REl - 0600675-81.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/04/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Análise de documento novo na fase recursal

Destaco que o recorrente acostou documentação em fase recursal, circunstância que na classe processual sob exame não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documento capaz de esclarecer a irregularidade apontada sem a necessidade de diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

2. Mérito

FABIO AVILA DA SILVA, candidato ao cargo de vereador no Município de Santo Ângelo nas eleições 2020, interpõe recurso contra a sentença que desaprovou as contas em razão de (1) ausência de comprovação da devolução das verbas não utilizadas do FEFC e das sobras de recursos privados; (2) utilização de recursos próprios que superam o patrimônio declarado; (3) omissão de despesas; (4) devolução de cheques por insuficiência de fundos; e (5) realização de despesas após a data da eleição. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 3.540,59 ao Tesouro Nacional.

Passo à análise individualizada.

2.1. No concernente à primeira irregularidade, a auditoria contábil realizada no juízo de origem identificou ausência de comprovação do recolhimento das sobras de recursos privados, no valor de R$ 1,30, e das verbas não utilizadas do FEFC, no valor de R$ 43,60, em afronta à Resolução TSE n. 23.607/19, art. 50, §§ 4º e 5º, que impõem a devolução destes valores:

Art. 50 (...)

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.
 

O recorrente admite a ausência de devolução sustentando que a irregularidade decorreu da falta de comunicação entre candidato e contador.

Contudo, uma vez constatada a falha, incumbia ao prestador promover os devidos recolhimentos, ainda que de forma atrasada, diligência que não realizou, de modo que entendo pela manutenção da irregularidade.

2.2. A segunda falha diz respeito à utilização de recursos próprios que superam o patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, e em consequência a decisão hostilizada entendeu configurado o recebimento de recursos de origem não identificada – RONI, e determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.552,00 ao Tesouro Nacional.

Com efeito, a parte recorrente registrou na prestação de contas o uso de recursos próprios, e a situação conflita com os dados fornecidos por ocasião do registro de candidatura, quando o candidato declarou não possuir bens ou rendas.

Antecipo que o recurso merece, aqui, provimento, pois a documentação apresentada em grau recursal comprova de modo seguro a renda auferida nos meses anteriores ao pleito. Ainda que afastado no período eleitoral, a página do portal de transparência demonstra exercício do candidato no cargo de Conselheiro Tutelar no curso do ano de 2020, a demonstrar a capacidade financeira do recorrente para o autofinanciamento de R$ 1.552,00.

Nessa linha, julgo comprovada a origem das verbas utilizadas em campanha eleitoral e declaradas como renda própria, de maneira que afasto o percebimento de recursos como de origem não identificada, também devendo ser afastada a ordem de recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional.

2.3. No referente à omissão de despesas, verifico, conforme o parecer técnico, que foram identificadas notas fiscais emitidas contra o CNPJ do prestador pelo fornecedor Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., em montante de R$ 249,99, não declaradas na prestação.

A sentença, considerando que os valores para pagamento dos gastos não transitaram pelas contas eleitorais do candidato, entendeu se tratar de utilização de recurso de origem não identificada – RONI, determinando o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Alega o recorrente que a origem dos recursos está devidamente identificada, pois afirma serem valores próprios.

Sem razão.

A simples alegação da origem dos recursos como próprios não os torna identificados, pois nos termos da legislação há a exigência de que os valores utilizados para pagamentos de gastos tenham trânsito pelas contas bancárias do candidato, e também que as operações de ingresso de valores nas contas sejam feitas por meio de operações onde o doador, mesmo no caso do próprio candidato, seja identificado obrigatoriamente pelo seu CPF.

Portanto, bem andou a sentença em determinar o recolhimento da quantia de R$ 249,99 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 1º, inc. VI, e § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

2.4 O parecer conclusivo da origem apontou a devolução do cheque de n. 850004, conta n. 651796, agência 138-4, do Banco do Brasil (“outros recursos”), no valor de R$ 125,00, e do cheque n. 850031, conta n. 651770, agência 138-4, do Banco do Brasil (FEFC), no valor de R$ 720,00, por insuficiência de fundos, dos quais não há prova nos autos de quitação com verbas provenientes das contas de campanha, e a sentença caracterizou as verbas utilizadas para o pagamento como recursos de origem não identificada – RONI e determinou o recolhimento da quantia de R$ 845,00 ao Tesouro Nacional.

Sustenta a parte recorrente que o cheque de n. 850031 foi “pago a Adriane Matter prestadora de serviços ao candidato, sendo que aquela endossou o cheque a terceiro (serikraft)”.

No relativo ao cheque de n. 850004, silencia.

De todo modo, destaco que o argumento não é suficiente a comprovar o pagamento da despesa, pois os cheques não foram compensados e não há registro de dívidas de campanha, indicando que os valores referentes à quitação não transitaram na conta bancária e, nos termos da fundamentação do item anterior, a irregularidade deve ser mantida, bem como a determinação de recolhimento de R$ 845,00 ao Tesouro Nacional.

2.5 Consoante o parecer conclusivo da origem, houve a apresentação de nota fiscal de prestação de serviço no valor de R$ 850,00, emitida em 02.12.2020, portanto após a data da eleição, em afronta ao art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que “os partidos políticos e candidatos ou candidatas podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição”.

Observo, ademais, que a quitação se deu com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

O recorrente afirma que a despesa se refere à contratação realizada antes da mencionada data, no entanto deixa de apresentar qualquer prova do alegado, como o contrato firmado com suposto fornecedor, por exemplo.

Ora, há termo legal para efetivação de despesas, o dia da eleição, e o § 1º do citado art. 33 marca o termo para a integral quitação, qual seja “a entrega da prestação à Justiça Eleitoral”, de maneira que não havendo comprovação de que a contratação do gasto foi anterior à data do pleito, remanesce a irregularidade e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 850,00 despendida com recursos públicos.

Por fim, entendo que a manutenção da desaprovação das contas é medida que se impõe, ainda que deva ser reduzida a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional para a quantia de R$ 1.988,59 (R$3.540,59 – R$1.552,00), em razão da irregularidade relativa ao autofinanciamento ter sido afastada.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a irregularidade referente ao autofinanciamento, manter a desaprovação das contas e determinar o recolhimento de R$ 1.988,59 ao Tesouro Nacional.