REl - 0600552-87.2020.6.21.0173 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/04/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

O recurso é tempestivo e adequado, motivo pelo qual dele conheço.

 

Preliminar de inadmissibilidade do recurso

Em contrarrazões, os recorridos alegam que o recurso não merece ser admitido, pois tratar-se-ia de “verdadeira peça de alegações finais”, buscando rediscutir matérias que não teriam sido suscitadas primeira instância. Ou seja, sustentam a inobservância do princípio da dialeticidade, por não ter o recorrente, supostamente, impugnado especificamente os fundamentos da sentença, conforme exigem o art. 932, inc. III, do CPC e o Enunciado da Súmula n. 26 do Tribunal Superior Eleitoral.

Contudo, adianto que estou rejeitando a preliminar.

Isso porque das razões recursais se infere que o recorrente formulou pedido de reforma da sentença trazendo fundamentos concernentes aos fatos narrados na inicial e submetidos à instrução processual.

Assim, pretensão deduzida pela parte, ainda que inserida em um contexto argumentativo mais amplo, atende ao requisito da dialeticidade, bem como demonstra o interesse recursal na alteração do resultado do julgamento, viabilizando o conhecimento do recurso.

Superada essa questão prefacial, passo ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva.

 

Preliminar de ilegitimidade passiva

Também em contrarrazões, os recorridos sustentam que apenas os candidatos eleitos e o Partido Progressistas deveriam integrar a lide, impondo-se o reconhecimento da ilegitimidade passiva dos demais corréus.

Sem razão.

A questão foi minuciosamente examinada pelo douto Procurador regional Eleitoral (ID 44929697), razão pela qual transcrevo seus argumentos, acolhendo-os como razões para a rejeição da prefacial. Vejamos:

A eventual procedência da ação de investigação judicial eleitoral pode importar tanto na declaração de inelegibilidade de todos que hajam contribuído para a prática do ato considerado abusivo quanto na cassação do registro ou do diploma dos candidatos beneficiados. Diante de tais cominações, a presença dos candidatos do partido demandado, suplentes ou eleitos, está justificada, uma vez que a situação jurídica de todos eles pode ser atingida.

Cabe ressaltar que, embora a jurisprudência eleitoral, em casos como o presente, afaste o litisconsórcio necessário entre candidatos eleitos e candidatos suplentes, não se trata aqui de reconhecimento da ilegitimidade passiva dos suplentes, pois estes possuem a expectativa de virem a ser diplomados. Ou seja, embora não constitua condição de validade da decisão judicial a presença, no polo passivo, dos candidatos suplentes, a participação deles na lide não está vedada, admitindo-se a sua contribuição para a formação do convencimento do juízo.

Por sua vez, os membros da direção partidária que auxiliaram para a consumação dos atos reputados ilícitos devem integrar o polo passivo porque se encontram igualmente sujeitos à sanção de inelegibilidade.

 

Portanto, rejeito a prefacial e passo ao exame do mérito.

 

Mérito

No mérito, trata-se de recurso eleitoral interposto pelo DEMOCRATAS DE GRAVATAÍ/RS contra sentença do Juízo da 173ª Zona Eleitoral que julgou improcedentes os pedidos formulados em Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE proposta em desfavor dos recorridos, sob fundamento de violação ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, por fraude no preenchimento do número das candidaturas por gênero, nas eleições proporcionais de 2020, no Município de Gravataí/RS.

A matéria recursal está adstrita à análise das provas referentes à possível transgressão do § 3° do art. 10 da Lei n. 9.504/97, alterado pela Lei n. 12.034/09. Pretende o recorrente demonstrar que ANA PAULA MACHADO MELO RODRIGUES realizou registro de candidatura sem o real interesse de concorrer às eleições, o que configuraria uma simulação de candidatura.

É relevante destacar que o conteúdo teleológico da referida norma é estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Trata-se da implementação de ação afirmativa com o fim claro de fomentar a participação política das mulheres.

O TSE é firme no posicionamento de que a norma é cogente e obrigatória. Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa:

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. INSERÇÕES NACIONAIS. PRIMEIRO SEMESTRE DE 2016. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). TEMPO DESTINADO À PROMOÇÃO E À DIVULGAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA. INOBSERVÂNCIA. PROCEDÊNCIA.

CASSAÇÃO. PROPAGANDA SEGUINTE. REVERSÃO DO TEMPO CASSADO À JUSTIÇA ELEITORAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. ATENDIMENTO À FINALIDADE LEGAL.

(…).

PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA

3. O incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não

apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero (art. 5º, caput e I, da CF/88).

4. Apesar de, já em 1953, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), assegurar isonomia para exercício da capacidade eleitoral passiva, o que se vê na prática ainda é presença ínfima das mulheres na política, o que se confirma pelo 155º lugar do Brasil no ranking de representação feminina no parlamento, segundo a Inter-Parliamentary Union (IPU).

5. Referida estatística, deveras alarmante, retrata o conservadorismo da política brasileira, em total descompasso com população e eleitorado majoritariamente femininos, o que demanda rigorosa sanção às condutas que burlem a tutela mínima assegurada pelo Estado.

6. Cabe à Justiça Eleitoral, no papel de instituição essencial ao regime democrático, atuar como protagonista na mudança desse quadro, em que as mulheres são sub-representadas como eleitoras e líderes, de modo a eliminar quaisquer obstáculos que as impeçam de participar ativa e efetivamente da vida política.

7. As agremiações devem garantir todos os meios necessários para real e efetivo ingresso das mulheres na política, conferindo plena e genuína eficácia às normas que reservam número mínimo de vagas para candidaturas (art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97) e asseguram espaço ao sexo feminino em propaganda (art. 45, IV, da Lei nº 9.096/95). A criação de "estado de aparências" e a burla ao conjunto de dispositivos e regras que objetivam assegurar isonomia plena

devem ser punidas, pronta e rigorosamente, pela Justiça Eleitoral.

8. Em síntese, a participação feminina nas eleições e vida partidária representa não apenas pressuposto de cunho formal, mas em verdade, garantia material oriunda, notadamente, dos arts. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, 45, IV, da Lei nº 9.096/95 e 5º, caput e I, da CF/88.

(…).

(Representação nº 29135, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 54, Data 20/03/2017, Página 90-91.)

 

Ainda, agrego que os partidos políticos recebem recursos do Fundo Partidário, cabendo-lhes, como instrumento para o cumprimento da reserva de gênero, aplicar parte desses valores na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, conforme dispõe o art. 44, inc. IV, da Lei n. 9.096/95.

Assim, a fraude ao desiderato legal estaria configurada diante da indiferença da agremiação e da própria concorrente quanto ao destino de sua candidatura, cujos efeitos, no contexto do pleito, estariam restritos à burla à lei, exaurindo-se a partir do deferimento do DRAP pelo julgador do registro de candidaturas.

Pois bem, no caso concreto, depreende-se do acervo probatório que não restou comprovada a intenção de fraudar a lei, servindo seu registro exclusivamente como simulacro de candidatura.

Assim posicionou-se o juízo de primeiro grau (ID 44869617)

No mérito, tenho que a presente ação de investigação eleitoral não merece prosperar. Explico.

Apesar de os demandantes alegarem que a candidata a vereadora Ana Paula Machado Melo Rodrigues foi uma candidatura fictícia, fato o qual teria ocorrido com a concordância do Partido Progressistas de Gravataí, os requerentes não lograram êxito em demonstrar de forma inequívoca de que a candidatura de Ana Paula se deu mediante fraude.

Tenho que não procede a alegação de que "zero voto" na candidatura de Ana Paula possa servir por si só como prova de abuso de poder econômico. Tampouco de que a candidatura da requerida possa ter servido apenas para o preenchimento do percentual mínimo de cada gênero por parte da Coligação representada.

Nesse sentido, cito a decisão de arquivamento do Procedimento Administrativo, tombado sob o n. º 01597.000.391/2020, pelo Ministério Público Eleitoral, sob o argumento de que o arquivamento do expediente deu-se por ausência de indícios da ocorrência de fraude eleitoral por parte da candidata Ana Paula, a qual justificou ao parquet ter desistido da candidatura devido ao adoecimento dos seus filhos pequenos durante a campanha, bem como afirmou que utilizou o valor de R$ 3.500,00 para o pagamento das pessoas que trabalhariam na campanha, porém sequer chegou a mandar fazer o material da propaganda eleitoral.

Do acima exposto, bem como acompanhando o Parecer Ministerial Eleitoral, tenho não socorrer aos autores a configuração da ilicitude pretendida na presente demanda, pois esta não pode decorrer de meras deduções ou presunções. O abuso de poder econômico e a fraude da cota de gênero alegados pelos autores devem vir amparados em provas contundentes, sendo que, em caso de dúvida razoável, a improcedência da demanda se impõe, pois só o juízo de certeza pode ter a força de uma condenação, o que inocorre no caso concreto.

 

Analisando a sentença e o material probatório existente nos autos, não é possível identificar um único fato comprovado que demonstre que a candidatura de ANA PAULA MACHADO MELO RODRIGUES tenha sido um ato de transgressão ao § 3° do art. 10 da Lei n. 9.504/97, alterado pela Lei n. 12.034/09.

Por outro lado, a informação de que a candidata realizou investimento para a própria campanha, na ordem de R$ 3.500,00, demonstra a real intenção de competir no pleito eleitoral.

Outrossim, em relação à inexistência de obtenção de votos pela candidata (voto zero), tenho que corrobora com a informação de que teria desistido da campanha em virtude do adoecimento de familiares.

Salienta-se que jurisprudência deste Regional é consolidada no sentido de que circunstâncias como a obtenção de pequena quantidade de votos pelas candidatas, a não realização de propaganda eleitoral ou, ainda, o oferecimento de renúncia no curso das campanhas, por si sós, não são suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito os seguintes precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03/06/2014, Relator(a) DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05/06/2014, Página 6-7 )

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 41743, ACÓRDÃO de 07/11/2013, Relator(a) DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14/11/2013, Página 5 )

 

Ademais, para que se conclua pelo severo juízo de cassação da votação de todo o partido em um determinado município, é extremamente necessária prova robusta e inconteste da prática da fraude eleitoral, sob pena de se afrontar o princípio in dubio pro suffragium.

Por consequência, não havendo prova robusta, concreta e coerente de que a candidata tenha sido registrada com vício de consentimento, ou tenha promovido a campanha de terceiros, ou, ainda, não tenha atuado efetivamente em sua própria propaganda, dentre outras situações passíveis da configuração de fraude na observância do percentual de gênero, há de se preservar a acertada sentença pela improcedência da ação.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a decisão de primeiro grau.

É como voto, senhor Presidente.