REl - 0600662-25.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/04/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, analiso a alegação recursal de que houve juntada extemporânea de documentos, decisão surpresa, violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa e dos arts. 9º e 10 do CPC e do art. 392, § 4º, da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral (CNJE).

Realmente, um dia antes da audiência de instrução, e na própria audiência, o Ministério Público Eleitoral juntou aos autos novas provas acerca dos fatos narrados (relatórios de diligências de extração de dados de telefones celulares, entre outros).

Ocorre que consta do termo da audiência de instrução que a defesa foi intimada da juntada de novos documentos na solenidade (ID 44863410) e que apresentou alegações finais se manifestando sobre a prova dos autos sem invocar qualquer nulidade ou postular a concessão de mais prazo para exame das novas provas.

Portanto, foi oportunizado o contraditório aos investigados, merecendo ser ressaltado que, segundo o TSE, “o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar-se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais” (RESPE n. 45867, Rel. Min Luiz Fux, DJE 30/08/2016).

Apenas em sede de embargos de declaração foi impugnada pela defesa a juntada de novos documentos, tendo o magistrado a quo acertadamente apontado que a questão não foi suscitada durante a tramitação e tampouco quando da apresentação de suas alegações finais, deixando para fazê-lo somente em sede recursal.

Além disso, apontou que “os embargantes tiveram amplo acesso aos autos antes da sentença, inclusive durante a abertura de prazo para a apresentação de alegações finais, razão por que não cabe falar em violação à ampla defesa e ao contraditório” (ID 44863569).

Nesses termos, não verifico nulidade alguma ou violação às normas invocadas, razão pela qual afasto a preliminar.

No mérito, a presente investigação judicial eleitoral decorre da Ação Penal Eleitoral n. 0600654-48.2020.6.21.0064, atualmente em tramitação em Rodeio Bonito, na qual os recorrentes Valmor, Glaucia e outros foram denunciados pela prática de 15 (quinze) fatos ilícitos, entre associação criminosa e coações eleitorais praticadas em concurso de pessoas, durante as eleições municipais do ano de 2020, mediante constrangimento de eleitores e cidadãos para o voto em sua campanha.

A sentença concluiu que os elementos de provas colhidos durante a instrução processual são firmes ao demonstrar que os recorrentes Valmor e Glaucia, por intermédio de cabos eleitorais, apoiadores e correligionários, com sua plena ciência e anuência, praticaram diversos atos ilícitos durante o período eleitoral de 2020, atemorizando a população do pequeno Município de Cerro Grande/RS, inclusive com a prática de ao menos quatro atos que configuram captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva prevista no 41-A, § 2°, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo o dispositivo considerado violado:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

(...)

Segundo o magistrado, os candidatos Valmor José Capeletti e Glaucia Reina Brocco, por intermédio de cabos eleitorais e dos apoiadores Edson, Edimar, Jeremias, Camila, Josino e Leonei, praticaram captação ilícito de sufrágio durante a campanha eleitoral de 2020 em face de Roni Pruni da Silva, Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, Nelson Machado e Élio Krumennauer.

Os fatos considerados comprovados pela sentença são os seguintes, praticados contra os eleitores Roni Pruni da Silva, Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, Nelson Machado e Élio Krumennauer:

6º FATO (COAÇÃO ELEITORAL – vítimas Roni e Neiva – Ocorrência Policial n. 724/2020).

Na data de 06 de outubro de 2020, por volta das10h00min, na Rodovia ERS 325, no Município de Cerro Grande/RS, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, JEREMIAS DA SILVA JÚNIOR, de alcunha“CEREJA” e GLAUCIA REGINA BROCCO, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, usaram de violência e grave ameaça para coagir as vítimas Roni Pruni Da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira a votarem no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos por Cerro Grande”, Valmor José Capeletti, e a não votarem no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.

Na ocasião, os denunciados EDIMAR e JEREMIAS atuavam como cabos eleitorais da Coligação “Juntos por Cerro Grande” (PTB e PP), e com o fim de angariar votos e intimidar as vítimas para que não votasse no partido adversário, conduzindo o veículo VW/Parati, cor branca (placa IND 8B90) abordaram veículo particular do então Prefeito Municipal (Eleedes), que era conduzido pela vítima Roni, momento em que indagaram-lhe sobre militarem pelo mesmo partido.

Diante da negativa da vítima, o denunciado EDIMAR agarrou-o pelo pescoço, causando-lhe as lesões descritas na ficha de atendimento ambulatorial n.º 138183, do Hospital Santa Rita, do Município de Jaboticaba/RS.

7º FATO (COAÇÃO ELEITORAL – Nelson Machado) – Boletim de Ocorrência n. 782/2020.

Na data de 16 de outubro de 2020, por volta das 21h50min, na Avenida Primeiro de Maio, ao lado do Correio, em Cerro Grande/RS, LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, vulgo “Leonei Machado”, em comunhão de vontades e unidade de desígnios com outras pessoas não identificadas na investigação e com a participação de GLAUCIA REGINA BROCCO, usou de grave ameaça para coagir a vítima Nelson Machado a votar no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos por Cerro Grande”, Valmor José Capeletti, e a não votar no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.

Na ocasião, o denunciado LEONEI conduzia o veículo Ford/Focus, placas DRM 3068, cor preta, acompanhado de seus comparsas (não identificados) que estavam tripulando a VW Parati, placas IND 8B90, cor branca, e com o fim de angariar votos para Coligação “Juntos por Cerro Grande” (PTB e PP) e intimidar a vítima para que não votasse no partido adversário, perseguiu a vítima Nelson, realizando manobras perigosas para que parasse o veículo, e em frente à casa da vítima o denunciado passou a apontar-lhe o dedo agressivamente, ameaçando-a para que não saísse mais de casa, que “estava na lista dele”, e que não poderia sair de casa porque “eram eles que determinavam quem podia circular pela cidade e quando”.

A grave ameaça foi perpetrada por meio de gestos e palavras e com uso de uma espingarda que o denunciado trazia em seu colo (arma de fogo não apreendida).

A denunciada GLAUCIA REGINA BROCCO contribui para ação criminosa fornecendo o veículo VW/Parati, cor branca (placa IND 8B90) utilizado na prática criminosa durante o pleito eleitoral de 2020, adquirido pela denunciada em 03.9.2020 e registrado em nome de Mecânica Brocco Ltda (empresa do pai da denunciada).

9º FATO (COAÇÃO ELEITORAL – Elio Krummenauer – Boletim de Ocorrência n. 786/2020)

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do 7º fato criminoso, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS, CAMILA NICOLINI, ELEVELTON KARLING, JOSINO DA SILVA OLIVEIRA, LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, JEREMIAS DA SILVA OLIVEIRA JÚNIOR e ALEXANDRO THONI DE OLIVEIRA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios e juntamente com o adolescente Kevin Kauê Rodrigues, usaram de violência e grave ameaça para coagir as vítimas Maiqueli Rimundi, Elio Krumenauer, João Marcos Raimundi, Pedrolina Alexandre, Luan Bombana e Stefany Alexandre Ferreiro a votarem no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos por Cerro Grande”, Valmor José Capeletti, e a não votarem no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.

Na ocasião, os denunciados atuavam em favor dos candidatos a Prefeito Valmor José Capeletti e Vice-Prefeita Glaucia Regina Brocco, da Coligação “Juntos por Cerro Grande” (PTB e PP), e com o fim de angariar votos e intimidar as vítimas, que se encontravam em frente ao bar da rodoviária, para que não votassem no partido adversário.

Em um primeiro momento, os denunciados CAMILA e JOSINO, a bordo de um veículo GM/Vectra, cor branca, começaram a transitar repetidas vezes na via pública e proferir ameaças às vítimas Maiqueli, Elio, João, Pedrolina, Luan e Stefany que “era bom se recolher porque iriam meter bala”.

Em seguida, o denunciado EDIMAR na companhia do adolescente Kevin Kauê, conduzindo o veículo VW/Gol, placas INQ 3488, cor prata, e em frente ao Bar Kingdom colocou a mão para fora do veículo e efetuou um disparo de arma de fogo para o alto, colocando em perigo as pessoas que se encontravam em via pública e nas imediações (arma de fogo não apreendida), conforme narrado no fato 08.

Ato contínuo, EDIMAR na companhia do adolescente Kevin, desembarcou do veículo VW/Gol, placas INQ 3488, e, em seguida, chegaram ao local os denunciados LEONEI, ALEXANDRO (Cafanha) e JEREMIAS (Cereja), conduzindo um veículo Ford/Focus, placas DRM 3068, cor preta, ocasião em que todos os denunciados passaram a intimidar as vítimas.

Na oportunidade, utilizando-se da mesma arma de fogo, o denunciado EDIMAR dirigiu-se até a vítima Elio Krumenauer, desferindo-lhe uma coronhada na cabeça, ocasionando-lhe as lesões descritas no atestado médico de fl., consistentes em “lesão no couro cabeludo de aproximadamente 2 cm na região parietal esquerda”.

Em seguida, os denunciados CAMILA, EDIMAR e o adolescente infrator Kevin dirigiram-se ao bar Kingdom e passaram a ameaçar as pessoas presentes para que apagassem filmagens em seus celulares, conforme descrito no 10º fato criminoso.

Durante a ação, no interior do bar Kingdom, o adolescente Kevin agrediu fisicamente a vítima João Marcos Raimundi, ao desferir-lhe um soco acertando-lhe o rosto, causando-lhe lesões descritas no atestado médico que apontou “lesão de aproximadamente 1 cm em lábio inferior” (atestado médico).

As ameaças e agressões físicas tiveram motivação política e as vítimas são eleitoras declaradas da coligação contrária ao qual os denunciados militam.

No recurso, alega-se que a sistemática de violência foi realizada em desfavor dos investigados e que, embora a sentença mencione o depoimento de policiais civis que afirmaram que Glaucia não comunicou à polícia que o veículo de propriedade da mecânica Brocco, empresa de seu pai, Valdecir Zardinello Brocco, fora alvejado a balas durante a campanha, uma Parati branca, foi juntado aos autos, quando da oposição de embargos de declaração, um esclarecimento prestado por Glaucia ao Ministério Público Eleitoral dando conta do ocorrido (ID 44863567).

Tal prova em nada afasta a análise sentencial sobre os referidos testemunhos porque os policiais afirmaram que o fato não foi comunicado à Polícia Civil; e observa-se, do exame das provas juntadas, que tal questão foi encaminhada à Polícia Federal para instauração de investigação (ID 44863568) após ser levada a conhecimento do Ministério Público Eleitoral, e não à Polícia Civil.

Então, não se sustenta a alegação de que tais provas foram desconsideradas pela sentença, pois sequer estavam delineadas nos autos, sendo verossímil que a Polícia Civil não detenha o controle das ocorrências registradas pela Polícia Federal.

Ademais, o fato de o carro do pai da recorrente ter sofrido tiros em nada afasta, mitiga e nem mesmo interfere na prova dos episódios de captação ilícita de sufrágio considerados comprovados pela sentença, dado o farto conjunto probatório apresentado pelo Ministério Público Eleitoral.

Nesse ponto, o próprio julgador assentou ter “plena ciência de que o clima de beligerância instalou-se no Município de Cerro Grande/RS em razão da prática de atos por candidatos e apoiadores de ambas as coligações que concorreram à eleição majoritária no Município”.

Apontou também que as testemunhas arroladas pela defesa ressaltaram que Valmor e Glaucia são pessoas boas e que desconhecem os fatos descritos na petição inicial. Afirmam, ainda, que também houve prática de ilícitos contra os apoiadores da campanha dos recorrentes (ameaças, porte e disparos de arma de fogo, agressões, obstrução de estradas mediante queima de pneus, incluindo uma possível tentativa de homicídio sofrida por Rafaela de Rosa Marques).

Entretanto, o julgador assentou que “o objeto da presente ação é tão-somente analisar as condutas praticadas pelos representados e seus apoiadores, não cabendo qualquer juízo de valor sobre fatos praticados por terceiros e não descritos na petição inicial apresentada pelo MPE” e que, “em observância aos princípios da demanda e da inércia da jurisdição, a presente decisão limita-se à análise dos fatos trazidos formalmente ao conhecimento deste Juízo Eleitoral, através desta AIJE”.

Noutro giro, a tese recursal de que o veículo Parati branco envolvido nas violências não foi identificado por placa também não se sustenta.

O argumento de que as testemunhas não indicaram a placa da Parati é insuficiente para invalidar a prova testemunhal, uma vez que as testemunhas que referiram a prática de atos de violência associados ao automóvel mencionaram que esse estava sendo conduzido por Edimar.

Consta até mesmo da defesa dos recorrentes expressamente que Edimar era simpatizante da candidatura de Valmor e Glaucia, veja-se a narrativa da contestação (ID 44863346, p. 14):

O contato mantido entre Edimar Antunes e Valmor Capeletti, ora denunciado, foi uma mera informação de que um dos 5 bandidos trazidos pela Coligação “Juntos de novo Coligados com o Povo”, que haviam disparado contra Rafaela da Rosa Marques, estavam escondidos para não descobrirem a autoria e não serem presos, sendo este o motivo do contato, pois Edimar era simpatizante da candidatura e estava mais próximo ao local onde se encontravam os atiradores, não tendo nenhum condão de acerto para praticar crimes, e se tivesse, teriam outra s ligações direcionadas à perpetração de crimes.

Ademais, a sentença aponta que o policial civil Alexandre Wacher identificou o veículo como sendo o carro pertencente à empresa do pai de Gláucia, nos seguintes termos:

“(…) que a Parati branca, de propriedade da mecânica Brocco, está vinculada a diversas denúncias de intimidações a populares para influenciar no voto, a qual, durante o período de campanha, estava em posse de pessoas da coligação; que o mesmo veículo foi alvejado por disparos, posteriormente, mas tal fato não foi comunicado formalmente à Polícia Civil, o que é incomum, havendo denúncias anônimas dando conta ter visto “Mônica” (apoiador dos representados) saindo do veículo e efetuando disparos contra o próprio carro”.

Valdecir Brocco, proprietário do automóvel Parati branco placas IND8B90, pai da recorrente Glaucia, teve o carro manifestamente identificado como o utilizado em favor da campanha dos candidatos.

O fato de que o candidato adversário, Eleedes Zardinello Pinheiro, declarou no seu registro de candidatura também possuir uma Parati branca em nada afasta a conclusão de que o carro utilizado nas violências era o pertencente ao pai de Gláucia, uma vez que as ações foram realizadas contra os adversários políticos e a favor da campanha dos recorrentes, e que o carro era conduzido por Edimar.

Não é crível que o candidato da oposição emprestasse seu carro ao cabo eleitoral dos recorrentes para que Edimar coagisse seus próprios eleitores, e o carro de Eleedes em nenhum momento foi referido pela autoridade policial, ocorrências policiais e testemunhas, como tendo sido utilizado para a prática de ilícitos.

A decisão recorrida aponta que a própria candidata Glaucia Regina Brocco confirma que sua família possuía o veículo VW/Parati. O carro foi adquirido em 03.9.2020, durante o período eleitoral, e registrado em nome de Mecânica Brocco Ltda., empresa do pai da candidata, tendo sido demonstrado que o automóvel foi cedido aos cabos eleitorais da coligação para a prática dos atos.

O vínculo de proximidade dos candidatos com os cabos eleitorais, especialmente com Edimar Antunes de Souza, Leonei de Oliveira Rosa e Jeremias da Silva Oliveira Júnior (Cereja), caracterizador da ciência sobre as condutas realizadas durante a campanha, foi demonstrado por prova contundente.

Nas fotografias acostadas ao documento do ID 44863407 encontram-se imagens registradas durante a campanha, em agosto e setembro de 2020, com o recorrente Valmor em companhia de Edimar (fotos 1, 2 e 5); os cabos eleitorais Edson Antunes de Souza e Edimar (foto 4), que são irmãos, aparecem junto ao cabo eleitoral Ezequiel de Souza Dias; e em fotografia de outubro de 2019 os candidatos Valmor e Glaucia estão abraçados com Edimar (foto 3).

Nas mensagens contidas no telefone celular apreendido com Edson Antunes de Souza, irmão de Edimar, (ID 44863398), verifica-se que após Valmor e Glaucia vencerem a eleição passaram a ser cobrados pelos referidos cabos eleitorais pelo apoio fornecido durante o período eleitoral.

Das conversas travadas entre Edimar Antunes de Souza e seu irmão, Edson Antunes de Souza, verifica-se que eles exigiam de Valmor e Glaucia a concessão de cargo público na Prefeitura de Cerro Grande/RS para Cláudia Soeiro Martins de Souza, esposa de Edson. A sentença transcreveu trechos das conversas, que cumpre reproduzir:

i) em 20/01/2021, entre 07h22min e 07h52min, Edson e Edimar trocaram mensagens conversando sobre a destinação de um cargo público para “Cláudia” (esposa de Edson). Após Edimar perguntar se Edson achava ruim Cláudia trabalhar “lá em baixo”, este enviou mensagem de áudio respondendo que “não valeria a pena e que havia falado com Gláucia”, denotando insatisfação ao mencionar que “pra nós é só pepino, os outros, que não merecem, que não correram, já tão ganhando bem e tão tranquilo”. Em seguida, Edson reiterou sua insatisfação, referindo que “eles se ajeitam com todo mundo, daí quando é pra gente é difícil”, comentando sobre ter falado “que nessa eleição eu ia baixar o porrete, baixar o porrete... eu não ia dar moleza pra diabo nenhum, entendeu? Aí fomo preso sem fazer nada pra ninguém, aí os outros ganhando bem?”, assim como que seria possível um “cargo de CC”. Diante disso, Edimar referiu ter perguntado a Neki (Valmor Capeletti) se ele seguiria com as provas seletivas e contratação, “daí ele disse que ia, daí eu disse: ‘não, então vamo colocar os meu também, porque, se tu não fosse fazer nada, aí tudo bem, daí nóis podia esperar, mas já que tu vai botar os outros, então querem o o que é pra nóis também (...)’”. (Laudo pericial de Id. 92649948 – pgs. 5/6);

ii) em nova conversa entre Edson e Edimar, mantida em 03.02.2021, às 13h40min, após este indagar se o irmão queria comprar novilhas, Edson enviou áudio dizendo “eu até queria comprar, mas eu tô sem dinheirinho. Tem que poupar o dinheiro. Esperar pegar os... os salários da prefeitura primeiro” (Laudo pericial de Id. 92649948 – pg. 6);

iii) entre 18.01 e 19.3.2021, Edson e Gláucia Regina Brocco trocaram diversas mensagens tratando sobre a destinação de um cargo público para “Cláudia” (provavelmente Cláudia Soeiro Martins de Souza, esposa de Edson), tendo Edson, inicialmente, se queixado do salário que seria recebido por ela, “será que eu não mereço um pouquinho mais?” e o local em que ela trabalharia, tendo solicitado que o trabalho fosse realizado “lá em cima” (referindo-se a determinado setor da administração pública municipal). Em 20.01.2021, às 11h33min, Gláucia enviou mensagens a Edson informando que o salário seria de “3248.00”, questionando se “fica bom?” Recebida a proposta, Edson enviou um áudio a Gláucia solicitando que ela não comentasse nada com ninguém sobre o cargo destinado a Cláudia, dizendo “(...) daí a gente se sente mal, né, porque de repente eles podem ter descoberto do... do... né, descobriram que... que... quê que nós tinha acertado, entendeu, e eles não querem ser menos do que ninguém” (Laudo pericial de Id. 92649948 – pg. 8-13);

Conforme entende a Procuradoria Regional Eleitoral, não há dúvidas de que o veículo Parati utilizado pelos agressores era o adquirido por Glaucia no início da campanha:

Diante dessas mensagens trocadas com GLÁUCIA BROCCO, torna-se quase irrelevante o debate quanto ao fornecimento de um veículo (Parati branca) pela candidata para a prática dos atos de intimidação realizados em Cerro Grande/RS. Nada obstante, embora seja natural que, na produção da prova testemunhal em juízo, não se tenha mencionado o número da placa do veículo, pois se trata de dado que dificilmente é sedimentado na memória, tal informação foi prestada para o MPE na fase inicial das investigações (ID 44863210), sendo identificado que o veículo foi adquirido durante o período eleitoral e registrado em nome da empresa de propriedade do pai de GLÁUCIA BROCCO.

Diante dessas circunstâncias e dos reiterados relatos sobre o uso desse veículo em parte dos atos de coação eleitoral, causa estranheza a alegação feita pelos recorrentes que se trata de veículo idêntico àquele que o então Prefeito (candidato à reeleição contra os recorrentes) possui, sugerindo que os atos de coação estariam sendo praticados – ou simulados – pelos candidatos do PDT contra os próprios apoiadores. Nenhuma prova ou indício aponta para essa suspeita.

Com base nas provas coligidas e testemunhos dos eleitores coagidos, a sentença concluiu, de forma acertada, que “as conversas mantidas por Edson com Edimar e Gláucia evidenciam que o grupo que prestou apoio aos representados durante o período eleitoral, inclusive mediante a prática de atos violentos, que resultou na prisão de Edson, Edimar e Ezequiel (autos nº 0600427-58.2020.6.21.0064)”.

Quanto à insurgência recursal contra a consideração do depoimento prestado por Milaine Lopes Gonçalves, o julgador foi expresso em referir ter conhecimento da alegação de que a depoente era apoiadora dos candidatos opositores e com a facção “Bala na Cara”.

O depoimento foi valorado na medida certa, pois Milaine é proprietária de um veículo blindado VW/Golf que foi apreendido pela Polícia Civil na garagem do Vati, em cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão.

A Garagem do Vati era o local em que o grupo de infratores costumava se reunir, um ponto de encontro da coligação Juntos por Cerro Grande, pela qual concorriam os recorrentes, tendo sido reportado pela polícia que no momento da busca e apreensão lá estava havendo uma reunião na presença do recorrente Valmor, e que na garagem foi encontrado o documento de identificação de Edimar.

Segundo o testemunho do policial civil Alexandre Wachter e do Delegado de Polícia Gustavo Germano da Silva Fleury, no carro havia carteira com documentos de Edimar Antunes de Souza, e embora essa circunstância não tenha constado na ocorrência, não resta invalidada em face da unicidade da narrativa testemunhal.

A sentença inclusive refere que o policial Alexandre Wachter apontou, em seu depoimento, “[...] que não tem dúvidas de que Valmor tinha ciência de tudo, por residir em frente a garagem e estar presente nas reuniões, não podendo dizer se Valmor comandava as ações, mas que era conivente; que a Parati branca, de propriedade da mecânica Brocco, está vinculada a diversas denúncias de intimidações a populares para influenciar no voto, a qual, durante o período de campanha, estava em posse de pessoas da coligação”.

O Delegado de Polícia Gustavo Germano da Silva Fleury também afirmou que era na garagem do Vati onde os grupos de apoiadores dos recorrentes se reuniam para encontros com seus correligionários.

O eleitor João Carlos Binelo Brocco igualmente sustentou “que a garagem do Vati (onde os fatos ocorreram) é do pessoal do PP, onde se reúnem, inclusive com a presença de Valmor e Glaucia”, filiados ao partido.

O vínculo dos recorrentes com a Garagem do Vati foi sobejamente demonstrado, especialmente pela presença de Valmor Capeletti no local em que foi cumprido Mandado de Busca e Apreensão expedido pela Justiça Eleitoral, não se sustentando a tese recursal de que não há nos autos qualquer origem concreta para a informação de que tal garagem servisse como ponto de encontro de alguma das agremiações.

Daí porque é acertada a seguinte tese contida na petição inicial, relativa à anuência dos recorrentes com os atos ilícitos: “de tudo, resta claro o ‘poder de mando’ e o ‘domínio do fato’ por parte dos candidatos requeridos VALMOR CAPELETTI e GLAUCIA, uma vez que eles poderiam simplesmente ordenar que seus ‘cabos eleitorais’ se abstivessem de seguir nos atos de violência e grave ameaça”.

E também é manifestamente certeiro o raciocínio sentencial de que os agentes haviam “acordado previamente com os candidatos que, em troca dos ‘atos de campanha’ realizados, acaso eles fossem eleitos, disponibilizariam cargos públicos a familiares destes ou pessoas por eles indicadas, comprovando a plena ciência e anuência dos candidatos com os atos ilícitos praticados”.

A ciência inequívoca e anuência com as ações praticadas também foi considerada em função do contexto e local em que praticados os atos de violência.

O julgador aponta que “o Município de Cerro Grande/RS possui pouco mais de dois mil eleitores, com área territorial diminuta, razão pela qual mostra-se descabida a alegação de que Valmor e Gláucia não tinham conhecimento dos fatos praticados por seus apoiadores, inclusive em razão da grande quantidade de ocorrências policiais registradas”.

Desse conjunto de provas, tem-se por correta a narrativa contida nas alegações finais do Ministério Público Eleitoral de piso no sentido de que os candidatos “aderiram às ações criminosas praticadas por seus apoiadores, inclusive porque se mantiveram inertes, não coibindo os atos ilícitos”.

Ultrapassadas essas considerações, passo ao exame da alegação de ausência de provas da prática dos ilícitos quanto aos fatos considerados comprovados pela sentença.

 

a) 6º Fato (Coação Eleitoral – vítimas Roni e Neiva – Ocorrência Policial N. 724/2020).

Inicialmente, quanto à veracidade dos depoimentos judiciais de Roni Pruni da Silva, Secretário Municipal da Fazenda de Cerro Grande, que narrou ter sido vítima de captação ilícita de sufrágio mediante coação e violência, e de Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, apesar de os recorrentes alegarem, somente no recurso, o interesse das testemunhas na procedência da ação, tem-se que seus nomes foram arrolados na petição inicial (ID 44863199), e que não houve impugnação das suas oitivas, nem contradita, conforme ata e termo da audiência (ID 44863410 e ID 44863411).

O depoimento judicial de Roni narra que ele estava na companhia de Neiva Teresa Rodrigues Ferreira e da filha de 9 anos desta na ocasião em que Edimar, junto de Jeremias da Silva Júnior (Cereja), atacou-lhe na rua, afirmando que Roni estava comprando voto e dizendo que ele “deveria estar do lado deles”. A seguir, Edimar agarrou Roni pelo pescoço, logo depois empurrando Neiva, dizendo que “se alguém ratiasse, passariam o fogo nos dois”. Depois disso, esses apoiadores dos recorrentes entraram no veículo Parati pertencente ao pai de Glaucia e passaram a perseguir os eleitores com esse carro e a fechar, durante o trajeto, o veículo no qual estavam Roni e Neiva.

A narrativa também está alicerçada no depoimento de Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, a qual também prestou declarações perante a autoridade policial confirmando o fato narrado por Roni (ID 44863206).

Neiva, filiada ao PDT, partido do então prefeito, candidato adversário dos recorrentes, acrescentou que Edimar e Camila Nicolini passavam na frente de sua casa com a finalidade de intimidação, em uma Parati Branca, e, no dia da agressão, levantavam a camisa como se tivessem armas de fogo. Referiu, também, “que as agressões praticadas por Edimar visavam interferir no seu direito ao exercício do voto, pois eles (Edimar, Cereja e Camila) atacavam todo mundo para interferir no voto das pessoas de Cerro Grande/RS”.

Transcrevo, por ser minuciosa, a síntese dos depoimentos de Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira contida na sentença:

De fato, ouvido em juízo acerca dos fatos ocorridos no dia 06 de outubro de 2020, por volta das 10h00min, em frente a supermercado de Cerro Grande/RS, Roni Pruni da Silva declarou que:

[...] é eleitor de Cerro Grande, onde votou em 2020 e exerceu cargo na administração municipal como Secretário da Fazenda; que, em relação ao fato do dia 06.10.2020 estava de licença na Prefeitura e dirigindo o carro do então prefeito (Eleedes), quando, por volta das 10h, foi abordado por Edimar e por Jeremias, de alcunha Cereja; que estava “vindo na cidade”, quando encontrou Neiva, acompanhada de uma criança, e parou para dar carona para ela; que Neiva queria ir ao mercado; que no momento dos fatos estava parado em frente ao supermercado, quando desceram de uma Parati branca Edimar e Cereja, acusando o declarante de estar comprando voto; que os agentes, com a mão na cintura e de forma ameaçadora, afirmaram que o declarante “deveria estar do lado deles”, não tendo visto se estavam armados; que Edimar e Cereja ameaçaram atirar no declarante e em Neiva, tendo aquele pego o declarante pelo pescoço; que o declarante estava dentro do carro quando isso ocorreu e a porta do veículo estava um pouco aberta; que a criança que estava com Neiva ficava gritando, mas não sabe se ela ouviu as ameaças; que quando saiu do mercado, os agentes o seguiram e ficavam fazendo “zigue-e-zague” com o carro na sua frente; [...] que hoje ainda tem medo de Edimar e Jeremias, mas não tem inimizade com ninguém; que a intimidação pelo grupo era comum no município, sendo que Edimar e seu grupo faziam bastante isso, tendo ouvido “o pessoal” falando bastante em perseguição; que Glaucia e Valmor deveriam saber das intimidações; que as pessoas de Cerro Grande tinham receio de sair de casa, sendo que o declarante teve medo de sair na rua, pois temia por sua família; que em decorrência dos fatos, o declarante mudou-se para Sarandi/RS, onde sua esposa trabalha. Questionado pela Defesa, acrescentou que não estava trabalhando no dia dos fatos porque o carro utilizado pelo declarante estava com problema no motor, tendo comunicado tal fato ao então prefeito; que parou o carro na estrada para dar carona, oportunidade em que Neiva lhe avisou que queria ir ao mercado, tendo o declarante ficado esperando Neiva enquanto ela fazia suas compras; que Neiva não tinha como ir à cidade; que o declarante não utilizava o carro do prefeito no horário de expediente, tendo utilizado somente naquele dia; que, quando Edimar agarrou o declarante pelo pescoço, Neiva empurrou o agressor; [...] que não é filiado a qualquer partido e não fazia campanha política; [....] Questionado pelo Magistrado, acrescentou que não foi orientado por alguém sobre como depor e que a intimidação teve motivação partidária, tendo o declarante se sentido coagido a não votar no PDT, porque sabiam em quem votariam; que a coação foi direcionada ao declarante e a Neiva.

(...)

Corroborando as declarações de Roni, a testemunha Neiva Teresa Rodrigues Ferreira sustentou que:

[...] em relação ao fato do dia 06.10.2020 próximo às 10h, pegou uma carona com Roni, pois onde mora, na Linha Cordilheira, fica distante da cidade de Cerro Grande em aproximadamente 6km e não possui carro para se locomover; que a declarante e a filha de 10 anos estavam na saída da BR quando Roni passou, tendo “atacado” o carro dele para pedir carona até a cidade; que Roni não pediu qualquer favor político em troca da carona; que quando estavam em frente ao mercado foram abordados por Cereja e Edimar, tendo eles começado a filmar a declarante e proferir palavrões; que não sabe o que os agentes tinham por de baixo da camiseta, mas que eles ameaçaram atirar contra a declarante, tendo sido foi jogada contra o carro por Edimar; que sua filha começou a chorar dentro do carro; que acredita ter sido agredida por estar no carro particular do prefeito anterior, Eleedes; questionada sobre o depoimento dado à Polícia Civil, confirmou que Roni estava no carro quando Edimar o pegou pelo pescoço, tendo a declarante “avançado” em Edimar para socorrer Roni, momento em que Edimar a empurrou contra o carro; que acredita que as agressões ocorreram porque a declarante e Roni apoiam o PDT; que o ato teve motivação política, por serem opositores, sendo que os agentes queriam obrigá-la a votar no candidato do PP (Valmor e Gláucia); que a declarante ficou com medo após o incidente e que ficou preocupada com o estado emocional da filha, a qual sempre sofreu com “problema de nervos”, tendo este piorado depois do caso, inclusive, que a criança ficou chorando quando a declarante foi conduzida a prestar o presente depoimento; que sua filha testemunhou a agressão e tem medo de sair de casa, sendo acompanhada pelo Conselho Tutelar; que a declarante também tem medo de sair de casa; que depois da agressão Edimar passava na frente de sua casa, no interior, juntamente com Camila, apontando em direção a sua residência, com finalidade de intimidação, sendo que sua filha via tais fatos; que não sabe informar o veículo utilizado pelos agressores, mas confirma ser uma Parati Branca; que os agentes, no dia da agressão, levantavam a camisa como se tivessem armas de fogo. Questionada pela defesa, acrescentou que o local onde reside é trajeto para outros municípios, fazendo com Barra do Bugre; que Roni ficou esperando no carro por ela enquanto fazia compras; que Roni apenas deu carona a ela, mas não tem relação de amizade nem de parentesco com ele; que nem conhecia direito Roni no dia da carona; que não atacou o carro porque achou que Eleedes lhe daria carona; que Roni não fez compras; que não empurrou Edimar e não viu Valmor ou Gláucia intimidando pessoas; [...] que sabia que Roni trabalhava na prefeitura e não estava trabalhando no dia porque ele havia lhe dito isso no momento da carona, não tendo lhe explicado o porquê estava no carro do prefeito [...]. Questionada pelo Magistrado, acrescentou que não fazia campanha; que confirma a declaração dada no depoimento do Ministério Público de que as agressões praticadas por Edimar visavam interferir no seu direito ao exercício do voto, pois eles (Edimar, Cereja e Camila) atacavam todo mundo para interferir no voto das pessoas de Cerro Grande/RS; que acha que as ações eram executadas a mando de políticos; que Edimar e Camila passaram a rondar a sua casa aproximadamente três dias depois do fato; que depois da prisão e da liberdade de Edimar isso não ocorreu mais.

O recurso ataca a credibilidade de Roni afirmando que ele era “cargo de confiança de 1º escalão do adversário dos recorrentes (Secretário do Fazenda), além de reconhecer que era amigo do Prefeito, íntimo a ponto de usar seu carro privado, utilizando-o para dar carona para pessoas que mal conhecia e levá-las ao mercado fazer compras, em pleno horário de expediente e em época de campanha”.

Quanto a Neiva, o recurso afirma que suas declarações devem ser desconsideradas porque a testemunha estava comprometida com o deslinde do feito por ser apoiadora e filiada ao PDT e partidária do então prefeito.

Todavia, tais alegações não são suficientes para comprovar que as testemunhas faltaram com a verdade ao serem inquiridas. E mesmo que Roni e Neiva fossem apoiadores dos candidatos que não eram  ajudados por Edimar e Jeremias, tal fato, como dito alhures, é o que os tornou um alvo da captação por coação, pois os atos não eram praticados contra os eleitores dos investigados.

O recurso também contesta a versão de Roni e sustenta que “não é razoável crer que alguém pretendeu, por meio de ameaça ou grave violência, obter o voto do motorista do carro do prefeito. Isso não tem qualquer lógica”, e que é “absolutamente razoável a desconfiança de que estaria mesmo comprando votos”.

Ocorre que o TSE, há muito tempo, já assentou que resta configurada a violação ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97 mesmo em caso de a conduta ser praticada com o fim de abstenção do voto (REspe nº 26.118/MG, Rel. Min. Gerardo Grossi, DJ 28/03/2007; REspe nº 25878, Rel. Min. José Delgado, DJ 13/04/2007).

A questão foi bem apreendida pela sentença, tendo o juiz de piso ressaltado que “nos termos da própria legislação eleitoral, a caracterização da conduta ilícita dispensa pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir (art. 41-A, § 1º, Lei nº 9.504/1997)”.

Ponderou, também, que “embora o dolo (vontade livre e consciente dirigida a um fim) seja um elemento subjetivo, ou seja, interno ao agente responsável pela prática da conduta, deve ser analisado objetivamente, em conformidade com o arcabouço probatório produzido sob o amparo dos princípios do contraditório e da ampla defesa”.

Então, por mais que se pareça fora do razoável, e até mesmo um absurdo, Edimar e Jeremias, apoiadores de Valmor e Glaucia, no meio da rua e na condução do carro Parati do pai de Gláucia, atacaram com agressão verbal e física Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, com emprego de violência e grave ameaça visando à obtenção de apoio eleitoral, voto nos recorrentes, abstenção do voto nos candidatos adversários, e o impedimento da livre manifestação dos eleitores.

Ademais, ao contrário do que se alega no recurso, é longe de ser razoável e por demais ignóbil o uso de violência para obtenção de apoio e voto, praticada por cabos eleitorais dos candidatos recorrentes, sob qualquer subterfúgio, nem mesmo com fundamento na acusação de que as vítimas estariam comprando votos.

A mera ilação de que Roni tinha interesse no processo é circunstância que não torna inverdades suas declarações corroboradas por Neiva e comprovadas por exame de corpo de delito e ocorrência policial atestando as agressões físicas desferidas por Edimar contra Roni, ao agarrar seu pescoço, e contra Neiva, ao ser empurrada por Edimar, sendo descabida a alegação de que houve falha na coleta do compromisso de dizer a verdade.

O testemunho judicial de Roni está respaldado na Ocorrência Policial 724/20,  em termos de declarações perante autoridade policial, e ficha de atendimento ambulatorial, assim como o testemunho de Neiva (ID 44863206).

O exame médico realizado em Roni aponta que foi constado em seu corpo escoriação e equimose na região do ponto médio do pescoço, a comprovar a declaração de que o eleitor foi vítima de enforcamento.

Também não se mostra relevante o fato de que Neiva declarou não ter se sentido forçada a votar nos recorrentes, pois essa afirmativa apenas demonstra a coragem da vítima ao não sucumbir à atuação dos agressores, sendo certo que mesmo em caso de abstenção o ilícito resta configurado.

E a despeito do que Roni e Neiva tenham sentido após a coação realizada pelos cabos eleitorais dos recorrentes, a sentença aponta que, ao afirmar que os eleitores deveriam estar do lado deles, “fica evidente que a violência e a grave ameaça empregada por Edimar e Jeremias visava a obrigá-los a votar em favor dos representados, para quem os agentes faziam campanha eleitoral”.

Ademais, o julgador apontou que o emprego de violência e grave ameaça foi realizado contra os apoiadores da campanha adversária mesmo os cabos eleitorais tendo consciência que se mostrava improvável que as vítimas mudassem seu voto.

Relembre-se que Edimar era apoiador da campanha dos recorrentes e foi apontado pela prova testemunhal, de forma uníssona, ser o agente dos atos diretos de violência e grave ameaça, conforme depoimentos de Roni Pruni da Silva, Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, Élio Krumennauer, Pedrolina Alexandre, Luan Bombana.

Portanto, há prova suficiente da prática da captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva prevista no 41-A, § 2°, da Lei n. 9.504/97.

 

b) 7º Fato (Coação Eleitoral – Nelson Machado) – Boletim de Ocorrência N. 782/2020.

Em 16.10.2020, Leonei de Oliveira Rosa, vulgo “Leonei Machado”, junto de uma pessoa na carona e portando uma espingarda, usou de grave ameaça para coagir Nelson Machado a votar no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos por Cerro Grande”, Valmor José Capeletti, e a não votar no candidato a Prefeito da Coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.

Leonei, conduzindo um Ford/Focus, placas DRM 3068, cor preta, e acompanhado de outras pessoas, não identificadas, que estavam tripulando a VW Parati, placas IND8B90, cor branca, da propriedade do pai da candidata Glaucia, passou a intimidar o eleitor para que não votasse no partido adversário.

No trânsito, Leonei perseguiu Nelson, realizou manobras perigosas para que parasse o veículo e, em frente à casa de Nelson, passou a apontar-lhe o dedo agressivamente, ameaçando-o para que não saísse mais de casa porque “estava na lista dele”, e porque “eram eles que determinavam quem podia circular pela cidade e quando”.

Nelson Machado narrou em juízo que apoiava o PDT, partido adversário dos candidatos, e que a intimidação teve motivação política, pois não havia outro motivo, concluindo que a coação era para que votasse no PP, pois Leonei apoiava os candidatos Valmor e Glaucia, ou para que não votasse no PDT, que fazia oposição aos recorrentes.

O testemunho de Nelson está corroborado pela ocorrência policial e termo de declaração registrado pela Polícia Civil (ID 44863207), ocasião em que Nelson afirmou que o fato é referente às eleições municipais, pois os ocupantes dos veículos já são conhecidos pela população devido às ameaças aos eleitores contrários aos candidatos apoiados pelos agressores.

O vínculo de Leonei com os recorrentes foi demonstrado de forma coesa pela prova testemunhal, tendo os eleitores inquiridos também registrado ocorrências perante a autoridade policial, as quais foram acostadas com a inicial do ID 44863199.

Luan Bombana, filho de Pedrolina Alexandre, proprietária de um bar de Cerro Grande, afirmou em juízo que no dia 22.10.2020, por volta das 22h14min, no bar de sua mãe, Edimar Antunes de Souza, Camila Nicolini e Leonei passavam em carros e provocavam as pessoas que ali estavam para que iniciassem uma briga.

Na ocasião, Edimar deu uma coronhada na cabeça de Élio Krumennauer, companheiro de sua mãe, e que “não sabe o motivo dos atos, mas provavelmente têm relação com questão política, pois os agressores são do partido contrário ao de sua família”.

Ressalto que a captação ilícita de sufrágio praticada contra Élio Krumennauer será analisada no próximo fato.

Confirmando o liame entre Leonei e a campanha dos recorrentes, Elio Ferreira Brizolla, candidato a Vice-Prefeito pela coligação adversária à dos recorrentes, sustentou em juízo que em 18.10.2020, próximo às 13h, estava junto de Nelsi e Adriane Pastório, dirigindo em direção a Palmeira das Missões, quando foram abordados por Edimar Antunes de Souza e Edson Antunes de Souza, estes armados com facas e revólver, os quais estavam com Ezequiel de Souza Dias e Leonei, e lhe intimidaram para que não fizessem campanha, tendo dito que “ganhariam a eleição de qualquer jeito”.

Nelsi Pastório, conhecido como “Chico da Barca”, declarou na audiência que no dia 18.10.2020, em torno das 13h, ele e a esposa, Adriana Regina Pastorio, candidata ao cargo de vereadora pelo PDT, partido contrário ao dos recorrentes, estavam se dirigindo a Palmeira das Missões, ocasião em que foi parado por um carro, do qual desceram, armados, Edimar, Edson, Ezequiel e Leonei, sendo que Edson portava um revólver e Edimar uma faca, os quais afirmaram que os eleitores “não iriam fazer o que queriam” e que não era para fazer (campanha) política, cientes de que a esposa do declarante era candidata ao cargo de vereadora.

A testemunha Andressa Ilha Zardinello também narrou que estava no Bar do Humberto com 20 pessoas da coligação da qual o PDT fazia parte quando Edimar, Júnior, irmão de Júnior e Leonei foram ao local e os intimidaram para que fossem embora.

O Delegado de Polícia Gustavo Germano da Silva Fleury, responsável pela Delegacia de Polícia de Jaboticaba à época, afirmou que os depoimentos das testemunhas permitiam concluir que existia ligação entre as pessoas, tendo o representado Valmor admitido, em depoimento prestado na polícia, que Edimar, Edson e Ezequiel trabalhavam para ele de forma voluntária, sendo que Leonei era corriqueiramente apontado com os fatos.

Na certidão do ID 44863214, lavrada pela escrivã de polícia Adriana Bonatto, também foi registrada a participação de Leonei nos fatos praticados pelos demais apoiadores da campanha dos recorrentes, dentre eles, Edimar Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias, Edson Antunes de Souza, Camila Nicolini, Josino da Silva Oliveira e Jeremias da Silva Oliveira Junior (vulgo Cereja):

Certifico, em razão de meu cargo, que o indivíduo identificado no histórico da ocorrência 781/2020/151648 como LEONEI MACHADO, trata-se na verdade de LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, RG 3088397851. Tal indivíduo sempre era visto por populares na companhia de EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS e EDSON ANTUNES DE SOUZA, sendo, inclusive, localizado e intimado, no dia 04.11.2020 na companhia dos demais indivíduos que eram frequentemente citados nas ocorrências registradas neste órgão: ELEVELTON KARLING (vulgo MONICA, atual companheiro de CAMILA NICOLINI), JOSINO DA SILVA OLIVEIRA e JEREMIAS DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR (vulgo CEREJA). Todos esses indivíduos citados, exceto EDIMAR, EZEQUIEL E EDSON, que encontravam-se presos, estavam reunidos no posto de combustível próximo à residência do candidato a Prefeito VALMOR JOSÉ CAPELETTI, vulgo NEKI, no dia acima citado, momento em que foram intimados.

Portanto, está perfeitamente evidenciado que Leonei atuava, juntamente com os demais agentes da coação eleitoral referidos nos autos, a favor da campanha dos recorrentes, tendo sido suficientemente comprovada a prática do art. 41-A, § 2º, em face do eleitor Nelson Machado.

Além disso, considerando os diversos depoimentos colhidos em audiência, os vídeos, as ocorrências policiais e as interceptações telefônicas contidas no caderno probatório demonstrando a prática de atos de violência e grave ameaça a quatro eleitores, com o fim de lhes obter o voto ou a abstenção, é insustentável o requerimento de aplicação do art. 368-A do Código Eleitoral quanto à coação praticada contra Nelson Machado.

Segundo o art. 368-A do Código Eleitoral, “a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

No caso dos autos, a cassação dos diplomas eleitorais concedidos aos recorrentes não decorre somente do depoimento judicial de Nelson Machado, e nem da prática exclusiva de coação perpetrada contra Nelson, sendo evidente que a perda do mandato é consequência do conjunto probatório que comprovou, de forma robusta e inconteste e alicerçada em diversos elementos de prova, ao menos quatro eleitores coagidos pelas pessoas que apoiavam os recorrentes, com a ciência destes, inclusive no que concerne ao fornecimento do veículo utilizado durante as coações.

Como se vê, a coação foi praticada contra aqueles que se posicionavam contra a eleição dos investigados, não podendo a prova testemunhal ser desvalorada quando está em sintonia e sem contradições.

Portanto, dada a harmonia das versões apresentadas pela prova testemunhal, também não procede a tese de que não merecem valor os depoimentos de pessoas alegadamente apoiadoras dos candidatos opositores dos recorrentes

c) 9º Fato (Coação Eleitoral – Elio Krummenauer – Boletim de Ocorrência N. 786/2020)

Elio Krummenauer, que antes era apoiador do partido dos recorrentes (PP), afirma que um grupo formado por diversas pessoas conduziam 5 veículos, dentre eles uma Parati. Entre os agressores estavam Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Camila Nicolini e Josino da Silva Oliveira que, por razões político-partidárias, no dia 22.10.2020, por volta das 22h14min, o coagiram a não votar nos candidatos do PDT.

Conforme ocorrência policial e termo de declarações do ID 44863208 prestados por Elio Krummenauer, os indivíduos gritaram que ninguém mais podia sair de casa e “quem manda aqui é nós”, e Edimar desferiu uma coronhada contra Elio, lesão que o deixou com tontura, tendo o eleitor se dirigido ao posto de saúde de Cerro Grande/RS e, então, encaminhado  ao hospital de Palmeira das Missões/RS. Elio afirmou que a agressão foi filmada por câmeras e por celular.

A declaração médica do ID 44863208, firmada no dia seguinte, 23.10.2020, informa que Elio Krummenauer apresentou lesão no couro cabeludo de aproximadamente 2 cm em região parietal esquerda.

A sentença refere que os vídeos possivelmente fornecidos por Maiqueli Rimundi foram acostados aos autos (ID 44863336 e ID 44863337), são datados de 22.10.2020, às 22h16min e, na Promotoria de Justiça, a depoente Sandra Teresinha Correia Azambuja reconheceu, nas imagens, as figuras de Ezequiel de Souza Dias e Edimar Antunes de Souza (ID 44863210).

Nos termos do entendimento do julgador de primeiro grau, as imagens apresentam “uma noção do clima de beligerância que existia em Cerro Grande/RS, na data do fato no parágrafo anterior, merecendo especial destaque o momento em que uma pessoa (provavelmente Luan Bombana) narra a agressão praticada por Edimar, afirmando ‘tá louco, deram uma coronhada na cabeça do Élio que quase rachou a cabeça dele’. Na sequência, é possível ouvir gritos e alguém dizendo ‘vamos fechar essa bodega aí'”.

Aqui é importante fazer um registro. Embora as razões recursais tenham realizado ampla abordagem dos depoimentos prestados por Maiqueli Raimundi e João Marcos Raimundi, alegando terem faltado com a verdade ao registrar boletins de ocorrência contra os recorrentes, a sentença não se baseou nesses testemunhos e em nenhuma narrativa por eles apresentada. Desse modo, a tratativa sobre tais depoimentos é irrelevante para o julgamento do feito.

Em juízo, Elio Krummenauer reafirmou as declarações prestadas perante a polícia no sentido de que, em 22.10.2020, Edimar lhe desferiu uma coronhada, e que não sabe o motivo da agressão, mas que era adversário político de Edimar, acreditando ter sido esse o motivo.

Conforme síntese contida na sentença, Elio confirmou o seu depoimento policial, narrando que “existia uma associação de pessoas, durante o período eleitoral, com o fim de intimidar os opositores no município de Cerro Grande/RS, sendo esta conhecida de Valmor e de Gláucia” e “que não sabe de nenhum outro motivo para ter sido agredido e acredita que a agressão teve motivação política por apoiar o lado oposto”. Veja-se:

[...] em relação ao fato do dia 22/10/2020, por volta das 22h14min, sua esposa tinha uma lancheria, na qual o declarante estava trabalhando; que em tal dia chegou da lavoura e foi para a lancheria, tendo pedido a sua esposa para irem embora, ficando aguardando esta no lado de fora, em frente à porta do carro; que Camila passava de carro em frente à rua e gritava, não sabendo esclarecer quais palavras eram dita por esta, em razão do barulho dos carros, não tendo respondido nada a ela; que não viu Edimar disparar arma de fogo antes da coronhada, nem reparou em qual veículo estava Edimar, porque estava escuro; que Edimar lhe disse que mandava ali e que quando ele “avançou” contra si, o declarante disse que não tinha nada contra ele, oportunidade em que Edimar lhe desferiu uma coronhada; que não viu mais nada depois da coronhada, apenas limpava o sangue que escorria; que conseguiu ir até o posto, não sabendo identificar quem lhe atendeu; [...] que não sabe informar quem seriam as pessoas a quem Edimar se referia quando disse “nós mandamos aqui” [...]; que não sabe o motivo da agressão, mas que era adversário político de Edimar, acreditando ter sido este o motivo; que nunca discutiu sobre política com Edimar; que esse tipo de abordagem era comum, mas não sabe dizer se as vítimas eram apoiadoras de algum partido; que existia uma associação de pessoas, durante o período eleitoral, com o fim de intimidar os opositores no município de Cerro Grande/RS, sendo esta conhecida de Valmor e de Gláucia; que não tinha cargo público na administração anterior; que as pessoas tinham medo de sair de casa, até mesmo para trabalhar, tendo o declarante medo de ser agredido novamente; que não fazia campanha porque trabalhava o dia inteiro; [...] que, em relação ao depoimento dado para Polícia, confirma que havia cinco veículos tripulados por várias pessoas, sendo que vários indivíduos saíram do carro gritando que quem mandava ali eram eles. Questionado pela Defesa, informou que Caio também foi intimidado; que não tem desavenças com Gláucia ou com Valmor, os quais considera pessoas boas; que não estava portando arma, nem discutiu com os agressores antes da coronhada; que não é filiado a partido político e não sabe se a chapa juntos de novo coligados com o povo trouxe pessoas de fora para auxiliar na campanha [...]. Questionado pelo Magistrado, acrescentou que não sabe de nenhum outro motivo para ter sido agredido e acredita que a agressão teve motivação política por apoiar o lado oposto, tendo realizado propaganda de uma vereadora em seu carro, mas não se considerava cabo eleitoral desta [...].

O recurso tenta desvincular da campanha dos recorrentes a intenção da coação praticada contra Elio, porque o eleitor afirmou ser apoiador e ter adesivado seu veículo com propaganda da candidata a vereadora Adriana Regina Pastorio, esposa de Nelsi Pastório (Chico da Barca).

Ocorre que a candidata concorria pelo PDT, partido contrário ao dos recorrentes, tendo Elio reconhecido que não apoiava a campanha de Valmor e Glaucia, o que, evidentemente, o tornou alvo da coação eleitoral, pois a campanha não era apenas para o cargo de vereador, mas também para prefeito e vice.

Embora o recurso sustente que “não há como concluir, a partir do que a suposta vítima disse, que a ameaça teria como objeto obter-lhe o voto”, e que, quanto a Elio, “o medo de sair na rua não era específico aos fatos políticos”, os depoimentos prestados perante a autoridade policial e em juízo, por todas as testemunhas que presenciaram o fato, narram que a única motivação para a agressão sofrida por Elio seria política, uma vez que ele era apoiador da oposição.

E a coação perpetrada contra Elio Krummenauer também foi confirmada pelos depoimentos judiciais de Pedrolina Alexandre e Luan Bombana.

Pedrolina Alexandre, companheira de Elio, ao ser ouvida em juízo, corroborou a narrativa de Elio:

[...] em relação ao fato ocorrido dia 22.10.2020, por volta das 22h14min, viu as pessoas chegando de turma, pois era proprietária do bar, o qual foi fechado por causa dos incidentes; [...] que tentaram invadir o bar em uma oportunidade anterior, oportunidade em tiveram que trancar as portas; que no dia do fato estavam fechando o bar para ir embora para evitar problemas, quando os carros começaram a passar e a provocar as pessoas que ali estavam; que escutou de Camila e de Josino que era melhor se recolher porque “iam meter bala”; que quando estavam se dirigindo para o carro, Élio recebeu uma coronhada na cabeça, a qual foi desferida por Edimar; que Edimar apontou a arma em direção às demais pessoas, o que já havia sido feito no dia da invasão; que essas intimidações ocorreram só nessas duas oportunidades; que os agentes chegavam em grupo, todos juntos, e intimidavam todos ao redor; que depois da coronhada em Élio foram para um posto e de lá encaminhados ao hospital de Palmeira das Missões, onde Élio necessitou fazer uso de oxigênio; que não sabe o motivo da invasão e da coronhada, pois não tinha inimizade com outras pessoas, acreditando que os fatos tenham relação com a política; que seu marido (Élio) fez propaganda para a esposa de Chico (Nelsi Pastório), candidata ao cargo de vereadora, e que esse poderia ter sido o motivo; que acredita que a agressão poderia ter sido uma tentativa de intimidação para que não votassem na candidata; que com certeza se sentiu intimidada nesse sentido; que o evento ocorreu uma vez, sendo que após as eleições não aconteceram mais incidentes; que uma carreata passou na frente da sua casa durante a campanha eleitoral, oportunidade em que Camila, que estava em uma camionete, apontou para a casa da declarante e disse que “tinha que matar todos e atear fogo na casa”; que tal intimidação teve motivação política, acreditando que tal fato tenha ocorrido para que a declarante não votassem na candidata do PDT [...]. Quando questionada pela defesa, acrescentou que no início a confusão vinham em seu estabelecimento pessoas dos dois lados da política, e que no final se dividiram; que, com certeza, tais atos era uma forma de intimidação para que não votassem nos candidatos adversários, mas não tem prova disto [...].

Luan Bombana, filho de Pedrolina, também reforçou o depoimento de Elio em juízo:

[...] em relação ao fato do dia 22.10.2020, por volta das 22h14min, estava sentado no bar da mãe, em uma garagem que fica ao lado; que Edimar, Camila e Leonei passavam em carros e provocavam as pessoas que ali estavam para que iniciassem uma briga; que o bar estava fechando e estavam indo embora com a família quando aproximadamente 30 pessoas chegaram, unidas, em grupo, numa comunhão de esforços, com “unidade de desígnios”; que quando as pessoas chegaram, escutou um disparo de arma de fogo, mas não sabe se Edimar foi autor do disparo; que estava ao lado do carro, quando Edimar e Kauê o chamavam para que o declarante “partisse para cima deles”, mas não revidou; que Edimar deu uma coronhada na cabeça de Élio, tendo o declarante visto Edimar com uma arma de fogo na mão; que viu Edimar e Camila indo em direção a pessoas do bar da esquina, sendo que ambos estavam gritando, não sabendo especificar o que fora dito, pois não escutou; [...] que encrencas em razão de política aconteceram com outras pessoas na época da eleição, inclusive em pleitos anteriores; que é a primeira vez que vota em Cerro Grande e não sabe o motivo dos atos, mas provavelmente têm relação com questão política, pois os agressores são do partido contrário ao de sua família; que não viu o grupo de Edimar intimidar outras pessoas opositoras do grupo da Gláucia, mas que ficou sabendo; que não sabe dizer se os atos tinham a intenção de intimidar para interferir no voto dessas pessoas; que não foi agredido; que Élio foi agredido pela ligação política que tinha com PDT; que existia um grupo de pessoas armadas unidas para promover os atos, naquele dia e no período eleitoral; que depois das prisões não sabe se dizer se os atos continuaram a acontecer, mas sabe que outras pessoas foram abordadas e agredidas, podendo citar a agressão a “Chico da Barca”, ocorrida em frente ao posto de saúde, a qual o declarante acha ter ocorrido após as prisões, não sabendo indicar quem foram os agressores. Questionado pela Defesa, acrescentou que não houve discussão antes da agressão de Élio; que imagina que as agressões tiveram motivação política, pois Élio esteve por muito tempo vinculado ao PP e que nas últimas duas eleições apoiou o PDT; [...] Questionado pelo Magistrado, acrescentou que não sabe dizer se houve a participação de facção criminosa na eleição, mas que na cidade havia comentários de havia facção envolvida, não sabendo informar se houve fornecimento de armas ou de veículos por esta, mas tomou conhecimento da utilização de um veículo blindado no período da campanha, o qual nem sempre circulou pela cidade, sendo trazido a Cerro Grande durante a campanha [...].

Do conjunto probatório, realmente extrai-se que a forma de agir dos agressores era a tentativa de intimidação de eleitores ou correligionários que manifestavam apoio aos candidatos adversários aos recorrentes.

A intenção de favorecer a campanha dos recorrentes com a captação ilícita de sufrágio também está fundamentada nos depoimentos prestados pelos policiais civis que, lotados na Delegacia de Polícia de Jaboticaba/RS, foram responsáveis pelas investigações e confecção dos inúmeros boletins de ocorrências registrados durante o período eleitoral de 2020, como se extrai da sentença:

O policial civil Alexandre Wachter declarou, em síntese, que:

[...] foi lotado no município de Jaboticaba em dezembro 2017, onde permaneceu até novembro de 2020, bem como que os acontecimentos na campanha eleitoral foram bastante incomuns, tendo prejudicado o próprio trabalho da polícia em outras atividades; que receberam informações, por denúncias anônimas, de prováveis intervenções de facções criminosas em órgãos públicos, as quais cobrariam cargos públicos em troca de “segurança” aos candidatos durante o período de campanha, havendo relatórios de inteligência da Polícia Civil dando conta deste financiamento de campanha pelas facções, inclusive com menção ao nome de Edimar como membro faccionado, em execução a ordens de Germano Rocha Lírio (pertencente à facção “Os manos”); que, em cumprimento a mandados de busca e apreensão deferidos pelo Juiz Eleitoral, foi apreendido um carro blindado em uma garagem situada no município de Cerro Grande/RS, onde aconteciam as reuniões do partido (dos representados) e que, embora não tenha constado na ocorrência, junto ao carro foi encontrado o documento de Edimar e, no local, fora do veículo, o celular deste, bem como que o candidato Valmor estava na citada garagem, no momento da apreensão, onde era realizada uma reunião; [...] que não tem dúvidas de que Valmor tinha ciência de tudo, por residir em frente a garagem e estar presente nas reuniões, não podendo dizer se Valmor comandava as ações, mas que era conivente; que a Parati branca, de propriedade da mecânica Brocco, está vinculada a diversas denúncias de intimidações a populares para influenciar no voto, a qual, durante o período de campanha, estava em posse de pessoas da coligação; que o mesmo veículo foi alvejado por disparos, posteriormente, mas tal fato não foi comunicado formalmente à Polícia Civil, o que é incomum, havendo denúncias anônimas dando conta ter visto “Mônica” (apoiador dos representados) saindo do veículo e efetuando disparos contra o próprio carro; [...] que existiu um estado de conflito deflagrado entre os dois lados, no município de Cerro Grande/RS, sendo o outro lado (dos candidatos Eleedes e Élio) se armou em resposta aos ataques sofridos, não sendo possível dizer que em Cerro Grande houve democracia durante as eleições municipais; que depois das prisões, a situação aparentava ser mais calma, mas que intimidações veladas ainda aconteciam [...]. Questionado pela defesa, informou que no outro lado foi identificada uma arma calibre 12 de um indivíduo e um revólver de outro indivíduo, o qual teria sido utilizado para ferir uma menina; [...] que de uma forma muito desproporcional havia desavenças entre os dois lados, mas que o conflito foi iniciado por um lado apenas. Questionado pelo Magistrado, informou que determinadas pessoas que atuaram na intimidação são ligadas ao chefe da facção, Germano, inclusive, que durante saídas da prisão deste, tais pessoas o levavam até a residência e faziam “caminhadas”, por ordem deste [...].

Já a policial civil Adriana Bonatto, em seu depoimento, esclareceu que:

[...] assumiu como escrivã na Delegacia de Jaboticaba/RS em 05 de outubro de 2020, e que a situação de Cerro Grande era um caos na época, havendo fila de populares, às 08h da manhã, para depor; que a maioria das pessoas não queria registrar ocorrência por medo [...] que a situação pós-eleição é diferente, bem tranquila, havendo um registro de ocorrência por semana, aproximadamente; que o fluxo e a gravidade das ocorrências diminuíram após a prisão de Edimar, de Edson e Ezequiel; que havia suspeita, mas não comprovação, do apoio de facção criminosa durante a campanha eleitoral; [...] que pessoas relatavam que eram impedidas de fazer campanha, pois Edimar, Edson, “Mônica” e “Cereja” abordavam carros nas ruas e intimidavam as pessoas; que foi identificado, no celular de Edson, uma conversa em que ele e Gláucia negociavam um cargo na prefeitura para a esposa de Edson, em virtude do “trabalho” feito durante as eleições, sendo que o salário inicialmente proposto por Glaucia era baixo, tendo Edson recusado o cargo, para, após aceitar uma função com valor final em torno de 3 mil reais; que também foi identificada uma conversa, no dia em que os indivíduos saíram do presídio, na qual enviaram uma selfie para Glaucia, que respondeu para que viessem imediatamente para o posto, local onde se encontravam [...]; que, sem dúvida, existia um abuso de poder coercitivo pela agremiação de Valmor e de Glaucia em relação aos eleitores e aos opositores, os quais se sentiam intimidadas de expor a manifestação do voto [...].

Por fim, o Delegado de Polícia Gustavo Germano da Silva Fleury, responsável pela Delegacia de Polícia de Jaboticaba à época, ao ser inquirido em juízo, mencionou que:

[...] a polícia civil de Jaboticaba teve que fazer intervenções em Cerro Grande e em Lajeado do Bugre, inclusive com o cumprimento de mandados de busca e apreensão; que muitos registros de ocorrência ocorreram de ambos os lados de fatos leves a graves, incluindo disparo de arma de fogo, porte ilegal de arma, lesão corporal, ameaça.; [...] que relatórios davam conta de que Germano Rocha Lírio, da facção “Os Manos” residia em Lajeado do Bugre e que teria vinculação com a secretaria de transportes de Lajeado do Bugre, não sabendo dizer se era um emprego formal ou informal; que teria participado dos últimos pleitos, no qual teria entrado em conflito com o candidato que concorreu à reeleição, e que anteriormente havia apoiado [...]; que Germano estaria migrado as ações para Cerro Grande; [...] que, em Cerro Grande, uma mulher foi atingida por arma de fogo, veículos foram alvejados e disparos aleatórios efetuados; que pessoas eram impedidas de realizarem campanhas políticas, sendo alguns indivíduos identificados como autores dessas ações, podendo citar duas figuras principais, Edimar e Edson, os quais eram citados em quase todas as ocorrências de coação eleitoral em Cerro Grande; que outra figura frequentemente citada era Ezequiel; [...] que a polícia representou por prisões cautelares de Edimar, Edson e Ezequiel, e também pela expedição de mandados de busca e apreensão; que para o cumprimento de mandados foi realizando uma “força tarefa”, incluindo apoio da Brigada Militar, pois o declarante e sua equipe desconheciam os endereços de Cerro Grande, sendo guiados pelos policiais militares do município; que nenhum dos alvos se encontravam nos locais às 06-07 horas da manhã, tendo o fato causado estranheza, por não ser normal, tendo o declarante certeza de que as informações “vazaram”; que foi realizada busca na garagem do Vati, onde os grupos se reuniam, local em que foram encontradas três ou quatro pessoas, inclusive o proprietário; que foi encontrado um veículo Golf, blindado, e em seu interior os documentos de Edimar, não recordando quais [...]; que o veículo tinha placa em Novo Hamburgo, onde tinha inúmeros registros de envolvimento em tráfico de drogas; que Novo Hamburgo é berço da facção “Os Manos” [...]; que era comum encontrar, em abordagens, pessoas da região metropolitana na região, recordando de indivíduos de Sapucaia, de São Leopoldo, de Novo Hamburgo, os quais não tinham vínculo com o município de Cerro Grande/RS e relatavam estar procurando emprego ou que trabalhavam ali; que estas pessoas tinham passagem policial e acredita que estavam ali para atuar na coação eleitoral; que não tem dúvidas de que as ações restringiram a liberdade de voto, o que normalmente ocorre em pequenos municípios, em ambos os lados [...]; que os depoimentos das testemunhas permitiam concluir que existia ligação entre as pessoas, tendo o representado Valmor admitido, em depoimento prestado na polícia, que Edimar, Edson e Ezequiel trabalhavam para ele de forma voluntária; [...] que os fatos ocorridos em Cerro Grande não eram isolados, tendo sido praticados em associação pelos agentes; que eram sempre as mesmas pessoas com o mesmo tipo de ação, que havia unidade de desígnios voltados para o mesmo sentido, sendo Leonei corriqueiramente apontado com os fatos; [...] que houve uma preocupação do Estado em atender a demanda na época, tendo recebido ligações de Porto Alegre em que as autoridades se mostravam preocupadas com os municípios de Cerro Grande e de Lajeado do Bugre; que chefias de polícia ligavam perguntando o que estava acontecendo nos municípios, pelo volume de registros; que passadas as eleições as ocorrências acabaram, não havendo dúvidas de que os conflitos foram causados em razão do período eleitoral, sendo a grande maioria dos registros em época eleitoral a de “tentativa de homicídio branca” [...].

Destarte, correta a bem-lançada sentença ao concluir que os cabos eleitorais ou apoiadores da candidatura dos representados Valmor José Capeletti e Glaucia Regina Brocco, com a plena ciência e conivência destes, inclusive mediante o fornecimento de meios (veículo VW/Parati, branca, por Glaucia) praticaram atos de captação ilícita de sufrágio durante o período eleitoral, uma vez que as condutas acima descritas se amoldam perfeitamente ao disposto no art. 41-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

Do exame do caderno probatório, do conjunto da prova e da sua manifesta concatenação e relação temporal com o pleito ocorrido em 15.11.2020, não vejo como deixar de entender que os fatos são demasiadamente graves e atraem o severo juízo de cassação do mandato eletivo.

Relativamente à multa prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, os recorrentes não manifestaram insurgência quanto ao valor da sanção nem apontaram a incapacidade financeira para pagamento.

Nesse ponto, entendo razoável e proporcional a fixação individual da penalidade em seu patamar máximo de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil e duzentos e cinco reais) para cada candidato, na esteira da fundamentação da decisão recorrida:

Por fim, em relação à aplicação da multa prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, entendo que, diante da gravidade dos atos praticados pelos representados e seus apoiadores, que, além de atemorizar a população do pequeno Município de Cerro Grande/RS durante todo o período de campanha de 2020, exigiu uma mobilização anormal da Justiça Eleitoral, Ministério Público Eleitoral e órgãos de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul (inclusive com a prisão preventiva de Edson, Edimar e Ezequiel), no intuito de inibir as condutas ilícitas e de evitar consequências ainda mais gravosas aos eleitores de Cerro Grande/RS, inclusive a morte de cidadãos, deve ser aplicada em seu patamar máximo, para fins de, além de sancionar à altura as condutas praticadas, inibir que estas se repitam em futuras eleições a serem realizadas no Município. Assim sendo, afigura-se justo, adequado e proporcional a fixação da multa no importe de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil e duzentos e cinco reais), individualmente.

Com esses fundamentos, entendo que a confirmação da sentença é medida impositiva, merecendo ser desprovido o recurso.

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos para reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio, na modalidade coercitiva (art. 41-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97), cassar os diplomas eleitorais concedidos aos recorrentes e aplicar-lhes multa de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil e duzentos e cinco reais), individualmente, determinando a realização de nova eleição para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Cerro Grande - RS, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, vedada a participação dos recorrentes.

Considerar prequestionada toda a matéria de defesa invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal.

Após a assinatura do acórdão, comunique-se à respectiva Zona Eleitoral para registro e cumprimento imediato quanto à adoção das providências para a realização de nova eleição.