AJDesCargEle - 0600205-54.2021.6.21.0000 - Voto Vista - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Eminentes colegas:

O pedido de vista destes autos me permitiu refletir com mais vagar acerca da ação de justificação de desfiliação partidária que aqui se examina, sobretudo diante da recente alteração no estatuto jurídico da fidelidade partidária e suas repercussões.

O Des. Eleitoral Gerson Fischmann consignou em seu culto voto, em apertada síntese, que a carta de anuência de desfiliação assinada pela presidente do Partido Trabalhista Brasileio – PTB, Graciela Nienov, datada em 1º.12.2021, juntada em momento posterior à propositura da presente ação, nada menciona sobre a manutenção do cargo eletivo, carecendo de verossimilhança o seu conteúdo com o pedido postulado, embora a requerente alegue que o documento comprova a anuência do partido com a sua desfiliação.

Inaugurando divergência parcial, a eminente Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues entendeu por admitir a carta de anuência como prova de justa causa para desfiliação da requerente DANÚBIA DOS SANTOS PEREIRA.

Com a devida vênia ao relator, estou aderindo ao posicionamento capitaneado pela ilustre Desa. Kalin.

A fim de expor os fundamentos de meu posicionamento, traço breves comentários acerca da justa causa e da filiação partidária.

No intento de “disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como a justificação de desfiliação partidária”, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução n. 22.610/07. Nela, são arroladas como justa causa para desfiliação partidária a incorporação ou fusão do partido; criação de novo partido; mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; e grave discriminação pessoal (§ 1º do art. 1º).

Posteriormente, com a publicação da Lei n. 13.165/15, que derrogou a previsão contida na Resolução, a disciplina da justa causa passou a ser o parágrafo único do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos, que dispõe que consideram-se “justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses”, indicando: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Por fim, hipóteses de justa causa foram integradas ao ordenamento brasileiro mediante emendas constitucionais. Em 2017, a EC n. 97 acrescentou o § 5º ao art. 17 da Constituição Federal, prevendo que ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos na chamada “cláusula de barreira” “é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido”. Em 2021, a EC n. 111 elevou a fidelidade partidária ao patamar constitucional ao estabelecer que os “Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei”.

Arrolo todas as hipóteses pois vislumbro a existência daquelas objetivas e de outras que, por veicularem conceitos indeterminados ou fluídos, só podem ser precisadas ou concretizadas à luz da situação objetivamente apresentada.

Penso não haver como afastar o grau de subjetivismo subjacente nas hipóteses de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e de grave discriminação política pessoal.

As demais modalidades de justa causa, no meu entender, devem ser objetivamente consideradas.

No caso dos autos, considero que a juntada da carta de anuência autoriza a declaração de existência de justa causa para desfiliação partidária.

Acerca da vinculação a partido político, rememoro que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (CF, art. 5º, inc. XX) a qualquer entidade. Nessa linha, a Lei n. 9.096/95 determina que o vínculo do filiado com o partido é rompido com a “comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito” (art. 21).

Aliás, a desfiliação também ocorre de forma automática, mesmo sem qualquer comunicação, já que na “coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais” (parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95).

Assim, concluo que não é necessária a concordância do partido quando a iniciativa de deixar de integrar os quadros da agremiação parte do filiado.

Nessa linha, tenho que a anuência se presta a sinalizar para o filiado eleito de que o partido não postulará a cadeira do trânsfuga, nos exatos termos da Emenda Constitucional em debate, sem necessidade de maiores disposições ou especificações no conteúdo da manifestação que a declarar.

Colho o texto do documento juntado aos autos (ID 44896886):

CARTA DE ANUÊNCIA COM DESFILIAÇÃO

DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB, pessoa jurídica de direito privado, devidamente registrado perante o Tribunal Superior Eleitoral, inscrito no CNPJ/MF sob o nº 03.605.136/0001-13, com sede situada à SEPN 504 – Bloco A – nº 100 – Cobertura (Ed. Ana Carolina) – Brasília/DF – CEP 70.730-521, neste ato representado por sua Presidente, GRACIELA NIENOV, manifesta sua expressa anuência quanto à desfiliação do Vereador de Capão da Canoa/RS, DANÚBIA DOS SANTOS PEREIRA, título eleitoral nº 0846 7701 0450 e inscrito no CPF sob o nº 017.953.560-90, dos quadros de filiados da agremiação.

Ao considerar que foi expressa a anuência quanto à desfiliação de titular de mandato eletivo, julgo que o documento fornecido pelo partido é apto a fazer a prova necessária à configuração da justa causa prevista na Emenda Constitucional n. 111/21.

Devo aderir, portanto, aos argumentos expostos na divergência lançada para julgar procedente o pedido.

É como voto, Senhor Presidente.