REl - 0601031-73.2020.6.21.0143 - Voto Vista - Sessão: 19/04/2022 às 14:00

VOTO-VISTA

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH

Trago a julgamento o voto-vista nos autos dos recursos eleitorais contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por abuso do poder político e econômico e prática de condutas vedadas, proposta originariamente pelo Partido Social Liberal (PSL), CIDADANIA, Antônio Teixeira e Rubens Otávio Steigleder Ohlweiler, em face de Volmir José Miki Breier e Mauricio Rogério de Medeiros Tonolher, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Cachoeirinha.

São três os fatos narrados na petição inicial, quais sejam: a) o restabelecimento de vantagens pessoais, retiradas em 2017, a servidores públicos municipais, nos três meses anteriores ao pleito; b) concessão de licenças-prêmio em pecúnia a nove servidores públicos, próximo às eleições, em troca de apoio político; e c) a publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos em rede social oficial da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha.

Na sessão de 31.3.2022, o eminente Relator, Desembargador Federal Aurvalle, deu parcial provimento ao recurso interposto pelo partido CIDADANIA, a fim de julgar parcialmente procedente a ação, reconhecendo a prática do restabelecimento de vantagens pessoais, suprimidas em 2017, a servidores públicos municipais nos três meses anteriores ao pleito, em afronta ao art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, bem como a ocorrência de abuso de poder político e econômico, por meio da concessão de licenças-prêmio em pecúnia, próximo às eleições, em troca de apoio político, a nove servidores, superando a média de todos os pagamentos realizados nos meses anteriores a outubro de 2020.

No concernente ao primeiro fato, retomo a síntese histórica descrita no voto do culto Relator, que bem destacou eventos de relevância para o deslinde do caso:

a) os servidores do município de Cachoeirinha percebiam um evento denominado Vantagem Pessoal Permanente, decorrente de disposição transitória que vetou a incorporação de função gratificada a partir de 01.01.2016;

b) em março de 2017, o Prefeito Municipal Volmir Miki Breier determinou a supressão dessa vantagem, por força de apontamento do Tribunal de Contas do Estado - TCE, pois considerada ofensa ao art. 37, XVI e XVII, da Constituição Federal;

c) em 2019, foi levado ao conhecimento do Poder Executivo Municipal que o TCE teria alterado o entendimento jurídico para permitir a manutenção de mais de uma incorporação;

d) ao despachar requerimento de servidor (Sérgio Duarte) para o restabelecimento da vantagem, em 2019, o Sr. Prefeito Mike Breier apenas encaminhou o pedido ao órgão de lotação do funcionário, SEM MANIFESTAÇÃO QUANTO AO MÉRITO DO PEDIDO;

e) somente a partir de agosto de 2020 (3 meses antes do pleito) foi restabelecida a vantagem aos servidores.

A redação do art. 73, inc. V, da Lei das Eleições assim prescreve:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, Servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...).

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de Militares, Policiais civis e de agentes penitenciários;

Logo, no período de 3 meses que antecedem o pleito, os agentes públicos não podem readaptar vantagens, salvo as exceções arroladas na norma, nas quais não se enquadra o caso em comento.

Ainda que o dispositivo legal preveja as palavras “supressão” e “readaptação”, esta última que “deve ser lida como ‘alteração de vantagens” (MEDEIROS, Marcílio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: JusPodvm, 2017, p. 1.094), é firme a jurisprudência no sentido de que a “concessão” está englobada na proibição legal, cuja finalidade é obstar que sejam conferidas, majoradas ou suprimidas vantagens pecuniárias a servidor pública em momento que a medida repercute diretamente na escolha dos concorrentes à sucessão municipal (TSE – AI n. 48957, Relatora: MIN. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, DJE de 18/08/2015).

No caso concreto, consta que, em junho de 2019, a partir do Parecer Jurídico n. 43/2019 sobre o pedido de Sergio Luiz Krautheim Duarte (ID 44314833, fls. 13-14), o Prefeito Volmir Miki Breier teve inequívoco conhecimento de que o TCE-RS alterou o seu entendimento jurídico sobre a Vantagem Pessoal Permanente que havia sido suprimida por ato do mesmo Gestor Público em março de 2017.

Contudo, não consta nos autos qualquer imposição legal ou determinação da Corte de Contas quanto ao restabelecimento da prestação pecuniária, outrora suprimida, ou sua apuração por novas formas de cálculo.

Em verdade, conforme bem conclui o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes:

Destarte, não houve um ato do Prefeito, anterior ao período vedado, revogando a sua determinação anterior de corte dos valores concedidos e incorporados à remuneração dos servidores. O que ocorreu foram deferimentos específicos à medida que os pedidos foram protocolados, sendo, em sua quase totalidade, deferidos e implantados já dentro dos três meses que antecederam o pleito.

As recomposições e recálculos de vantagens em questão ocorreram a partir de requerimentos administrativos formulados pelos servidores públicos, com deferimentos casuísticos e, em sua imensa maioria, após o início do período vedado, quase dobrando a remuneração de alguns requerentes, como evidencia a tabela nas folhas 14 a 16 do ID 44317333.

Embora os demandados tenham impugnado o quantitativo de 200 beneficiados indicado na petição inicial, sem precisar o número que entende correto, a referida tabela demonstra, no mínimo, 56 servidores que tiveram um incremento salarial a partir dos meses de setembro ou outubro do ano das eleições.

O judicioso voto lançado pelo Relator consigna, ainda, que “causa estranheza que, apesar de a municipalidade ter ciência de que o TCE teria alterado sua compreensão jurídica desde 2019, somente nas vésperas da eleição, em 2020, optou por deferir o restabelecimento da vantagem”.

De fato, a jurisprudência tem posicionamento no sentido de que “a concessão tardia da vantagem e, especificamente no período vedado, configura a conduta vedada prevista no art. 73, V da Lei 9.504/97, não havendo falar em atipicidade” (TSE - RESPE n. 16448 Barracão/PR, Relator: MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE de 19/09/2017).

Em contrarrazões, os recorridos sustentam que os pedidos de recálculo da vantagem pecuniária na esfera administrativa foram processados e acolhidos pela Procuradoria-Geral do Município e pelo Departamento de Pessoal, com base nos precedentes do Tribunal de Contas e no Decreto Municipal n. 4.792/09, este último que delega aos Secretários Municipais atribuições para a prática de atos administrativos e de ordenação de despesas, afirmando, assim, que não houve qualquer ingerência do Prefeito ou do Vice-Prefeito na consecução das medidas.

A alegação de desconhecimento mostra-se insubsistente, posto que os pareceres jurídicos ns. 37/20 (ID 44328683) e 43/20 (ID 44303433) demonstram que o Prefeito Volmir Miki Breier homologou a manifestação da Procuradoria Municipal para que fosse “revisto o ato de supressão de eventos denominados ‘incorporação de FG”, em relação ao pedido da servidora Luciane Fraga dos Anjos Gonçalves, consolidando o entendimento reproduzido dos expedientes administrativos posteriores.

Destaca-se que o Parecer Jurídico n. 43/20, que discrimina a metodologia a ser empregada na apuração dos valores devidos aos servidores públicos à título de Vantagem Pessoal Permanente, o Procurador-Geral do Município enuncia que: “Conforme explanado em diversos pareceres anteriores, inclusive no próprio Parecer Jurídico n° 37/2020, que trata especificamente da servidora em questão, (…), e considerando que este último parecer foi homologado pelo Prefeito Municipal, não há mais opinião e sim determinação, cabendo ao DP/RH da SMMAGP o cumprimento da decisão” (grifei).

Portanto, consoante bem reconheceu o voto proferido pelo Relator: “Nesse cenário, apesar de não ter vindo aos autos o ato do Prefeito Miki Breier, é possível concluir que a determinação emanou do Chefe do executivo Miki Breier, o mesmo gestor que, em 2017, ‘cortou a vantagem”.

Além disso, é dever de o gestor fazer o acompanhamento de ações que deu causa e que são por ele delegadas, especialmente quando se guiam por orientações por ele firmadas. Pensar diferente é conceder carta branca para que administradores públicos se utilizem do instituto da delegação para se furtarem de responsabilidades pelos desdobramentos de suas condutas e decisões.

Assim, com amparo nessas breves considerações e aderindo aos fundamentos lançados no voto do eminente Relator, julgo impositivo o reconhecimento da caracterização da conduta vedada estabelecida no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97 e a fixação da multa no valor de R$ 21.282,00, equivalente a 20 mil UFIR, a Volmir Miki Breier, quantia que se mostra adequada ao grau de lesividade do ato, sua repercussão na sociedade e à capacidade econômica do infrator.

Igualmente, sob a perspectiva da gravidade da conduta, entendo que (i) a distribuição pessoal de vantagens pecuniárias, no período eleitoral, em valores substanciais em comparação com a média remuneratória dos servidores, (ii) a uma quantia considerável de beneficiados e (iii) em um pleito definido por curta margem de 318 votos em uma universo de 72.046 eleitores, configura fato grave que compromete o equilíbrio e a normalidade da escolha popular, a ensejar cassação dos diplomas de Volmir Miki Breier e Mauricio Rogério de Medeiros Tonolher, como prevê o art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

Registro que, embora a diferença de votos obtidos entre os colocados não se confunda com o conceito de gravidade, o resultado do pleito não está aqui sendo utilizado de forma isolada, já tendo o TSE estabelecido que “seu descarte na vala comum dos dados inservíveis revelaria equívoco por constituir lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto” (TSE, REspe n. 57611, Relator: MIN. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, acórdão de 19.3.2019).

Sobre o segundo fato em análise, está comprovado que, no mês de outubro de 2020, o Prefeito efetuou o pagamento do total de R$ 57.664,42 para nove servidores, a título de licenças-prêmio em pecúnia, quando, desde setembro de 2018, a média de todos os pagamentos realizados nos meses anteriores a outubro importou em R$ 7.357,00, sem qualquer justificativa razoável para a excepcional majoração das concessões.

Ainda que a conduta não se amolde taxativamente em hipótese legal de conduta vedada, o acréscimo significativo na concessão dos benefícios, no mês anterior ao pleito, caracteriza a prática de abuso de poder político e econômico, nos termos do art. 22, caput, da LC n. 64/90, notadamente quando se percebe o uso anormal ou a desvirtuação das finalidades da medida, conferindo vantagem na disputa do pleito.

A análise da gravidade da conduta foi aferida com propriedade no voto proferido pelo Desembargador Federal Aurvalle, destacando-se a simpatia eleitoral e o efeito multiplicador entre família e amigos obtidos por meio das concessões, devendo ser destacada, novamente, a pequena diferença de votos entre os candidatos eleitos e a chapa segunda colocada.

Dessa forma, a consequência jurídica do reconhecimento do fato é a condenação de Volmir Miki Breier à sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes à eleição de 2020 e a cassação dos diplomas de Volmir Miki Breier (prefeito) e Mauricio Rogério de Medeiros Tonolher (vice-prefeito), em face do abuso do poder político e econômico, previsto no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.

Cumpre enfatizar, em relação ao candidato a vice-prefeito Mauricio Rogério de Medeiros Tonolher, que a cassação de seu diploma decorre exclusivamente do benefício obtido pelas condutas ilícitas e do princípio da unicidade e indivisibilidade da chapa majoritária, posto que a prova dos autos não permite que a ele se impute a prática da conduta vedada ou do ato de abusivo descritos no primeiro e no segundo fatos em julgamento, razão pela qual não há de se cogitar em sua condenação à sanção de multa e na decretação da sua inelegibilidade.

O terceiro fato narrado envolve a eventual postagem de propaganda eleitoral na página oficial da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha, tal como concluiu o Relator, a prática não restou suficientemente comprovada nos autos.

Os demandados alegam que a publicação foi lícita, pois realizada em sítio particular, bem como o Diretor de Tecnologia do Município, Sebastian Rei Gomes da Silva, arrolado como testemunha pelos próprios demandantes, negou que a publicação tenha sido realizada em página oficial da Prefeitura.

Ocorre que o link apontado pelos demandantes não está mais disponível e, sem ter sido certificados por ata notarial ou acautelados pelos demandantes por outros meios, não restou mais possível a conferência do teor da postagem e de seu endereço de URL específico.

Assim, impositiva a manutenção da sentença quanto ao tema.

De seu turno, Volmir Mike Breier e Maurício de Medeiros Tonelher também recorrem alegando, em memoriais, a ilegitimidade ativa do CIDADANIA de Cachoeirinha, pois ajuizou a ação de forma isolada, mesmo estando coligado no pleito majoritária do Município, e pugnando pelo afastamento da multa por litigância de má-fé a qual condenado Volmir Miki Breier.

Em relação à legitimidade ativa do CIDADANIA, na linha da jurisprudência destacada pelo nobre Relator, este Tribunal Regional sedimentou o entendimento de que “com o fim das eleições, tanto a coligação como os partidos que a integraram passam a possuir legitimidade concorrente para propor, isoladamente, ações visando apurar e reprimir condutas que tenham maculado a regularidade do processo eleitoral” (TRE-RS – REl n. 798 PELOTAS - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, DEJERS de 10.8.2018).

Desse modo, protocolada a ação em 17.12.2020, após as eleições, deve ser reconhecida a legitimidade ativa da agremiação para o ajuizamento da demanda.

No tocante à condenação à multa por litigância de má-fé, a Magistrada a quo concluiu que Volmir Miki Breier divulgou postagem em sua página pessoal do Facebook com informações que não correspondiam à verdade, pois referiu que, na decisão homologatória da desistência do PSL em integrar o polo ativo do feito, a Juíza Eleitoral teria reconhecido que houve manobra para tumultuar o processo, o que, de fato, não constou no pronunciamento judicial.

Na hipótese, ainda que se admita a malícia do recorrente Volmir ao noticiar aspectos da demanda em sua rede social, vislumbra-se que a mencionada prática não foi endoprocessual, isto é, não ocorreu no bojo do processo e nem teve por finalidade ludibriar as partes ou o juízo eleitoral.

Desse modo, não está configurada a referida litigância de má-fé, porquanto o art. 80 do CPC trata da responsabilidade das partes por danos processuais, cuja finalidade é interferir no convencimento do Juiz ou no andamento da marcha processual, dolo não caracterizado na espécie.

DIANTE DO EXPOSTO, acompanho integralmente o voto do Relator, no sentido de:

a) dar provimento parcial ao recurso interposto por RUBENS OTÁVIO S. OHWEILER e CIDADANIA DE CACHOEIRINHA, a fim de julgar parcialmente procedente a ação, reconhecendo a prática dos ilícitos descritos acima nos itens 1 e 2, para:

a.1) condenar VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER, à multa no montante de R$ 21.282,00, equivalente a 20 mil UFIR e cassar os diplomas de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (vice-prefeito), pela infração ao art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97;

a.2) condenar VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER, à sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes à eleição de 2020 e cassar os diplomas de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (vice-prefeito), em face do abuso do poder político e econômico, previsto no art. 22, inc. XIV, LC n. 64/90;

b) dar provimento ao recurso de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER para afastar a condenação em litigância de má-fé; e

c) determinar que, após a publicação do acórdão, seja comunicado ao Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências para cassar o diploma de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Cachoeirinha, e para realizar novas eleições municipais majoritárias no Município de Cachoeirinha, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.