REl - 0600326-35.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Extinção do Processo

Após a interposição do recurso, o procurador constituído nos autos informa o falecimento do candidato recorrente, conforme certidão de óbito anexada, e requer a extinção do processo sem resolução de mérito, “levando em consideração ser um direito intransmissível qualquer vício ou erro cometido na presente prestação de contas”.

De seu turno, a Procuradoria Regional Eleitoral, com base no art. 45, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, manifesta-se pela intimação do administrador financeiro ou, na sua ausência, da direção partidária municipal para o prosseguimento do feito, bem como “considerando a possibilidade de condenação em recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional (caso não acolhido o presente parecer), necessária a citação do espólio ou dos sucessores do prestador falecido para integrar a lide (art. 110 do CPC)”.

A discussão acerca da sucessão processual do candidato falecido em prestação de contas, ainda sem julgamento definitivo de mérito, representa controvérsia não pacificada no âmbito da jurisprudência, perpassando pela verificação da própria natureza do processo de prestação de contas de candidatos e de suas consequências.

A Procuradoria Regional Eleitoral invoca a sucessão processual do candidato pelo administrador financeiro ou pelo diretório partidário com esteio no art. 45, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 45. (...).

§ 7º Se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, na forma desta Resolução, referente ao período em que realizou campanha, será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária.

 

Além disso, o respeitável parecer ministerial postula a citação do espólio ou dos sucessores do prestador falecido para integrar a lide, do que se depreende o entendimento pelo caráter não personalíssimo e não sancionatório das determinações de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, as quais poderiam ser impostas ao espólio e aos herdeiros do prestador, na qualidade de sucessores processuais, ainda na fase de conhecimento.

Por outro lado, este Tribunal Regional possui antigo precedente no qual se entendeu pelo caráter intransmissível e pessoal dos interesses e efeitos advindos do julgamento de mérito das contas de campanha, consoante a seguinte ementa:

Prestação de contas. Eleições 2010. Realização de despesa sem comprovação de arrecadação da correspondente receita. O falecimento do prestador anterior à necessária retificação das contas torna desnecessário o exame do mérito da demonstração contábil. Perda superveniente do interesse de agir. Extinção.

(TRE-RS - PC: 741849 RS, Relator: DES. ELEITORAL JORGE ALBERTO ZUGNO, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 107, Data 21.6.2012, Página 03)

 

No referido julgado, constou que, “na medida em que eventual juízo de desaprovação das contas traria consequências à esfera de direitos do próprio prestador” e “não demonstrada a existência de qualquer irregularidade que pudesse ensejar sancionamento ao partido ou comitê financeiro a que vinculado o candidato”, está “caracterizada a perda superveniente do interesse de agir, hipótese que autoriza a resolução do feito, sem julgamento de mérito”.

Na linha de posicionamento acolhida no julgado referido, a intelecção do art. 45, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, reproduzida, em essência, nas diversas disciplinas normativas de cada eleição, contempla apenas a transmissibilidade do dever de apresentação inicial das contas, ou seja, o suprimento da omissão do candidato em razão de sua morte.

Assim, uma vez apresentadas as contas e sobrevindo o falecimento do prestador no curso do processo, possíveis medidas aplicáveis em seu desfavor têm natureza personalíssima e intransmissível, não podendo recair sobre aqueles que não concorreram para as irregularidades e nem delas se beneficiaram.

De igual modo, o falecimento inviabilizaria o exercício do contraditório substancial pelo efetivo responsável pela movimentação financeira de campanha, repassando-o para terceiros que não participaram dos fatos analisados, em grave e incontornável cerceamento de defesa.

Nessa linha, colhe-se julgados de outros Tribunais Regionais:

ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO POR MEIO DEPÓSITO EM CHEQUE. OFENSA AO ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015. AUSÊNCIA DE COMPROMETIMENTO DA REGULARIDADE DAS CONTAS. APROVAÇÃO COM RESSALVA. FALECIMENTO DO RECORRENTE. DIREITO INTRANSMISSÍVEL. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE RECURSAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAR O MÉRITO. 1. Por versar a prestação de contas acerca de direitos intransmissíveis, impõe-se a extinção do feito sem apreciação do mérito, em razão da perda superveniente do interesse recursal, em razão do falecimento do recorrente. 2. Extinção do feito sem resolver o mérito.

(TRE-SE - RE: 27246 CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO - SE, Relatora: DES. ELEITORAL DENIZE MARIA DE BARROS FIGUEIREDO, Data de Julgamento: 13.3.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 051/, Data 22.3.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO ESTADUAL. FALECIMENTO DO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 267, VI, DO CPC.01. Não obstante a relevância do processo de prestação de contas de campanha, que tem por objetivo coibir o abuso do poder econômico, bem como conferir maior transparência e legitimidade às eleições, deve ser reconhecido que o falecimento candidato, que na espécie ocorreu em pleno período da propaganda eleitoral, torna desnecessária a análise contábil em apreço, eis que desprovida, ao final, de qualquer efeito prático, porquanto eventual rejeição das contas atingirá, apenas e tão somente, o candidato. 02. Feito extinto, sem resolução de mérito (art. 267, VI, do CPC).

(TRE-CE - 25: 925644 CE, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIGUES, Data de Julgamento: 06.12.2011, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data 14.12.2011, Página 12.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES. 2010. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. FALECIMENTO DO CANDIDATO INTERESSADO. PERDA DO OBJETO. DESNECESSIDADE DE ANÁLISE DAS CONTAS DE CAMPANHA. PERDA SUPERVINIENTE DO INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 267, VI, DO CPC.

(TRE-AL - PRESTC: 259730 AL, Relator: DES. ELEITORAL ANTÔNIO JOSÉ BITTENCOURT ARAÚJO, Data de Julgamento: 30.5.2011, Data de Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 99, Data 02.6.2011, Página 02.) (Grifei.)

 

Cabe mencionar, ainda, uma compreensão intermediária pela qual, embora se admitindo que as contas do prestador falecido prossigam em nome do administrador financeiro ou do respectivo órgão partidário até o julgamento de mérito, considerou-se inaplicável a condenação de cunho patrimonial, sob pena de responsabilização de “terceiros de boa-fé”, consoante se observa no seguinte julgado do TRE-DF:

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO DISTRITAL. MORTE DO CANDIDATO. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO POR PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO REJEITADA. INTEMPESTIVIDADE NA ENTREGA DAS CONTAS FINAIS. IDENTIFICAÇÃO FISCAL INVÁLIDA DE CABO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE JUNTADA DO COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA DAS SOBRAS FINANCEIRAS EM FAVOR DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO. DETECÇÃO DE CAPTAÇÃO DE DOAÇÃO FINANCEIRA POR MEIO INADEQUADO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. INTRANSMISSIBILIDADE DA SANÇÃO ELEITORAL PECUNIÁRIA A TERCEIRO DE BOA-FÉ. INCONSISTÊNCIAS QUE COMPROMETEM A CONFIABILIDADE E A REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. 1. O falecimento do candidato não implica a extinção da obrigação de prestar contas, cuja responsabilidade será transferida ao administrador financeiro da campanha ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária, conforme disposição normativa contida no § 9º do art. 48 da Res.-TSE n.º 23.553/2017. Preliminar de extinção do processo por perda superveniente do objeto rejeitada. (...). 5. O recebimento de recursos de origem não identificada (art. 34 da Res.-TSE n.º 23.553/2017) imporia, ao candidato, o dever de recolher o valor correspondente ao Tesouro Nacional. No caso específico dos autos, todavia, impõe-se o afastamento da aplicação da sanção eleitoral, pois, considerando o falecimento do prestador de contas originário, não há como se defender que terceiros de boa-fé, a exemplo do administrador financeiro, espólio ou herdeiros, respondam por sanção que não deram causa e que não foram de nenhum modo beneficiados pelo ato que ensejou a aplicação da penalidade. 6. Rejeitou-se a preliminar de extinção do processo por perda superveniente do objeto. A respeito do mérito, julgou-se desaprovadas as contas de campanha, com arrimo no art. 77, III, da Res.-TSE n.º 23.553/2017.

(TRE-DF - PC: 060248760 BRASÍLIA - DF, Relator: DES. ELEITORAL JOSÉ JERONYMO BEZERRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 18.10.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 195, Data 22.10.2021, Página 03-04.) (Grifei.)

 

Recentemente, o tema foi objeto de detida análise no âmbito do TSE, a partir do julgamento do AgR-AI n. 0607961-81.2018.6.26.0000/SP, de relatoria do MIN. EDSON FACHIN, envolvendo as contas do Deputado Federal Luiz Flávio Gomes relativas às eleições de 2020.

Na hipótese, as contas foram desaprovadas em decisão do TRE-SP, com determinação de recolhimento do montante de R$ 7.383,54, referente aos recursos de origem não identificada, ao Tesouro Nacional; e da quantia de R$ 43.496,99, relativa às sobras de campanha, à respectiva esfera partidária, contra a qual recorreu o parlamentar à instância superior.

No referido caso, o TSE entendeu pela extinção do processo sem julgamento de mérito em razão do falecimento do candidato após interposição do recurso, consoante ementa assim redigida:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DISCUSSÃO DA SANÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. MORTE DO PRESTADOR DE CONTAS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. No caso, após prestar regularmente as contas de campanha relativas às eleições de 2018 e ter sido sancionado com a devolução de valores ao Tesouro Nacional e à esfera partidária pelo aresto regional, o candidato deste recorreu ao TSE quanto à restituição de valores. Contudo, essa sanção de restituição ainda estava em discussão, quando sobreveio a morte do prestador das contas.

2. A restituição de valores constitui obrigação dotada de valor econômico, não se revelando possível a transmissão aos sucessores ou herdeiros do de cujus, porquanto a sanção não se perfectibilizou.

3. Se impõe, assim, a extinção do processo, sem resolução de mérito.

4. Os argumentos expostos pelo agravante não são suficientes para afastar a conclusão da decisão agravada, cujos fundamentos devem ser mantidos.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 060796181, Acórdão, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 232, Data 16.12.2021.)

 

No caso em destaque, prevaleceu a corrente pela qual, em sede de prestação de contas de candidatos, as obrigações de recolhimento de valores somente são transmissíveis após definitivamente constituídas, o que resta inviabilizado pelo falecimento do prestador, uma vez que impossível o exercício do direito de defesa.

Colho excerto da fundamentação trazida no voto condutor:

Verifica-se que, na espécie, não houve a constituição definitiva da reprimenda, não se observando a integração da obrigação ao patrimônio do candidato, não se revelando possível a transmissão aos sucessores ou herdeiros do de cujos. A transmissão a terceiros de obrigação com caráter sancionatório pressupõe a formação definitiva de sua culpa, não sendo tolerável que esse procedimento se opere sem a sua presença, em vista do falecimento. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta, com atingimento indevido do patrimônio a ser transmitido, o que não se pode admitir.

 

Frise-se, por oportuno, que as obrigações não devidamente constituídas são inábeis a afetar a universalidade patrimonial fruto da sucessão, justamente em razão da impossibilidade de o seu responsável exercer o direito de defesa.

 

No acórdão em questão, o MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, após pedido de vista, efetuou considerações legais e doutrinárias em amparo à posição adotada pelo Relator, as quais, por breves e elucidativas, reproduzo:

[...].

 

2. A controvérsia cinge-se às consequências jurídicas advindas do falecimento de candidato no curso de sua prestação de contas de campanha, antes de constituída a coisa julgada, quanto ao recolhimento ou à devolução de valores eventualmente determinados pelo órgão julgador.

 

No caso, como se viu, impôs-se ao então candidato o recolhimento de R$ 7.383,54 ao Tesouro Nacional, haja vista a existência de recursos de origem não identificada, e de R$ 43.496,99 à sua respectiva grei a título de sobras de campanha. Após a interposição do recurso especial, sobreveio o óbito do prestador das contas.

 

3. Nos termos do art. 485, IX, do CPC/2015, extingue-se o processo sem resolução de mérito quando, “em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal”.

 

Ademais, consoante o art. 687 do diploma em apreço, “a habilitação ocorre quando, por falecimento de qualquer das partes, os interessados houverem de suceder-lhe no processo”.

 

A respeito desse dispositivo específico, leciona Renato Montans de Sá que “essa sucessão ocorrerá somente nas ações que versem sobre interesses transmissíveis. Não é possível a sucessão processual em demandas de natureza personalíssima, de que é exemplo o divórcio” (Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 957-958).

 

Da mesma forma, como ensina Flávio Tartuce em lição que se aplica às inteiras ao caso, “nos contratos impessoais, a obrigação do falecido transmite-se aos herdeiros”, ao passo que “nos contratos pessoais ou personalíssimos (intuitu personae), a obrigação do falecido não se transmite aos herdeiros” (Manual de Direito Civil: volume único. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense; MÉTODO, 2021, p. 1.452).

 

4. Especificamente quanto aos processos de prestação de contas de campanha de candidatos, dispõe o art. 20 da Lei 9.504/97 que “o candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei”.

 

Além disso, impende salientar que a Res.-TSE 23.553/2017, que disciplina as prestações de contas de campanha relativas às Eleições 2018, contém uma série de dispositivos no sentido de que o eventual recolhimento ou devolução de valores é de responsabilidade exclusiva do candidato. Confiram-se:

 

Art. 33. [omissis]

 

[...]

 

§ 3º Na impossibilidade de devolução dos recursos ao doador, o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

-----------------------------------

 

Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

[...]

 

§ 5º O candidato ou o partido político pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador quando a não identificação decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

 

-----------------------------------

 

Art. 53. Constituem sobras de campanha:

 

[...]

 

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

 

5. Da leitura conjunta desses dispositivos, parece claro – na linha dos votos dos eminentes Ministros Edson Fachin (Relator) e Alexandre de Moraes – que a morte do candidato quando ainda em curso a prestação de contas de campanha, após determinado o recolhimento de valores, não transfere aos sucessores do falecido essa obrigação, porquanto de natureza personalíssima.

 

[...].

 

6. Por fim, não se desconhece que, nos termos do art. 48, § 9º, da Res.-TSE 23.557/2017, a que aludiu o Parquet em seu agravo interno, “se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, na forma desta resolução, referente ao período em que realizou campanha, será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária”.

 

Contudo, como bem esclareceu o douto Relator, o dispositivo cuida de matéria diversa, atinente à obrigatoriedade de prestar contas – o que ocorreu na espécie, frise-se –, e não ao recolhimento de valores.

 

[...].

 

Os dispositivos acima referidos da Resolução TSE n. 23.557/17, relativos ao pleito de 2018, foram reproduzidos com idênticas redações na Resolução TSE n. 23.607/19 (art. 32, caput e § 5º; art. 45, § 7º; e art. 50, § 3º), que disciplina o presente feito, impondo-se, assim, a mesma solução para o pleito de 2020.

Ressalta-se, ainda, que, no presente caso, assim como ocorreu nas contas julgadas pelo TSE, no AgR-AI n. 0607961-81, as irregularidades sob discussão não envolvem a utilização ilícita de verbas do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que, eventualmente, poderiam caracterizar dano ao patrimônio público.

Dessa forma, a fim de preservar o alinhamento da jurisprudência deste Tribunal Regional com o recente julgado do Tribunal Superior e tendo em consideração as semelhanças fáticas de ambos os casos, entendo por extinguir o processo, sem resolução de mérito, em virtude do falecimento do prestador de contas, em razão do caráter intransmissível das obrigações ainda não definitivamente perfectibilizadas nos presente autos.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por extinguir o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inc. IX, do Código de Processo Civil.

 

 

DESTACO.

 

CASO SUPERADA A PRELIMINAR, PROSSIGO NO EXAME.

 

 

Da Preliminar de Citação dos Herdeiros ou Sucessores

Conforme antes relatado, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela intimação do administrador financeiro ou, na sua ausência, da direção partidária, no âmbito municipal, para prosseguir na presente prestação de contas, nos termos do art. 45, § 7º, da Resolução TSE 23.607/19, bem como pela citação do espólio ou dos sucessores do prestador falecido para integrar a lide (art. 110 do CPC), “considerando a possibilidade de condenação em recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional”.

Não havendo registro da constituição de administrador financeiro (ID 43017733), procedeu-se à comunicação processual do Diretório Municipal do PSB de Alvorada (ID 43054133 e 44839252), o qual permaneceu silente (ID 44857716).

Apesar da ausência de manifestação da agremiação, tenho que a providência é suficiente para permitir o prosseguimento do feito em nome do Diretório Municipal do PSB, na condição de sucessor processual.

Em relação à eventual citação do espólio, herdeiros e sucessores do candidato falecido, antecipado que se trata de providência sem utilidade efetiva no presente caso, pois, em conformidade com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o encaminhando do voto é pelo provimento do recurso, a fim considerar saneadas as irregularidades e afastar a determinação de recolhimento de valores.

Assim, uma vez confirmado o resultado do julgamento nessa linha, o chamamento de possíveis sucessores patrimoniais resultaria inócuo, apenas trazendo ônus desnecessários às partes e à própria Justiça Eleitoral, em diligências e identificação, localização e comunicação sem resultado prático sobre o deslinde do feito.

Logo, afasto a necessidade de citação dos herdeiros ou sucessores do prestador de contas no caso concreto.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Cerceamento de Defesa

O recorrente suscitou preliminar de cerceamento de defesa em razão do indeferimento, pelo Juízo de origem, da diligência requerida para intimação das empresas emissoras das notas fiscais sob questionamento, “para que comprovem quem solicitou os materiais produzidos e para quem foi entregue esses”.

Sem razão quanto ao ponto.

A jurisprudência deste Tribunal Regional consolidou o entendimento de que, em processo de prestação de contas, não há cerceamento de defesa no indeferimento do pedido de envio de ofício a terceiros, pois “o ônus da prova incumbe ao gestor da movimentação financeira”, o qual “deve comprovar a regular arrecadação e aplicação dos recursos, não cabendo a transferência do referido ônus à Justiça Eleitoral” (TRE-RS – PC n. 4265, Relator: DES. ELEITORAL ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, DJE de 25.01.2021.).

Nessa medida, previamente ao requerimento pela intervenção da Justiça Eleitoral, cumpriria ao prestador demonstrar que, tendo solicitado as informações aos fornecedores, não foi atendido em tempo e forma razoáveis, providências não adotadas pelo candidato na presente hipótese.

Desse modo, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 3.510,00, em razão da ausência de declaração às contas de duas notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, caracterizando a omissão de despesas e a utilização de recursos de origem não identificada, assim discriminadas:

- Data: 03.10.2020 – CNPJ: 73.273.088/0001-99 – Fornecedora: GRÁFICA E EDITORA BENTO GONCALVES LTDA – Número: 19706 – Valor: R$ 3.450,00; e

- Data: 13.11.2020 – CNPJ: 02.826.183/0001-24 – Fornecedora: ARTEMAIS GRAFICA LTDA – Número: 202000000000343 – Valor: R$ 60,00.

De seu turno, o recorrente alegou que desconhece as referidas notas fiscais e que não efetuou contratações com as empresas emissoras. Relatou que, após a busca de informações com ambos os fornecedores, verificou que os materiais foram adquiridos pela “Sra. Keila”, que atuava na campanha para o pleito majoritário, mas que não tinha autorização para contratar em nome da campanha do ora prestador de contas.

Por fim, asseverou o recorrente que, “mesmo ratificando a informação de que não foi quem solicitou aqueles materiais”, “buscou realizar a quitação daquelas despesas com seu dinheiro pessoal mesmo não sendo de sua responsabilidade, apenas com o intuito de ver sua prestação de contas julgada de forma aprovada pela aplicação da justiça e do justo”.

Corroborando a alegação, foram acostados aos autos comprovantes de transferências bancárias, da conta pessoal do candidato para as contas de ambas as empresas gráficas em questão (IDs 27675833 e 27678433), e os correspondentes recibos de quitação (IDs 27677683 e 27678883).

Apesar das providências realizadas, de acordo com o art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, é obrigação de o candidato informar a integralidade das receitas e despesas eleitorais nos registros contábeis, ainda que utilize recursos financeiros próprios para custear sua campanha.

Na espécie, tanto as receitas próprias utilizadas quanto as despesas quitadas não constaram discriminadas nos registros contábeis do candidato, impossibilitando o cruzamento das informações com os outros sistemas de batimento, bem como da submissão dos dados informados ao controle social, por meio do sistema de divulgação de candidaturas e contas eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/).

Dessa forma, a simples supressão de receitas e despesas da escrituração contábil é suficiente à caracterização das irregularidades, pois prejudica o implemento dos mecanismos de auditoria e controle.

Além disso, os pagamentos realizados não observaram o dever de circulação dos recursos aplicados em campanha em conta bancária específica, conforme preceitua o art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por outro lado, a documentação juntada na fase recursal comprova que os recursos utilizados para a quitação das despesas provêm do patrimônio pessoal do prestador de contas e foram creditados em favor dos fornecedores emitentes das notas fiscais.

Assim, a despeito das falhas constatadas, a forma de quitação dos gastos e a origem da verba empregada foram esclarecidas no processo pelo próprio candidato, conduta que demonstra a ausência de má-fé e impede a caracterização das quantias como recursos de origem não identificada, devendo, por consequência, ser afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

Do Percentual das Irregularidades Verificadas

As irregularidades envolvendo a sonegação de receitas e despesas da escrituração contábil são graves e alcançam o somatório de R$ 3.510,00, que representa 43% das receitas declaradas pelo candidato (R$ 8.077,00), inviabilizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas e impondo a manutenção do julgamento pela desaprovação das contas.

Contudo, deve ser afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ante a demonstração da origem dos recursos utilizados e do adimplemento das despesas com os fornecedores em questão.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para afastar a determinação de recolhimento do valor de R$ 3.510,00 ao Tesouro Nacional, mantendo o juízo de desaprovação das contas de JULIANO SOUZA DO NASCIMENTO, relativas ao pleito de 2020.