REl - 0600326-35.2020.6.21.0124 - Voto Vista - Sessão: 31/03/2022 às 14:00

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria.

O judicioso e detalhado voto do E. Relator encontra-se respaldado em recente decisão proferida pelo Col. TSE, nos autos do AR no AI nº 0607961-81-2018.6.26.0000, no sentido de que deve ser extinto o processo em razão do falecimento do prestador de contas enquanto pendente recurso contra a determinação de devolução ao Tesouro Nacional.

Entretanto, por se tratar de decisão única, tomada por maioria de votos, sobre matéria ainda não pacificada na jurisprudência e tampouco na doutrina, por se tratar de matéria nova no seio deste Eg. Tribunal Regional, por não ter tal decisão superior caráter vinculante, tenho que, prestigiar o entendimento que restou vencido, não constitui ato inócuo de rebeldia contra a Corte Superior.

Por esta razão, filio-me às razões explanadas pelo Min. Luís Roberto Barroso, e justifico o porquê.

Se fosse necessária a existência de coisa julgada sobre a prestação de contas, já quando do falecimento do prestador, para que a obrigação de devolução ao Tesouro Nacional dos valores auferidos de origem não identificada se mantivesse íntegra, seria de todo desprovida de efetividade a regra insculpida no § 9º do art. 48 da Resolução TSE n. 23.553/2017, segundo a qual “se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas (...) será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, da respectiva direção partidária”. Por esta clara regra, a coisa julgada poderá se formar após o falecimento, caso o recurso pendente de julgamento seja desprovido. De que adiantaria continuar o processo de prestação de contas se, de antemão, se soubesse que a dívida estaria extinta? Tal regra infirma a conclusão de ser personalíssima a obrigação.

Também não procede o argumento de que a penalidade ultrapassaria a pessoa do prestador, transmitindo-se aos seus sucessores. Sabido é, desde as calendas gregas, que os herdeiros não respondem pelas dívidas do de cujus. Entretanto, a obrigação de devolução dos valores recebidos à margem da legislação eleitoral incidiria, não sobre o patrimônio dos sucessores, mas sobre o acervo hereditário, como dívida da herança. E os sucessores, por óbvio, herdariam dentro das forças da herança.

Por último, em relação ao argumento de que o falecimento inviabilizaria o exercício do contraditório substancial pelo efetivo responsável pela movimentação financeira de campanha, tenho que, na fase em que se encontra o feito, não se verifica a possibilidade de “grave e incontornável cerceamento de defesa.” Isso porque o prestador teve acesso e exerceu o direito ao duplo grau de jurisdição, ao interpor o recurso e expor os argumentos para reforma da sentença. Ademais, com a determinação de intimação do administrador financeiro, poderá aduzir e prosseguir no feito, sem prejuízo à ampla defesa ou contraditório.

São esses, em resumo, os fundamentos alinhados com rigor pelo voto do Min. Luís Roberto Barroso, verbis:

Senhores Ministros, trata-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público contra decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, que extinguiu sem resolução de mérito o processo de prestação de contas de campanha de Luiz Flavio Gomes, candidato ao cargo de deputado federal por São Paulo nas Eleições 2018, nos termos do art. 485, IX, do CPC/2015.

2. Na origem, o Tribunal Regional de São Paulo – TRE/SP aprovou com ressalvas as contas de campanha e determinou o recolhimento do montante de R$ 7.383,54, referente aos recursos de origem não identificada, ao Tesouro Nacional e da quantia de R$ 43.496,99, relativa às sobras de campanha, à respectiva esfera partidária.

3. Na decisão monocrática, o eminente relator considerou que as restituições determinadas pelo acórdão regional têm caráter sancionatório e, portanto, não podem ser transferidas aos sucessores ou herdeiros do de cujus enquanto não perfectibilizadas. Ademais, afirmou que não incide a regra do § 9º do art. 48 da Res. TSE n. 23.553/2017, que diz respeito tão somente à obrigação de prestar contas.

4. Na sessão por videoconferência realizada em 4.5.2021, o relator votou pelo desprovimento do agravo interno, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes. O Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto inaugurou divergência e votou pelo provimento do agravo interno, para determinar o prosseguimento do feito, com a assunção do polo ativo pelo administrador financeiro da campanha ou, na sua ausência, pela respectiva direção partidária. Pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão.

5. Na sessão de 19.10.2021, o Ministro Luis Felipe Salomão votou no sentido de acompanhar o relator e negar provimento ao agravo interno. Também acompanharam o relator os Ministros Benedito Gonçalves e Sérgio Banhos.

6. Apesar da maioria já formada, pedi vista dos autos, para melhor exame dos precedentes mencionados durante o julgamento. Trago-os agora para continuidade do julgamento e adianto que estou acompanhando a divergência inaugurada pelo Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

7. Trago como precedente sobre a matéria o julgamento da PC nº 990-94, de minha Relatoria, j. em 6.8.2019, no qual, após o falecimento do candidato Eduardo Campos, a prestação de contas foi assumida pelo administrador financeiro da campanha. Isso ocorreu nos termos do art. 33, § 6º, da Res. TSE n. 23.406/2014, vigente à época, cuja redação foi repetida na Resolução aplicável às eleições de 2018. Naquela oportunidade, não se cogitou da perda de objeto da demanda em razão do falecimento.

8. Em julgamento mais recente, referente às Eleições 2018, tal como a hipótese em análise – AgR-REspe nº 0603524-57/MG, Rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 10.12.2020 –, o TSE decidiu, por maioria de votos, que o falecimento do prestador de contas não implica perda de objeto da ação de prestação de contas. Saliento que, tanto naquele julgado como na hipótese em julgamento, o falecimento do candidato ocorreu já na fase recursal, após a interposição do recurso especial. Confira-se a ementa do julgado:

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS NA ORIGEM. PROVIMENTO PARCIAL. AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DO RECOLHIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE SOBRAS DE CAMPANHA. SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal de origem aprovou com ressalvas as contas prestadas pelo candidato, referentes à campanha eleitoral de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal.

2. Por meio de decisão monocrática, dei provimento ao recurso especial para – mantida a aprovação das contas com ressalvas, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 500,00 referente às despesas não comprovadas realizadas com recursos do FEFC – afastar a determinação do recolhimento de R$ 7.926,91, valor alusivo a supostas sobras de campanha.

3. O Ministério Público Eleitoral interpôs o presente agravo regimental.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

4. O Tribunal de origem entendeu que caracteriza sobra de campanha a diferença entre os valores pagos ao Facebook, a título de impulsionamento, e o valor correspondente aos serviços cujas prestações foram devidamente comprovadas mediante documentação fiscal idônea.

5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que "a falta de comprovação regular de gastos, em razão de dados insuficientes na respectiva documentação fiscal, não constitui sobra de campanha, embora possa ensejar a desaprovação das contas" (AgR–REspe 2551–93, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 3.8.2016). Igualmente, cito: (AgR–REspe 5772–24, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 31.5.2016).

6. Ausente informação no acórdão regional acerca do retorno dos recursos pagos a mais para o fornecedor do serviço de impulsionamento de conteúdo à campanha o agravado, não há falar em sobra de campanha, motivo pelo qual também deve ser afastada a determinação de recolhimento de importância o Tesouro Nacional.

7. O art. 48, § 9º, VI, da Res.–TSE 23.553 é categórico quanto à transferência da responsabilidade pela prestação de contas ao administrador financeiro ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária no caso de falecimento de candidato que tenha realizado campanha eleitoral.

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.” (grifos acrescentados)

(AgR-REspe nº 0603524-57, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, j. em 10.12.2020).

9. Como se vê, o precedente acima mencionado fundamenta-se no art. 48, § 9º, VI, da Res. TSE nº 23.553/2017, cuja redação é clara ao transferir a responsabilidade da obrigação de prestar contas ao administrador financeiro ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária no caso de falecimento de candidato que tenha realizado campanha eleitoral. A meu ver, esse dispositivo afasta a natureza personalíssima da prestação de contas.

10. Nesse cenário e na linha dos precedentes acima mencionados, entendo que não há óbice ao prosseguimento do feito em caso de falecimento do candidato prestador de contas. As obrigações de restituição ao Tesouro Nacional de valores referentes a recursos de origem não identificada e de devolução ao partido político de quantias relativas a sobras de campanha não podem ser caracterizadas como obrigações de natureza personalíssima. Isso porque tais determinações não possuem caráter sancionatório. No primeiro caso, trata-se de mera recomposição do erário, em razão da utilização de valores em desacordo com a legislação eleitoral. Já no segundo caso, trata-se de recomposição do patrimônio do próprio partido, em razão de (i) diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha; ou (ii) bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha (art. 53 da Res.-TSE nº 23.553/2017, vigente para as Eleições 2018).

11. Portanto não perecem, com o falecimento do candidato, o dever de prestar contas e a responsabilidade por ressarcir à fonte os recursos irregularmente aplicados. Desse modo, deve o candidato ser substituído na prestação de contas pelo administrador financeiro ou pelo órgão partidário, indicados pela Res. TSE nº 23.553/2017 para assumir esse munus por serem aqueles que mais proximamente conhecem as movimentações financeiras da campanha.

12. Uma vez transitada em julgado a decisão da prestação de contas, caso mantida a conclusão pela existência de valores a ressarcir, deverá ser observada a regra geral do direito das sucessões, segundo a qual os herdeiros respondem pelos encargos nas forças da herança transmitida, na forma do art. 1.792 do Código Civil. Aliás, em razão da possibilidade de transmissão da responsabilidade aos herdeiros é que entendo ser possível facultar o ingresso de eventuais herdeiros na qualidade de assistente simples.

13. Com essas considerações, divirjo do relator, para dar provimento ao agravo interno e determinar o prosseguimento do feito, com a sucessão do polo ativo pelo prestador de contas pelo administrador financeiro ou, na ausência, pelo partido. 14. É como voto.

 

 

Dessarte, com a vênia do E. Relator, voto no sentido de acolher a prefacial suscitada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, para citação do espólio ou dos sucessores do prestador falecido para integrar a lide (art. 110 do CPC), na ausência de registro da constituição de administrador financeiro (ID 43017733) e porque o Diretório Municipal do PSB de Alvorada, apesar de intimado, permaneceu silente (ID 44857716).

MÉRITO

Em relação ao exame das contas, acompanho o E. Relator quanto ao voto lançado no sistema, que foi no seguinte sentido, verbis:

Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Cerceamento de Defesa

O recorrente suscitou preliminar de cerceamento de defesa em razão do indeferimento, pelo Juízo de origem, da diligência requerida para intimação das empresas emissoras das notas fiscais sob questionamento, “para que comprovem quem solicitou os materiais produzidos e para quem foi entregue esses”.

Sem razão quanto ao ponto.

A jurisprudência deste Tribunal Regional consolidou o entendimento de que, em processo de prestação de contas, não há cerceamento de defesa no indeferimento do pedido de envio de ofício a terceiros, pois “o ônus da prova incumbe ao gestor da movimentação financeira”, o qual “deve comprovar a regular arrecadação e aplicação dos recursos, não cabendo a transferência do referido ônus à Justiça Eleitoral” (TRE-RS – PC n. 4265, Relator: DES. ELEITORAL ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, DJE de 25.01.2021).

Nessa medida, previamente ao requerimento pela intervenção da Justiça Eleitoral, cumpriria ao prestador demonstrar que, tendo solicitado as informações aos fornecedores, não foi atendido em tempo e forma razoáveis, providências não adotadas pelo candidato na presente hipótese.

Desse modo, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.


 

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 3.510,00, em razão da ausência de declaração às contas de duas notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, caracterizando a omissão de despesas e a utilização de recursos de origem não identificada, assim discriminadas:

- Data: 03/10/2020 – CNPJ: 73.273.088/0001-99 – Fornecedora: GRÁFICA E EDITORA BENTO GONCALVES LTDA – Número: 19706 – Valor: R$ 3.450,00; e

- Data: 13/11/2020 – CNPJ: 02.826.183/0001-24 – Fornecedora: ARTEMAIS GRAFICA LTDA – Número: 202000000000343 – Valor: R$ 60,00.

De seu turno, o recorrente alegou que desconhece as referidas notas fiscais e que não efetuou contratações com as empresas emissoras. Relatou que, após a busca de informações com ambos os fornecedores, verificou que os materiais foram adquiridos pela “Sra. Keila”, que atuava na campanha para o pleito majoritário, mas que não tinha autorização para contratar em nome da campanha do ora prestador de contas.

Por fim, asseverou o recorrente que, “mesmo ratificando a informação de que não foi quem solicitou aqueles materiais”, “buscou realizar a quitação daquelas despesas com seu dinheiro pessoal mesmo não sendo de sua responsabilidade, apenas com o intuito de ver sua prestação de contas julgada de forma aprovada pela aplicação da justiça e do justo”.

Corroborando a alegação, foram acostados aos autos comprovantes de transferências bancárias, da conta pessoal do candidato para as contas de ambas as empresas gráficas em questão (IDs 27675833 e 27678433), e os correspondentes recibos de quitação (IDs 27677683 e 27678883).

Apesar das providências realizadas, de acordo com o art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, é obrigação do candidato informar a integralidade das receitas e despesas eleitorais nos registros contábeis, ainda que utilize recursos financeiros próprios para custear sua campanha.

Na espécie, tanto as receitas próprias utilizadas quanto as despesas quitadas não constaram discriminadas nos registros contábeis do candidato, impossibilitando o cruzamento das informações com os outros sistemas de batimento, bem como da submissão dos dados informados ao controle social, por meio do sistema de divulgação de candidaturas e contas eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/).

Dessa forma, a simples supressão de receitas e despesas da escrituração contábil é suficiente à caracterização das irregularidades, pois prejudica o implemento dos mecanismos de auditoria e controle.

Além disso, os pagamentos realizados não observaram o dever de circulação dos recursos aplicados em campanha em conta bancária específica, conforme preceitua o art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por outro lado, a documentação juntada na fase recursal comprova que os recursos utilizados para a quitação das despesas provêm do patrimônio pessoal do prestador de contas e foram creditados em favor dos fornecedores emitentes das notas fiscais.

Assim, a despeito das falhas constatadas, a forma de quitação dos gastos e a origem da verba empregada foram esclarecidas no processo pelo próprio candidato, conduta que demonstra a ausência de má-fé e impede a caracterização das quantias como recursos de origem não identificada, devendo, por consequência, ser afastada a determinação de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional.

 

Do Percentual das Irregularidades Verificadas

As irregularidades envolvendo a sonegação de receitas e despesas da escrituração contábil são graves e alcançam o somatório de R$ 3.510,00, que representa 43% das receitas declaradas pelo candidato (R$ 8.077,00), inviabilizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas e impondo a manutenção do julgamento pela desaprovação das contas.

Contudo, deve ser afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ante a demonstração da origem dos recursos utilizados e do adimplemento das despesas com os fornecedores em questão.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para afastar a determinação de recolhimento do valor de R$ 3.510,00 ao Tesouro Nacional, mantendo o juízo de desaprovação das contas de JULIANO SOUZA DO NASCIMENTO, relativas ao pleito de 2020.