REl - 0600243-97.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/04/2022 às 14:00

VOTO

 

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Preliminares. 1.1. Enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso. Não conhecimento. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica. (grifei)

2. Mérito. No caso dos autos, as falhas foram corrigidas pela documentação acostada, com a comprovação das doações, de forma a coincidir com a arrecadação dos valores oriundos das Direções Municipal e Estadual da agremiação, bem como pela compatibilidade das declarações de doador e candidata. Irregularidades sanadas. Confiabilidade e transparência das contas de campanha da candidata que não restaram comprometidas. Aprovação.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07/03/2018, Relator: DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09/03/2018, Página 2) Grifei.

Sendo essa a hipótese dos autos, conheço do documento apresentado com a peça recursal no ID 44867742, consistente em comprovante de situação cadastral no CPF do fornecedor Tales Regis Brehm da Silva.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.000,00, em razão da divergência entre o valor declarado a título de sobra financeira de campanha, envolvendo recursos do FEFC, e o valor efetivamente recolhido pela candidata ao Tesouro Nacional, conforme apontado no parecer conclusivo (ID 44867733):

Em relação às despesas realizadas com recursos financeiros do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, foi declarada sobra de R$ 2.169,00, porém apenas R$ 169,00 foram comprovadamente recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme documento ID 70448295.

 

A recorrente sustenta que a diferença de R$ 2.000,00 foi utilizada na contratação de Tales Regis Brehm Silva, para serviços de militância, e que não foi possível registrar anteriormente o gasto na contabilidade devido à anotação incorreta do CPF do contratado. Destaca, ainda, que, após o parecer conclusivo, acostou aos autos o respectivo instrumento contratual e os comprovantes bancários de pagamento ao prestador de serviços.

As razões e provas oferecidas, entretanto, não conduzem ao saneamento da irregularidade.

Observa-se que, nos documentos inicialmente apresentados às contas, não houve qualquer referência ao gasto eleitoral com Tales Regis Brehm Silva ou oferecimento de comprovantes relacionados à contratação, muito embora os instrumentos contratuais de outras despesas de mesma natureza tenham sido oportunamente apresentados (IDs 44867699, 44867700 e 44867701).

Em realidade, a quantia sob controvérsia foi originariamente declarada como “sobras” de receitas do FEFC (ID 44867689) e a alegação de uso do valor com serviços de militância foi apresentada somente após a confirmação da irregularidade no parecer conclusivo, sem qualquer retificação das informações contábeis.

Tais circunstâncias colocam séria dúvida sobre a contemporaneidade do contrato apresentado.

Igualmente, sob o aspecto intrínseco, verifica-se que o contrato de prestação de serviços (ID 44867738) não se mostra idôneo à comprovação da despesa, pois o documento sequer se encontra firmado pelo suposto prestador de serviço, está com erro no documento de identificação (CPF) do contratado, não há a especificação das atividades executadas para o cargo de “coordenação de logística” e nem justificativa do preço contratado, descumprindo as exigências do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 35.

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Embora exista, de fato, a identificação da contraparte Tales Regis Brehm Silva no extrato bancário, relativamente ao desconto do cheque n. 0004 emitido pela candidata, conforme informações disponibilizadas no Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210000729385/extratos), não há comprovação adequada de que o valor foi efetivamente despendido em um serviço para a campanha eleitoral.

Ainda, relativamente à argumentação da candidata de que os documentos foram apresentados fora do prazo em vista da pandemia e pelo fato de que sua mãe estava acometida pela Covid-19, não existe respaldo em elemento probatório juntado aos autos ou em manifestação da própria candidata externada em oportunidade anterior à sentença.

Logo, ausente a demonstração da utilização regular das “sobras” de receita do FEFC então apuradas, não merece reforma a sentença que reconheceu a irregularidade e determinou a restituição do equivalente ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO JUNTADA INTEMPESTIVAMENTE NÃO CONHECIDA. USO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. EXTRATOS SEM IDENTIFICAÇÃO DE CONTRAPARTES. DESPESAS COM VALORES DO FEFC SEM COMPROVAÇÃO. INCONGRUÊNCIA ENTRE INFORMAÇÕES PRESTADAS E EXTRATOS. MONTANTE REMANESCENTE DO FEFC NÃO DEVOLVIDO AO ERÁRIO. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE RECURSOS PÚBLICOS. IRREGULARIDADE DE ELEVADO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

(...).

3. Ausente comprovante de despesa com recursos do FEFC, bem como seu lançamento contábil no feito. Prestadora não se desincumbiu da obrigação de demonstrar a destinação da verba pública.

4. Extratos bancários sem identificação das contrapartes. Ausente comprovação de gastos debitados na conta para recebimento do FEFC e correspondência entre os lançamentos de despesas na contabilidade e a movimentação financeira. Omissão de gastos em contrariedade ao disposto no 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

5. Valores do FEFC não utilizados e não devolvidos ao erário na forma do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19. Indevida apropriação dos recursos públicos.

6. Irregularidades em percentual superior ao utilizado pela Justiça Eleitoral para mitigar o juízo de reprovação. Manutenção do dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060053752, ACÓRDÃO de 16/11/2021, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

 

Do Julgamento das Contas

No caso concreto, portanto, as irregularidades alcançam o somatório de R$ 2.000,00, que representa, aproximadamente, 28,27% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 7.072,25), quantias relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que desaprovou as contas de Maria Bernadete Senna Fagundes, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.