AJDesCargEle - 0600205-54.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

Eminentes Colegas.

O presente processo tem elementos que me permitem acompanhar o relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, com tranquilidade.

Em primeiro lugar, sublinho que não há pedido da requerente no sentido de deixar a agremiação com base na Emenda Constitucional n. 111/2021.

Explico.

Toda a petição inicial, ID 7370483, vem suportada por alegadas grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, conforme uma série de fatos narrados. A ação foi proposta em 19.08.2021, portanto antes do advento da Emenda Constitucional n. 111, publicada no Diário Oficial da União em 29.9.2021, e com vigência expressa a partir da data de sua publicação. 

Ocorre que, com a referida modificação constitucional, a autora peticionou, ID 44896885, nos seguintes termos:

“Senhor Relator,

Juntamos ao presente processo, cópia de carta de anuência de desfiliação recentemente concedida, firmada pela presidente nacional do partido, de modo a corroborar com a tese desde o início levantada.

Desta forma, requer a juntada do presente, por ser de caráter público, bem, como, requer a procedência do feito.” (sic)

 

Ou seja, a apresentação da EC n. 111 foi de forma a “corroborar” o pedido de desfiliação sem perda do cargo eletivo conforme os argumentos originais, mas jamais houve manifestação do diretório efetivamente demandado – o Diretório Estadual do PTB do Rio Grande do Sul, no relativo à pretensão de desfiliação por anuência, o que por si só já traz questionamento no relativo à manifestação ter emanado de parte de diretório nacional, ente sequer legitimado para figurar no polo passivo da presente demanda, pois existente diretório estadual, e também quanto à divisão interna de competências da agremiação, pois ao que tudo indica a hierarquia do estatuto do PTB é de cunho disciplinar de dirigentes e em casos bastante específicos, não incluída aí a hipótese de relacionamento com os filiados da respectiva circunscrição. Tenho sérias dúvidas se ao diretório nacional é dada a prerrogativa de desautorizar a relação entre os diretórios municipais e estaduais nas relações com filiados vereadores, e lembro que mesmo após a vinda aos autos da manifestação nacional, o diretório regional apresentou alegações finais em posição contrária àquela constante na "carta de ciência".

Ainda assim, e apenas a título argumentativo, após superadas tais questões seria o caso de perda do objeto da presente ação, em decorrência do surgimento de fato superveniente, a referida ciência do diretório nacional, pois realmente se trata de matéria de ordem pública, e desde já aqui me posiciono pela incidência da EC n. 111/2021 aos processos já em andamento.

Por outro lado, há obstáculo que entendo intransponível para a procedência da ação, e refiro a circunstância de que o documento apresentado em 20.12.2021, ID 44896886, não consubstancia carta de anuência de desfiliação com manutenção do cargo. Transcrevo a íntegra: 

DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB, pessoa jurídica de direito privado, devidamente registrado perante o Tribunal Superior Eleitoral, inscrito no CNPJ/MF sob o nº 03.605.136/0001-13, com sede situada à SEPN 504 – Bloco A – nº 100 – Cobertura (Ed. Ana Carolina) – Brasília/DF – CEP 70.730-521, neste ato representado por sua Presidente, GRACIELA NIENOV, manifesta sua expressa anuência quanto à desfiliação do Vereador de Capão da Canoa/RS, DANUBIA DOS SANTOS PEREIRA, título eleitoral nº 0846 7701 0450 e inscrito no CPF sob o nº 017.953.560-90, dos quadros de filiados da agremiação.

Brasília-DF, 01 de dezembro de 2021.

 

Julgo inviável entender que tal manifestação cumpra a anuência a que se refere a EC n. 111/2021, pois nada diz quanto à manutenção do mandato pela requerente. 

Trago a redação do dispositivo constitucional em questão:

"Art.17.........................................................................................................

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão." (NR) (grifei)

 

Ou seja, a regra é que os parlamentares que se desligarem do partido perderão o mandato, salvo no caso de anuência do partido em relação à manutenção do cargo.

E não anuência à desfiliação, pois esta é sabidamente livre a qualquer filiado de partido político. Não há lógica em entender que a redação da emenda constitucional fez referência à anuência de desfiliação, sobretudo quando considerado todo o histórico legislativo e jurisprudencial relativo ao tema da infidelidade partidária.

Ora, se a desfiliação é livre a qualquer filiado, a anuência que versa apenas sobre desfiliação é inócua, e prefiro nem mesmo a denominar de anuência “genérica” pois de anuência, a rigor, não se trata. 

A concordância para a permanência no cargo de parte do parlamentar trânsfuga, sigo com a lógica do sistema de fidelidade partidária estabelecido pelo STF e pelo TSE há bastante tempo, deve obviamente versar expressamente sobre aquilo que a todos interessa: o cargo eletivo, o que não ocorreu na hipótese.

Noto que mesmo a autora assim entendeu ao apresentar a presente demanda, conforme pode se depreender do pedido veiculado na petição inicial, item c, momento no qual se dirigiu a esta Corte pugnando pela desfiliação com manutenção do cargo:

“...

c) Ao final, seja julgado procedente o pedido, para declarar judicialmente a existência de JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA, com a menção expressa no dispositivo que a Requerente faz jus à desfiliação partidária do Partido Trabalhista Brasileiro, podendo se filiar a outro Partido Político compatível com suas ideologias, sem a perda do cargo eletivo”.

 

Friso: a própria autora requereu manifestação expressa da Justiça Eleitoral para que ocorra a desfiliação partidária sem a perda do cargo eletivo, situação passada ao largo no documento apresentado a título de “carta de ciência”, e mesmo nas alegações finais, oferecidas após a apresentação do documento.

Em processo de minha relatoria recentemente julgado, de forma monocrática indeferi inicialmente tutela provisória requerida com base em “carta de anuência” de teor semelhante ao presente nestes autos e a parte autora, então, rapidamente providenciou documento adequado com expressa concordância da agremiação relativamente à manutenção do cargo após a desfiliação, motivo pelo qual o posicionamento anterior foi revisto, a tutela concedida e confirmada à unanimidade por ocasião do julgamento neste Plenário (AJDesCargEle n. 0600078-82.20222.6.21.0000, julgado em 29.03.2022).

Destaco que nas mais comuns autorizações (por exemplo, autorização dos pais para que menor de idade realize viagem internacional) deve constar expressamente o objeto da autorização, e é por isso que a omissão sobre a situação do mandato eletivo, no caso dos autos, ao meu ver inviabiliza a possibilidade de que se entenda ocorrida a ciência a que alude a EC n.111/2021. Está em jogo um mandato de vereador, o documento foi elaborado por diretório de partido político, e penso que há um patamar mínimo de clareza no ato de manifestação de vontade a ser cumprido, qual seja, referir a questão relativa à manutenção do cargo eletivo. Tal patamar não foi cumprido.

Por fim, destaco que a aplicação de exceção à regra de que o mandato pertence ao partido político, no caso, somente aumentaria a alta insegurança jurídica que já cerca o PTB, o qual se encontra em notória situação de instabilidade interna, pois a ex-Presidente Graciela Nievov, que assinou o documento trazido aos autos, foi destituída do cargo ainda no início de mês de fevereiro de 2022 em conjunto com a dissolução do respectivo diretório, e o seu sucessor na presidência nacional do PTB, Marcus Vinícius Neskau, escolhido em 11.2.2022, foi suspenso por 180 (cento e oitenta) dias de suas funções em 30.3.2022, via decisão proferida pelo Ministro Alexandre Moraes em jurisdição no Supremo Tribunal Federal. Ademais, são também conhecidas as acusações de parte a parte, presentes em pedidos judiciais de reintegração de posse da sede do partido em Brasília, além de alegados usos de senhas administrativas para destituição de dirigentes perante o Tribunal Superior Eleitoral, em atos que em tese podem, inclusive, configurar práticas criminosas.

Essa a declaração de voto, Senhor Presidente, para acompanhar o voto do relator.

 

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