AJDesCargEle - 0600205-54.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

VOTO

1. Inicialmente, passo ao exame das preliminares suscitadas.

a) Revelia do PTB de Capão da Canoa

Na forma já referida pela Procuradoria Regional Eleitoral, considerando que a ação foi proposta contra os órgãos estadual e municipal do PTB, e que o órgão estadual ofereceu defesa.

Na hipótese em que o cargo em disputa é o municipal, a jurisprudência do TSE Corte admite legitimidade concorrente dos diretórios municipais, regionais e nacionais para atuarem em juízo (TSE - Pet: 06004009220196000000 Recife/PE, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 03.02.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 04.02.2020 – n. 24).
Trata-se de litisconsórcio unitário facultativo, e considerando que a decisão deve ser uniforme para todas as esferas partidárias, a defesa aproveita a ambas.

b) Intempestividade e decadência do direito de ação

Também como entendeu a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44861191), não há que se falar em decadência do direito de ação em ação declaratória de justa causa para a desfiliação partidária, pois o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 e a Resolução TSE n. 22.610/07 não estabelecem o prazo de ajuizamento da ação no caso de alegação de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

A jurisprudência invocada na defesa, relativa à superação de prazo razoável para a propositura da demanda, uma vez que as alterações estatutárias ocorreram cerca de 8 meses antes do ajuizamento da ação, será analisada no mérito, sendo incabível o pedido de declaração da decadência.

c) Impossibilidade jurídica do pedido, inépcia da inicial e cerceamento de defesa por falta de juntada do Programa e Estatuto do PTB de 2018

De igual modo, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido pelo fato de a autora ter fundamentado a ação nas divergências entre o estatuto partidário de 2016 e o de 2020, estando o de 2016 revogado pelo estatuto de 2018, conforme esclareceu o PTB na peça defensiva.

A questão merece exame na apreciação do mérito e em cotejo com as alegações finais da parte requerente, por se tratar de alegação de fato impeditivo do direito do autor.

Considerando que o partido acostou, com a resposta, o estatuto de 2018, não há prejuízo algum de defesa pela falta de juntada aos autos do documento com a inicial, até porque foi reconhecido que tal regramento sequer foi objeto do pedido da parte autora.

Com esses fundamentos, afasto as preliminares suscitadas.

2. No mérito, a ação se fundamenta no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, que prevê nos incs. I e II, como hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (inc. I) e a grave discriminação política pessoal (inc. II).

Passo ao exame dos fatos narrados na inicial pela Vereadora Danúbia dos Santos Pereira para a verificação do seu enquadramento como justa causa para a procedência do pedido.

Para tanto, utilizo do mesmo entendimento adotado para o julgamento do processo AJDesCargEle n. 0600207-24.2021.6.21.0000, de minha relatoria, decidido por unanimidade pela improcedência do pedido, uma vez que os argumentos se tangenciam, diferindo apenas no que concerne à existência da Carta de Anuência do partido com a desfiliação da requerente:

a) Juntada Carta de Anuência da desfiliação (ID 44896885) realizada antes do encerramento da instrução (ID 44897334).

A fim de justificar sua desfiliação sem perda do mandato, a Vereadora Danúbia dos Santos Pereira juntou Carta de Anuência de Desfiliação assinada pela presidente do Partido Trabalhista Brasileio – PTB, Graciela Nienov, datada em 1º.12.2021, em momento posterior à propositura da presente ação.

Embora a requerente alegue que o documento comprova a anuência do partido com a sua desfiliação, nada menciona sobre a manutenção do cargo eletivo, carecendo de verossimilhança o seu conteúdo com o pedido postulado.

Assim, entendo que não há elementos que justifiquem a desfiliação sem perda do cargo eletivo com base na prova em questão.

b) A direção nacional do PTB é contra os métodos de distanciamento social, promovendo aglomerações, e negando a existência da pandemia.

Quanto a este fundamento, tem-se que a pandemia causada pelo novo coronavírus é questão sui generis na realidade social e política brasileira.

Porém, a Vereadora Danúbia dos Santos Pereira não se desincumbiu do ônus de demonstrar que a posição do PTB quanto às medidas de distanciamento social verificadas no momento do ajuizamento da ação, agosto de 2021, diferem das adotadas pela agremiação no ano de 2020, quando a crise sanitária se iniciou e a parlamentar buscava a sua eleição como vereadora pelo PTB, postulando registro de candidatura e realizando a campanha eleitoral.

A insurgência da parlamentar quanto ao fato de o então Presidente do Diretório Nacional do PTB, Roberto Jefferson, ter promovido aglomerações ou participado delas, não se mostra suficiente para legitimar a saída do partido sem perda do mandato, porque no curso do ano de 2020, durante a campanha eleitoral em que buscava ser eleita pelo PTB, a sigla já externava posição contrária às medidas sanitárias de combate à pandemia.

É fato público e notório, inclusive divulgado em 22.10.2020 pelo partido em seu site de internet, antes da eleição da requerente como vereadora pelo PTB, que a legenda ingressou com ação no STF para impedir vacinação obrigatória da população (notícia divulgada em: https://ptb.org.br/ptb-ingressa-com-acao-no-stf-para-impedir-vacinacao-obrigatoria/).

De fato, em outubro de 2020, o Partido Trabalhista Brasileiro tomou posição, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6587, contra a obrigatoriedade da vacina.

Ressalto que, segundo o art. 374, inc. I, do CPC, não dependem de prova os fatos notórios, isto é, aqueles perceptíveis por qualquer homem médio e disponíveis mediante ampla divulgação. Além disso, o art. 375 do CPC estabelece que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, enquanto o art. 23 da LC n. 64/90 prevê, para as ações de investigação judicial eleitoral, que o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral:

Código de Processo Civil:

 Art. 374. Não dependem de prova os fatos:

I - notórios; 
(…)
Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial. 
Lei Complementar n. 64/1990
Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Realmente, há fatos públicos e notórios, que não se caracterizam como inéditos porque já foram divulgados pela imprensa em geral, que refutam a tese de surpresa ou nas ações invocadas pelo autor que fundamentariam a justa causa para a desfiliação.

Nesse sentido, tem-se que, em 22.4.2020, o Jornal El País divulgou manchete “Bolsonaro recorre a condenados no mensalão e réus na Lava Jato para romper isolamento político e pressionar Maia”, noticiando jantar para celebrar acordos políticos no qual Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, se fez presente. A matéria aponta que, “oficialmente, Bolsonaro pediu integração dos partidos para superar as crises sanitária e econômica da covid-19” (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-23/bolsonaro-recorre-a-condenados-no-mensalao-e-reus-na-lava-jato-para-romper-isolamento-politico-e-pressionar-maia.html).

Conforme defende o PTB, o partido sempre se declarou apoiador da gestão de Bolsonaro, não se mostrando razoável que durante a campanha e a prática de atos contrários a medidas de orientação sanitária afetos à pandemia o requerente tenha se mantido filiado ao partido, alcançando um mandato eletivo enquanto vigentes os posicionamentos da legenda sobre a pandemia, e após mais de oito meses da sua eleição, busque a saída do partido sem perda do cargo de vereador. Assim, tendo em conta que a Vereadora Danúbia dos Santos Pereira não demonstrou ter sido surpreendida com uma alteração da posição adotada pelo partido quanto à pandemia no momento posterior à sua eleição como vereadora pelo PTB, não se mostra razoável a procedência do pedido nesse ponto.

c) Guinada do PTB à extrema direita, pois a direção estadual “vem sofrendo intervenções, de modo a abalar sua independência e até mesmo como uma forma de ‘bolsonarizar’ o PTB”, e em relação ao órgão no Rio Grande do Sul, Roberto Jefferson, “através de suas redes sociais, lança ‘indiretas’ sobre posicionamentos políticos e de gestão, de um modo geral”.

No que se refere à alegação de que o então Presidente do Diretório Nacional do PTB, Roberto Jefferson, utiliza-se de estratégias para  “bolsonarizar” o partido, é preciso ter presente que a sigla, desde a campanha de segundo turno das eleições de 2018, ou seja, desde antes da eleição da autora como vereadora, se posicionou como apoiadora da campanha do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

Faço aqui um registro de que expressões como “bolsonarizar” e “extrema direita” ou outras que denotam ideologias são de autoria da requerente e também empregadas pela mídia eis que, por óbvio, este magistrado examina com a absoluta imparcialidade e equidistância de qualquer debate de caráter subjetivo, ideológico, seja de que matiz for.

Pois bem.

A matéria do G1 divulgada em 09.10.2018 anuncia: “Partido de Roberto Jefferson, PTB anuncia apoio a Jair Bolsonaro. Anúncio foi feito na tarde desta terça. Segundo o partido, projeto de Bolsonaro visa um país 'eficiente e competitivo'. Além disso, PTB diz que candidato trabalhará pela 'pacificação' do Brasil” (https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/partido-de-roberto-jefferson-ptb-anuncia-apoio-a-jair-bolsonaro.ghtml).

Embora a Vereadora Danúbia dos Santos Pereira tenha ajuizado a ação somente em 19.8.2021, cerca de 8 meses após sua eleição como vereador do PTB, ocorrida em 15.11.2020, verifica-se também pela consulta a fatos públicos e notórios, disponíveis a acesso de toda a população, que em 2018 e ao longo do ano de 2020 e durante a campanha, antes da eleição, o PTB externou amplo apoio à atuação política do Presidente da República Jair Bolsonaro.

Em notícia de 20.4.2020, o Jornal Metrópolis divulgou a manchete “Bolsonaristas justificam aliança com mensaleiro Roberto Jefferson”, afirmando “para militantes do presidente, apenas alguém que conhece as entranhas da corrupção política, como o presidente do PTB, pode desmascará-las” (https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaristas-justificam-alianca-com-mensaleiro-roberto-jefferson).

Em 21.4.2020, o Jornal Correio Braziliense publicou matéria intitulada “'Para derrubar Bolsonaro, só se for a bala'', afirma Roberto Jefferson” (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/21/interna_politica,846756/para-derrubar-bolsonaro-so-se-for-a-bala-afirma-roberto-jefferson.shtml).

O Jornal Nexo, em manchete publicada em 13.5.2020, informa: “A trajetória de Roberto Jefferson, o novo aliado de Bolsonaro” (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/13/A-trajet%C3%B3ria-de-Roberto-Jefferson-o-novo-aliado-de-Bolsonaro).

Em 31.5.2020, o site UOL publicou notícia “Ato contra STF e pró-intervenção tem Bolsonaro com criança e uso de cavalo”, narrando que “a ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, foi outra a participar das manifestações. Jefferson é o mais novo aliado de Bolsonaro, após movimento do Palácio do Planalto para se aproximar do bloco de partidos do Centrão, do qual o PTB faz parte, na tentativa de construir uma base aliada ao presidente da República” (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/31/protestos-brasilia-31-de-maio.htm).

Em notícia de 30.9.2020, o site Congresso em Foco divulgou a matéria “Exclusivo: os 12 partidos que formam a base fiel do governo na Câmara”, narrando que dos 24 partidos com representação na Câmara dos Deputados, 12 são aliados fiéis de Jair Bolsonaro, e que “Estão neste grupo: PSL, Patriota, DEM, PSC, Novo, PSDB, MDB, PP, Republicanos, PL, PSD e PTB” (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/exclusivo-os-12-partidos-que-formam-a-base-fiel-do-governo-na-camara/).

Assim, a narrativa de que o PTB está alinhado ao atual Presidente da República não tem força suficiente para conduzir à procedência do pedido, pois, já em 2018 e no decorrer do ano de 2020, antes da eleição do requerente como vereador, tal circunstância era de seu conhecimento, inclusive de conhecimento público e notório com extensa divulgação midiática.

Noutro giro, a mera alegação de que Roberto Jefferson estava lançando ‘indiretas’ sobre posicionamentos políticos e de gestão do órgão do partido no Rio Grande do Sul, não justifica a grave consequência de permitir a desfiliação por justa causa, dada a falta de esclarecimento sobre a relevância de indiretas, as quais sequer foram especificadas, no cenário encartado nos autos.

O outro fundamento do pedido é de que Roberto Jefferson interferiu na gestão dos diretórios municipais do PTB em São Paulo e na Bahia, causando a desfiliação de dirigentes partidários.
Esse fato foi também apontado pelo informante Deputado Federal Maurício Alexandre Dziedricki. Após a intervenção da executiva nacional, Maurício obteve a anuência do partido para se desfiliar, mas permaneceu no PTB, inclusive com cargo de direção no órgão nacional.

Mas esse descontentamento também não se mostra grave o bastante para a procedência da ação, pois a situação narrada também é anterior à eleição da autora como vereadora pelo PTB em 2020. 

A matéria jornalística do Jornal Gazeta do Povo, referida na inicial, afirma “Em 2020, ao intervir nos diretórios municipais e anular convenções partidárias nas eleições municipais, Jefferson levou os ex-deputados federais Benito Gama (BA) e Alex Canziani (PR), o ex-senador Armando Monteiro (PE) e o deputado estadual Campos Machado (SP) a deixarem o partido” (https://www.gazetadopovo.com.br/republica/roberto-jefferson-ptb-bolsonarismo-bolsonaro/).

Veja-se que em 17.9.2020, antes do período dos registros de candidatura e do início da campanha para os cargos de prefeito e vereador, o PTB anunciou a edição de Resolução anulando convenções que descumpriram diretrizes da Executiva Nacional sobre coligações (https://ptb.org.br/resolucao-do-ptb-anula-convencoes-municipais-que-descumpriram-diretrizes-da-executiva-nacional-sobre-coligacoes/).

Em 28.9.2020, também antes do início da campanha para vereador, o Jornal Correio Braziliense publicou notícia informando que Roberto Jefferson promoveu uma intervenção nos diretórios municipais e anulou as convenções partidárias nas cidades onde a sigla apoiaria candidatos de outros partidos, que fazem oposição ao Palácio do Planalto, ocasião em que destituiu o diretório do PTB em São Paulo (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4878611-roberto-jefferson-destitui-diretorio-do-ptb-em-sao-paulo.html).

A Revista Istoé de 28.9.2020 divulgou “Roberto Jefferson destitui diretório do PTB em São Paulo” após o ex-deputado ter promovido, em 17.9.2020, uma “intervenção nos diretórios municipais e anulado as convenções partidárias nas cidades onde a sigla apoiaria candidatos de outros partidos, que fazem oposição ao Palácio do Planalto. Foram registrados casos em São Bernardo do Campo, Osasco e Presidente Prudente, em São Paulo, Salvador (BA) e Fortaleza (CE)” (https://istoe.com.br/roberto-jefferson-destitui-diretorio-do-ptb-em-sao-paulo/).

Nesse ponto, colhe-se da audiência de oitiva de testemunha, o depoimento do Deputado Federal Maurício Alexandre Dziedricki, ouvido como informante, o qual relatou que teve permissão para a desfiliação do partido, mas que continua filiado ao PTB.

Essas circunstâncias demonstram que o eventual descontentamento com as decisões de cúpula não prejudicaram o exercício do mandato de Maurício Dziedricki como deputado federal, nem causaram a saída do partido.

Mesmo com as intervenções nos diretórios municipais, a autora Danúbia dos Santos Pereira decidiu permanecer no partido, fazendo campanha pelo PTB até alcançar a sua eleição, e, após o início do exercício do mandato, em nenhum momento demonstrou concretamente ter tido prejuízos  para atuar como vereadora.

Assim, considerando que a requerente não aponta nenhum ato pessoal de discriminação e permaneceu na campanha concorrendo pelo partido mesmo após os fatos  invocados na inicial, ocorridos antes da sua eleição como vereadora, não vejo como entender que tais posições do diretório nacional sirvam de justa causa para a manutenção do mandato por desfiliação, uma vez que esta foi pleiteada somente em agosto de 2021.

d) Prisão do então presidente do partido, Roberto Jefferson, por afronta ao Estado Democrático de Direito, publicação de pedido de intervenção militar, ataque a integrantes de instituições públicas, descrédito do processo eleitoral brasileiro e dos Poderes da República, e oposição à utilização de cannabis medicinal para o tratamento de doenças.

A Vereadora Danúbia dos Santos Pereira sustenta que seu pedido comporta procedência quanto às ações praticadas por Roberto Jefferson enquanto presidente do PTB, que o levaram à prisão, devido ao partido se colocar em defesa de ações políticas incompatíveis com alguns dos princípios adotados pela agremiação em seu programa partidário, tais como a consideração da democracia como valor fundamental, o respeito aos direitos e às garantias fundamentais e a defesa do voto universal – e no estatuto da agremiação – a saber: a defesa dos direitos fundamentais, o resguardo do regime democrático e do pluralismo político, além daqueles decorrentes do Estado Democrático de Direito.

O fato que fundamenta essa alegação é a postura do então Presidente Nacional do PTB, Roberto Jefferson, o qual teve a prisão preventiva decretada pelo STF em 12.8.2021, em virtude da divulgação de ações antidemocráticas, mediante questionamento sistemático do processo eleitoral e tentativas de intimidação das autoridades públicas investidas nas funções de resguardo da Constituição e de promoção das eleições.

Nesse ponto, ressalto que este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais e processos envolvendo casos de corrupção, ainda que praticados por dirigentes partidários, não caracteriza desvio reiterado do programa partidário:

Ação de decretação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária. Vereador. Resolução TSE n. 22.610/07. Pretensão da agremiação peticionante de reaver o cargo de vereador que se desligou da sua legenda para filiar-se a partido diverso. Tese defensiva alegando o desvio ou a mudança substancial do programa partidário.

O fato de filiados de determinada agremiação estarem envolvidos no cometimento de crimes e casos de corrupção, ainda que operados por figuras proeminentes da legenda, não configura desvio reiterado do programa partidário. Para tanto, necessário que o estatuto sofra alterações substanciais em seu programa e sua ideologia. Justa causa não vislumbrada. Corolário é a decretação da perda do mandato eletivo. Procedência do pedido.

(TRE-RS, PET n. 17311, Acórdão de 15.3.2016, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DEJERS 17.3.2016.) (Grifei.)

Além disso, as atitudes impugnadas, encampadas por Roberto Jefferson, não iniciaram em 2021, tendo sido divulgadas muito antes da campanha eleitoral de 2020 na qual a requerente foi eleita vereadora pelo PTB.

De início, anoto que compulsando os autos foi juntada pela agremiação certidão emitida pela Justiça Eleitoral, na qual consta que a autora é filiada ao PTB desde 31.3.2020, enquanto que Jefferson, delator do mensalão, foi preso em 2014, por decisão do Supremo Tribunal Federal, condenado a 7 anos e 14 dias de prisão, tendo sido também denunciado, em 27.8.2018, por organização criminosa e corrupção no Ministério do Trabalho (https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-02/ex-deputado-roberto-jefferson-e-preso-no-rio e https://veja.abril.com.br/politica/pgr-denuncia-cupula-do-ptb-por-corrupcao-no-ministerio-do-trabalho/).

Ou seja, a prisão de Roberto Jefferson, ocorrida em 2021, ou seu indiciamento criminal, não são um fato isolado e nem foram, em situações passadas, fortes o suficiente para causar a não filiação partidária da requerente.

Atualmente, Jefferson figura somente como investigado em um inquérito que tramita no STF, no qual ele é acusado de fazer parte de uma milícia digital que promove atentados contra a democracia, portanto, sem decisão condenatória em seu desfavor (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/alexandre-de-moraes-afasta-roberto-jefferson-da-presidencia-do-ptb/).

De igual modo, a leitura que Roberto Jefferson demonstrou sobre o que se entende por temas expressamente previstos no estatuto e no programa partidário, como democracia, instituições públicas, papel do STF ou os princípios do Estado Democrático de Direito, não são uma novidade que pegou de surpresa qualquer pessoa filiada ao PTB em 2021.

Nesse ponto, ressalto que o TSE já estabeleceu que para a caracterização da hipótese de mudança substancial do programa partidário “é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante” (RO 2-63, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 31.3.2014.).

O Jornal Folha de São Paulo de 21.4.2020 publicou manchete “Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar mensalão. Movimento coincide com oferta de cargos e pré-candidatura da filha no Rio; ex-deputado diz que 'pau vai cantar' se tentarem tirar presidente”. A matéria narra “Líder da tropa de choque de Fernando Collor, delator do mensalão e agora o mais novo melhor amigo do presidente Jair Bolsonaro”, e diz que Jefferson  “escolheu como alvo especial o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais”.

Além disso, esse texto aponta que, “desde o agravamento da crise do coronavírus, ele tem demonstrado adesão incondicional ao presidente. Seria, segundo Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. (…) Nacionalmente, conforme revelou a Folha, o presidente tem buscado os partidos do centrão, bloco do qual o PTB é sócio-fundador, para isolar Maia. As conversas incluem a oferta de cargos, apesar da retórica do presidente de que não faz a política do ‘toma lá, dá cá’” (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml). A matéria do Jornal O Tempo de 09.5.2020 noticia “Com foto de fuzil em mãos, Roberto Jefferson sugere combate aos ‘comunistas’. Ex-deputado federal e atual presidente do PTB, condenado no mensalão, sugeriu ao presidente Bolsonaro a substituir todos os 11 ministros do STF para não sofrer impeachment” (https://www.otempo.com.br/coronavirus/com-foto-de-fuzil-em-maos-roberto-jefferson-sugere-combate-aos-comunistas-1.2335283#).

O texto refere que a posição de Roberto Jefferson foi divulgada ao público no Twitter, em mensagens na qual Jefferson declara estar pronto para o combate "contra o comunismo, contra a ditadura, contra a tirania, contra os traidores, contra os vendilhões da Pátria". E apresenta o clássico bordão de campanha de Bolsonaro "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos". Em outro post, Jefferson prega a substituição dos 11 ministros do STF, além da cassação da concessão da TV Globo.

Também em 09.5.2020 o Jornal Estadão publicou notícia “Jefferson sugere a Bolsonaro ‘demitir o Supremo’ e posta foto com arma” (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,jefferson-sugere-a-bolsonaro-demitir-o-supremo-e-posta-foto-com-arma,70003297839).

De igual modo, em 09.5.2020 o Jornal O Povo divulgou “Com arma em punho, Roberto Jefferson pede que Bolsonaro demita ministros do STF e ameaça "comunistas" (https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2020/05/09/com-arma---roberto-jefferson-declara-apoio-bolsonaro-ameaça--comunistas.html).

E mesmo apesar de todas essas aparições públicas do então Presidente do Diretório Nacional do PTB ocorridas em 2020, que seriam um dos fundamentos da desfiliação, a Vereadora Danúbia dos Santos Pereira permaneceu no partido, foi escolhida em convenção, postulou registro de candidatura, realizou campanha dentro dos quadros do PTB e foi eleita vereadora estando filiada ao PTB, sob a égide do estatuto e programa partidário de 2018, partido no qual agora afirma não se sentir mais representada.

Sobre esse argumento, anoto que este Tribunal entendeu, em situação análoga, nos autos do processo PET n. 0603532-12, que: “O alegado desconforto com relação aos casos de corrupção e escândalos revelados pela ‘Operação Lava Jato’”, associados a filiados e figuras proeminentes da legenda da qual migrou, não caracteriza o desvio reiterado do programa partidário” (TRE-RS, PET n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Des. El. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, Publicado no PJE em 19.8.2019.).

O acórdão do processo PET n. 0603532-12 foi confirmado pelo TSE, que assentou: “Os escândalos de corrupção em que se envolveu a legenda no plano nacional, considerados de forma objetiva, não podem representar contexto que assegure, por si só, a imediata desfiliação de um mandatário” (TSE, AI n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE 05.8.2020.).

Ainda nesse aspecto, uma questão que tem relevada importância é que nessas notícias e mesmo nos fatos alegados na inicial, o requerente pessoaliza sua insatisfação na figura de Roberto Jefferson, seus dizeres e ações. O inconformismo não é manifestado contra nenhum outro integrante da cúpula do PTB, seja em nível nacional, estadual ou municipal e tampouco por qualquer alegação de obstáculos ao livre exercício de seu mandato.

Daí porque entendo que esse arrazoado perde força com a destituição de Roberto Jefferson da presidência nacional do partido, ocorrida em 30.11.2021, quando foi substituído por Graciela Nienov (https://ptb.org.br/conheca-quem-e-graciela-nienov-a-nova-presidente-nacional-do-ptb/).

 Assim, a divergência da autora em relação à postura do ex-Presidente Nacional do Partido não mais persiste, sendo certo que a mera oposição ao uso de cannabis medicinal para o tratamento de doenças não dá causa suficiente para a desfiliação do partido sem perda do mandato.

Ademais o TSE já assentou que “a alteração de posicionamento do partido em relação à matéria polêmica dentro da própria agremiação não constitui, isoladamente, justa causa para desfiliação partidária” (TSE, PET n. 3019, Ac. de 25.8.2010, Relator Min. Aldir Passarinho).

Também importa acrescentar que o TSE entende que o pedido de desfiliação por desvio reiterado do programa partidário e demais hipóteses previstas no ar. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos:

[ ... ] 3. Não se justifica a desfiliação de titular de cargo eletivo quando decorrido lapso temporal considerável entre esse fato e a alteração estatutária que teria motivado sua saída, em virtude da produção de efeitos jurídios pelo decurso do tempo. [...]

(AgR-RO 51783-12/PI, Rel.IVJ/n. Marcelo Ribeiro, DJE de 11.2.2011.) (sem destaque no original)

[ ... ] 2. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Res.-TSE 22.61 012006, deve haver prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. [ ... ] (AgR-AC 1984-641SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJEde 3.11.2010.) (sem destaque no original)

[ ... ] 1. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Resolução 22.610/2006-TSE deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. 
2. Fusão partidária ocorrida há mais de dez meses do pedido de declaração de justa causa impossibilita seu deferimento por não configurar prazo razoável. [ ... ] (RO 2.352/BA, Rei. Mm. Ricardo Lewandowski, DJEde 18.11.2009.) (sem destaque no original)

No caso dos autos, a requerente permaneceu no partido, logrando eleição, permaneceu no exercício do mandato apesar da postura do então presidente nacional, não sendo razoável compreender que somente em agosto do ano de 2021 e após a eleição, houve uma surpresa, uma guinada de pensamento que, por ser inédita, justifique a desfiliação.

O prazo para o registro de candidatura das eleições 2020 ocorreu de agosto a 26 de setembro de 2020, e observei que o requerimento de registro de candidatura da Vereadora  Danúbia dos Santos Pereira foi apresentado em 21.9.2020, 11 meses antes do ajuizamento da presente ação (processo RCand n. 0600186-20.2020.6.21.0150 da150ª Zona Eleitoral de Capão da Canoa/RS).

O transcurso de longo período entre os fatos narrados comprova também que os pensamentos externados não trouxeram maiores transtornos para a convivência intrapartidária durante esse período considerável de tempo.

Por essas razões, de todo o panorama que gira em torno das alegações da inicial e do que se observa do exame de fatos públicos, de notória divulgação nos meios de comunicação, não me parece razoável ou proporcional que a autora tenha obtido o mandato filiada a um partido que a todo o momento apresentou de forma clara a sua posição ideológica e política, e que, 9 meses após as eleições, se desfilie levando consigo o cargo eletivo alcançado sob uma égide partidária há muito estabelecida e externada.

e) Ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo, tal como ocorrido com o vereador do Município de Curitiba/PR, Pierpaolo Petruzziello, que foi ameaçado de expulsão por parte de Roberto Jefferson.

Ao contrário do que a requerente referiu quanto ao vereador de Curitiba/PR Pierpaolo Petruzziello, ameaçado de expulsão do PTB por Roberto Jefferson por relatar projeto favorável a lockdown durante a pandemia, a autora não aponta qualquer ato pessoal de grave discriminação política pessoal quanto a si ou contra o exercício do seu mandato, até porque não se sabe que outros motivos, até de ordem pessoal, poderiam existir em relação ao então presidente do partido e aquele vereador paranaense.

O mero receio de se ver atacada pela direção partidária nacional não se afigura bastante para a procedência do pedido de desfiliação sem perda do cargo.

Verifiquei, quanto ao caso do Vereador Pierpaolo Petruzziello invocado pela autora, que o TSE, ao decidir pela possibilidade de Pierpaolo se desligar do partido sem perda do mandato, foi expresso ao consignar que “a pessoalidade da discriminação está clara nos autos, já que é citado expressamente o nome do requerente. Veja-se que não se trata de meros aborrecimentos, frustrações em projetos pessoais, mas de insatisfação pública do presidente do partido quanto à atuação do vereador. E mais: com ameaça de expulsão” (AgREspE 0600020-54.2021.6.16.0000, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE 17.12.2021.).

Portanto, a situação dos autos difere do caso invocado pela requerente para fundamentar seu pedido de desfiliação por justa causa.

Para a caracterização da justa causa, deveria ter sido demonstrada uma situação objetiva de discriminação.

Como já decidido pelo TSE, “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”.

Ação de perda de cargo eletivo. Deputado estadual. Desfiliação partidária. (…) 5. A hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição. 6. Fatos posteriores à desfiliação não podem ser invocados como motivo justificador do desligamento, pois óbvio que o motivo não pode ser posterior à consequência. 7. Eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal. 8. A hipótese de mudança substancial do programa partidário, prevista na alínea d do art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007, diz respeito, como a própria definição estabelece, à alteração do programa partidário, que, por definição constitucional, tem caráter nacional (CF, art. 17, I). Para a caracterização da hipótese, é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante. O mero rumor ou discussão sobre a possibilidade futura de alinhamento político com partido de oposição não constitui mudança substancial de diretriz partidária. 9. Eventuais discordâncias locais sobre o posicionamento da agremiação diante da administração de um único município não caracterizam desvirtuamento do programa ou da diretriz partidária, os quais, dada a natureza e circunscrição do cargo em questão, deveriam ter, no mínimo, caráter estadual. Recursos ordinários desprovidos. Ação cautelar improcedente, com revogação da liminar concedida, e respectivo agravo regimental julgado prejudicado.
(Ação Cautelar n. 18578, Acórdão de 13.3.2014, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE 31.3.2014.) (Grifei.)

Além disso, conforme julgado acima referido, “eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal”.

Portanto, o pedido não procede quanto à alegação de ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo.

f) Alteração substancial das diretrizes partidárias, pois concorreu como vereadora na vigência do estatuto de 2016, mas em 18.11.2020, após sua eleição, o Presidente Nacional “alterou cores, símbolos e pôs abaixo o que fora solidificado por décadas”, modificando princípios, a temática de simpósios e das vice-presidências exclusivas.

Nesse último ponto, a primeira questão a ser analisada diz com a alegação do PTB de que o estatuto e programa partidário de 2016 está revogado desde 2018.

A afirmativa do PTB é verdadeira, e a autora sequer se manifestou ou refutou esse argumento.

A ação se fundamenta na mudança substancial entre o estatuto e programa partidário de 2016 e o de 2020, desconsiderando as alterações promovidas em 2018, que sequer foram indicadas na inicial ou na emenda da inicial.

Além disso, o partido alega que as mudanças ocorridas em 2020 já constavam do estatuto de 2018, e a Procuradoria Regional Eleitoral confirmou a alegação:

Cotejados todos os dispositivos listados na inicial, o que se observa é que, com exceção da alteração ocorrida no inciso XI do art. 3º, referente à exclusão do princípio da “humanização dos processos de automação”, e da inclusão dos termos “conservadora e liberal” no inciso III do art. 84, todas as alterações mencionadas pelo autor já estavam em vigor no estatuto partidário aprovado em 2018. 
E ao contrário do por ele afirmado, o debate previsto no art. 84, III do estatuto não era amplo e irrestrito, mas limitado à temática trabalhista.
É possível observar, ademais, que o programa partidário instituído no ano de 2018 já previa todas as políticas que o autor alega terem sido inseridas em 2020, como, por exemplo: privatização, limitação do estado na oferta de saúde e educação gratuita, além de exploração racional do meio ambiente (ID 44850446,p. 5-8).
Dentro dos limites da exposição feita na inicial, portanto, não houve demonstração da ocorrência de mudança substancial no estatuto partidário do PTB.

Também aqui, conforme concluiu o Parquet, deve ser considerado que a autora se candidatou ao cargo de vereador em 2020, quando já estava vigente o estatuto de 2018, contendo em considerável medida, as alterações objeto de seu inconformismo.

Nesse sentido, acompanho o raciocínio ministerial de que “ainda que se reconheça a modificação no princípio atinente à preocupação com os processos de automação da produção e no conteúdo de simpósios e ciclos de estudos, trata-se de alterações pontuais, alinhadas com as ocorridas em 2018 e insuficientes, por isso, para caracterização de justa causa”.

Não é cabível, desse modo, sustentar que houve uma alteração substancial nas diretrizes do PTB em 2020, no curso do mandato eletivo, seja porque o estatuto de 2016, que fundamenta o pedido, estava revogado, seja porque o estatuto de 2018, que deveria ter sido tomado como paradigma e foi desconsiderado pela inicial, já previa a maioria das alterações impugnadas.

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, as hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação.

Uma vez não comprovadas as premissas que autorizam a desfiliação sem perda do mandato, o juízo de improcedência do pedido é medida impositiva.

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pela improcedência do pedido.

 

ATENÇÃO: LANÇAR A DECLARAÇÃO DE VOTO DEPOIS DO VOTO VISTA

DECLARAÇÃO DE VOTO

Para contribuir com o julgamento, peço vênia para prestar dois esclarecimentos de ordem fática sobre os fundamentos do voto divergente, uma vez que se está entendendo pela aplicação do § 6º do art. 17 da Constituição Federal, na redação que foi alterada pela EC 111/2021 e considerando desnecessário que a carta de anuência com a desfiliação seja clara no sentido do desinteresse do partido em reaver o cargo eletivo.

O primeiro ponto é que, da atenta leitura das transcrições de julgados contidas no voto vista, observei que no trecho extraído da decisão monocrática de 21.12.2021, da lavra do Min. Barroso, tomada no exercício da Presidência e em substituição ao Relator, Min. Alexandre de Moraes, durante o recesso forense, está consignado que o § 6º do art. 17 da CF seria aplicado naquele caso porque a ação “é posterior à vigência da EC nº 111/2021” (AJDesCargEle n. 0600766-63).

Com base nesse raciocínio, pesquisei a questão e constatei que em fevereiro deste ano o TSE publicou dois acórdãos, em processos nos quais o PTB Nacional é parte, firmando o entendimento de que o § 6° do art. 17 da CF, incluído em 28.9.2021 pela EC n. 111, não tem aplicação retroativa às ações ajuizadas antes da sua vigência (AJDesCargEle n. 060056219, Rel. Min. Edson Fachin, DJE 10.3.2022; AJDesCargEle n. 0600340-51.2021.6.00.0000, Rel. Edson Fachin, DJE 7.3.2022).

Assim, ainda que fosse possível cogitar que a anuência do partido prevista no § 6º do art. 17 da CF não precise especificar que há concordância com a manutenção do mandato eletivo, tem-se que o caso dos autos não está abrangido por essa exceção uma vez que a ação foi ajuizada em 19.8.2021, e a EC n. 111 foi publicada somente em 29.9.2021, data posterior. A questão é singela e a simples verificação das datas revela, de forma clara, a inadequação, ao caso concreto, da invocação da EC 111.

O segundo e último apontamento que peço vênia para referir também se extrai da decisão do Min. Barroso invocada como paradigma na divergência, pois a todo efeito o TSE entende que a anuência do partido deve se reportar ao mandato eletivo, e não somente à saída do partido.

Conforme consta do trecho transcrito pela ilustre Desembargadora, o Ministro afirmou que a tutela antecipada seria concedida porque o documento de concordância apresentado “é inequívoco quanto à intenção do partido de permitir que o eleito conserve o mandato em caso de desfiliação”.

Portanto, o Presidente do TSE, ao aplicar o disposto no § 6° do art. 17 da CF, considerou que a anuência com a desfiliação deveria ser aceita em face da inexistência de dúvidas sobre a intenção da legenda de perder o cargo eletivo.

Sob esse prisma, cumpre termos presente que, desde o ano passado, estão ingressando neste Tribunal diversas Ações Declaratórias de Justa Causa de Desfiliação contra o PTB.

Algumas estão instruídas com carta de anuência na qual a Presidente Nacional do PTB, Graciela Nienov, manifesta aquiescência com a desfiliação e expressamente declara o desinteresse do partido no mandato eletivo.

Em outras, como na hipótese em apreço, as anuências foram concedidas pela Presidente Graciela sem menção à concordância de que o parlamentar permaneça no mandato.

Então, se o PTB fez uma clara distinção ao redigir as anuências fornecidas aos mandatários, não há como considerar ser inequívoco o desinteresse do partido reaver o mandato eletivo quando a anuência é genérica e silencia sobre a expressa concordância de que o filiado permaneça no cargo.

Ademais, se neste processo o PTB se defende postulando o mandato eletivo, é certo que o consentimento genérico com a desfiliação não pode ser interpretado como tácito desinteresse do partido no cargo eletivo.

Caso a anuência aqui tratada afirmasse o desinteresse no mandato, a resistência do partido ao contestar a ação poderia até mesmo ser afastada por aplicação do princípio da proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), mas não é o que ocorre na espécie.

Some-se a isso o fato de que o TSE somente considerou válida a anuência para a desfiliação sem perda do mandato quando a aquiescência ou menciona a existência de justa causa para a desfiliação, ou a concordância com a manutenção do mandato com o trânsfuga.

Veja-se: a decisão liminar do Min. Barroso refere que a ação está instruída com documento assinado pelo Presidente Nacional do PL em que reconhece que se tornou insustentável a permanência do requerente nos quadros do partido e consigna a anuência com a desfiliação e a posição por não se utilizar da ação de perda de mandato.

Depois dessa decisão, e já na vigência da EC n. 111/2021, o Min. Edson Fachin também concedeu liminar em ação instruída com carta de anuência em que o partido reconheceu justa causa para a desfiliação (AJDesCargEle nº 0600770-03, j. 18.1.2022). Da mesma forma, o Min. Mauro Campbell Marques também concedeu liminar com igual prova, ou seja, anuência específica (AJDesCargEle n. 0600081-22, j. 17.02.2022.).

Nesse contexto, concluo não ter sido superada a interpretação que o TSE vem tomando até então no sentido de que, para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser “qualificada”, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo.

Essa circunstância foi exigida pelo TSE em inúmeros precedentes (AgR-REspe nº 0600669-45.2018.6.26.0000/SP. Rel. Ministro Edson Fachin, j. 12.5.2020; AgR-Pet nº 0601117-75.2017/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018; AgR-AI nº 060014778/PE, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 28.2.2020; AgR-AI nº 0600180-68/MG, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 23.8.2019; AgR-AI nº 0600143-41.2018.6.13.0000, Rel. Min. Sérgio Banhos, j. 15.10.2019; AgR-AI nº 0600166-84.2018.6.13.0000, Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. 5.9.2019; AgR-AI nº 82-18/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 11.10.2018; AgR-REspe nº 0600155-55.2018.6.13.0000, Rel. Ministro Jorge Mussi, j. 29.4.2019; AgR-REspe nº 0600078-19.2021.6.21.0000, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, j. 18.3.2022; AJDesCargEle nº 0600164-72.2021.6.00.0000, Rel. Min. Carlos Horbach, j. 8.7.2021; RESPE nº 0600131-27.2018.6.13.000, Rel. Ministro Edson Fachin, j. 03.9.2020.).

Reafirmo o voto proferido, pedindo vênia para, mais uma vez, acentuar a interpretação restritiva quanto à manutenção do mandato, prestigiando o sistema partidário.

Com essas singelas colocações, devolvo a palavra.