REl - 0601125-23.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/04/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

(...).. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica.

(...).

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07/03/2018, Relator: DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09/03/2018, Página 2.) (Grifei.)

Sendo essa a hipótese dos autos, pois apresentada com a peça recursal nota fiscal de despesa eleitoral, conheço do documento juntado no ID 44878932.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

No mérito, as contas de campanha eleitoral de LEANDRO DE ANDRADE MIRANDA foram desaprovadas na origem, tendo em vista que, no curso dos procedimentos técnicos de exame, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul informou a emissão de notas fiscais contra o CNPJ do prestador, cujas despesas correspondentes não constaram registradas às contas de campanha, de acordo com o quadro seguinte:

De seu turno, o recorrente afirma que os cheques emitidos para pagamento das notas fiscais n. 31288152, 31829205 e 31566317 foram devolvidos, conforme registro no extrato bancário.

Ainda, refere que o fornecedor emitiu uma nova nota fiscal, sob o n. 032020584, no valor de R$ 950,00, em substituição a todas as anteriores, cujo pagamento foi efetuado com o cheque n. 850006.

Por fim, explica que, em 04.7.2021, foi emitida a nota fiscal n. 035.386.402, de estorno das notas fiscais que não tinham sido canceladas no prazo legal.

Pois bem.

Quanto ao tema, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, segundo preceituam os arts. 59 e 60, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

 

[...].

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura dos dispositivos, depreende-se que, se há a nota fiscal, se presume que houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, devem ser adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução:

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

No caso em apreço, verifica-se que a nota fiscal n. 032.020.584 foi emitida em 12.11.2020, no valor de R$ 950,00 (ID 44878924), abarcando e substituindo, segundo as alegações do recorrente, as notas fiscais n. 31288152, 31829205 e 31566317.

Entretanto, a nota fiscal n. 31829205 somente foi emitida em 16.11.2020, no valor de R$ 350,00, conforme dados trazidos pelo Fisco Estadual e reproduzidos no parecer técnico, ou seja, posteriormente ao documento que lhe teria substituído.

Dessa forma, apesar da documentação trazida aos autos, é certo que remanesce não esclarecido tal ponto sobre as sucessões e substituições dos documentos fiscais em análise.

Ainda, a partir dos registros disponibilizados no Sistema de Divulgação de Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89354/210000687811/extratos), constata-se, nos extratos bancários, o registro do cheque n. 850008, e não do n. 850006, para o pagamento de despesas no valor de R$ 950,00.

Além disso, tem-se que a referida cártula não foi emitida de forma cruzada, pois não consta a contraparte favorecida no extrato eletrônico, estando em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Também, afere-se dos extratos eletrônicos que o cheque n. 850003, apontado pelo recorrente como sendo utilizado para o pagamento da nota fiscal n. 31566317, emitida pelo fornecedor Ivaldo Cristian de Almeida Machado, CNPJ 24.132.781/0001-36, foi, na verdade, sacado por Pedro Antunes da Silva, CPF n. 187.404.640-91.

Portanto, ainda que se considerasse aperfeiçoado o cancelamento das notas fiscais n. 31288152, 31829205 e 31566317 e suas substituições pela nota fiscal n. 032.020.584, resta induvidoso que o cheque emitido para o adimplemento do gasto eleitoral foi descontado sem a identificação do beneficiário, pois não consta o CPF/CNPJ da contraparte nos registros bancários.

Essa circunstância é suficiente para que se inviabilize a comprovação de que os recursos empregados em campanha foram efetivamente destinados à pessoa jurídica declarada como contratada pelo candidato, uma vez que há necessidade de que o lastro do pagamento seja consignado na própria operação bancária de crédito.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. FORMA INDEVIDA DE PAGAMENTO. CHEQUE NÃO CRUZADO. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ALEGAÇÃO DE DESCUIDO E JUNTADA DE NOTA FISCAL INSUFICIENTES. IRREGULARIDADE DE ELEVADO VALOR ABSOLUTO. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de realização de gastos por meio de cheque nominal não cruzado. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Pagamento de despesa com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, via cheque não cruzado, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A apresentação da nota fiscal não supre a inobservância do correto preenchimento do título, pois resta incontroverso que o cheque foi repassado a terceiro estranho à relação contratual, circunstância que inviabiliza a comprovação do pagamento.

3. Falha em percentual de 39,52% do total declarado e de valor absoluto elevado, não autorizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para atenuar o juízo de desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060021265, ACÓRDÃO de 23/09/2021, Relator OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE). (Grifei.)

 

Logo, as incongruências apontadas são suficientes para fragilizar o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade aos gastos de campanha, razão pela qual persistem as irregularidades reconhecidas na sentença.

 

Do Julgamento das Contas

No caso concreto, as falhas alcançam o valor de R$ 950,00, que representa, aproximadamente, 31,83% dos recursos arrecadados pelo candidato (R$ 2.984,00).

Em casos semelhantes, o Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha quando o montante das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado, adotando como referência o valor máximo de R$ 1.064,10 (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 63967, Acórdão, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 06.8.2019).

Nessa linha, considerando-se o reduzido valor nominal da irregularidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Leandro de Andrade Miranda, relativas ao pleito de 2020.