REl - 0600258-54.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/04/2022 às 14:00

Eminentes Colegas. 

Peço vênia à d. Relatora para divergir e reiterar posição já externada em 12.4.2022 por ocasião do julgamento do processo n. 0600326-35.2020-6.21.0124, de relatoria do Des. Francisco José Moesch, no sentido de entender pela extinção do feito sem resolução do mérito, aqui em decorrência do falecimento da prestadora de contas Vânia Dorneles Guerra. 

Isso porque, tal qual na ocasião em que compus minoria com o então relator, entendo pelo caráter intransmissível e pessoal dos interesses e efeitos advindos do julgamento de mérito das contas de campanha, de forma alinhada a precedente histórico desta Corte (PC n. 741849, Rel. Des. El. Jorge Alberto Zugno, DEJERS de 21.6.2012, Tomo 107, p. 03), e entender ocorrente apenas a transmissibilidade do dever de apresentação inicial das contas.

Nesse norte, prestadas as contas e sobrevindo o falecimento do prestador no curso do processo, efeitos de natureza personalíssima não podem recair sobre aqueles que não concorreram para as irregularidades ou delas se beneficiaram, como aliás é o posicionamento de uma série de outros tribunais regionais - TRE-SE, RE n. 27246, Rel. Des. El. Denize Maria de Barros Figueiredo, Diário de Justiça Eletrônico de 22.3.2017, Tomo 51; TRE-CE, RE n. 925644, Rel.  Des. El. Francisco Luciano Lima Rodrigues, Diário de Justiça Eletrônico de 14.12.2011, Tomo 229, p. 12; TRE-AL, PRESTC n. 259730, Rel. Des. El. Antônio José Bittencourt Araújo, DEJEAL de 02.6.2011, Tomo 99, p. 02.

Lembro ainda que o tema foi objeto de análise no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do julgamento do AgR-AI n. 0607961-81.2018.6.26.0000/SP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, envolvendo as contas do Deputado Federal Luiz Flávio Gomes relativas às eleições de 2020:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DISCUSSÃO DA SANÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. MORTE DO PRESTADOR DE CONTAS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. No caso, após prestar regularmente as contas de campanha relativas às eleições de 2018 e ter sido sancionado com a devolução de valores ao Tesouro Nacional e à esfera partidária pelo aresto regional, o candidato deste recorreu ao TSE quanto à restituição de valores. Contudo, essa sanção de restituição ainda estava em discussão, quando sobreveio a morte do prestador das contas. 2. A restituição de valores constitui obrigação dotada de valor econômico, não se revelando possível a transmissão aos sucessores ou herdeiros do de cujus, porquanto a sanção não se perfectibilizou. 3. Se impõe, assim, a extinção do processo, sem resolução de mérito. 4. Os argumentos expostos pelo agravante não são suficientes para afastar a conclusão da decisão agravada, cujos fundamentos devem ser mantidos. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 060796181, Acórdão, Relator: Ministro Edson Fachin. DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 232, Data 16.12.2021.)

 

E o precedente do Tribunal Superior bem destaca que em sede de prestação de contas de candidatos as obrigações de recolhimento de valores somente são transmissíveis após definitivamente constituídas, o que resta inviabilizado pelo falecimento do prestador.

E a mim não seduz o argumento de que o caso sob exame trata de candidata ao cargo majoritário de prefeito, ao passo que os precedentes versam sobre situações em que os candidatos concorriam a cargos eletivos proporcionais. 

Com a devida vênia, não consigo conceber que tenhamos uma natureza jurídica da obrigação de prestar contas de parte dos candidatos a cargos proporcionais (intransmissível), e outra natureza jurídica da mesma obrigação de prestar contas aos candidatos aos cargos majoritários (aqui, transmissível aos sucessores). Entendo que a diferenciação da essência da obrigação em decorrência do cargo disputado não tem justificativa jurídica plausível, em resumo. Noto que, da fundamentação do voto condutor do Ministro Fachin, há argumentos aplicáveis a qualquer cargo eletivo:

Verifica-se que, na espécie, não houve a constituição definitiva da reprimenda, não se observando a integração da obrigação ao patrimônio do candidato, não se revelando possível a transmissão aos sucessores ou herdeiros do de cujos. A transmissão a terceiros de obrigação com caráter sancionatório pressupõe a formação definitiva de sua culpa, não sendo tolerável que esse procedimento se opere sem a sua presença, em vista do falecimento. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta, com atingimento indevido do patrimônio a ser transmitido, o que não se pode admitir. Frise-se, por oportuno, que as obrigações não devidamente constituídas são inábeis a afetar a universalidade patrimonial fruto da sucessão, justamente em razão da impossibilidade de o seu responsável exercer o direito de defesa.

Ainda no acórdão em questão, o Ministro Luís Felipe Salomão efetuou considerações legais e doutrinárias em amparo à posição adotada pelo Ministro Edson Fachin:

[...].

3. Nos termos do art. 485, IX, do CPC/2015, extingue-se o processo sem resolução de mérito quando, “em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal”.

Ademais, consoante o art. 687 do diploma em apreço, “a habilitação ocorre quando, por falecimento de qualquer das partes, os interessados houverem de suceder-lhe no processo”.

A respeito desse dispositivo específico, leciona Renato Montans de Sá que “essa sucessão ocorrerá somente nas ações que versem sobre interesses transmissíveis. Não é possível a sucessão processual em demandas de natureza personalíssima, de que é exemplo o divórcio” (Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 957-958).

Da mesma forma, como ensina Flávio Tartuce em lição que se aplica às inteiras ao caso, “nos contratos impessoais, a obrigação do falecido transmite-se aos herdeiros”, ao passo que “nos contratos pessoais ou personalíssimos (intuitu personae), a obrigação do falecido não se transmite aos herdeiros” (Manual de Direito Civil: volume único. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense; MÉTODO, 2021, p. 1.452).

4. Especificamente quanto aos processos de prestação de contas de campanha de candidatos, dispõe o art. 20 da Lei 9.504/97 que “o candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei”.

Além disso, impende salientar que a Res.-TSE 23.553/2017, que disciplina as prestações de contas de campanha relativas às Eleições 2018, contém uma série de dispositivos no sentido de que o eventual recolhimento ou devolução de valores é de responsabilidade exclusiva do candidato. 

[...].

6. Por fim, não se desconhece que, nos termos do art. 48, § 9º, da Res.-TSE 23.557/2017, a que aludiu o Parquet em seu agravo interno, “se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, na forma desta resolução, referente ao período em que realizou campanha, será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária”.

Contudo, como bem esclareceu o douto Relator, o dispositivo cuida de matéria diversa, atinente à obrigatoriedade de prestar contas – o que ocorreu na espécie, frise-se –, e não ao recolhimento de valores.

[...].

 

Portanto, divirjo da e. Relatora e voto no sentido de extinguir o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inc. IX, do Código de Processo Civil.