões controvertidas.

III.1. Da Captação Ilícita de Sufrágio

A peça inicial narra a prática, por parte dos candidatos Gilmar Fuhr e Joel Luis Metz, de captação ilícita de sufrágio mediante a promessa de dinheiro, churrasco e carne a eleitores em troca do voto. Refere que a compra de votos teria sido executada pela Conselheira Tutelar Adriana Maria Weber, sob o comando dos candidatos citados, circunstância que estaria comprovada por meio das transcrições de áudio e pelas capturas de tela trazidas com a inicial, da postagem de eleitor no Facebook pedindo dinheiro e do áudio de eleitor afirmando a existência de compra de votos.

No primeiro áudio em questão, consta mensagem supostamente enviada por Ademir Hanssen para Denise Raquel Vogel Staudt, via whatsapp, assim registrado na ata notarial de ID 44838565:

Há um áudio, com duração de 7ss, recebido as 05:52, dito parte em português e parte em língue estrangeira, o qual esta Escrevente Autorizada não está apta a colocar nesta ata notarial. Kkkkkk (recebida 05:52). Há uma imagem recebida, às 05:56, o qual esta Escrevente Autorizada não conseguiu visualizar. Mas vai votar no 15 no domingo, né? (enviada 07:43). Eu, o Rambo faremos um ótimo trabalho em Presidente Lucena (enviada 07:44). Neste momento há um arquivo, em PDF, nomeado como Plano de Governo Prefeita e..., com 12 páginas, o qual o solicitante não quis inserí-lo na íntegra nesta ata notarial (enviada 07:44). Nosso plano de governo (enviada 07:44). Há um vídeo, enviado 07:44. Degravação do áudio: Voz masculina: “Mas com certeza Denise! Mas capaz que vou vota Nack. Tudo que ele me aprontou na prefeitura! Eles deram baixa de uma firma e botaram outra firma dentro dentro da empresa lá onde eu era sócio ainda. Capaz, isso é compra de voto que ele tá fazendo. Se eu publicar esse vídeo ali, ele ia se ferra! Mas eu não sou desse tipo! Mas pode ficar confiante, o meu candidato é vocês e o Airton. O Airton foi o único que me ajudou na crise que eu tava!” (áudio com duração de 32 ss, recebida às 07:46). Neste momento há trocas de 04 mensagens e 1 áudio, que a solicitante não deseja incluir na ata.

A tradução juramentada juntada ao ID 44838578 consigna a transcrição de outro áudio, que teria sido enviado pelo candidato Gilmar, em língua estrangeira, para Ademir: “Bom dia, Sr. Ademir. Tudo bem? Tudo certo para domingo? Eu tenho que ir te buscar ou tu mesmo vens de carro para votar?”.

Ouvido em juízo na condição de informante, Ademir Hansen declarou que possuía uma empresa na cidade de Presidente Lucena e, em 2017, teve que sair dela, sendo que, posteriormente, Gilmar e Sabrina autorizaram que outra empresa funcionasse no local. Afirmou que Gilmar tentou comprar seu voto e que Joel o convidou para ir a churrascos para comprar seu voto. Asseverou que Gilmar e Joel pagavam “coxa e sobrecoxa de noite para a população”. Disse que Gilmar lhe mandou um áudio “para me pegar lá em Dois Irmãos, onde eu tava morando, mas eu não precisava de transporte” e que Gilmar sempre tentou manter uma relação, uma proximidade com o depoente, apesar dos acontecimentos na Prefeitura que lhe causaram prejuízo. Indagado sobre guardar mágoas em relação a Gilmar, referiu que “tem que guardar mesmo”, pois ele botou outra empresa no prédio para desviar o lucro de sua empresa, com prejuízo que, se bem calculado, ultrapassaria quinhentos mil reais.

As gravações e transcrições trazidas aos autos não revelam, de forma cabal, a cooptação do voto mediante o oferecimento de vantagens. A referência mais contundente sobre os fatos imputados, consistente no trecho “(...) isso é compra de voto que ele tá fazendo. Se eu publicar esse vídeo ali, ele ia se ferra!”, não encontra suporte em quaisquer outros elementos probatórios e sequer há especificação sobre o conteúdo do suposto vídeo mencionado por Ademir.

Além disso, evidentemente foram omitidas as conversas prévias que conduziram aos áudios destacadas, de modo que não é possível depreender com segurança o contexto completo em que as mensagens foram enviadas.

Portanto, não corroboradas por outros elementos seguros de prova, as alegações de compra de votos mediante o oferecimento de vantagens advêm tão somente das declarações do informante Ademir Hansen, que diz ter recebido a oferta de churrasco e de carona em troca do voto e para não depor em desfavor do candidato Gilmar.

Ocorre que as afirmações, externadas mais como impressões pessoais do depoente do que como fatos precisos e delimitados, devem ser tomadas com cautela, tendo em vista o afirmado rancor mantido por Ademir em relação ao Prefeito Gilmar, consoante anotou a percuciente sentença:

Importante sublinhar que o depoimento do informante Ademir Hansen não se reveste de alta credibilidade, mormente porque ele menciona possuir mágoas do requerido Gilmar e que, no seu sentir, em razão de conduta que atribui a esse réu e a pessoa denominada Sabrina, teve prejuízo financeiro de quase quinhentos mil reais.

Sobre a atuação de Adriana Maria Weber, a ata notarial de ID 44838566 certifica o conteúdo de mensagens de texto e voz, extraídas do mesmo telefone de Denise Vogel, para a qual teriam sido encaminhadas por terceiro e atribuídas pelos recorrentes à ré Adriana, assim transcritas:

Encaminhada – e tenta avisar o Joel e o nak que eu fiz tudo certo … Fui em todos (enviada 14:05) Encaminhada – Ou é perigoso .. (enviada 14:05) Encaminhada – Oiii Boa noite eu vim agora do Cleiton ele não quis fazer vidio disse já vai te ligar (enviada 14:05) Encaminhada Os de estância confirmaram certo a mirian também mas o Cleiton tava meio chato kkkk disse que queria mais liga pra ele (enviada 14:05) Encaminhada – Não se dá pra ligar ainda pro nak (enviada 14:05) (…) Degravação do áudio: Voz feminina: “Viu Cléber eu não sei. Eu tinha mandado pro Cleiton, teu irmão. Ele disse que era pra mandar pra ti e logo apagar essa conversa eu não sei se isso ainda dá pra falar com Nak ou com o Joel as coisa ou melhor não. Só que o Cleiton, eu vim de lá agora. A Miriam tudo certo, mas o Cleiton, tá se bobeando, ele disse que ele tava esperando mais. Daí eu não sei! Eu não tenho mais pra… (ruído ao fundo)… não sei se tu quer ir lá conversar com ele, com o Cleiton… ou o que faze.” (áudio com duração de 21 ss, enviada às 14:05). Há Cleiton falou sobre rancho também vê isso também (…) (enviada 14:05). Há um áudio com duração de 6ss, enviada 14:05, o qual a solicitante não deseja incluir nesta ata notarial. Encaminhada – e pode avisar o prefeito tudo certo o bilao vem de uber o Joel vão pagar (encaminhada 14:05) Degravação de áudio. Voz feminina: “Tá, olha só a gente foi pra Estância Velha hoje de tarde. Eu fui lá na Rose então, que é mãe do Cleiton. O Douglas e a Daia vão vim hoje de noite dormi lá para vim amanhã de manhã com a Rose votar. Tá tudo certo! E o Bilão, daí… O Joel já combinou que vai pagar um “uber” pra ir lá buscar ele e daí a Miriam e o Cleiton eu foi agora ali. Mas daí a Miriam disse que é tudo certo e os outros também lá confirmaram que era tudo certo, pro Joel e pro Nack. E o Cleiton tava se bobeando um pouquinho porque ele disse que, hann… ele estava esperando ganhar mais. Dai então eu disse que eu da minha parte eu não podia fazer mais! Por isso que daí depois tu vai lá conversar com ele, tá?” (áudio com duração de 36ss, enviada às 14:05) (…) Existem 11 mensagens e 1 áudio, recebidas e enviadas, o qual o solicitante não deseja incluir nesta ata notarial.

Novamente, não é possível aferir as circunstâncias ou temas envolvidos nos diálogos, cuja autoria sequer restou confirmada pela ré Adriana, sendo certo que, nos trechos reproduzidos, não há nenhuma alusão aos termos voto e eleitor ou colocações equivalentes.

A petição inicial reproduz, ainda, um print de comentário postado pelo eleitor Pedro Verruck na página pessoal de Gilmar Fuhr no Facebook, dizendo o seguinte: “Boa tarde Nack e consegue me ajudar com um pouco de dinheiro pra mim” (ID 44838562, pág. 05).

Em defesa, os recorridos alegam que Luiz, concorrente ao cargo de vice-prefeito, respondeu com um comentário na publicação, no sentido de que a coligação e seus candidatos não pactuavam com esses favores, não compravam votos e não efetuavam troca de favores (ID 44838623, pág. 03).

Porém, a postagem aludida teria sido excluída pelo candidato Gilmar, por considerar a mensagem aviltante, e, solicitada recuperação de conteúdos ao Facebook Brasil Ltda., a empresa manifestou a impossibilidade técnica de fornecer publicações deletadas da plataforma (ID 44838679).

De todo modo, a prova oferecida pelos demandantes não indica qualquer tipo de ação ilícita do candidato, pois se trata de conduta de terceiro que realizou o pedido de ajuda financeira em mensagem para o perfil pessoal de Gilmar, não existindo indício mínimo de que o pedido tenha sido atendido sob a condição do voto.

A própria seriedade da oferta é duvidosa, por não se cogitar que tal tipo de negociação de compra de votos ocorra por meio de postagens públicas na internet, contexto que revela, em verdade, uma intenção provocativa ou jocosa de seu proponente.

Dessa forma, consoante bem concluiu a sentença quanto ao tópico, a configuração da prática de captação ilícita de sufrágio reclama prova concreta e inconteste, o que não ocorre no caso em comento, em que as imputações estão ancoradas em elementos frágeis e dúbios, preenchidos por ilações e presunções da parte demandante.

III.2. Do Transporte de Eleitores na Data do Pleito

Narra a petição inicial que os candidatos Nack e Joel teriam organizado e comandado o transporte de eleitores no dia das eleições por meio da utilização e pagamento do aplicativo “Uber”.

A imputação está baseada nos mesmos áudios referidos no tópico anterior e em áudios enviados pelo motorista contratado, estes últimos transcritos na ata notarial de ID 44838570, destacando-se o seguinte:

Dia 05 de dezembro de 2020: Degravação do áudio: Voz masculina: “Olha a última vez que eu fui para Presidente Lucena, eu levei os eleitor do vereador mais votado do meu partido, né! Ganhamos (pronúncia incompreensível) de novo, parece né?” (áudio com duração de 14ss, recebida às 16:19) Degravação do áudio: Voz masculina: “Nem conheço ele, foi indicação da Rejane. (Ruído ao fundo) Só fiz as corrida porque tinha uma graninha, senão não” (áudio com duração de 9ss, recebida às 16:20)

Mais uma vez, trata-se de elemento probatório isolado e frágil, pois não é possível depreender as circunstâncias em que a mensagem foi produzida e nem os demais aspectos fáticos em que teriam ocorrido as supostas conduções de eleitores afirmadas no áudio.

O motorista em questão, embora indicado na petição inicial como Eduardo Soares de Lima, não foi arrolado como testemunha na demanda.

Assim, o caderno probatório não traz referências mínimas acerca da identificação dos eventuais eleitores transportados. Igualmente, não é possível estabelecer uma vinculação entre os fatos e as partes ora recorridas, uma vez que não há certeza sobre o vereador, partido e, inclusive, sobre o pleito referidos na mensagem.

Nesse cenário, a menção à pessoa com o nome de “Rejane” resta estabelecida por mera presunção como sendo a recorrida Rejane de Fátima Rodrigues, agente de endemias e atuante na campanha de Gilmar, o que não confere, por si, suporte a um decreto condenatório.

Em relação à transcrição contida na tradução juramentada (ID 44838578), “Bom dia, Sr. Ademir. Tudo bem? Tudo certo para domingo? Eu tenho que ir te buscar ou tu mesmo vens de carro para votar?”, o próprio Gilmar, em contestação (ID 44838623, págs. 05-06), admite o envio dos dizeres, mas afirma que “estão fora de contexto e não expressam a verdadeira conversa realizada por dois amigos”.

De fato, não há clareza sobre as circunstâncias do diálogo, e a transcrição, isoladamente, não evidencia elementos que autorizem a conclusão de que houve uma ação doloso de cooptação ilícita do eleitor por meio de oferecimento de transporte para o exercício do voto.

Além disso, Ademir Hansen confirmou em juízo que, a despeito do rancor que nutria em razão dos prejuízos financeiros que atribuía à atuação do então Prefeito, Gilmar sempre tentou manter uma relação, uma proximidade com ele.

Desse modo, Ademir, qualificado como empresário local que já mantinha relações anteriores com Gilmar, não se apresenta no perfil próprio de um eleitor influenciável por meio da simples oferta de carona à seção eleitoral, tornando pouco plausível a narrativa contida na inicial, sem outros elementos probatórios de confirmação.

Dessa forma, a insuficiência de provas impõe a confirmação da sentença de improcedência quanto ao tema.

III.3. Da Distribuição de Alimentos com Recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar

Os recorrentes sustentam que a Administração Municipal reeleita fez uso eleitoral da distribuição de alimentos adquiridos com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), entregue em kits para os alunos e suas famílias, o que teria ocorrido somente a partir de setembro de 2020, “em razão de escolha administrativa para aguardar a suspensão definitiva das aulas, a ser determinada pela Associação De Municípios Do Vale Do Rio Dos Sinos (AMVARS)”.

Defendem, assim, que é “evidente que essa escolha, de absoluta natureza discricionária, da administração pública se deu exclusivamente com finalidades eleitorais, para ampliar a simpatia do eleitorado, utilizando a máquina pública em favor da campanha eleitoral”, caracterizando a conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 e abuso de poder político e econômico.

Ocorre que, conforme concluiu o Juízo a quo, “a distribuição de kits de alimentos a alunos ocorreu de forma excepcional em razão da pandemia advinda do coronavírus, pois as aulas não foram retomadas naquela oportunidade”, sendo necessário propiciar a mínima segurança alimentar aos estudantes em vulnerabilidade social, então privados das refeições no ambiente escolar.

A implementação das medidas está relatada nas atas do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), juntadas pelos demandados no ID 44838627, referentes a reuniões ocorridas em 14.9.2020, 09.10.2020, 06.11.2020 e 11.12.2020 em que são registradas a quantidade de kits entregues em cada unidade de ensino e os respectivos períodos, cabendo destacar os seguintes esclarecimentos sobre a seleção das famílias atendidas, consignados na ata n. 68, de 14.9.2020:

Devido à pandemia do novo Corona Vírus (COVID19), as aulas estão suspensas desde vinte e três de março de dois mil e vinte, como não se sabia a duração da paralisação das aulas, não havia a programação da distribuição dos kits alimentícios conforme orientação do FNDE. Em primeiro momento foi realizado um levantamento junto ao CRAS da cidade e com o estoque das escolas foram distribuídos kits as famílias dos alunos que estão em vulnerabilidade. Ao passar dos meses e ainda sem previsão de retorno, no mês de setembro, foi realizado um questionário para os alunos da rede municipal, respondido por pais ou responsáveis manifestando o interesse em receber ou não um kit alimentício o qual tem caráter informativo a fim de analisar a situação das famílias dos alunos da rede municipal, tendo por hora o total de 224 (duzentos e vinte e quatro) interessados e 151 (cento e cinquenta e um) não interessados. (…). Os membros presentes concordam com a distribuição dos kits que será feito em cada escola com a presença de um membro do CAE. Conforme a orientação do FNDE, os kits só podem ser distribuídos em caso de suspensão de aulas, caso retornem não serão distribuídos.

A Procuradoria Regional Eleitoral, com propriedade, destaca que a distribuição direta dos kits de alimentos, originariamente destinados à merenda escolar, encontra respaldo no art. 21-A da Lei n. 11.947/09, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar, com as alterações trazidas pela Lei n. 13.987/20, de 07.4.2020, in verbis:

Art. 21-A. Durante o período de suspensão das aulas nas escolas públicas de educação básica em razão de situação de emergência ou calamidade pública, fica autorizada, em todo o território nacional, em caráter excepcional, a distribuição imediata aos pais ou responsáveis dos estudantes nelas matriculados, com acompanhamento pelo CAE, dos gêneros alimentícios adquiridos com recursos financeiros recebidos, nos termos desta Lei, à conta do Pnae. (Incluído pela Lei n. 13.987/20)

Os demandados noticiam, ainda, que, com base no mesmo art. 21-A da Lei n. 11.947/09 e na Nota Pública n. 01/2020 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (ID 44838624), em 13.4.2020, o Ministério Público Estadual endereçou ofício à Prefeitura com a seguinte recomendação (ID 44838630):

a) o encaminhamento dos alimentos já adquiridos, especialmente os perecíveis, a fim de que sejam consumidos no período de isolamento social para os alunos de rede de ensino ou da escola, priorizando aqueles em comprovada vulnerabilidade;

b) quanto aos novos alimentos a serem adquiridos durante o período de suspensão das aulas, assim como os recursos (estaduais ou municipais) a serem disponibilizados à alimentação escolar durante esse período, que seja feito o acompanhamento junto às redes de ensino, especialmente quanto à forma de distribuição, primando-se pela garantia da segurança alimentar dos alunos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social.

Em resposta, a Prefeitura de Presidente Lucena emitiu, na data de 13.4.2020, o ofício n. 19/2020 à Promotoria de Justiça (ID 44838631), no qual informa que, “ao final das aulas (em 23 de março de 2020), contávamos unicamente com poucos litros de iogurte e algumas dúzias de ovos, os quais corriam o risco de estragarem durante a suspensão das aulas”, assim, “optou-se por fazer uma doação deste material ao Hospital São José – Ivoti/RS, (...), já que constantemente necessita de doações de alimentos para seus pacientes”.

A documentação acostada, portanto, revela que a distribuição direta de kits de alimentos aos estudantes em situação de vulnerabilidade social teve amparo no art. 21-A da Lei n. 11.947/09 e em recomendações do Ministério Público, bem como que a não execução da medida entre março e setembro deveu-se à indisponibilidade de estoques nas escolas públicas e em razão de cautela de se aguardar uma definição sobre possível retorno das aulas, quando a utilização dos produtos ocorreria nos próprios refeitórios escolares.

Dessa forma, não há evidências de que a distribuição de alimentos tenha se apartado das normas que disciplinavam a política pública, inclusive em relação à seleção das famílias, ou que tenha sido realizado o uso promocional ou eleitoreiro da política assistencial.

Inclusive, consta que, em mais de uma oportunidade, a doação dos itens com risco de perecimento imediato não foi realizada diretamente a cidadãos, mas direcionada a uma instituição hospitalar localizada em município vizinho (Hospital São Jose de Ivoti/RS), reforçando a ausência de exploração eleitoral das medidas implementadas.

Assim, não estando configurada a prática de conduta vedada ou abuso de poder, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em relação ao ponto.

III.4. Da Utilização de Veículo Adquirido Irregularmente pela Prefeitura para Fins Promocionais

No tópico, a peça inicial relata que a Administração Pública de Presidente Lucena adquiriu veículo van Spinter em desconformidade com o respectivo edital licitatório, pois recebido sem emplacamento, e, em violação do art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, realizou a divulgação da sua entrega nas redes sociais de agentes públicos simpatizantes do governo, quais sejam, Rejane de Fátime Rodrigues Arnold, Cesar Karlink e Carlos Henrique Schaeffer, respectivamente, agente de endemias, Secretário de Administração e Secretário de Obras e Serviços Públicos, em postagens “curtidas” por Gilmar Luiz, demonstrando o inequívoco conhecimento da prática.

A prova oferecida resume-se aos prints de compartilhamentos, realizados em 14.11.2020, nos perfis pessoais no Facebook de Carlos Henrique Schaeffer (ID 44838562, pág. 12) e de Cesar Karling (ID 44838571) acerca de uma publicação de Rejane Arnold, de 13.11.2020, com os dizeres: “O Município de Presidente Lucena adquiriu uma van sprinter nova para transporte de pacientes para consulta e exames aos hospitais de Porto Alegre e região”, acompanhada de fotos do veículo, aparentemente estacionado na via pública e sem placas.

Em relação à alegada inobservância das condições do edital, que prescrevia a entrega do bem licenciado e emplacado, julgo que, com acerto, entendeu a sentença que a simples fotografia do veículo sem placa representa “subsídio frágil, inclusive, para se afirmar que a entrega da van ocorreu nestes moldes” e que, mesmo que admita tal situação, “crível que a conjuntura epidemiológica decorrente do novo coronavírus acarretou necessidade de emprego de maior agilidade nessa contratação, sobretudo, em município que necessita de apoio de cidades limítrofes para procedimentos médicos, haja vista a ausência de estrutura hospitalar local para tanto”.

De toda sorte, constata-se que as publicações questionadas ocorreram em perfis pessoais de apoiadores dos candidatos no Facebook, não se percebendo a utilização de recursos públicos e nem instrumentos custosos de produção, além de um texto simples e fotografias que poderiam ser obtidas por qualquer pessoa com um smartphone comum.

De seu turno, o recorrente alude ao art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

A previsão legal busca resguardar a isonomia entre os candidatos, vedando aos agentes públicos não a execução de programas sociais, mas o seu uso promocional, ou seja, a distribuição de bens ou serviços públicos com desvio de finalidade, para beneficiar candidaturas.

Assim leciona José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 13ª ed., 2017, p. 697) sobre o tema:

Para a configuração do vertente inciso IV, é preciso que o agente use “distribuição gratuita de bens e serviços” em prol de candidato. Aqui não se trata de reprimir a distribuição em si mesma, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela se faça. Não se exige que durante o período eleitoral o programa social antes implantado seja abolido, ou tenha interrompida ou suspensa sua execução. Relevante para a caracterização da figura em exame é o desvirtuamento do sentido da própria distribuição, a sua colocação a serviço de candidatura, enfim, o seu uso político-promocional.

Isso posto, não há nos autos elementos mínimos de que os responsáveis pela postagem e pelos compartilhamentos, ainda que servidores públicos, tenham se utilizado da máquina administrativa, com a distribuição gratuita de bens e serviços sociais, com fins precipuamente eleitorais.

Nesse trilhar, a simples divulgação das realizações do Governo e o pedido de voto em período de campanha, realizada em páginas pessoais de candidatos ou de eleitores, voltada à exaltação de determinada candidatura por suas qualidades e conquistas pretéritas, sem que tenha havido a efetiva distribuição eleitoreira de bens ou serviços, não é apta à configuração de conduta vedada em tela.

No mesmo sentido, colaciono julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISO IV DA LEI 9.504/97. ALEGADO USO PROMOCIONAL DE SERVIÇO DE CARÁTER SOCIAL POR SE TER DIVULGADO NO FACEBOOK PARTICIPAÇÃO EM AULA INAUGURAL DE CURSINHO SUBVENCIONADO PELO PODER PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS DELINEADOS NO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE TENHA HAVIDO DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS E SERVIÇOS DE CARÁTER SOCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO, PELOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DESCRITOS NO ACÓRDÃO REGIONAL, DA PRÁTICA DO ILÍCITO ELEITORAL COGITADO. RECURSO ESPECIAL DE MARCUS TESSEROLLI E OUTRO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO.

1. Tem-se, como alegação central, que foi divulgada na página do Facebook do então Prefeito, candidato à reeleição em 2016, sua participação em aula inaugural de cursinho pré-vestibular subvencionado pela Prefeitura, mas sem se ter demonstrado a ocorrência de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social. A jurisprudência deste Tribunal Superior exige o uso promocional de efetiva distribuição de bens e serviços custeados pelo Poder Público, (...) não cabendo ao intérprete supor que o Legislador dissera menos do que queria (REspe 857-38/GO, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 22.10.2015.).

2. Considerando-se a moldura fática delineada no acórdão do egrégio TRE do Paraná, é possível a revaloração jurídica do que nele consignado, sem que isso importe em reexame da prova produzida no processo.

3. O mero ato de divulgar a participação em aula inaugural de cursinho pré-vestibular subvencionado pela Prefeitura, já implantado desde 2009, sem que tenha havido a efetiva distribuição de bens ou serviços, não encontra adequação típica à norma descrita no inciso IV do art. 73 da Lei 9.504/97 nem se confunde com a prática de atos tendentes a afetar a isonomia entre os candidatos, nos termos do que dispõe o art. 73 da Lei das Eleicoes (Lei 9.504/97).

4. Inexistem, neste caso, elementos probatórios que deem suporte à procedência da Representação pela conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleicoes, que tem por consequência as severas penas previstas nos §§ 4º e 5º do mencionado artigo.

5. Dá-se provimento ao Recurso Especial para julgar improcedente o pedido formulado na Representação, tornando sem efeito as multas aplicadas.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25651, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 209, Data 27.10.2017, p. 76.) (Grifei.)

De igual forma, não se tratando de divulgação em página oficial e não havendo comprovação de custeio por meio de recursos públicos, não há espaço para caracterizar as divulgações combatidas como publicidade institucional, nos limites do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, consoante já sedimentado na jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO EM PERFIL PARTICULAR DE REDE SOCIAL. UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

[...].

2. O desequilíbrio gerado pelo emprego da máquina pública é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/97, que objetiva assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

3. A veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada nos três meses que antecedem as eleições (art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/97).

4. É lícito aos cidadãos, inclusive os servidores públicos, utilizarem–se das redes sociais tanto para criticar quanto para elogiar as realizações da Administração Pública, sem que tal conduta caracterize, necessariamente, publicidade institucional.

5. Da moldura fática do acórdão regional se extrai que: (i) houve divulgação de realizações do governo municipal, por meio de fanpage gerenciada pelo primeiro agravado, servidor público, fora do seu horário de trabalho; (ii) não há notícia do emprego de recursos ou equipamentos públicos para a produção e divulgação das postagens, integralmente feitas sob responsabilidade do agravado, inclusive no que diz respeito à digitalização de encarte distribuído pela Prefeitura antes do período vedado; e (iii) inexiste prova de que tenha havido o uso de algum artifício nas postagens impugnadas que permitisse caracterizá–las como redirecionamento dissimulado de publicidade institucional autorizada ou mantida por agente público em período vedado.

6. Acertada, portanto, a conclusão de que tal conduta está protegida pela liberdade de expressão (arts. 5º, IV e IX, e 220 da Constituição Federal) e não configura publicidade institucional.

[...].

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 37615, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 74, Data 17.4.2020.)

Assim, a simples promoção das realizações de Governo na área da Saúde, sem qualquer condicionamento ao voto, distribuição de benefícios ou utilização da máquina administrativa e de recursos públicos na produção das peças, não tem o condão de configurar condutas vedadas ou, mesmo, abuso de poder político.

Portanto, deve ser integralmente mantida a sentença que julgou improcedente a ação em relação ao presente tópico.

III.5. Do Uso da Página Oficial do Município para Propaganda Eleitoral e Propaganda Institucional em Período Vedado

No aspecto, as razões recursais limitam-se a reafirmar a utilização de duas páginas oficiais da Prefeitura para a realização de publicações ilícitas com fins eleitorais, argumentando o seguinte:

Ao contrário do que entendeu a Magistrada, houve sim a utilização de duas plataformas da Prefeitura para veiculação de obras inauguradas ou iniciadas durante o período eleitoral, questão que sempre restou amplamente divulgada pela página da Coligação impugnada, embora o Facebook não tenha trazido esclarecimentos acerca do episódio, na medida em que as postagens restaram deletadas, a prova colhida dá conta da utilização da página oficial do Município para Propaganda Eleitoral.

Contudo, os links apontados pelos demandantes não estão mais disponíveis e, sem terem sido certificados por ata notarial ou acautelados pelos demandantes por outros meios, não puderam ser recuperados pela empresa Facebook Brasil Ltda. (ID 44838679).

De seu turno, os prints de postagens trazidos ao ID 44838576, publicados na página da Prefeitura de Presidente Lucena, envolvem informações de interesse público relacionadas ao enfrentamento da pandemia de Covid-19, divulgadas em 24 de março e em 02 de dezembro, portanto, fora do período vedado estipulado pelo art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97.

As demais publicações reproduzidas no documento foram veiculadas em páginas de pessoas físicas ou da Coligação, ou seja, sem cunho oficial, abordando o asfaltamento de ruas, com enaltecimento e informações acerca das realizações dos gestores públicos em campanha pela reeleição.

Não se verifica nas peças qualquer influência do poder econômico ou político apta a afetar a igualdade de condições entre os candidatos, pois a divulgação de postagens por rede social é meio acessível a qualquer candidato, bem como, da mesma forma, as informações e imagens colhidas estão disponíveis ao público em geral, tanto para tratamento elogioso quanto para a crítica negativa, não havendo, portanto, utilização da máquina pública para fins de promoção dos representados.

Desse modo, promovidas em sítios particulares, não havendo demonstração do emprego de recursos ou equipamentos do Município para a produção e divulgação das aludidas postagens, trata-se de exercício da liberdade de manifestação e de propaganda eleitoral, o que não se confunde com a divulgação de publicidade institucional em período vedado, consoante análise realizada no tópico anterior.

De seu turno, a ata notarial juntada ao ID 44838568 apresenta duas publicações, efetuadas por Luiz José Spaniol, em sua página pessoal no Facebook, com os seguintes dizeres:

15 de agosto de 2020

Bom dia! Poderá haver falta de água em Linha Nova Baixa por falta de luz na localidade! Mas o problema está se resolvendo já entrei em contato com a gerência da RGE Elizandra e a equipe já está no local! Deixo aqui meu agradecimento e a compreensão dos moradores e a agilidade da gerente Elizandra!

7 de setembro de 2020

Bom dia! Queremos informar o pessoal do centro que tem falta de água por que a bomba queimou! Nós pedimos desculpas pelo transtorno de falta de água! O problema vai ser resolvido! É um pouco mais demorado por que tem que vir uma equipe de foram com um caminhão guincho para retirar a bomba! Estamos fazendo o possível! Um abraço a todos e um bom feriado!

Como se percebe, trata-se de publicações com avisos de interesse geral e imediato relativamente a interrupções no fornecimento de energia e água em razão de imprevistos técnicos, divulgadas mais de dois meses antes das eleições e sem quaisquer referências ao pleito, expressões de cunho eleitoral ou de promoção de pessoas e feitos da Administração Pública.

Desse modo, o conteúdo veiculado não configura publicidade institucional e sequer propaganda eleitoral, bem como não demonstra aptidão para gerar qualquer desequilíbrio ao pleito ou vantagem eleitoral indevida aos candidatos recorridos.

Em sequência, cumpre destacar a publicação realizada no sítio da Prefeitura, no Facebook, em 02.10.2020, com o seguinte conteúdo acompanhado de uma foto de um contêiner para descarte:

Já está à disposição da comunidade, o contêiner de descarte de colchões, sofás, móveis, eletrônicos, eletrodomésticos, utensílios velhos, plásticos, ferros.

O container está localizados no pátio junto a Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal, e estará disponível até o dia 09 de outubro e 2020.

Colabore com o meio ambiente dando destino correto aos materiais que já não tem mais utilidade.

Lembrando que lâmpadas fluorescentes NÃO devem ser depositados no lixo comum e nem no contêiner.

Lâmpadas fluorescentes, pneus e embalagens de agrotóxicos deve ser devolvidos para o local onde foi feita a compra.

As lojas/agropecuárias devem encaminhar os materiais para os fabricantes para descarte correto.

Embora tal publicação tenha sido efetivamente realizada por meio de página oficial de Prefeitura e dentro do período vedado para publicações institucionais, julgo que prevaleceu o caráter informativo, urgente e de utilidade pública do comunicado, sem gravidade sobre regularidade e legitimidade do pleito.

Quanto ao aspecto, adoto a manifestação trazida no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto à segunda publicação, em que pese tenha sido realizada pela Prefeitura Municipal em sua página no Facebook durante o período vedado, visto que realizada em 02.10.2020, possui, igualmente, conteúdo informativo que possuía urgência na divulgação, vez que tratava de informar à população que estava sendo disponibilizado, até o dia 09 de outubro (ou seja pelo prazo de 7 dias a contar da publicação), um container para descarte de colchões, sofás, móveis, eletrodomésticos, utensílios velhos, plásticos, ferros. Em que pese a alínea “b” do inc. VI do art. 73 da LE prever autorização judicial para essas hipóteses, já que não se trata de publicidade relacionada à pandemia de COVID-19 no ano de 2020 (art. 1º, § 3º, inc. VIII, da EC 107/2020), o certo é que não há dúvida de que havia necessidade de informar com urgência à população quanto ao referido serviço de utilidade pública, ante o curto espaço de tempo que estaria disponível.

Logo, não vislumbro motivos para a reforma da sentença quanto aos fatos em análise.

III.6. Da Realização de Despesas não Contabilizadas em Campanha – Caixa 2

Os recorrentes sustentam que, na campanha de Nack e Lui, houve o pagamento de despesa eleitoral com jingle de campanha contratado anteriormente ao período autorizado pela legislação eleitoral e pago por terceiro, mas declarado como doação estimável em dinheiro do próprio profissional contratado, configurando a utilização de “caixa 2” de campanha, a atrair a consequência prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, qual seja, a cassação do diploma dos candidatos envolvidos.

O dispositivo legal suscitado pelos demandantes requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, por meio da burla às regras de arrecadação e gastos eleitorais, com rompimento grave da normalidade do pleito.

Sobre o tema, leciona Marcílio Nunes Medeiros (Legislação Eleitoral Comentada e Anotada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 869) :

Para a procedência da representação baseada no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, o TSE exige não apenas a demonstração da ilicitude na arrecadação ou gastos, como também que o ilícito ostente gravidade ou relevância jurídica para justificar a aplicação da sanção, levando em consideração no julgamento o contexto da campanha e os valores envolvidos na irregularidade.

No mesmo sentido, a jurisprudência do TSE enuncia que a incidência das consequências jurídicas dispostas no art. 30-A da Lei das Eleições exige não apenas ilegalidade na forma de arrecadação e gasto, mas a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a lisura e a moralidade das eleições:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. ARRECADAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE SUFICIENTE PARA MACULAR A LISURA DO PLEITO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA REPRESENTAÇÃO, AFASTANDO-SE A CASSAÇÃO DO MANDATO DO RECORRENTE.

1. O art. 30-A da Lei das Eleições visa coibir práticas ilícitas relativas ao uso de recursos financeiros em campanhas eleitorais que possam acarretar o comprometimento da lisura do pleito e o desequilíbrio entre os candidatos na disputa.

2. A relevância jurídica dos fatos impugnados, ou a gravidade deles, é balizadora da incidência da severa penalidade de cassação do diploma de candidato eleito, razão pela qual o ilícito descrito no indigitado art. 30-A não se confunde com irregularidades contábeis apuradas em processo próprio de prestação de contas, as quais, se detectadas, ensejam, naquela seara, as consequências apropriadas.

3. É assente neste Tribunal Superior que a doação eleitoral, realizada por pessoa física sem capacidade econômica, configura captação de recursos de origem não identificada, apta a caracterizar o ilícito inscrito no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, desde que o fato consubstancie ilegalidade qualificada ou possua relevância jurídica suficientemente densa para macular a lisura do pleito. Precedentes. Na hipótese dos autos, a arrecadação de recursos de origem não.

4. Na hipótese dos autos, a arrecadação de recursos de origem não identificada no valor de R$6.000,00 (seis mil reais), afigura-se inapta para atrair a reprimenda contida no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, visto que não se verifica a gravidade da doação ilegal no contexto da campanha eleitoral. Com efeito, embora reprovável, a irregularidade não repercute substancialmente no contexto da campanha para vereador na cidade de São Paulo, a ponto de violar o bem jurídico tutelado pela norma proscrita no art. 30-A e, via de consequência, acarretar a cassação do diploma/mandato do candidato. 5. Recurso especial provido, para julgar improcedente o pedido formulado na representação e afastar a sanção de cassação do diploma, imposta a Camilo Cristófaro Martins Júnior.

(TSE - RESPE: 00017955020166260001 SÃO PAULO - SP, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 18/06/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 25/08/2020, Página 180) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA DE PROVA DO DESEQUILÍBRIO DO PLEITO ELEITORAL. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESPROPORCIONALIDADE DA CASSAÇÃO DO DIPLOMA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Na conformação da conduta ao art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, deve-se levar em consideração a relevância jurídica do ilícito no contexto da campanha, orientando-se pelo princípio da proporcionalidade. 2. A cassação do diploma com fundamento no dispositivo exige ilegalidade qualificada, marcada pela livre vontade do candidato em evitar o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, extrapolando o universo contábil a ponto de comprometer a normalidade das eleições. 3. As circunstâncias dos autos, antes de revelarem má-fé do candidato, apontam para mera desorganização contábil da campanha e/ou da empresa, caracterizada a confusão patrimonial entre pessoas físicas, sócias-proprietárias de rádio, e a empresa.4. No caso concreto, a desaprovação das contas de campanha constitui sanção suficiente e adequada ao ilícito verificado, afigurando-se desproporcional a cassação do diploma. 5. Recurso ordinário desprovido.

(TSE - Recurso Ordinário nº 1239, Acórdão, Relator designado: MIN. GILMAR MENDES, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 03/08/2018) (Grifei.)

Do acervo probatório em relação ao ponto, tem-se a ata notarial de ID 44838567, na qual se registra a mensagem de áudio, enviada, por meio de whatsapp, para Denise Vogel pelo contato nomeado como “Mauricio Lima – Rainha Musical”, com o seguinte conteúdo:

Dia 28 de agosto de 2020: Degravação do áudio: Voz masculina: “Denise, tudo bem? Hann…. Que é que eu vou te falar. O, o Edu me ligou e me fechou comigo tá? Pra mim fazer do outro candidato, ai. Ééé… que vai ser teu concorrente. Como cê não tinha me mandado nada, né, eu tô precisando disso pra mim ai, eu fechei com ele dai já, até já me depositou. O que é que eu posso fazer pra ti a música aí. Se você gostou tá pronta, eu posso arrumar um outro cara pra canta, sabe? Um outra pessoa pra cantar, ou daqui a pouco você, você curtiu, quiser fazer … não Mauricio faz a letra e aí consegue alguém pra cantar pra mim … eu posso conseguir pra ti tá? Só que essa versão que eu fiz ali ainda não vai… ai não vou conseguir gravar pra ti agora, tá? Um abraço. Tamo junto!” (áudio com duração de 46ss, recebida às 14:45).

 

Conforme a narrativa constante na inicial, a gravação demonstra que o músico Maurício Lima, então procurado pela candidata Denise para a produção de jingle no final de agosto, informou que já havia sido contratado e pago pelos candidatos adversários, em momento em que isso não era permitido, uma vez que a movimentação financeira de campanha somente foi permitida a partir do dia 31 daquele mês, após a obtenção do número de registro de CNPJ do candidato e a abertura de conta bancária específica.

A pessoa referida na gravação como “Edu” é identificada pelos demandantes como sendo Eduardo Arnecke, produtor de eventos para atuou na campanha de Nack e Lui.

Consultando-se as informações disponíveis no sistema de divulgação de contas eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87505/210000747625), observa-se que o candidato Gilmar Nack declarou o recebimento de “doação do serviço de produção de jingle de campanha” de Maurício dos Santos Lima, no valor estimado de R$ 1.000,00, em 12.11.2020.

Igualmente, constata-se que o total de recursos declarados pelo candidato alcançou R$ 10.191,00; quantia que se posiciona na média alcançada pelos demais concorrentes ao pleito majoritário no Município, considerando-se que Denise Vogel registrou um recebimento total de R$ 12.112,60 e Éder de Carvalho contabilizou o somatório de R$ 7.511,65.

Postas essas circunstâncias, a simples mensagem de áudio enviada pelo fornecedor do serviço, referindo que já foi procurado e pago pelo candidato adversário, como forma de justificar a recusa ao trabalho em prol de outra campanha, não demonstra de forma extreme de dúvidas o manejo de recursos não informados às contas e a sua efetiva gravidade sobre o pleito.

Além disso, os possíveis envolvidos no fato, Eduardo Arnecke e Maurício Lima, sequer foram arrolados como testemunhas pela parte autora, o que, conforme bem referido na sentença, “denota a fragilidade probatória neste ponto”.

Ainda que se considere, por hipótese, a existência de ilícito nas contas dos recorridos, a irregularidade não se reveste de relevância jurídica e nem gravidade suficientes para implicar a cassação dos diplomas.

Registro, ainda, que as contas eleitorais de Gilmar Fuhr e Luiz José Spaniol foram julgadas aprovadas por sentença transitada em julgado em 10.02.2021 (processo n. 0600607-09.2020.6.21.0118).

Assim, diante dos valores absolutos diminutos envolvidos na suposta falha (R$ 1.000,00), alcançando apenas 9,8% das receitas totais de campanha, bem como a natureza do objeto da operação, jingle de campanha, incapaz de, por si, afetar a regularidade ou isonomia do pleito, não se mostra razoável a aplicação de penalidade tão gravosa quanto a cassação de diplomas, nem se amolda a quantia em questão à hipótese de abuso do poder econômico ou político.

Por tais razões, também se impõe a manutenção da sentença de improcedência da demanda em relação ao tópico.

III.7. Da Utilização de Agentes Públicos em Campanha Eleitoral no Horário de Expediente

Conforme constou nas razões recursais, Rejane de Fátime Rodrigues Arnold, Cesar Karlink e Carlos Henrique Schaeffer, respectivamente, agente de endemias, Secretário de Administração e Secretário de Obras e Serviços Públicos, colaboraram para a campanha eleitoral dos candidatos Gilmar, Luiz e Joel no horário de expediente e em prejuízo das atividades normais do cargo, ocorrendo, assim, a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei das Eleições.

Sobre a acusação, a peça inicial destaca que “os servidores qualificados no polo passivo da demanda agem em evidente conduta vedada ao realizar postagem sobre a aquisição da Van pelo município, notadamente em razão da publicação ter ocorrido nas vésperas da eleição, com vistas, efetivamente, de promover a imagem de NACK e LUI”.

Nos moldes descritos, as condutas imputadas teriam violado o art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/1997, cujos termos transcrevo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…].

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Depreende-se do dispositivo em comento que, para a configuração da referida conduta ilícita, impõe-se um requisito temporal, qual seja, de que o emprego de servidor ou empregado público em serviços de campanha eleitoral dê-se durante o seu horário de expediente.

Nesse sentido, a mera participação de servidor público em campanha eleitoral não conduz, necessariamente, à conclusão sobre a ocorrência de ilegalidade, sendo imprescindível, para tanto, prova clara e convincente quanto ao uso do horário de expediente normal em favor de determinada candidatura, na linha da reiterada jurisprudência deste Tribunal:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INC. III, DA LEI N. 9.504/97. CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA PARA O MUNICÍPIO. CEDÊNCIA PARA USO NA CAMPANHA. AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÃO 2016. 1. São proibidos aos agentes públicos ceder servidor ou empregado público, ou usar de seus serviços para comitês de campanha eleitoral durante o horário normal de expediente, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Regramento centrado na moralidade pública, que busca preservar a isonomia entre os candidatos. 2. Acervo probatório a revelar que o representado não é servidor ou empregado da administração pública. Celebrado contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica entre o município e a empresa do representado. Inexistente cláusula de exclusividade ou pessoalidade no exercício da assessoria jurídica, tampouco carga horária, ou proibição de o representado exercer a advocacia para fins particulares. Ausente prova de que o recorrido tivesse atuado em favor dos candidatos e da coligação em horário incompatível com o contratado pela municipalidade. 3. A mera improcedência da demanda não implica litigância de má-fé. Para a configuração da lide temerária, mister a demonstração cabal do dolo processual, o que não é vislumbrado. 4. Desprovimento dos recursos.

(TRE-RS - RE: 29486 TRÊS PALMEIRAS - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 26/07/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 133, Data 28/07/2017, Página 9)

 

Recurso. Representação. Conduta vedada. Prefeito e vice reeleitos. Cedência de servidor público. Improcedência. Lei n. 9.50497. Eleições 2016. 1. São proibidos aos agentes públicos ceder servidor ou empregado público, ou usar de seus serviços para comitês de campanha eleitoral durante o horário normal de expediente, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Regramento que tem por desiderato preservação da isonomia de oportunidade entre os candidatos. 2. Servidora pública municipal, exercendo o cargo de Secretária Municipal Adjunta de Educação, fez uso de sua voz na propaganda eleitoral dos candidatos da situação. Não demonstrado que os atos de campanha ocorreram durante o horário de expediente. Não vislumbrada a conduta vedada. Sentença de improcedência mantida. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 19956 TRÊS PALMEIRAS - RS, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 07/06/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 107, Data 22/06/2017, Página 5) (Grifei.)

Na hipótese, a prova apresentada consiste nos prints de compartilhamentos, realizados em 14.11.2020, nos perfis pessoais no Facebook de Carlos Henrique Schaeffer (ID 44838562, pág. 12) e de Cesar Karling (ID 44838571) acerca de uma publicação de Rejane Arnold, de 13.11.2020, sobre a aquisição de novo veículo pelo Município, conforme analisado no item “III.3” anterior.

Consoante apontou o diligente Procurador Regional Eleitoral, “como a publicação se deu em 13.11.2020, sexta-feira, porém fora do horário comercial, e os compartilhamentos ocorreram dia 14.11.2020, sábado, também se verifica que não foram realizadas no horário de expediente dos referidos servidores”.

Desse modo, ausente outras provas concretas e estando a argumentação acusatória baseada apenas em ilações e presunções sobre a participação dos servidores em campanha durante o horário de expediente normal, a decisão singular que julgou improcedente a ação deve ser integralmente mantida.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares e pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.