REl - 0601031-73.2020.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/04/2022 às 14:00

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

1. Recurso de RUBENS OTÁVIO S. OHWEILER e CIDADANIA DE CACHOEIRINHA

Os recorrentes afirmam que houve o cometimento dos seguintes ilícitos eleitorais pelo candidato reeleito Prefeito no Município de Cachoeirinha, Volmir Miki Breier, e pelo Vice-Prefeito, Maurício Tonolher, nas eleições de 2020, os quais transitam entre condutas vedadas e abuso do poder político: a) restabelecimento de vantagens pessoais (retiradas em 2017) a servidores públicos municipais nos três meses anteriores ao pleito; b) concessão de licenças-prêmio em pecúnia próximo às eleições e em troca de apoio político; c) publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos em rede social (Facebook) da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha.

O abuso de poder possui estatura constitucional, previsto no § 9º do art. 14 da CF, in verbis:

Art. 14.

[…]

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

O caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifo nosso)

 

Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que ausente a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

E nesse sentido bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

 

Já as condutas vedadas são de legalidade estrita.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, pág. 585-586) traz lição sobre o tema:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[…]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Postas essas considerações teóricas, passo a analisar cada uma das condutas que envolvem o feito.

Fato 1 - Restabelecimento de vantagens pessoais a servidores públicos municipais em período vedado.

Os recorrentes aduzem que VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER e MAURÍCIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER, na condição de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Cachoeirinha, candidatos à reeleição no pleito de 2020, restabeleceram vantagens pessoais a servidores públicos em período vedado, configurando, assim, a prática de abuso de poder político (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90) e conduta vedada (art. 73, inc. V, da LE).

A sentença traz o histórico do fato (ID 44327533):

Emerge dos autos que os servidores municipais percebiam valores a título de função gratificada, os quais foram incorporados aos seus vencimentos.

A legislação municipal, contudo, previu a soma de vantagens pecuniárias sob uma nova nomenclatura – Vantagem Pessoal Permanente.

A Lei Complementar 55, de 29 de dezembro de 2015, alterou o Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Município de Cachoeirinha, e embora tenha vedado novas incorporações de função gratificada, estabeleceu uma regra de transição para a preservação do direito adquirido.

Dispõe o artigo 239:

Art. 239. As vantagens transitórias, gratificações e/ou benefícios específicos do cargo ocupado pelo servidor efetivo, bem como aquelas relacionadas à função e/ou ao local de trabalho, que tenham sido incorporadas à sua remuneração na forma da Lei até a data-base de 31 de dezembro de 2015, serão somadas e constarão da folha de pagamento em evento único denominado vantagem pessoal permanente.

Em março de 2016, nos autos do processo de contas dos administradores do Executivo Municipal de Cachoeirinha no exercício de 2011, autos 0741-02.00/11-2 (acessível inclusive no site do Tribunal de Contas do RS na internet), o Tribunal Pleno, por unanimidade, acolhendo voto do Conselheiro-Relator, decidiu, dentre outros, negar executoriedade ao parágrafo 6º do artigo 4º da Lei Municipal 2.941/2009, na medida em que referida norma possibilita que servidores do Município recebam função gratificada do cargo que titulam integralmente (podendo ser uma parte incorporada) e parcelas de outras funções gratificadas já incorporadas, ante a vulneração do artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal, forte na Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal. Ainda, recomendou ao atual Administrador que evite a incidência de situações como as apontadas no relatório do voto do Conselheiro-Relator e promova o saneamento daquelas passíveis de regularização.

Em 02 de março de 2017, o Prefeito Municipal Volmir José Miki Breier baixou a Portaria 802, determinando a instauração de processo administrativo especial com o objetivo de analisar a constitucionalidade e legalidade da concessão e incorporação de funções gratificadas questionadas pelo Tribunal de Contas do Estado no processo 0741-02.00/11-2, bem como, dos apontamentos constantes do processo TCERS 3239-0200/15-6, e conceder os direitos de ampla defesa e contraditório aos servidores eventualmente atingidos pela decisão do TCE (ID 78568507- Outros documentos 2. Portaria).

No procedimento em questão consta decisão do investigado Volmir determinando o imediato corte dos valores irregulares, devendo permanecer apenas a parcela de maior valor, caso o interessado não tivesse exercido o direito de escolha.

Em 15.4.2019 Sérgio Luiz Krautheim Duarte, servidor publico municipal cedido ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Cachoeirinha (IPREC), encaminhou requerimento ao Prefeito Municipal de restabelecimento do pagamento das parcelas de três funções gratificadas (ID 87180904- Outros documentos – Processo Sergio Duarte).

O pedido do servidor Sérgio foi instruído com pareceres do Ministério Público de Contas referentes a processos que tratavam de exame de ato de revisão de inativação de outros servidores, no qual foi adotado o entendimento de que quanto às funções gratificadas acrescidas ao vencimento básico do cargo não se vislumbrava irregularidade na medida em que, como a incorporação se deu proporcionalmente “pro rata temporis”, não haveria acúmulo vedado constitucionalmente, pois a soma dos valores incorporados não ultrapassa o valor total da maior função gratificada exercida.

A decisão do Conselheiro Relator foi de acolher a instrução técnica e a manifestação do MPC e decidir pelo registro do ato de aposentadoria.

Em 10.6.2019, a procuradoria do Município de Cachoeirinha lançou o parecer jurídico 43/2019, no qual fez constar que em 2017 o Poder Executivo Municipal instaurou processo administrativo visando adequar situações supostamente irregulares na percepção de incorporações de gratificação pelo exercício de função de confiança por parte de diversos servidores públicos municipais e que o motivo foi o apontamento do TCE em sede de auditoria. Destacou que o requerente Sérgio trouxe ao conhecimento do Poder Executivo Municipal que o mesmo TCE vinha exarando decisões, ao analisar processos de aposentadoria de servidores que formalizaram pedido antes da adoção do novo procedimento pelo Poder Executivo Municipal (ou seja, de um único evento de incorporação para compor a VPP), dando interpretação jurídica a permitir a manutenção de mais de uma incorporação, desde que a soma destas incorporações fique abaixo do teto de dez décimos da maior gratificação exercida e percebida pelo servidor, quando em atividade. Salientou que o apontamento do TCE era evasivo, enquanto que nos processos em análise de atos de inativação teve-se, de fato e de direito, um posicionamento do TCE sobre o tema. Por fim, destacou o Procurador-Geral do Município que, como o requerente estava em vias de se aposentar e estava vinculado ao IPREC, nada obstava que aquela autarquia adotasse interpretação jurídica diversa da adotada pela PGM e pelo Prefeito Municipal.

Em resposta ao pedido do servidor Sérgio, o Prefeito Volmir José Miki Breier, em decisão datada de 10.6.2019, apenas reconheceu a autonomia do IPREC para adotar a interpretação jurídica que bem entendesse sobre o tema envolvendo as incorporações de funções gratificadas, ressalvando, inclusive, que “O Presidente do IPREC, enquanto ordenador de despesas daquela autarquia, é quem responderá perante o TCE/RS por todas as modificações que vir a implementar na folha de pagamento dos servidores vinculados ao IPREC”.

Não assiste, dessa forma, razão ao investigado Volmir ao afirmar na petição do ID 91003241 que “o Prefeito Municipal, em 2019, acatou o pedido do então servidor Sérgio Duarte e permitiu a aplicação do método citado, advindo do TCE e MPC no documento entregue por Sérgio em 2019. A partir de então, não se envolveu mais no assunto, não expedindo nenhum ato determinando este ou aquele procedimento.”

Isso porque no tocante ao servidor Sérgio, como já dito, o investigado Volmir José Miki Breier não analisou o mérito do pedido, somente reconheceu a autonomia do IPREC para tanto e, inclusive, destacou que a responsabilidade da decisão administrativa de mérito seria do Presidente do IPREC.

Em suas alegações finais, os investigados aduziram que “Em 2020, a servidora Luciane Fraga dos Anjos formulou requerimento semelhante, utilizando o Parecer nº 43/2019 como precedente, para que fosse recalculada a sua VPP, o que foi deferido, conforme Parecer nº 37/2020, datado de 23.6.2020, o qual fazia remissão expressa ao entendimento contido no Parecer nº 43/2019, datado de 10.6.2019. Segundo apurado, mesmo com o recálculo, nem todos os valores relativos às suas incorporações, suprimidos em 2017, foram recompostos, em 2020. Não houve interferência ou participação do Prefeito na expedição deste documento. Aliás, Luciane nem é eleitora de Cachoeirinha e, sim, de Porto Alegre, como grande parte dos servidores de Cachoeirinha que não residem e não vota aqui.

Como era o primeiro caso de requerimento de recálculo de servidor do Executivo, o Departamento Pessoal suscitou algumas dúvidas sobre o método mencionado no Parecer nº 37/2020, que fazia remissão ao Parecer nº 43/2019, de 10.6.2019, oportunidade em que o assunto foi esclarecido em outro expediente, o Parecer nº 43/2020, datado de 11.8.2020. Também não houve interferência ou participação do Prefeito na expedição deste documento.”

Não localizei nos autos o Parecer 37/2020 referido pelos investigados, de modo que não foi possível confirmar se efetivamente data de 23.6.2020.

Também não foi juntado o requerimento da servidora Luciane Fraga acompanhado da devida protocolização, a fim de se verificar a data.

Consta o parecer 43/2020, datado de 11.8.2020, juntado no ID 61640279, subscrito pela testemunha Diego Gette Maciel, referendado pelo Procurador-Geral do Município, indicando a metodologia a ser empregada para o recálculo da VPP.

Não há nos autos decisão do Chefe do Executivo Municipal alterando aquela que lançou em 2017. Isso, contudo, não significa dizer que não houve decisão nesse sentido, pois, ou ela não foi carreada ao processo ou não foi documentada, até porque é pouco crível que a revisão da forma de cálculo da vantagem pessoal permanente ocorresse sem qualquer participação do chefe do executivo municipal, que foi quem em 2017 determinou o imediato corte dos valores irregulares, devendo permanecer apenas a parcela de maior valor, caso o interessado não tivesse exercido o direito de escolha.

 

Em síntese, está demonstrado:

a) os servidores do Município de Cachoeirinha percebiam um evento denominado Vantagem Pessoal Permanente, decorrente de disposição transitória que vetou a incorporação de função gratificada a partir de 01.01.2016;

b) em março de 2017, o Prefeito Volmir Miki Breier determinou a supressão dessa vantagem, por força de apontamento do Tribunal de Contas do Estado - TCE, pois considerada ofensa ao art. 37, incs. XVI e XVII, da Constituição Federal;

c) em 2019, foi levado ao conhecimento do Poder Executivo Municipal que o TCE teria alterado o entendimento jurídico para permitir a manutenção de mais de uma incorporação;

d) ao despachar requerimento de servidor (Sérgio Duarte) para o restabelecimento da vantagem, em 2019, o Prefeito Mike Breier apenas encaminhou o pedido ao órgão de lotação do funcionário, SEM MANIFESTAÇÃO QUANTO AO MÉRITO DO PEDIDO;

e) somente a partir de agosto de 2020 (3 meses antes do pleito) foi restabelecida a vantagem aos servidores.

Nesse cenário, apesar de não ter vindo aos autos o ato do Prefeito Miki Breier, é possível concluir que a determinação emanou do Chefe do Executivo Miki Breier, o mesmo gestor que, em 2017, “cortou a vantagem”, como constou na sentença (ID 44327533):

Não há nos autos decisão do Chefe do Executivo Municipal alterando aquela que lançou em 2017. Isso, contudo, não significa dizer que não houve decisão nesse sentido, pois, ou ela não foi carreada ao processo ou não foi documentada, até porque é pouco crível que a revisão da forma de cálculo da vantagem pessoal permanente ocorresse sem qualquer participação do chefe do executivo municipal, que foi quem em 2017 determinou o imediato corte dos valores irregulares, devendo permanecer apenas a parcela de maior valor, caso o interessado não tivesse exercido o direito de escolha.

 

Nesse sentido, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44907038):

De qualquer sorte, a participação do Prefeito (que, segundo entendemos, ocorreu) não é pressuposto para cassação por conduta vedada ou abuso de poder político, sendo suficiente que o mesmo, na condição de candidato à reeleição, seja beneficiado pelo ato praticado por outros agentes públicos.

No tocante à conduta vedada, poder-se-ia argumentar que os Pareceres Jurídicos mencionados, de nºs 37 (de 23.6.2020.) e 43 (de 11.8.2020.), são anteriores ao período (três meses antes do pleito) em que estava proibida a readaptação de vantagens.

Contudo, como se extrai da leitura dos mesmos, tratam-se de pareceres oferecidos em processo específico de uma servidora. Veja-se os seguintes trechos dos dois pareceres:

Parecer Jurídico nº 37/2020

Vem a esta Procuradoria o Protocolo nº 9816/2020, encaminhado pelo Gabinete do Prefeito, sobre o pleito de servidora Luciane Fraga dos Anjos Gonçalves, envolvendo a composição de sua remuneração e, futuramente, dos reflexos nos proventos de aposentadoria.

(...)

Diante do contexto fático e jurídico, evitando, como dito, a prevalência da medida mais prejudicial, esta Procuradoria determina que seja revisto o ato de supressão de eventos denominados “incorporação de FG” da servidora, que compõe a sua Vantagem Pessoal Permanente, para que seja efetuado pelo Departamento Pessoal a soma de todos os eventos homônimos até atingir o valor limite, que no caso da servidora corresponderá a dez décimos (10/10) de maior gratificação por ela incorporada e vigente da data-base em que se operou a supressão, suprimindo-se as demais parcelas de mesma natureza já a partir da próxima folha de pagamento, de modo a consolidar a sua Vantagem Pessoal Permanente. Não há que se falar em pagamentos retroativos, pois a própria servidora renuncia expressamente aos mesmos em seu expediente. (ID 44328683)

Parecer Jurídico nº 43/2020

Retorna a esta Procuradoria o tema tratado no Protocolo nº 9816/2020, através do Memorando nº 1425/2020, envolvendo a composição de sua remuneração e, futuramente, dos reflexos nos proventos de aposentadoria, da servidora Luciane Fraga dos Anjos Gonçalves. (ID 44303433)

Em verdade, de outro parecer da PGM, o Parecer Jurídico n. 47/2020, acostado no ID 44303483, datado de 16 de setembro de 2020, verifica-se que não houve uma determinação geral para revisão de todas as incorporações, mas apenas daquelas em que houvesse um pedido específico.

Por exemplo, em relação aos servidores mencionados no aludido Parecer Jurídico nº 47/2020 (Andreia Machado Pereira, Denise Sandra Morschbacher, Diego Gett Maciel, Jaime Roberto Haupenthal e Samanta Fernanda Bender) é certo que a readaptação de suas vantagens foi determinada já dentro do período vedado, pois o parecer foi oferecido, como referido, no mês de setembro.

O mesmo se deu em relação ao servidor Celso da Silva, cujo requerimento de revisão se deu apenas em 21 de setembro de 2020, conforme se extrai dos IDs 44326583 e 44326633.

Interessante verificar que, nesse requerimento datado de setembro, os únicos pareceres que são citados como referência são exatamente os Pareceres Jurídicos de ns. 37/2020 e 43/2020, exarados no processo da servidora Luciane

Fraga dos Anjos Gonçalves.

Aparentemente a única readaptação da vantagem ocorrida antes do período vedado seria da servidora Luciane Fraga dos Anjos Gonçalves, para a qual foram oferecidos os aludidos pareceres. Cumpre registrar que a servidora Luciane Fraga dos Anjos Gonçalves, primeira a ter o benefício concedido, doou R$ 3.060,00 para a campanha dos investigados, informação pública que consta no Divulgacandcontas e já havia sido trazida pelos investigados nos autos.

Destarte, não houve um ato do Prefeito, anterior ao período vedado, revogando a sua determinação anterior de corte dos valores concedidos e incorporados à remuneração dos servidores. O que ocorreu foram deferimentos específicos à medida que os pedidos foram protocolados, sendo, em sua quase totalidade, deferidos e implantados já dentro dos três meses que antecederam o pleito.

Com base nos documentos requisitados da Prefeitura Municipal e juntados aos autos (ID 78575247, numeração da ZE), os investigantes formularam tabela incluída na petição de ID 44317333, trazendo o nome e valores dos servidores que tiveram a readaptação da Vantagem Pessoal Permanente com a incorporação de gratificação, não havendo controvérsia a respeito da existência desses pagamentos, pois não houve afirmação dos investigados de que os dados seriam integralmente ou parcialmente inverídicos.

 

Conforme documentos juntados pela própria prefeitura (holerites de fevereiro a novembro de 2020 no ID 78575247), alguns servidores tiveram seus vencimentos quase duplicados, nos meses de setembro e outubro de 2020, justamente às vésperas do pleito.

Assim, além de o procedimento do gestor Miki Breier ter sido questionável, como entendeu a ilustre magistrada, caracterizada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a readaptação de vantagem nos 3 meses que antecedem ao pleito.

Importa assinalar que independe, para fins de configuração do ilícito eleitoral, se o restabelecimento da vantagem era legal ou ilegal, pois a conduta é objetivamente proibida, vedada no período prescrito.

Ademais, causa estranheza que, apesar de a municipalidade ter ciência de que o TCE teria alterado sua compreensão jurídica desde 2019, somente nas vésperas da eleição, em 2020, optou por deferir o restabelecimento da vantagem.

Sendo assim, configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, necessário fixar as sanções cabíveis.

O art. 73, em seus parágrafos 4º, 5º e 8º, dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

[…]

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

 

São previstas penas de multa de cinco a cem mil UFIR ao agente público e aos candidatos beneficiados e cassação do registro ou do diploma.

Quanto à sanção pecuniária, o recorrido MIKI BREIER, Prefeito e candidato à reeleição no Município de Cachoeirinha, é o responsável direto pela prática da conduta vedada e MAURÍCIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER constitui beneficiário da conduta, na condição de candidato a Vice-Prefeito em Cachoeirinha.

Como já decidido nesta Corte, em julgado de minha relatoria, tenho que o sancionamento à multa incide apenas em relação ao prefeito à época, pois inexistente demonstração de ciência prévia da conduta em relação ao candidato a vice-prefeito MAURÍCIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DE DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ACOLHIMENTO. UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL PERTENCENTE À ADMINISTRAÇÃO. GABINETE DO PREFEITO. LOCAL SEM LIVRE ACESSO AOS DEMAIS CANDIDATOS. GRAVAÇÃO DE VÍDEO. PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK. CONFIGURADA A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. INADEQUAÇÃO DE SANCIONAMENTO DE CASSAÇÃO DE REGISTRO OU DE DIPLOMA. FIXAÇÃO DE MULTA NO MÍNIMO LEGAL. AFASTADA COM RELAÇÃO A INVESTIGADO AO QUAL NÃO DEMONSTRADOS O PRÉVIO CONHECIMENTO OU BENEFÍCIO COM A CONDUTA IMPUGNADA. ENTREVISTA A RÁDIO LOCAL. NÃO CARACTERIZADO ABUSO DE AUTORIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, ao argumento de que os fatos imputados não se caracterizaram como condutas vedadas, tampouco abuso do poder político ou de autoridade, ou uso indevido dos meios de comunicação.

[…]

6. A peculiaridade do Direito Eleitoral, que admite a responsabilização do candidato por ato de terceiro, na condição de beneficiário da prática, não pode dispensar o prévio conhecimento da conduta. E, nessa perspectiva, se o candidato não participou do ilícito, sequer teve conhecimento do ato, não poderá ser responsabilizado com a imposição de multa. Na hipótese, um dos investigados sequer foi citado na gravação de vídeo, não sendo possível presumir que tenha sido consultado ou que tenha autorizado a conduta ou com ela anuído, tampouco ser tido como beneficiário da prática vedada, de forma que não poderá ser responsabilizado com a imposição de multa. Aos demais investigados, fixação de multa no mínimo legal, conforme jurisprudência do TSE.

7. Quanto aos demais fatos suscitados, uma única entrevista a rádio local, na qual o recorrido presta contas de sua gestão, ou a menção de que outro recorrido foi Coordenador da Defesa Civil no município não possuem o condão de ofender a igualdade da disputa eleitoral ou caracterizar abuso de poder. Mantida a sentença de improcedência.

8. Parcial provimento.

(Rel 0601003-59.2020.6.21.0029, julgado em 23.9.2021.) (Grifo nosso)

 

Ademais, há julgados do TSE agasalhando esse entendimento:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, IV, b, DA LEI Nº 9.504/1997. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA EM JORNAIS LOCAIS. RESPONSABILIZAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PRÉVIO CONHECIMENTO. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DO CONHECIMENTO. PRECEDENTE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. O acórdão recorrido adotou entendimento em consonância com a jurisprudência do TSE, no sentido da exigência de comprovação do prévio conhecimento para fins de responsabilizar o beneficiário de conduta vedada. Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE.

2. O prévio conhecimento dos beneficiários não pode ser presumido em razão da quantidade de jornais publicados e da população do município, sendo necessária prova do efetivo conhecimento. Precedente.

3. Assentado pelo acórdão regional a inexistência de qualquer elemento probatório que indique o real conhecimento ou a ingerência dos beneficiários, adotar entendimento em sentido diverso violaria o Verbete Sumular nº 24 do TSE.

4. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - Agravo de Instrumento nº 34041, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 116, Data 15.6.2020.) (Grifo nosso)

 

Em relação ao quantum, como se está diante de conduta praticada por gestor disputando a reeleição à frente do Poder Executivo Municipal, faz-se exigível maior cuidado no trato da coisa pública. Além disso, a conduta praticada em período que abrangeu data muito próxima ao pleito (outubro de 2020), envolvendo recursos públicos de significativa monta em relação aos vencimentos dos funcionários do Município de Cachoeirinha, tenho que essas circunstâncias justificam a elevação do patamar mínimo legal, razão pela qual fixo a multa pela infração ao art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97 no montante de R$ 21.282,00, equivalente a 20 mil UFIR.

No que se refere à cassação do diploma, tenho que a conduta do candidato à reeleição possui grau de lesividade elevado, não restando outra forma de restaurar o status violado, a não ser pela incidência do sancionamento de cassação dos diplomas dos eleitos, pois quebrada a paridade de chances e igualdade de oportunidades entre os concorrentes ao pleito majoritário em Cachoeirinha, em 2020.

Veja-se que, ao início de seu primeiro mandato como Prefeito de Cachoeirinha, em 2017, Miki Breier suprimiu vantagem dos servidores e determinou a abertura de processo administrativo, em função de apontamento do TCE. Em 2019, apesar de ser noticiado que, em tese, o TCE teria alterado sua compreensão jurídica sobre o tema, somente em 2020, às vésperas do pleito, em período vedado, restabeleceu a verba aos servidores, rompendo a paridade de chances em relação aos demais concorrentes.

A repercussão eleitoral da conduta em relação ao funcionalismo municipal é evidente, pois, ao readaptar vantagem pecuniária aos servidores, desgostosos com a supressão da verba em 2017, elevando quase ao dobro os vencimentos dos servidores, trouxe o efeito multiplicador como referido pelo douto Procurador Eleitoral, mediante o convencimento de familiares e amigos.

Nesse sentido, trago à colação julgado originário de Palmares do Sul, no qual o TSE manteve decisão desta Corte, que cassou os diplomas dos candidatos eleitos, em feito similar, no qual ocorreu, dentre outras condutas, a supressão imotivada de vantagens de servidores municipais:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CONDUTA VEDADA. PREFEITO. VICE-PREFEITO.

[…]

3. A Corte de origem, soberana na análise de fatos e provas, concluiu que a supressão das gratificações especiais previstas em lei municipal, cujo pagamento era direcionado a servidores integrantes de comissões, ocorreu em contrariedade ao parecer jurídico da Procuradoria da municipalidade e logo após ultimado o pleito, conclusão insuscetível de reexame em sede extraordinária, a teor do verbete sumular 24 do TSE. Caracterização da conduta vedada de que trata o art. 73, V, a, da Lei 9.504/97.

4. As instâncias ordinárias entenderam presente o abuso do poder político em face da edição de lei, de iniciativa do então prefeito, por meio da qual houve recomposição de remuneração que em muito excedeu as perdas inflacionárias e beneficiou 147 servidores, conclusão fática irreversível em recurso especial. Manutenção do abuso do poder político.

5. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul manteve o reconhecimento das condutas vedadas do art. 73, I e III, da Lei 9.504/97, em face do comparecimento de secretários em ato de campanha no horário de expediente, bem como em razão do fornecimento de número de celular como contato por ocasião do requerimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), conclusão que não se amolda à jurisprudência desta Corte e ao sistema normativo.

[…]

8. O Tribunal a quo, alinhado com a jurisprudência desta Corte Superior, assentou a gravidade da conduta a partir do conjunto dos seguintes fatos e circunstâncias: (i) a remoção de servidores públicos fora das exceções legais foi realizada em retaliação àqueles que não apoiaram a campanha do recorrente; (ii) a supressão de vantagens de servidores públicos municipais, ocorrida na circunscrição do pleito e dentro do período de três meses, alcançou número significativo de servidores; e (iii) a revisão setorial da remuneração dos servidores municipais, muito acima das perdas inflacionárias, ocorreu no ano em que já havia sido concedida recomposição salarial a todos os servidores públicos.

9. Mantida a cassação do registro ou diploma dos eleitos para cargo majoritário pelo Tribunal Superior Eleitoral, devem ser realizadas novas eleições, independentemente do trânsito em julgado, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADI 5.525, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso.

[...]

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 32372, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 65, Data 04.4.2019, Página 64/65) (grifo nosso)


 

Também trago à colação o seguinte julgado sobre a conduta vedada em exame:

[...]

Conduta vedada. Art. 73, V da lei 9.504/97. Readaptação de vantagens.

[...]

4. A conduta se amolda ao ilícito previsto no art. 73, V da Lei 9.504/97, uma vez que a Servidora, que ganhava uma gratificação de 15%, passou a receber a partir de 22.8.2016 - dentro do período vedado -, gratificação de 40%. Ainda que se alegue que o acréscimo decorreu em virtude de a Servidora ter sido nomeada para um cargo de chefia, não se justificou o motivo de a nomeação ter ocorrido em 30.3.2016 e o benefício incrementado 4 meses depois.

[...]

(TSE, Ac. de 21.11.2017 no AgR-REspe nº 16448, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho.)


 

Digno de nota, ainda, que vários servidores pleitearam judicialmente o restabelecimento da verba, sem êxito, como demonstram os seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE CACHOEIRINHA. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. OBSERVÂNCIA DO ART. 206, XXXVI DO RITJRS E DA SÚMULA 568 DO STJ. REJEIÇÃO. SUPRESSÃO DE FUNÇÕES GRATIFICADAS. VÍCIO NA NORMA INSTITUIDORA - § 6º DO ART. 4º DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 2.941/2009. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO ? TCE. NEGATIVA DE EXECUTORIEDADE - PROCESSOS NºS. 0741-02.00/11-2 E 3239-0200/15-6 -. PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO - SÚMULAS 346 E 473 DO E. STF. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 82/2017. VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO EVIDENCIADA. Do julgamento na forma monocrática. Conforme mencionado na decisão guerreada, cabível o julgamento na forma posta, amparado no Enunciado da Súmula 568, da Súmula do STJ, e no art. 206, XXXVI do RITJRS. De outra parte, a superação do alegado prejuízo, através do julgamento colegiado, consoante o e. STJ.Mérito. I Não obstante a incorporação das Funções Gratificas na remuneração da agravante -Portarias nº 336/2013; 2621/2008; 2452/2009; 1099/2010; 775/2011; 336/2013; 3984/2014 2672/2006; 2621/2008 -, a superveniente negativa de executoriedade emanada do TCE nºs. 0741-02.00/11-2 e 3239-0200/15-6 -, em razão do erro na instituição, através do § 6º do art. 4º, da Lei Complementar Municipal nº 2.941/2009, em face da vedação constitucional do acúmulo de funções - art. 37, XV e XVI da Constituição da República. Nesse contexto, a legalidade do ato administrativo de supressão aqui hostilizado, com base no Poder de Autotutela da administração, consoante os enunciados das súmulas 346 e 473 do e. STF. Precedentes do e. STF e deste Órgão Fracionário. II - De outro lado, a observância do contraditório e a ampla defesa no âmbito do município de Cachoeirinha, diante da instauração do processo administrativo prévio nº 82/2017. Preliminar rejeitada. Agravo interno desprovido.

(TJ-RS - AGT: 70081865123 RS, Relator: Eduardo Delgado, Data de Julgamento: 26.9.2019, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 03.10.2019.)

RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. FUNÇÃO GRATIFICADA. INCORPORAÇÃO. CONCESSÃO. ATO INCONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE CONVALIDAÇÃO PELO TEMPO. SUPRESSÃO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. SÚMULA 83 DO STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA 284 DO STF. RECURSO NÃO ADMITIDO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUISITOS. REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA. TEMAS 318 E 660 DO STF. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. TEMA 138 DO STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SÚMULA 636 DO STF. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. RECURSO NÃO ADMITIDO QUANTO ÀS DEMAIS QUESTÕES.

(TJ-RS - RESP: 70083799916 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 05.11.2020, Primeira Vice-Presidência, Data de Publicação: 11.11.2020.)

 

Por derradeiro, apesar de não ser critério em si mesmo para determinar a incidência da penalidade de cassação do diploma, é de ser considerada a pequena diferença de apenas 318 votos entre os candidatos eleitos e o segundo colocado em um município com 72.046 eleitores.

Portanto, a readaptação da vantagem, dentro do período vedado, sem que esteja tal ato justificado por quaisquer das situações previstas nas alíneas do inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, diante do alto grau de lesividade do bem jurídico protegido pela norma, qual seja, a igualdade de oportunidades entre os concorrentes, não há outro caminho que não o da cassação dos diplomas de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (Prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (Vice-Prefeito), com a consequente assunção ao cargo máximo executivo pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Cachoeirinha, com a realização de novas eleições municipais majoritárias, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.

Fato 2 - abuso de poder político e econômico pelo aumento na concessão de licenças-prêmio em pecúnia, próximo às eleições e em troca de apoio político

Os recorrentes afirmam que o candidato reeleito Prefeito no Município de Cachoeirinha, Volmir Miki Breier, e o Vice-Prefeito, Maurício Tonolher, nas eleições de 2020, concederam licenças-prêmio em pecúnia, próximo às eleições e em troca de apoio político, caracterizando abuso de poder político.

Com razão os recorrentes.

No mês de outubro de 2020, houve o pagamento da importância de R$ 57.664,42 para 9 servidores, quando, desde setembro de 2018, a média de todos os pagamentos realizados nos meses anteriores a outubro importou em R$ 7.357,00, como muito bem apreendido no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44907038):

Em relação à concessão de licença-prêmio em pecúnia no ano de 2020, importou em abuso de poder político com viés econômico. Senão, vejamos.

Os recorrentes, já na petição inicial, trouxeram tabela, cujos valores não são impugnados pelos investigados, portanto restando incontroversos, em que constam os pagamentos de licença-prêmio em pecúnia no período de setembro de 2018 a outubro de 2020.

Os dados trazidos pelos investigantes não deixam dúvida do incremento de pagamentos de licença-prêmio às vésperas do pleito eleitoral.

Na folha de pagamentos dos servidores do município de Cachoeirinha de outubro de 2020, houve o pagamento de R$ 57.564,42 para nove servidores, enquanto que, desde setembro de 2018, a média de todos os pagamentos realizados nos meses anteriores a outubro importa em apenas R$ 7.357,00.

Ainda a denotar a finalidade eleitoral do deferimento desses pagamentos, dos 15 meses relacionados, encontram-se, no ano de 2020, respectivamente o 1º, 2º e 4º maiores pagamentos de licença em pecúnia do período.

Quando, no ano eleitoral, verificam-se atos administrativos favoráveis a eleitores, sejam servidores ou não, e que destoam dos praticados nos demais anos do mandato, tem de haver uma clara justificativa para a disparidade, sob pena de restar configurado o abuso do poder ante o desvio de finalidade na prática do ato administrativo.

No presente caso, as justificativas trazidas não são suficientes para afastar o escopo eleitoreiro do ato administrativo.

Os investigados alegam que o incremento nos deferimentos de licença prêmio em pecúnia no ano eleitoral se deve à pandemia, por uma questão humanitária. Contudo, a pandemia não é justificativa para tal disparidade de valores, até porque os servidores públicos, por possuírem estabilidade no emprego, foram bem menos afetados financeiramente pela pandemia do que a população em geral, que perdeu seus empregos ou viu reduzir sensivelmente a renda dos seus negócios.

O outro argumento utilizado foi no sentido de que a decisão não foi tomada pelos investigados, mas sim pela Junta Financeira do município, que possuiria competência para tanto.

Não assiste razão aos investigados neste ponto. O Decreto n.º 6.541, de 12 de setembro de 2018 (ID 44314483), que instituiu a Junta Financeira no âmbito do Poder Executivo Municipal (art. 1º) não respalda a tese dos investigados de que o referido órgão possuía autonomia e independência para decidir diversas questões administrativas, dentre elas a concessão de licença-prêmio.

Nesse sentido, os arts. 2º e 3º do Decreto 6.541/2018, dispõe, in verbis:

“Art. 2.º A Junta tem por finalidade o aconselhamento direto ao Prefeito, Vice e Secretários Municipais no que concerne às finanças e orçamento municipal.

Art. 3.º São atribuições da Junta Financeira, acompanhar e se manifestar sobre os seguintes temas:

I- Política Fiscal do Município;

II- Orçamento e evolução das contas públicas;

III- Eficiência nas entradas de receitas e demais recursos de controle e qualificação dos gastos públicos (grifou-se)

Vê-se, portanto, que a Junta Financeira é um órgão de aconselhamento, não sendo crível inferir que o Prefeito Municipal não possua ingerência sobre o mesmo.

Ainda que assim não fosse, o fato do abuso de poder ser praticado por terceiros em benefício dos candidatos não impediria a cassação do diploma ante a mácula à normalidade e legitimidade do pleito.

Ademais, o abuso de poder não se limitou ao pagamento da licença-prêmio em pecúnia, mas se estendeu para o deferimento de readaptação da Vantagem Pessoal Permanente, que contou com incremento de valores para diversos servidores, deferidos e pagos, em sua maioria, a partir de setembro de 2020, como esclarecido no tópico anterior.

Os fatos acima referidos são graves, considerando que se tratava de candidato à reeleição, que terminou por utilizar da máquina pública a favor da sua candidatura. Como já mencionado quando da análise da conduta vedada, não se

pode olvidar a pequena diferença de votos entre os investigados e o segundo colocado, 318 votos, isso para um município que contou com 72.046 eleitores votantes.

As práticas abusivas em questão envolverem diversos servidores municipais, com o efeito multiplicador natural que decorre do convencimento de familiares e amigos para que votassem nos investigados, razão pela qual entendemos que restou afetada a normalidade e legitimidade do pleito de forma a configurar o abuso de poder político e econômico.

Quanto à responsabilidade pelos atos abusivos entendemos que recaem sobre os investigados que, na condição de Prefeito e Vice-Prefeito, candidatos à reeleição, estavam à frente da gestão municipal quando da realização dos atos administrativos com finalidade eleitoral.

Assim, cabível a cassação do diploma dos investigados e a aplicação da sanção de inelegibilidade para eleições futuras pelo período de 08 anos a contar das eleições de 2020, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90 c/c

art. 14, § 9º, da Constituição da República.

 

Como ressaltado no parecer da Procuradoria, em ano eleitoral, o gestor que estiver disputando a eleição, na circunscrição do pleito, e pautar atos administrativos que beneficiem eleitores, sejam servidores ou não, e que destoem daqueles praticados nos demais anos do mandato, deve apresentar uma clara justificativa para a disparidade, sob pena de restar configurado o abuso do poder ante o desvio de finalidade na prática do ato administrativo.

Mister analisar os argumentos que fundamentaram o incremento das licenças-prêmio.

Foram duas as justificativas apresentadas pelo gestor: a) questão humanitária da COVID 19; b) a decisão foi da Junta Financeira e não do Prefeito.

Quanto à “questão humanitária”, a pandemia não é hipótese autorizadora do aumento de gastos públicos com funcionalismo. Ao contrário, devido à pandemia, toda a população foi afetada financeiramente, razão pela qual se revela ainda mais grave o desvio de verbas públicas para atender apenas uma parcela da sociedade (servidores públicos), em detrimento da assistência e do amparo aos mais necessitados, que perderam seus empregos.

A segunda justificativa igualmente não procede, pois a Junta Financeira é órgão de aconselhamento do mandatário, não tendo competência para deliberar sobre pagamento em pecúnia de licenças-prêmio.

Nesse cenário, tenho que a conduta se amolda ao abuso de poder político e econômico, com gravidade suficiente a afetar a normalidade e legitimidade das eleições de 2020 no Município de Cachoeirinha.

A este respeito, o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 explicita:

Art. 22 (...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizaram. (grifo nosso)

 

O TSE, ao examinar o requisito “gravidade das circunstâncias”, estabeleceu sua aferição a partir de aspectos qualitativos e quantitativos, como se constata pela ementa que reproduzo:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. [...] ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. [...].

[...]

5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

[...]

(AIJE 0601754-89/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 20.3.2019.) (Grifo nosso)

 

Em complemento, trago a doutrina de Frederico Franco Alvim (Abuso de Poder nas Competições Eleitorais, Curitiba: Juruá, 2019, p. 369) quando refere que na hipótese de estar em “xeque a manutenção do equilíbrio fino das condições em que jogam os atores da disputa, a análise do abuso de poder atrai a incidência de aspectos qualitativos, cabendo analisar não somente o comportamento dos investigados, mas ainda os seus potenciais impactos em relação com o comportamento e com as oportunidades dos demais competidores, tendo em vista que a conjuntura do ambiente em que se desenvolve a pugna política responde aos inúmeros agentes.”

Nessa linha de intelecção qualitativa e quantitativa, Rodrigo López Zilio fornece, com inigualável acerto, alguns dos critérios que podem ser verificados caso a caso para aferir a gravidade dos fatos:

Como já assentado outrora, é possível fixar algumas diretrizes para uma adequada conformação da gravidade das circunstâncias. Assim, a conduta do agente é um aspecto essencial a ser avaliado para aferição da gravidade das circunstâncias, sendo útil a adoção do seguinte raciocínio: se o próprio candidato cometeu o ilícito ou teve uma participação direta no ato, estabelecendo-se uma identidade entre autor e beneficiário, essa conduta apresenta um grau maior de reprovação; [...]. A forma ou natureza do ato praticado também é um critério a ser considerado para a configuração do ilícito. [...] Da mesma sorte, o uso de órgãos públicos ou governamentais para fins eleitoreiros é, a priori, um indicativo de maior reprovabilidade no agir ilícito se comparado com o emprego de uma estrutura privada para a consecução do mesmo fim vedado. [...] Por fim, os efeitos e a extensão do ato abusivo também podem (ou devem) ser medidos pelos critérios cronológico, quantitativo e em relação ao eleitor. Desse modo, a gravosidade do ato é maior quando ele é de caráter permanente (pelos efeitos que se prolongam temporalmente) ou, ainda, se cometido em momento mais próximo à eleição (pela inviabilidade de uma reversão desse ato em face à data do pleito). [...]

(Cassação de mandato e decisão sancionatória eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coords.). Abuso de poder e perda de mandato. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 459)

(sem destaques no original)

Na espécie, tenho que o comportamento do candidato como gestor concorrente à reeleição é altamente reprovável, pois usando de verba dos cofres públicos incrementou injustificadamente os vencimentos dos funcionários municipais com o pagamento de licença-prêmio em pecúnia, de forma desenfreada e desproporcional, em período muito próximo à eleição, garantindo a simpatia eleitoral e o efeito multiplicador entre a família e amigos dos servidores.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

[...]

Prefeito e vice-prefeito eleitos. Prática de conduta vedada e abuso do poder político.

[...]

16. Configura abuso do poder político a intensificação atípica de programa de regularização fundiária nos meses anteriores ao pleito, com a realização de eventos para entrega de títulos de direito real de uso pessoalmente pelo prefeito candidato à reeleição. A quebra da rotina administrativa para que a fase mais relevante do programa social fosse realizada às vésperas do pleito, com nítida finalidade eleitoreira, somada à grande repercussão que a conduta atingiu justificam a imposição da sanção de cassação dos diplomas dos candidatos beneficiados.

[...]”

(Ac. de 23.4.2019 no AI nº 28353, rel. Min. Luís Roberto Barroso.)
 

Ademais, há de ser mensurado o reflexo eleitoral da conduta, apesar de não ser fator determinante para caracterização do abuso, devendo ser considerada a pequena diferença de votos entre os candidatos eleitos e o segundo colocado de apenas 318 votos em um município com 72.046 eleitores.

No que respeita à inelegibilidade de 8 anos prevista como sanção em caso de procedência da AIJE, apenas deve ser aplicada aos que tenham contribuído para a prática do ilícito (art. 22, inc. XIV, da LC 64/90). Nas palavras de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 7 ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 671), “somente se cogita da sanção de inelegibilidade quando houver prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva.”

No caso, não há prova de participação do candidato a Vice-Prefeito eleito, Maurício Medeiros, na conduta ilícita, de modo que a inelegibilidade deve incidir apenas em relação ao Prefeito eleito Miki Breier.

Fato 3 - publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos em rede social (Facebook) da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha.

No ponto, o recurso não merece provimento.

Alegam os recorrentes que houve publicação de propaganda eleitoral em favor dos recorridos Miki Breier e Maurício Medeiros, em rede social (Facebook), na página oficial da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha, restando configurado o descumprimento ao art. 57-C, § 1º, inc. II, da LE, a conduta vedada do inc. II do art. 73 da LE e o uso indevido dos meios de comunicação.

Como constou na sentença (ID 44327533), conforme a inicial, no dia 15 de outubro de 2020, na rede social “Facebook”, no perfil mantido pela Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha – RS, na Url https://www.facebook.com/photo?fbid=997452174094326&set=a.132112857294933, foi veiculada propaganda eleitoral dos investigados, divulgando uma live de sua campanha política.

Quando a magistrada acessou a página, não foi possível confirmar o conteúdo, pois não mais se encontrava disponível e não foi juntada ata notarial acerca do tema da publicação e data de acesso, bem como sobre outras publicações a evidenciar que se tratava de página oficial da Secretaria de Educação.

Ademais, como mencionado pela magistrada, quanto à alegação de uso indevido e ilícito de programas, obras, prédios, serviços e servidores públicos, cujas propagandas político-partidárias trouxeram, em tese, sério, grave e irreparável prejuízo aos autores, pois afetou a igualdade de condições entre os concorrentes, como salientado pelo Ministério Público Eleitoral as fotos são de locais de acesso público.

Além disso, no que se  refere ao videomonitoramento, constatou a ilustre magistrada que já houve publicações na mídia acerca do sistema de videomonitoramento, de modo que poderiam ser utilizadas pelos demais candidatos.

Por derradeiro, no que atina ao programa guarda mirim, as fotos publicadas não são de locais restritos.

Dessarte, é de ser desprovido o apelo, nos termos do que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 44907038):

 

Extrai-se da inicial que, no dia 15.10.2020, por meio da rede social Facebook, no perfil mantido pela Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha (Smed Comunica), foi veiculada uma foto em que aparecem o nome e o número de urna do candidato MIKE BREIER, a indicação da coligação e uma foto dele e de Alessandra dos Santos, Secretária Municipal de Educação.

A referida foto foi reproduzida no recurso interposto pelos investigantes e contém autenticação do 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre (ID 44328033, fls. 29 e 30 do PDF).

Em sede de contrarrazões, os investigados alegam que a publicação não foi em rede oficial da SMED, salientando que foi em perfil não oficial, bem como veicula apenas mero convite para uma live e não propaganda, que atingiu apenas 5 pessoas. Ressaltam, nesse sentido, que os próprios investigantes arrolaram como testemunha o Diretor de Tecnologia do Município, Sebastian Rei Gomes da Silva, o qual informou que a foto não foi divulgada em um perfil oficial.

[…]

Ao contrário do que alegam os recorrentes, em se tratando de propaganda ilícita na internet, não é suficiente a juntada de uma cópia autenticada de print da página da internet. Para se ter certeza que se tratava efetivamente da página de secretaria da Prefeitura Municipal de Cachoeirinha era necessária a ata notarial, vez que teria havido o acesso à página respectiva e o devido registro por parte do Tabelião, assegurando a higidez da prova para a hipótese da propaganda ser tirada da página no futuro.

Não encontrando-se a divulgação em questão na página da SMED atualmente, e na falta do registro à época através da ata notarial, não há prova no autos da utilização de bens e serviços públicos para divulgação de propaganda eleitoral, razão pela qual não merece reforma a sentença neste ponto.

 

2. Recurso de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER

Preliminarmente, examino matéria prefacial suscitada somente em memoriais apresentados por MAURÍCIO TONELHER, no sentido de que seria parte ilegítima o CIDADANIA de Cachoeirinha, na medida em que ajuizou ação de forma isolada, quando formava coligação para disputar a majoritária. Assim, por força do art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97, pede a extinção do feito, sem julgamento de mérito, em relação ao CIDADANIA.

Conheço da alegação, mas a rejeito.

Com efeito, a ação foi ajuizada em 17 de dezembro de 2020, após a eleição, circunstância que autoriza a atuação de partido que disputou o pleito de forma coligada.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AIJE. VEREADOR. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS.DESPROVIMENTO.

1. Recebem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos contra decisão monocrática e com pretensão infringente. Precedente.

2. Não se verifica omissão no julgado quando o Tribunal declina, de forma expressa e suficiente, os motivos que embasaram sua convicção. Decisão contrária aos interesses da parte não equivale à negativa de prestação jurisdicional. Precedentes.

3. Após a realização do pleito, o partido político coligado tem legitimidade para, isoladamente, propor representações que envolvam a cassação de diplomas e/ou a imposição de inelegibilidade. Precedentes.

[…]

(TSE, AgRg – REspe 9-58.2013.6.26.0297, DJE, Tomo 229, Data 02/12/2016, Página 45/46) (grifo nosso)

 

Com essas considerações, afasto a preliminar.

 

Mérito.

VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER e MAURÍCIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER recorrem contra o reconhecimento da litigância de má-fé. Preliminarmente, pedem para que seja reconhecida a incompetência da Justiça Eleitoral para análise da publicação veiculada na página pessoal do Facebook de VOLMIR MIKI BREIER. No mérito, dizem que não houve uso do processo para conseguir objetivo ilegal, salientando que os fatos que ensejaram a cominação da reprimenda pelo Juízo são extra-autos, são do Facebook, não havendo que se falar em litigância de má-fé.

A sentença reconheceu a litigância de má-fé e condenou Miki Breier ao pagamento de dois salários-mínimos (ID 44327533):

 

Embora não caiba a apreciação por esta Justiça Especializada do pedido de remoção de conteúdo, o fato narrado nas alegações finais acerca de alteração do conteúdo de decisão desta Magistrada em publicação na página do investigado Volmir José Miki Breier na rede social Facebook efetivamente merece reprimenda.

Oportuno referir que este juízo consultou o perfil indicado nas alegações finais pelos investigantes e foi possível confirmar que efetivamente foi publicada a seguinte mensagem acompanhada de uma foto do investigado:

A juíza eleitoral da 143a Zona Eleitoral, Vanessa Caldim dos Santos, decidiu que “houve manobra para tumultuar o processo”.

A justiça não falha. A mentira jamais irá prevalecer.

Como dizia Sócrates: A mentira nunca vive o suficiente para envelhecer.

Justiça nega novo pedido de afastamento de Miki e Maurício da prefeitura”.

Todavia, a decisão desta Magistrada no ID 90927233 foi nos seguintes termos: “Considerando o litisconsórcio ativo existente, a desistência da ação pelo partido PSL em nada interfere no andamento do feito, pois remanesce no polo ativo o partido CIDADANIA, bem como, os então candidatos ANTONIO TEIXEIRA e RUBENS OTÁVIO S. OHLWEILER .

Aliás, até a própria reportagem citada pelo peticionante na folha 06 da petição do ID 90915493 já esclarece os leitores que a retirada do PSL da ação de investigação judicial eleitoral não impede a continuidade da mesma.

Nesta senda, não havendo prejuízo ao andamento da ação, não se pode concluir, como alegado, que houve manobra para tumultuar o processo, razão pela qual indefiro o pedido de afastamento dos investigados do cargo.” (grifei).

A conduta maliciosa do investigado de omitir em sua publicação a expressão “não se pode concluir, como alegado” merece ser sancionada, pois não se pode referendar este tipo de procedimento, alterando-se o conteúdo de decisão judicial.

Dessa forma, com fulcro no artigo 80, III c/c o artigo 81, parágrafo 2º do CPC, reconheço a litigância de má-fé e condeno o investigado VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER ao pagamento de multa de 02 (dois) salários mínimos em favor dos investigantes.

 

A preliminar de incompetência será apreciada junto com o mérito.

Com efeito, a notícia veiculada no perfil do Facebook de Miki Breier alterou a verdade dos fatos, pois a magistrada não reconheceu ter havido manobra para tumultuar o processo, ao contrário, afirmou que NÃO se pode concluir que houve manobra para tumultuar o processo.

Ocorre, todavia, que a sentença fundamentou a condenação por litigância de má-fé no art. 80, inc. III, do CPC, que pressupõe o uso do processo para conseguir objetivo ilegal.

Na espécie, a conduta é extraprocessual, como manifestado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, não se dirigindo a juízes, magistrados ou à parte contrária.

Dessarte, ainda que cabível em tese, a propositura de demanda com escopo indenizatório, em seara não eleitoral, o fato é que não se insere o ato ilícito na hipótese prevista no art. 80, inc. III, do CPC, merecendo provimento o recurso para afastar a condenação imposta de 2 salários-mínimos.

 

3. Dispositivo

Ante o exposto, VOTO no seguinte sentido:

a) Pelo provimento parcial do recurso interposto por RUBENS OTÁVIO S. OHWEILER e CIDADANIA DE CACHOEIRINHA, a fim de julgar parcialmente procedente a ação, reconhecendo a prática dos ilícitos descritos acima nos itens 1 e 2, para:

a.1) condenar VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER à multa no montante de R$ 21.282,00, equivalente a 20 mil UFIR, e cassar os diplomas de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (Prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (Vice-Prefeito), pela infração ao art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97;

a.2) condenar VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER à sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020 e cassar os diplomas de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (Prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (Vice-Prefeito), em face do abuso do poder político e econômico, previsto no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90;

b) Pela rejeição da preliminar de ilegitimidade do CIDADANIA e pelo provimento do recurso de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER para afastar a condenação em litigância de má-fé.

Determino que, após a publicação do acórdão, seja comunicado o Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências para cassar o diploma de VOLMIR JOSÉ MIKI BREIER (Prefeito) e MAURICIO ROGÉRIO DE MEDEIROS TONOLHER (Vice-Prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Cachoeirinha, e para realizar novas eleições municipais majoritárias no Município de Cachoeirinha, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.