REl - 0600028-64.2020.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/04/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recorrente teve suas contas referentes ao exercício financeiro de 2019 julgadas desaprovadas na origem em razão da irregularidade consistente no recebimento de doações, no valor total de R$ 1.785,00, de servidor ocupante de cargo comissionado sem filiação ao partido político, o que configura recursos oriundos de fonte vedada.

A agremiação, em sede recursal, reconhecendo que o doador não mantinha relação com a agremiação, embasa sua argumentação no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, com redação revogada pela Lei n. 14.488/17. Acredita, a recorrente, que demonstrado que o cargo de “Diretor de Engenharia de Obras” em verdade não seria “direção” mas sim “assessoramento”, não haveria ilegalidade na doação realizada.

Todavia, levando em consideração que a prestação de contas refere-se ao ano de 2019, deve ser observado o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que veda aos partidos receberem recursos provenientes de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político, verbis:

 

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

 

Na mesma senda, o recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional é medida impositiva, de acordo com o parágrafo 1o do artigo 14 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

 

O fato é que, sob qualquer prisma, o recebimento de R$ 1.785,00 do Diretor de Engenharia de Obras na Prefeitura de Tio Hugo, não filiado partido político, trata-se de recurso recebido de origem vedada.

Observo, todavia, que o recebimento de verbas de fonte vedada, soma a quantia de R$ 1.785,00, que representa somente 6,56% do total da receita arrecadada no exercício, à razão de R$ 27.187,07.

Diante dessas circunstâncias, apresenta-se possível o juízo de aprovação com ressalvas tendo em conta a baixa representação percentual da irregularidade, incapaz de comprometer a contabilidade como um todo.

Tal conclusão, porém, não afasta o dever de recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional, que independe da sorte do julgamento final sobre o mérito das contas, posto que consubstancia consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito, e não providência sancionatória em sentido estrito.

Nessa linha, segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário”. (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014.)

No tocante à sanção de suspensão da participação no recebimento do Fundo Partidário, aplicada na sentença pelo período de um mês, entendo que deve ser afastada.

Registro que, este Tribunal, ao interpretar o art. 36 da Lei dos Partidos Políticos, entende que se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da referida penalidade por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente.

Cito a propósito, o seguinte precedente:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

(...).

6. Falhas que representam 9,08% dos recursos auferidos no exercício financeiro. Hipótese que, na esteira da jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a severa penalidade de desaprovação das contas, admitindo o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário.

7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem. O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade.

8. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC 0600288-75, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020.) (Grifei).

 

Portanto, a diretriz traçada por este Tribunal estabelece que a aprovação das contas com ressalvas não acarreta a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário prevista no art. 36 da Lei n. 9.96/95, assim como a multa arbitrada em primeiro grau, os quais devem ser afastados na hipótese sob exame.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, a fim de aprovar com ressalvas das contas do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT DE TIO HUGO/RS, relativas ao exercício financeiro de 2019, mantendo a determinação do recolhimento da quantia de R$ 1.785,00 ao Tesouro Nacional, mas afastando a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário e a multa na ordem de 5% sobre a irregularidade.

É como voto, senhor Presidente.