RecCrimEleit - 0600086-87.2021.6.21.0002 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

VOTO

Superadas as questões referentes à competência para julgar o crime de peculato perante a Justiça Eleitoral, em razão de continência por cumulação objetiva e conexão probatória com o crime de realização de propaganda eleitoral no dia da eleição, passo à análise das preliminares suscitadas (ID 44871629).

O recurso criminal é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Entretanto, o exame dos autos evidencia a existência de nulidade que reclama o pronunciamento de ofício, restando prejudicada a análise das razões recursais.

Em seu Parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral pugna pela declaração de nulidade do processo, desde a apresentação das alegações finais defensivas, devendo os autos retornar à origem para que a defesa constituída pelo réu apresente alegações finais referentes ao crime do art. 312 do CP.

Com razão.

Primeiramente, note-se que a representação processual do réu se encontra regular.

Em que pese a defesa constituída não tenha apresentado alegações finais, conforme consta no ID 44871640, o juízo determinou a intimação do réu para constituição de novo defensor (ID 44871640).

O advogado, Dr. Thiago Oberdan de Goes, apresentou a peça (alegações finais). E, como o mencionado procurador participou da audiência de interrogatório (ID 44871638), considera-se que tenha sido constituído pelo réu nos termos do art. 266 do CPP: “A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório”.

Ocorre que as alegações finais apresentadas (ID 44871641) referem-se integralmente ao crime de propaganda na data do pleito (art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97), já julgado e que não é objeto do presente processo, que trata do crime de peculato, na forma de desvio (ID 44871641).

Nessa hipótese, em que a fundamentação da peça é referente a crime diverso daquele pelo qual o réu está sendo processado, caracteriza-se verdadeira ausência de defesa, o que conduz à nulidade absoluta da peça apresentada e, consequentemente, à nulidade do processo desde sua apresentação nos autos.

Com esse entendimento, os seguintes precedentes:

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES MILITARES. ROUBO QUALIFICADO E EXTORSÃO SIMPLES. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE. PRECEDENTES. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. RAZÕES MINISTERIAIS QUE NÃO VINCULAM O ÓRGÃO JULGADOR. Princípio DA LIVRE Convicção MOTIVADA. NULIDADE DA SENTENÇA E DEMAIS ASPECTOS RELATIVOS À CONDENAÇÃO. INVALIDADE ANTERIOR QUE FULMINOU OS ATOS PROCESSUAIS SUBSEQUENTES. PREJUDICIALlDADE DE TAIS ALEGAÇÕES. INSUBSISTÊNCIA DOS MOTIVOS QUE ENSEJARAM A EXECUÇÃO DA PENA. Expedição DE ALVAR À DE SOLTURA. ORDEM PARCIALMENTE PREJUDICADA E, NO RESTANTE, CONCEDIDA.

A apresentação das alegações finais é imprescindível ao término da ação penal, sendo que [...] o não oferecimento compromete a ampla defesa e o próprio contraditório. Precedentes.

1. Ordem parcialmente prejudicada e, no restante, concedida para, tão-somente em relação ao Paciente, anular a instrução criminal, a partir das alegações finais, oportunizando-se a Defesa a apresentação da peça processual e, caso assim não proceda, seja nomeado defensor dativo, com determinação, ainda, de imediata expedição de alvará de soltura em prol do Paciente. (Grifei)

(STJ, HC 191619/RN, Rei. Min. Laurita Vaz, DJE de 01/03/2012.)

 

HABEAS CORPUS. PENAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DAS ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A falta das alegações finais defensivas torna nula a sentença proferida ante ausência de defesa, conforme preceituam os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.

2. Ordem concedida para, declarada a nulidade da sentença, anular o processo n. 2008.028.005087-7 desde a decisão proferida, devendo ser reaberto o prazo para efetivar a apresentação de alegações finais pela Defensoria Pública, ou, se assim não o fizer, o Juízo a quo deverá nomear defensor dativo.

(STJ, HC 120231/RJ, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 04/05/2009.)

 

No processo penal, diferentemente do processo civil, a falta de apresentação de alegações finais pela defesa caracteriza nulidade absoluta, pois a realização de defesa técnica não consiste em uma opção a ser exercida pela parte ré.

Ao denunciado não resta outra alternativa a não ser defender-se cabal e especificadamente. Um ônus que, em verdade, consagra uma garantia para o acusado.

Como bem mencionado pela Procuradoria Regional Eleitoral, a Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal assim traduz essa circunstância: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Na espécie, é manifesta a ausência de defesa nas alegações finais com relação ao crime de peculato, configurando, desse modo, nulidade absoluta.

É nesse sentido o entendimento desta Corte ao julgar o RC 36-68.2017.6.21.01, do Município de Sapucaia do Sul, de relatoria do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

RECURSO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. ART. 297 DO CÓDIGO ELEITORAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ART. 304 DO CÓDIGO ELEITORAL. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PARA O CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL. ART. 347 DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE DO FEITO E DA SENTENÇA. PRONÚNCIA DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS DEFENSIVAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO.

1. Nulidade do feito por ausência de alegações finais defensivas. No processo penal, diferentemente do processo civil, a falta de apresentação de alegações finais pela defesa caracteriza nulidade absoluta, pois a realização de defesa técnica não consiste em uma opção a ser exercida pela parte ré.

2. Nulidade da sentença por violação ao princípio da correlação. O princípio da correlação entre a acusação e a sentença representa garantia constitucional assegurada ao réu, pois permite que ele se defenda apenas dos fatos imputados, sendo que a sua inobservância constitui nulidade insanável.

3. No caso em análise, a autoridade julgadora deixou de tomar medidas a fim de trazer aos autos as alegações finais defensivas. Ainda, considerou a capitulação dos crimes conforme a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, não mencionando a desclassificação realizada pela Justiça Federal, e concluiu pela improcedência da acusação de prática dos delitos previstos nos artigos 297 e 304 do Código Penal por atipicidade.

Nulidade absoluta do feito reconhecida de ofício por ausência de apresentação de alegações finais pela defesa, e nulidade da sentença por violação ao princípio da correlação. Prejudicada a análise do mérito recursal.

 

A não apresentação de fundamentação defensiva própria ao crime em processamento, associada à sentença condenatória, viola o princípio constitucional da ampla defesa, consagrada pelo art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Note-se que tanto a defesa técnica é um direito irrenunciável e indisponível quanto as alegações finais também se configuram um ato processual essencial ao exercício da ampla defesa do acusado processado criminalmente, visto que a omissão causa o esvaziamento do princípio do contraditório.

A mais recente jurisprudência dos tribunais superiores é uníssona no sentido de que em hipótese alguma pode o processo ser julgado sem as alegações finais da defesa, nem que seja preciso nomear defensor ad hoc para aduzi-las.

Assim a posição do Supremo Tribunal Federal – STF:

AÇÃO PENAL. Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído. Intimação prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta. Medida não providenciada pelo juízo. Julgamento subsequente da causa. Condenação do réu. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido processo legal. Nulidade processual absoluta. Pronúncia. HC concedido, em parte, para esse fim. Precedentes. Interpretação dos arts. 5º, LIVLV, da CF, e 261,499,500 e 564 do CPP. Padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta.

(STF, HC 92680, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 25/04/2008.)

 

No presente caso, as alegações finais foram formalmente apresentadas pelo causídico, porém sem defesa material compatível com o fundamento legal da acusação.

Assim, em observância ao regular andamento processual, declaro a nulidade do processo desde as alegações finais defensivas, devendo retornar os autos eletrônicos à primeira instância, para que a defesa do réu seja intimada a apresentar alegações finais referentes ao objeto do presente processo, i. é., crime de peculato (art. 312 do CP).

Diante do exposto, VOTO, de ofício, pelo reconhecimento da nulidade absoluta do feito por ausência de apresentação de alegações finais pela defesa, a fim de anular a Ação Penal de n. 70-96.2018.6.21.0000 a partir da apresentação das alegações finais da acusação. Retornem os autos eletrônicos à primeira instância para que a defesa do réu seja intimada a apresentar alegações finais referentes ao crime de peculato e, caso não sejam apresentadas, desde já, determino que seja constituído pelo Juízo defensor ad hoc para a apresentação da peça.