AJDesCargEle - 0600205-54.2021.6.21.0000 - Voto Vista - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

VOTO-VISTA

DESA. ELEITORAL KALIN COGO RODRIGUES

 

Trago a julgamento o voto-vista nos autos ação declaratória de justa causa de desfiliação ajuizada por DANÚBIA DOS SANTOS PEREIRA, vereadora de Capão da Canoa, em face do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) ESTADUAL e do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de CAPÃO DA CANOA, a qual alegou a existência de grave discriminação pessoal e mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, nos termos do art. 22-A, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95.

Na sessão de 22.03.2022, o ilustre Relator, Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, após desconsiderar a carta de anuência de desfiliação apresentada pela requerente, por entender carecer de verossimilhança, proferiu voto pela improcedência do pedido por não verificar a existência das hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

A divergência que apresento se refere à admissibilidade da carta de anuência como prova de justa causa para desfiliação da requerente do PTB.

O tema em questão passou a ser regido pelo § 6º do art. 17 da Constituição Federal, inserido pela EC n. 111, de 28 de setembro 2021, a qual transcrevo:

Art. 17 (…)

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021) Grifei.

Conforme o dispositivo constitucional citado, os vereadores e deputados que obtiverem anuência dos respectivos partidos, poderão se desfiliar sem a perda do mandato.

Trata-se de norma constitucional de aplicabilidade imediata.

Veja-se que o dispositivo constitucional não estabelece nenhum requisito específico para a configuração da anuência partidária.

Nessa linha, trago a recente decisão proferida pelo então Presidente do e. TSE, Ministro Luís Roberto Barroso, na ação declaratória de justa causa de desfiliação n. 0600766-63.2021.6.00.0000, de 21.12.2021, a qual deferiu a tutela de urgência em processo análogo:

Ementa: DIREITO PARTIDÁRIO. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. CARTA DE ANUÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 111/2021. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. I. HIPÓTESE 1. Ação de Justificação de Desfiliação Partidária, com requerimento liminar de tutela antecipada, ajuizada por deputado federal eleito para a legislatura 2019-2022, contra o Partido Liberal – PL. II. FATOS RELEVANTES 2. São os seguintes os fatos relevantes veiculados na ação: (i) o requerente sempre se colocou como um parlamentar de oposição ao atual Presidente da República, notadamente em temas como saúde, meio ambiente e democracia; (ii) todavia, no dia 30 de novembro passado, o Presidente da República se filiou ao partido do requerente, o Partido Liberal (PL); (iii) sete dias após esse fato, o requerente foi notificado pelo presidente nacional do seu partido de que sua permanência na agremiação acarretaria “constrangimentos de natureza política”, razão pela qual anuía com a desfiliação do parlamentar. III. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO 3. A plausibilidade do direito postulado parece inequívoca, tendo em vista que: (i) os fatos alegados são notórios, estando a carta de anuência acostada aos autos; (ii) o entendimento anterior do TSE de que a carta de anuência, por si só, não constitui justa causa para a desfiliação partidária (PET nº 0600482-26 e 0600607-91, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 25.11.2021) foi superado pela a Emenda Constitucional nº 111/2021; (iii) de fato, a referida emenda incluiu um § 6º ao art. 17 da Constituição, passando a prever que a anuência do partido com a desfiliação afasta a possibilidade de perda do mandato. IV. PERIGO NA DEMORA 4. Agentes públicos eletivos dependem de uma identidade política que atraia seus eleitores. Uma mudança substancial de rumo no partido pode afetar essa identidade. Se isso se der às vésperas de um ano eleitoral, a demora na desfiliação pode acarretar dano irreparável. 5. Não há, por outro lado, risco de dano reverso, notadamente pelo fato de que o próprio partido, ao anuir com a desfiliação, deixou claro que não se valerá da ação de perda de mandato. V. CONCLUSÃO 6. Tutela antecipada deferida, para reconhecer a existência de justa causa para a desfiliação partidária do requerente. Na volta do recesso, a decisão deverá ser levada à ratificação pelo Plenário. (Ministro Luís Roberto Barroso, na AjDesCargEle n. 0600766-63.2021.6.00.0000, de 21.12.2021). Grifei.

Verifica-se que o ilustre Ministro refere na decisão, de forma expressa, que o entendimento anterior do TSE de que a carta de anuência, por si só, não constitui justa causa para a desfiliação partidária, foi superado pela Emenda Constitucional n. 111/21.

Na hipótese dos autos, a requerente apresentou carta de anuência de desfiliação, datada de 01.12.2021, assinada pela presidente nacional do PTB em exercício na data, Gaciela Nienov (presidente do PTB até 11-02-2022, conforme informação extraída mediante consulta pública no site do Tribunal Superior Eleitoral) – ID 44896886.

Na carta, é possível identificar de forma inequívoca que o Diretório Nacional do PTB concordou com a desfiliação da vereadora Danúbia Dos Santos Pereira, em 01.12.2021.

Ainda, é possível verificar nos autos ausência de impugnação da agremiação quanto à validade da referida carta.

O ilustre Relator, ao desconsiderar a carta de anuência como prova, fundamentou a negativa na falta de menção sobre a manutenção do cargo eletivo, concluindo pela carência de verossimilhança entre o conteúdo da carta e o pedido postulado.

Ressalto que, mesmo que não existisse normativa a respeito do assunto (§ 6º do art. 17 da Constituição Federal), considerando apenas a natureza da carta de anuência, julgo que seria necessária uma mudança de entendimento por parte desta Corte quanto à exigência de requisitos específicos no documento para a validação da justa causa para desfiliação.

Isso porque, considerando que é direito constitucional do filiado, com mandato da proporcional, poder se desfiliar a qualquer momento sem o mandato, a única razão de existir (finalidade) da carta de anuência, fornecida pela agremiação, seria a liberação do filiado com o seu mandato.

Assim, a desfiliação sem a perda do mandato é decorrência lógica da própria natureza da carta de anuência, motivo pelo qual seria desnecessária a exigência de menção expressa no documento a respeito do assunto.

Destaco ainda que, embora haja entendimento jurisprudencial que o Diretório Municipal seria o legitimado para atuar no polo passivo da ação de justa causa de desfiliação proposta por vereador, possuindo o Diretório Estadual e o Diretório Nacional legitimidade concorrente, não se pode confundir a legitimidade processual com a competência interna corporis para autorizar uma desfiliação, dentro da agremiação.

O § 1º do art. 17 da CF é categórico ao estabelecer que os partidos políticos possuem autonomia para definir as regras que regulamentarão a sua estrutura e o seu funcionamento.

Analisando o Estatuto do PTB, não identifiquei nenhuma norma que estabeleça competência exclusiva do Diretório Municipal, ou de qualquer das esferas, para a concessão de carta de anuência para desfiliação.

Mais que isso, identifiquei no § 3º do art. 5º a seguinte norma: A filiação será requerida perante Comissão Executiva Municipal, Estadual e Nacional. Ou seja, todas as esferas participam do processo de filiação. Assim, contrario senso, considero que todas possuem competência para opinar sobre eventual pedido de desfiliação (ID 44850437 e 44850438).

Da mesma forma, a regra esculpida no § 6º do art. 17 da CF fala, para a concessão de justa causa, em “anuência do partido”, não fazendo ressalvas quanto ao compartimento desta competência.

Por fim, tendo em vista ser recente a inserção da norma contida no § 6º do art. 17 da CF pela EC n. 111 (28 de setembro 2021), a questão ainda não foi objeto de análise no mérito pelos outros Tribunais Regionais Eleitorais e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, trago algumas decisões liminares proferidas em outros TRE’s:

(…) Na casuística, a parte Autora pleiteia a concessão de tutela provisória de urgência, de natureza antecipada e caráter incidental, argumentando, notadamente, que o Partido Requerido autorizou a sua desfiliação através de uma carta de anuência, reconhecendo, ainda, que o Requerente está livre para se filiar a outro partido político, sem que reste configurado a infidelidade partidária, nos termos da exceção prevista no § 6º, do art. 17 da CF.

A ação se encontra instruída com cópia do referido documento (ID 8942201), datado de 3/1/2022, assinado pelo presidente estadual do PL, Alexsander Pretti Domingos, em que a agremiação consigna sua anuência com a desfiliação e a posição por não se utilizar da ação de perda de mandato.

A plausibilidade do direito postulado decorre da redação expressa e inequívoca do § 6º do art. 17 da Constituição, inserido pela EC nº 111, de 28 de setembro 2021, ora transcrito.

 

Art. 17, § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021).

E o perigo da demora pode ser caracterizado em razão da regra eleitoral de que os pretensos candidatos devem estar filiados a partidos com no mínimo seis meses de antecedência à data do pleito.

Ademais, não há risco de dano reverso, notadamente pelo fato de que o próprio partido, ao anuir com a desfiliação, deixou claro que não se valerá da ação de perda de mandato. (…) (Página 10 do Tribunal Regional Eleitoral do Espirito Santo – TRE-ES – de 16 de Fevereiro de 2022)

 

(…) 16. A plausibilidade do direito postulado decorre da redação expressa e inequívoca do § 6º do art. 17 da Constituição, inserido pela EC nº 111, de 28.09.2021, in verbis:

"Art. 17, § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão". (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021).

17. Com isso, fica superada a jurisprudência que até aqui prevalecera no Plenário, recentemente reiterada, no sentido de que "a carta de anuência oferecida pelos partidos políticos aos representantes individuais, eleitos pela legenda, não configura, por si só, justa causa para a desfiliação partidária" (PET nº 0600482-26 e 0600607-91, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 25.11.2021). Tal entendimento, que se aplicava a fatos ocorridos antes da vigência EC nº 111 /2021, já não prevalece.

19. No caso em análise, a ação se encontra instruída com cópia de documento, datado de 7.12.2021, assinado pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, em que a agremiação: (i) reconhece que se tornou insustentável a permanência do requerente nos quadros do partido, com "constrangimentos de natureza política para ambas as partes"; e (ii) consigna sua anuência com a desfiliação e a posição por não se utilizar da ação de perda de mandato. Transcrevo o inteiro teor do documento (ID 157116851):

"O Órgão Nacional do Partido Liberal tomou conhecimento das divergências doutrinárias e políticas existentes entre V. Exa. E nossa legenda partidária, o que, no nosso entendimento, torna insustentável sua permanência em nossa agremiação e justificaria sua desfiliação de nosso quadro de filiados.

Em que pese o fato de lamentarmos a manifesta divergência apresentada de caráter público e notório, afirmamos que, em virtude da linha político-partidária de atuação de nossa legenda, sua manutenção em nosso quadro de filiados causará indiscutivelmente constrangimentos de natureza política para ambas as partes. Em face de tais considerações, manifestamos nossa posição de não utilizar as prerrogativas da Resolução nº 22.610, do TSE c/c art. 26 [sic] da Lei 9.096/95, que trata da fidelidade partidária e consignamos nossa anuência a sua desfiliação, nos termos do expresso no Art. 1º, da Emenda Constitucional nº 111, de 28 de setembro de 2021, que acrescentou o § 6º, ao artigo 17, da Constituição Federal, não postulando perante a Justiça Eleitoral o mandato de Deputado Federal, obtido por V. Exa. por expressa vontade do povo do Estado do Amazonas, por motivo de desfiliação partidária, em respeito aos princípios constitucionais, concluindo assim ser incompatível a permanência de V. Exa. no Partido Liberal".

20. Observa-se que os termos em que manifestada a anuência com a desfiliação são inequívocos, deles se extraindo a plena ciência do partido de que o efeito da declaração será a conservação do mandato pelo parlamentar após seu desligamento da legenda. O teor da carta é, ainda, coerente com a narrativa do autor, no sentido de que sua relação com o partido se desgastou após a filiação do Presidente da República ao PL, tal como ilustrado pelas declarações públicas de dirigentes locais a respeito da inadequação do requerente à nova configuração política do partido. Tais informações são aqui mencionadas como parte do contexto em que a comunicação foi expedida, não sendo necessário examiná-las sob a ótica da grave discriminação pessoal (art. 22-A, parágrafo único, II, da Lei nº 9.096/1995), já que é suficiente ao exame do requerimento de tutela de urgência a análise dos fatos à luz do § 6º do art. 17 da Constituição.

22. Há, portanto, elementos suficientes para concluir, em cognição sumária, que a pretensão do autor está legitimamente amparada no § 6º do art. 17 da Constituição. (...) (Página 6 do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina – TRE-SC – de 24 de Março de 2022)

Feitas essas considerações, entendo válida a carta de anuência apresentada pela requerente, devendo ser considerada como prova de justa causa para sua desfiliação do PTB, nos termos do § 6º do art. 17 da CF.

Diante do exposto, VOTO pela procedência da ação declaratória de justa causa de desfiliação proposta por DANÚBIA DOS SANTOS PEREIRA.

 

É como voto, Senhor Presidente.