REl - 0601031-73.2020.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/04/2022 às 14:00

Adianto que acompanho integralmente o voto do relator, Des. Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle.

São três as condutas imputadas aos candidatos eleitos Volmir Miki Breier e Maurício Tonolher, Prefeito e vice-Prefeito no Município de Cachoeirinha, respectivamente:

a) restabelecimento de vantagens pessoais (retiradas em 2017) a servidores públicos municipais nos três meses anteriores ao pleito;

b) concessão de licenças-prêmio em pecúnia próximo às eleições e em troca de apoio político;

c) publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos em rede social (Facebook) da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha.

A primeira conduta, restabelecimento de vantagens pessoais a servidores públicos municipais em período vedado, foi enquadrada pelo Relator como conduta vedada disposta no art. 73, V, da LE e aplicada a sanção de cassação dos diplomas do prefeito e vice-prefeito eleitos no Município de Cachoeirinha.

No ponto, os documentos juntados pela própria Prefeitura Municipal e trazidos aos autos no ID 78575247, PJE de 1º grau, demonstram o restabelecimento da vantagem em relação aos servidores, no período vedado.

Conforme tabela juntada no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, constando a evolução dos valores a título de VPP - Vantagem de Pessoal Permanente, percebidos por 63 servidores no período de julho a outubro de 2020, extraídos dos 629 documentos juntados (ID 7857247), é possível aferir que pelo menos 60 servidores foram beneficiados com o restabelecimento da dita vantagem.

A título de amostragem, trago tabela contendo os valores da VPP de 10 servidores, na qual é possível verificar que, no caso do servidor Alex Sandro Correa Branco (ID 44317583) a VPP de R$ 1.515,97, em setembro de 2020, passou para R$ 4.142,99, em outubro de 2020. Em relação ao servidor Jaime Roberto Haupenthal (ID 44320083), de R$ 4.707,73, em agosto de 2020, para R$ 6.939,26, em setembro de 2020 e R$ 8.395,04, em outubro de 2020:

 

NOME

JULHO/20

AGO/20

SET/20

OUT/20

ID

Adler

R$ 761,84

R$ 761,84

R$ 761,84

R$ 1.338,19

44317433

Alessandra

R$1.718,24

R$1.718,24

R$2.148,62

RS 2.711,41

44317533

Alex Sandro

R$1.515,97

R$1.515,97

R$1.515,97

R$ 4.142,99

44317583

Ana Eulália

R$1.369,36

R$1.369,36

R$1.369,36

R$1.833,58

44317783

Arlei

R$ 955,83

R$ 955,83

R$ 955,83

R$1.762,09

44318383

Denise

R$ 631,64

R$ 631,64

R$ 1.140,89

R$ 1.140,89

44319183

Fernanda

R$ 551,98

R$ 551,98

R$ 551,98

R$1.353,55

44319733

Isabel

R$697,02

R$697,02

R$ 697,02

R$1.086,08

44319983

Jaime

R$4.707,73

R$4.707,73

R$ 6.939,26

R$8.395,04

44320083

Luciane

R$ 3.922,87

R$6.363,15

R$6.363,15

R$6.363,15

44320733

 

 

Especial registro em relação à servidora Luciane dos Anjos Fraga Gonçalves (ID 44320733), R$ 3.922,87, em julho de 2020 para R$6.363,15, de agosto a outubro de 2020. Esta última servidora, Luciane, também figura como doadora de R$ 3.060,00 para a campanha de Miki Breier (disponível em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85618/210000746170/integra/receitas, acesso em 02.04.2022).

Nesse cenário, considerando o contingente de pelo menos 60 servidores beneficiados com a readaptação de vantagem, que foi retirada pelo próprio candidato à reeleição em 2017 e concedida sem qualquer justificativa no período vedado, em período muito próximo ao pleito (outubro de 2020), envolvendo recursos públicos do Município de Cachoeirinha, tenho que houve a violação da paridade de armas entre os concorrentes, justificando não só a elevação da multa do patamar mínimo legal, como procedido pelo Relator, assim como a cassação dos diplomas dos demandados.

Trago à colação julgado semelhante ao caso posto, no qual o TSE igualmente fixou multa acima do mínimo legal, considerando a concessão de aumento de gratificação a apenas uma servidora:


 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, V DA LEI 9.504/97. READAPTAÇÃO DE VANTAGENS. APLICAÇÃO DE MULTA NO VALOR MÍNIMO PREVISTO. ARGUMENTOS INAPTOS A DERRUBAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. In casu, o ora agravante foi condenado ao pagamento da multa mínima prevista no § 5º, art. 73 da Lei das Eleições - dobrada apenas em razão da reincidência -, por ter, como Prefeito e candidato à reeleição, concedido em 22.8.2016 gratificação de 40% à Servidora que já recebia gratificação na ordem de 15%.

[...]

4. A conduta se amolda ao ilícito previsto no art. 73, V da Lei 9.504/97, uma vez que a Servidora, que ganhava uma gratificação de 15%, passou a receber a partir de 22.8.2016 - dentro do período vedado -, gratificação de 40%. Ainda que se alegue que o acréscimo decorreu em virtude de a Servidora ter sido nomeada para um cargo de chefia, não se justificou o motivo de a nomeação ter ocorrido em 30.3.2016 e o benefício incrementado 4 meses depois.

[...]

7. Agravo Regimental ao qual se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 16448, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 245, Data 19/12/2017, Página 78) (grifo nosso)


 

Ainda, não há como não considerar a pequena diferença de votos entre os candidatos eleitos e o segundo colocado de apenas 318 votos, em um município com 72.046 eleitores e o efeito multiplicador da conduta:

ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PROCEDÊNCIA. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. SÍNTESE DO CASO

[…]

5. A Corte de origem confirmou a sentença e manteve o reconhecimento do abuso de poder político consubstanciado na contratação temporária de algumas dezenas de servidores públicos, sem motivação excepcional e no curso do período eleitoral.

6. O fato ensejador da procedência da AIJE foi considerado grave não somente pelas circunstâncias ínsitas à conduta administrativa apurada, mas tendo em vista o ambiente específico da disputa majoritária do município, cuja votação foi decidida por uma margem mínima consistente em 49 votos, diante de um universo de 5.989 votos válidos, o que representou uma vantagem, em termos percentuais, de 0,82%, relevando-se, em consequência, o efeito multiplicador da conduta alusiva aos atos admissionais precários em face dos núcleos familiares dos contratados, em ambiente de pobreza generalizada.

7. A revisão da compreensão das instâncias ordinárias quanto ao ilícito de abuso de poder político tipificado no art. 22 da LC 64/90 exigiria nova incursão no contexto fático-probatório, o que é vedado nesta instância extraordinária, a teor do verbete sumular 24 desta Corte Superior.

8. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem adotado rigor quanto aos limites de incidência da norma permissiva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei das Eleições, em face da vedação, no período de três que antecede o pleito até a posse dos eleitos, dos atos de movimentação funcional (nomeação, contratação, admissão, demissão sem justa causa, supressão ou readaptação de vantagens, entre outros), porque tais condutas possuem nítido e expressivo impacto na disputa e, podem, em consequência e mesmo no âmbito da ressalva legal, configurar abuso de poder político.

EXECUÇÃO 9. A despeito de fundamento consignado na sentença, no sentido de se aguardar o trânsito em julgado da condenação para fins de execução, tal determinação ocorreu antes do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.525, que declarou a inconstitucionalidade da expressão "após o trânsito em julgado" prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral. 10. A duração certa dos mandatos eletivos não permite, por si só, acolher a exigência de decisão definitiva para execução dos pronunciamentos da Justiça Eleitoral, sob pena de manifesta ineficácia de suas próprias decisões.

CONCLUSÃO Recurso especial a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 21155, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 05/11/2019, Página 15-16)

 

A segunda conduta diz com a concessão de licenças-prêmio, em pecúnia, próximo às eleições e em troca de apoio político.

Com razão os recorrentes.

No mês de outubro de 2020, consoante tabela trazida na inicial, que não teve os valores impugnados por Miki Breier e Maurício Tonolher, foi despendida a importância de R$ 57.564,42 para 9 servidores, quando, desde setembro de 2018, a média de todos os pagamentos realizados nos meses anteriores a outubro importou em R$ 7.357,00. A Portaria juntada no ID 44303233 demonstra que. só no mês de outubro de 2020 .houve a concessão de licença-prêmio em pecúnia a 5 servidores (Adriana Veiga, Rosane Aparecida Severo Marques, Neusa Maria Capitão Pereira, Cleris Gonçalves Gussi e Ana Claudia de Oliveira Gomes Inacio).

Como ressaltado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral e no voto do Relator, em ano eleitoral, gestor que esteja disputando a eleição, na circunscrição do pleito, deve pautar atos administrativos que beneficiam eleitores, sejam servidores ou não, que destoam dos praticados nos demais anos do mandato, por uma clara justificativa para a disparidade, sob pena de restar configurado o abuso do poder, ante o desvio de finalidade na prática do ato administrativo.

As justificativas apresentadas (questão humanitária da COVID 19 e decisão da Junta Financeira e não do Prefeito) não procedem, nos termos do voto do Relator:

 

Quanto à “questão humanitária”, a pandemia não é hipótese autorizadora do aumento de gastos públicos com funcionalismo. Ao contrário, devido à pandemia, toda a população foi afetada financeiramente, razão pela qual, releva-se ainda mais grave o desvio de verbas públicas para atender apenas uma parcela da sociedade (servidores públicos), em detrimento da assistência e amparo aos mais necessitados, que perderam seus empregos.

A segunda justificativa, igualmente não procede, pois a Junta Financeira é órgão de aconselhamento do Prefeito, não tendo competência para deliberar sobre pagamento em pecúnia de licenças-prêmios.

 

Nessa medida, tenho que está demonstrada a gravidade das circunstâncias suficiente a caracterizar o abuso de poder político e econômico e comprometer a legitimidade e normalidade das eleições de 2020, pela presença simultânea dos aspectos qualitativos e quantitativos do ato: a) alto grau de reprovabilidade da conduta, pois praticada por gestor público candidato à reeleição; b) verba utilizada adveio dos cofres públicos, representando montante elevado (R$ 57.564,42), mais de 10% do total de recursos arrecadados pela campanha de Miki Breier (R$ 449.162,78, disponível em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85618/210000746170, acesso em 04.04.2022; c) praticado em período muito próximo à eleição (outubro de 2020); d) com reflexo eleitoral manifesto considerada a pequena diferença de votos entre os candidatos eleitos e o segundo colocado de apenas 318 votos, em um município com 72.046 eleitores.

Tenho que o quadro fático evidencia de forma clara como NÃO deve ser utilizada a máquina pública, muito semelhante a caso recente de configuração de abuso de poder político reconhecido pelo TSE, oriundo deste Estado:

 

ELEIÇÕES 2018. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE NULIDADES. DESPROVIMENTO DOS AGRAVOS REGIMENTAIS DO PREFEITO E DEPUTADO ESTADUAL REELEITO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR ABUSO DE PODER E PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. APLICAÇÃO DE MULTA, INELEGIBILIDADE E CASSAÇÃO DO DIPLOMA. PROVIMENTO DOS AGRAVOS REGIMENTAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL E COLIGAÇÃO ADVERSÁRIA. DETERMINAÇÃO DO RECÔMPUTO DOS VOTOS DO PARLAMENTAR CASSADO. AUSÊNCIA DE ERRO GROSSEIRO NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO.

[…]

2. Alta reprovabilidade das condutas ilícitas e do abuso de poder político comprovada. A movimentação da máquina pública por Chefe do Poder Executivo Municipal, em benefício da candidatura do irmão para o cargo de Deputado Estadual, caracteriza abuso de poder político, certificado com vigorosa abundância de provas, as quais atestam a ocorrência de inúmeros desvios de finalidade e de práticas expressamente vedadas pela legislação eleitoral, a saber: (i) utilização de servidores públicos durante o horário de expediente; (ii) doação indireta de recursos, mediante coação, especialmente na compra de convites para eventos eleitorais, em especial para o "jantar da vitória"; (iii) manipulação de folhas de ponto e de períodos de férias; (iv) alteração do horário de funcionamento da repartição pública para fomentar a realização de atos de campanha; (v) adiantamento de benefícios salariais para forçar a compra de ingressos de eventos destinados à arrecadação de recursos; e (vi) uso de veículo da administração em benefício da campanha.

3. Comprovação da extrema gravidade na utilização indevida de recursos públicos com flagrante rompimento da isonomia nas eleições. Obtenção por candidato a Deputado Estadual beneficiado, somente no município administrado por seu irmão, de aproximadamente 40% dos votos que recebeu em todo o Estado do Rio Grande do Sul, e quase o dobro de votos do segundo candidato a Deputado Estadual mais votado naquele município.

[…]

(RECURSO ORDINáRIO ELEITORAL nº 060360921, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 59, Data 01/04/2022)

 

Dessa forma, sendo a legitimidade das eleições que confere a validade e autenticidade dos mandatos obtidos, havendo rompimento da lisura do certame, por meio do uso desproporcional e desvirtuado de recursos públicos, devem ser renovadas as eleições no Município de Cachoeirinha (sobre o tema, confira-se o RO 0602935-60 e RO 0605635-14, ambos da Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes).

Em relação à inelegibilidade apenas do candidato a prefeito, com razão igualmente o Relator, à míngua de demonstração da participação direta do vice-prefeito eleito, na conduta ilícita.

Quanto à “c) publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos em rede social (Facebook) da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha”, deve ser mantida a sentença de improcedência, diante da ausência de ata notarial e porque os registros fotográficos são de locais de acesso público.

No que diz respeito à litigância de má-fé, de fato, apesar de reprovável a conduta de alterar a verdade dos fatos, pois a magistrada efetivamente não reconheceu ter havido manobra para tumultuar o processo, ao contrário, afirmou que NÃO se pode concluir que houve manobra para tumultuar o processo, a conduta é extraprocessual, como manifestado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, não se dirigindo a juízes, magistrados ou à parte contrária.

Assim, merece provimento o recurso para afastar a condenação imposta de 2 salários-mínimos a título de litigância de má-fé a que foi condenado Volmir Miki Breier.

Com essas breves considerações, acompanho integralmente o voto do Relator.