REl - 0600648-35.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da preliminar de nulidade, por ausência de intimação

O candidato, em preliminar, suscita nulidade da sentença, por não ter sido sua procuradora intimada da abertura de prazo para impugnar as contas, nos termos do art. 56 da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo que não teria havido o transcurso in albis do prazo.

Para perfeita compreensão da questão, importa reproduzir as razões recursais, quanto a esse tópico (ID 44880200):

DA PRELIMINAR

Inicialmente cabe esclarecer que esta procuradora não foi intimada para efeitos do art. 56 da resolução 23607/2019 do TSE, de forma que não transcorreu o prazo sem impugnação como consta da sentença tendo em vista que repete-se, esta procuradora não teve ciência de tal decisão.

Sendo assim entende que em sede de juízo de retratação ser plenamente possível a anulação da sentença e devolução do prazo a procuradora para a devida impugnação, aliás o que se requer como medida de direito e de justiça, pois a procuradora foi surpreendida com a presente sentença, sem ter tido oportunidade de se manifestar sobre as contas!
 

Não assiste razão ao recorrente.

Eis a redação do dispositivo supramencionado:

Art. 56. Com a apresentação das contas finais, a Justiça Eleitoral disponibilizará as informações a que se refere o inciso I do caput do art. 53 desta Resolução, bem como os extratos eletrônicos encaminhados à Justiça Eleitoral, na página do TSE na internet, e determinará a imediata publicação de edital para que qualquer partido político, candidata ou candidato ou coligação, o Ministério Público, bem como qualquer outra interessada ou outro interessado possam impugná-las no prazo de 3 (três) dias.

§ 1º A impugnação à prestação de contas deve ser formulada em petição fundamentada dirigida à relatora ou ao relator ou à juíza ou ao juiz eleitoral, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias.

§ 2º As impugnações à prestação de contas das candidatas ou dos candidatos e dos respectivos partidos políticos, inclusive dos coligados, serão juntadas aos próprios autos da prestação de contas, e o cartório eleitoral ou a Secretaria do Tribunal notificará imediatamente a candidata ou o candidato ou o órgão partidário para manifestação no prazo de 3 (três) dias.

§ 3º Apresentada, ou não, a manifestação da impugnada ou do impugnado, transcorrido o prazo previsto no § 2º deste artigo, o cartório eleitoral ou a Secretaria do Tribunal cientificará o Ministério Público da impugnação, caso o órgão não seja o impugnante.

§ 4º A disponibilização das informações previstas no caput, bem como a apresentação, ou não, de impugnação não impedem a atuação do Ministério Público como custos legis nem o exame das contas pela unidade técnica ou pela(o) responsável por sua análise no cartório eleitoral.

Na sentença, o magistrado a quo, em seu relatório, apontou que “foi publicado no DJE o Edital para os efeitos do art. 56 da Resolução TSE nº 23607/2019, transcorreu o prazo sem impugnação, conforme certificado”.

Com efeito, segundo a certidão encartada nos autos sob ID 44880188, lavrada em 02.7.2021, a publicação do edital ocorreu na edição do Diário da Justiça Eletrônico de 24.6.2021, não tendo havido impugnação.

Dessa maneira, não há qualquer reparo a ser feito quanto ao edital, que foi publicado no órgão de comunicação oficial e não houve impugnação, tampouco há que se falar em intimação “para efeitos do art. 56 da resolução 23607/2019 do TSE”.

Ademais, assinalo que é descabido se cogitar de impugnação contra as próprias contas apresentadas, visto que a razão de tal impugnação é apontar irregularidade no ajuste contábil, exatamente o que o candidato busca repelir.

Rejeito, pois, a preliminar.

Mérito

No mérito, as contas de CARLOS EUGENIO PORTO DOS SANTOS foram julgadas não prestadas, em sentença assim fundamentada (ID 44880195):

A Prestação de Contas apresentada pelo candidato não foi instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE nº 23.607/2019.

O candidato deixou de apresentar os extratos das contas bancárias destinadas à movimentação dos recursos, sendo que mesmo após intimação pessoal, não foram juntados aos autos.

Assim sendo, por falta de documento obrigatório à instrução do processo, resta imperativo o julgamento das contas como não prestadas por violar o disposto no Art 53 da Resolução TSE n° 23.607/2019.

Ante o exposto, na forma do inciso IV do artigo 74 da Resolução TSE n° 23.607/2019, julgo como NÃO PRESTADAS AS CONTAS do candidato a vereador CARLOS EUGENIO PORTO DOS SANTOS, do município de Rio Grande/RS, referente aos recursos financeiros utilizados na campanha das eleições municipais de 2020.

Portanto, não tendo o candidato apresentado os extratos bancários, documentos obrigatórios para a prestação de contas, entendeu o magistrado singular que essa inobservância atraía o julgamento das contas como não prestadas.

Adianto que se impõe a reforma da sentença.

Diversamente do que restou decidido, a falta de tal documentação não conduz ao julgamento de contas não prestadas.

Nesse sentido é a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, conforme ementa de julgado abaixo transcrita:

ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO DE TODO O PERÍODO DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. PRECEDENTES. OMISSÃO. AUSÊNCIA. REJULGAMENTO DA CAUSA. REJEIÇÃO. 

1. Segundo a novel redação do art. 275 do Código Eleitoral, conferida pelo art. 1.067 da Lei nº 13.105/2015, são admissíveis embargos de declaração nas seguintes hipóteses previstas no Código de Processo Civil, em seu art. 1.022: I esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III corrigir erro material, o que não se verifica na espécie. 

2. Inviável o acolhimento dos declaratórios que, a pretexto de sanar quaisquer desses vícios, veiculam a mera pretensão de rejulgamento da causa. 

3. Conforme já assinalado por esta Corte Superior, nas eleições de 2016, a não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constitui motivo para a desaprovação das contas, mas não enseja, por si só, o seu julgamento como não prestadas. Nesse sentido: AgR-REspe nº 157-24/AP, de minha relatoria, DJe de 6.6.2018; AgR-REspe nº 741-81/CE, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 18.12.2018; AgR-Respe nº 450-04/SE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 25.10.2018. 

4. Embargos de declaração rejeitados.

(Recurso Especial Eleitoral n. 65210, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 52, Data 18.3.2019, p. 22.) (Grifei.)

Desse modo, o juízo de não prestação de contas não se revela adequado, sendo o caso de o ajuste contábil ser aprovado com ressalvas ou desaprovado.

O parecer ministerial posiciona-se pela anulação da sentença, para que seja realizada nova análise técnica da contabilidade, confrontando-se as informações declaradas com o extrato bancário da conta Outros Recursos.

Entrementes, entendo que, dadas as peculiaridades do caso, evidenciadas pela existência de parecer técnico, em que foram examinadas as contas, apenas sem realizar o confronto dos gastos com o extrato bancário, de o valor movimentado na conta ser irrisório, bem como em prestígio dos atos já praticados, faz-se possível contornar o eventual vício.

Analisando o parecer técnico conclusivo, observo que as falhas identificadas foram: I) ausência dos extratos bancários; II) realização de despesa com combustível, no valor de R$ 39,99, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia; e III) omissão de gasto com FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., na quantia de R$ 100,00 (ID 44880191).

Quanto à ausência de juntada de extratos bancários, verifico que não prejudicou o exame da movimentação financeira.

A ausência de movimentação de recursos financeiros do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) evidencia-se por não constar seu emprego nos registros contábeis e por não estarem disponibilizados os respectivos extratos eletrônicos pelo TSE.

De outra banda, o extrato eletrônico alusivo à conta Outros Recursos (n. 66584-3, agência n. 2694-8, do Banco do Brasil), por onde transitaram os únicos valores declarados, encontra-se disponível pelo sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88153/210000659402/extratos) e demonstra aporte de módicos R$ 183,00, efetuado exclusivamente pelo próprio candidato, em estrita consonância com os comprovantes de TED por ele juntados aos autos (IDs 44880089 e 44880096).

A respeito do ponto, calha trazer à baila precedentes desta Corte, em que foi assentado que a falta de extratos bancários não implica, por si só, rejeição das contas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. AUSÊNCIA DA ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. AUSENTES EXTRATOS ELETRÔNICOS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. TRANSPARÊNCIA CONTÁBIL MACULADA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DOS DEMONSTRATIVOS. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2020, em face da ausência de documento obrigatório, qual seja, extrato bancário da conta aberta, assim como de declaração emitida pelo banco certificando a ausência de movimentação financeira.

2. O art. 8º da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que é obrigatório aos candidatos a abertura de conta bancária específica na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, o que deve ocorrer dentro do prazo de 10 dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (§ 1º, inc. I). Somado a isso, independentemente da exibição da movimentação financeira, o art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe, categoricamente, a apresentação dos extratos bancários integrais e autênticos da conta aberta em nome do candidato.

3. Entendimento jurisprudencial de que a não apresentação de extratos bancários pelo prestador constitui falha que, por si só, não tem potencial para gerar a desaprovação das contas, nos casos em que for possível a análise da movimentação financeira por meio dos extratos eletrônicos enviados pela instituição bancária, disponíveis no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais. Entretanto, no caso concreto, não constam os extratos nas informações disponíveis no referido sistema (https://divulgacandcontas.tse.jus.br). Circunstância que inviabiliza a aferição da fidedignidade e veracidade do contido nos demonstrativos apresentados pelo candidato.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060040377, ACÓRDÃO de 13.12.2021, Relator Des. Eleitoral AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS. SOBRAS DE CAMPANHA NÃO RECOLHIDAS AO ERÁRIO. EXTRATOS ELETRÔNICOS NÃO APRESENTADOS EM SUA INTEGRALIDADE. DISPÊNDIO OMITIDO E SEM COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. VEDADA A QUITAÇÃO DE EXPENSA COM COMBUSTÍVEL DE VEÍCULO DE USO PESSOAL DO CANDIDATO. DESPESA COM GRÁFICA NÃO COMPROVADA E SEM CONTRAPARTE EM EXTRATO. SANADO VÍCIO QUANTO À DESPESA COM SERVIÇOS DE MILITÂNCIA. IRREGULARIDADES REMANESCENTES DE VALOR IRRISÓRIO. POSTULADO DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUZIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, em virtude da ausência de documentos obrigatórios; omissão de receitas e gastos; ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC e do recolhimento de sobras de campanha. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao erário.

2. Não conhecida a prestação de contas retificadora, entregue em sede recursal, visto que demandaria nova análise técnica, com reabertura da instrução. Supressão de instância. Demais documentos conhecidos.

3. Omissão na entrega dos extratos das contas bancárias abertas para movimentação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e de recursos privados, em desacordo ao disposto no art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Despesa de campanha omitida, em afronta ao art. 7º, § 1º e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Não registrada nota fiscal emitida contra o CNPJ do candidato, e não demonstrada a regularidade da operação, visto que não apresentado pagamento via cheque nominal ou qualquer outra forma de quitação que possibilitasse rastrear a verba pública utilizada.

5. Despesas pagas com valores do FEFC não lançadas na contabilidade, ainda que constantes nos extratos eletrônicos. O art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19 veda os gastos com combustível para veículo de uso do candidato, pois entende que estes possuem natureza pessoal. Ausente declaração de cessão veicular bem como relatório indicando volume e valor dos abastecimentos semanalmente, na forma do § 11 do aludido artigo. Dispêndio realizado com gráfica não comprovado e sem indicação de contraparte em extrato. Sanado vício apenas quanto à despesa com serviços de militância com a juntada de contrato, recibo e cheque nominal e cruzado.

6. Montante, a título de sobra de campanha, proveniente do FEFC, não recolhido ao Tesouro Nacional. Comando sentencial não enfrentado na irresignação. Falha mantida.

7. Irregularidades remanescentes de valor irrisório, nos termos da jurisprudência, autorizando a aplicação do postulado da razoabilidade para mitigar o juízo sentencial e aprovar as contas com ressalvas. Reduzido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

8. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 0600465-37.2020.6.21.0172, ACÓRDÃO de 16.12.2021, Relator Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes.) (Grifei.)

No tocante às duas demais inconsistências, atinentes à realização de despesa com combustível, de R$ 39,99, e à omissão de gasto com FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., no valor de R$ 100,00, deixou o candidato de pronunciar-se a respeito, não apresentando esclarecimentos que as pudessem afastar, nem após a emissão do parecer técnico, nem por ocasião do recurso.

Relativamente ao gasto de R$ 39,99, não houve o necessário registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, de modo a inviabilizar o afastamento da irregularidade. Anote-se, entretanto, que foi a despesa declarada, conforme extrato de prestação de contas (ID 44880087), comprovada por nota fiscal (ID 44880078) e paga mediante cartão de débito, na conta Outros Recursos, à vista da informação lançada no documento fiscal e da movimentação revelada pelo extrato bancário.

Caracterizou, portanto, mera falha formal.

No que tange ao dispêndio não contabilizado com impulsionamento de conteúdo no Facebook, no valor de 100,46, também não está livre de mácula.

Importante ressaltar que o candidato declarou gasto de R$ 100,00 para idêntico fim, acostando boletos em favor daquela empresa, nos valores de R$ 60,00 (ID 44880077) e R$ 40,00 (44880081), cujo resultado da soma não é idêntico àquela importância.

Conquanto haja fortes indícios de se tratar do mesmo gasto, uma vez que, de acordo com o sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, houve apenas uma despesa dessa natureza, sendo exibida a correspondente nota fiscal, a ausência de esclarecimentos impede que seja reputado o dispêndio regular.

Assim, ainda que seja entendida a omissão de gasto como configuradora de falha atinente ao recebimento de recursos de origem não identificada, não há que se falar em recolhimento ao erário, porquanto não houve tal determinação ao candidato na instância de piso, não podendo sua situação ser agravada em sede de recurso, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.

Desse modo, as inconsistências alcançam a cifra de R$ 139,99, montante que é módico e representa 10% das receitas arrecadadas (R$ 1.399,21), sendo apto a atrair a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, como meio de atenuar sua gravidade sobre o conjunto dos registros contábeis, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.7.2020.).

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para que as contas relativas às eleições de 2020 de CARLOS EUGENIO PORTO DOS SANTOS, candidato ao cargo de vereador no Município de Rio Grande, sejam aprovadas com ressalvas.