REl - 0600554-60.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/04/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Do Mérito

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem devido à aplicação de recursos próprios, no valor de R$ 4.208,72, excedendo em R$ 2.363,42 o limite de 10% do teto de gastos de campanha previsto para o cargo em disputa no município.

O tema encontra a sua regulamentação no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

 

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

 

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

 

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

 

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(Grifei.)

 

In casu, a candidata aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no somatório de R$ 1.190,00, bem como realizou a cessão do veículo próprio, estimada em R$ 3.018,72.

Registro que o valor estimável do uso do automóvel foi ajustado pelo órgão técnico, tendo por base o custo da diária de um veículo similar próximo ao município da candidata e o período da campanha eleitoral (48 dias).

Portanto, considerados os recursos financeiros e os estimáveis em dinheiro, o somatório utilizado alcança R$ 4.208,72 de autofinanciamento da campanha pela candidata.

Entretanto, o limite de gastos para o cargo em tela, no Município de Nova Bassano, era de R$ 12.307,75, estando a candidata restrita ao uso de 10% deste valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.230,78.

Na aferição do total de gastos, o exame técnico consignou que houve o desconto de R$ 600,00, relativos aos dispêndios com serviços de advocacia e contabilidade, e ainda de R$ 14,52, atinente às sobras de recursos financeiros não utilizados na campanha, posteriormente transferidos à conta do partido (ID 44882510).

Assim, o montante de R$ 2.363,42 foi considerado como valor excedente ao limite de autofinanciamento da candidata.

Diante disso, bem anotou a sentença prolatada pelo Juiz Eleitoral da 075ª Zona, Dr. Márcio Moreira Paranhos Dias, que as estimativas efetuadas pelo órgão técnico foram mais favoráveis à prestadora que os valores declarados na contabilidade:

(...) anote-se que o cálculo realizado pela unidade técnica, e cujo resultado este Juízo acolhe, foi mais benéfico à candidata do que se houvesse sido levado em conta apenas os valores declarados na prestação de contas, o que teria majorado a extrapolação do limite. Face a isto, deixo de debruçar-me sobre as considerações tecidas pela prestadora das contas ao cálculo efetuado para determinar o valor estimado de uso do veículo.

Em suas razões, a recorrente defende que as despesas estimáveis não devem ser computadas no limite legal. Disse igualmente que não utilizou o veículo exclusivamente para  a campanha, mas para toda e qualquer tarefa e atividades do dia a dia.

Os argumentos, entretanto, não conduzem ao saneamento da irregularidade.

O art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente acerca da contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

(Grifei.)

 

Cumpre anotar, ainda, que, não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas, a ressalva contida no § 3º quanto às doações estimáveis em dinheiro direciona-se apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, as doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

Ao não ressalvar os recursos estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa a uma igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

No mesmo sentido, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MULTA. LIMITE DE AUTOFINANCIAMENTO EXTRAPOLADO. APORTE DE RECURSOS EM ESPÉCIE E ESTIMÁVEIS ACIMA DO TETO LEGAL. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. BENS ESTIMÁVEIS COMPÕEM SOMA PARA FINS DE ATINGIMENTO DO MARCO DEFINIDO EM LEI. IRREGULARIDADE DE ELEVADA MONTA. AUSENTE IRRESIGNAÇÃO QUANTO AO PONTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CORRIGIDO O VALOR DA MULTA A SER RECOLHIDA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas do candidato, em virtude de extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, e fixou multa relativa ao valor irregular.

2. Limite de uso de recursos próprios para gastos de campanha extrapolado, em desacordo com o disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Aporte de recursos próprio, em espécie e estimáveis, acima do teto definido em lei. A cessão de veículo, bem estimável em dinheiro, compõe a soma de valores para fins de atingimento do marco limitador legal, conforme dicção do art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19. Regra que visa à igualdade entre os concorrentes, diante dos desequilíbrios patrimoniais que poderiam interferir no resultado do pleito. Multa.

3. Irregularidade equivalente a 46,81% da receita auferida e de valor absoluto elevado. Contudo, diante da ausência de irresignação quanto ao ponto, ainda que a jurisprudência não autorize a aprovação com ressalvas nesses casos, a sentença é de ser mantida, mesmo que extrapolados os parâmetros definidos por esta Corte para aprovação com ressalvas. Corrigido o valor da multa de ofício.

4. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 060056717, ACÓRDÃO de 18.11.2021, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico. ) (Grifei.)

 

O posicionamento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro na verificação do atendimento do limite de gastos restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral em pleitos anteriores, justamente com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator: MIN. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

As razões recursais referem, ainda, que a despesa com aluguel do veículo não é considerada gasto eleitoral, consoante o art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e que esse gasto não está sujeito à prestação de contas, pois é considerado despesa de natureza pessoal do candidato.

Contudo, a Resolução TSE n. 23.607/19 determina que são despesas de natureza pessoal do candidato, sem obrigatoriedade de contabilização na movimentação financeira de campanha, os gastos com combustível e manutenção de veículo automotor utilizado, nos termos do art. 35, § 6º, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…].

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Dessa forma, a cessão de veículo próprio para a campanha é considerada doação de bem estimável em dinheiro, e é obrigatório o seu registro na prestação de contas, em obediência ao que dispõe o art. 7º, § 6º, inc. III e § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 7º Deverá ser emitido recibo eleitoral de toda e qualquer arrecadação de recursos:

[…].

§ 6º É facultativa a emissão do recibo eleitoral previsto no caput nas seguintes hipóteses:

[...].

III - cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

[…]

§ 10. A dispensa de emissão de recibo eleitoral prevista no § 6º deste artigo não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e na de seus beneficiários os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. (Grifei.)

 

No aspecto, pertinente trazer à colação as judiciosas considerações do parecer exarado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. José Osmar Pumes:

Veja-se que, dentre as hipóteses de despesas que não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha, não consta a locação de veículo, ao contrário do aduzido pela recorrente. De qualquer forma, não é de locação de veículo que se trata, e sim de utilização, na campanha, de bem da própria candidata.

Por outro lado, a cessão de veículo próprio para a campanha é considerada doação de bem estimável em dinheiro, sendo obrigatório o seu registro na prestação de contas, nos termos do art. 7º, §§ 6º, III, e 10, da Resolução TSE nº 23.607/2019, justamente para que se possa aferir a observância ao limite do autofinanciamento. Nesse aspecto, o art. 5º, inc. III, da mesma Resolução, dispõe expressamente que doações estimáveis em dinheiro devem ser contabilizadas para efeito de cálculo do limite de gastos realizados por candidato ou partido político.

 

Conclusão

Assim, impõe-se a confirmação da irregularidade, no valor de R$ 2.363,42, em excesso de gastos com recursos próprios, que representa 56,16% do total de receitas declaradas (R$ 4.208,72), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão da falha sobre o conjunto da contabilidade e aprovar com ressaltas as contas.

Em relação à penalidade de multa, fixada na sentença no percentual de 100% da quantia em excesso, equivalente a R$ 2.363,42, com suporte no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, entendo que a quantia se mostra razoável e adequada à falha verificada e às peculiaridades do caso.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Cristina Elsenbach, relativas às eleições de 2020, bem como a condenação à multa correspondente a 100% da quantia em excesso, equivalente ao valor de R$ 2.363,42.