REl - 0600286-62.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

Dos Documentos Juntados ao Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado a manifestar-se, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.).

Por essas razões, conheço dos documentos acostados ao recurso.

Do Mérito

No mérito, as contas de GENECI NIZ MELLO CAMPOS, relativas ao pleito de 2020, foram desaprovadas pelo juízo de origem, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude de divergência entre a movimentação financeira que consta dos extratos bancários e aquela registrada na prestação de contas, e vice-versa, consoante as tabelas n. 1 e n. 2 abaixo, extraídas do decisum vergastado (ID 44902890):

Tabela 1:

Tabela 2:

Em síntese, o magistrado de piso entendeu que houve omissão quanto ao registro integral da movimentação financeira de campanha e que se deveria considerar, não sendo possível aferir a origem e a aplicação dos recursos, o somatório dos valores dos gastos com divergência, R$ 5.810,20, como recursos de origem não identificada, impondo-se o recolhimento aos cofres públicos.

Noutros termos, foi detectado, a partir de análise do extrato da conta bancária (tabela n. 1) destinada à movimentação de recursos do FEFC, que houve débitos, por meio de desconto de cheque, nos valores de R$ 150,00 (cheques n. 5, 10 e 13), R$ 500,00 (cheque n. 8), R$ 1.000,00 (cheque n. 11) e R$ 1.200,00 (cheque n. 9), cujos beneficiários não coincidiam com as informações lançadas no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), além de saque de R$ 10,20, em um total de R$ 3.160,20.

Por outro lado, examinando as despesas declaradas no SPCE (tabela n. 2), nas quantias de R$ 150,00, R$ 1.000,00, R$ 150,00, R$ 1.200,00 e R$ 150,00, que teriam sido pagas pelos cheques n. 5, 11, 10, 9 e 13, respectivamente, a JESSICA BOEIRA GOULART, ARIANE FIGUEREDO VARGAS, JESSICA BOEIRA GOULART, JOÃO BATISTA DE SOUZA MORETTI e JESSICA BOEIRA GOULART, observou a autoridade judicial que os pagamentos a tais fornecedores, que perfazem o total de R$ 2.650,00, não figuram no extrato bancário.

Nesse contexto, somou as irregularidades e comandou o ressarcimento do montante ao erário.

Tenho que a sentença merece reforma, tanto pelos documentos acostados à peça recursal, hábeis a afastar parcela das falhas, quanto pelo método empregado na análise das falhas, que findou por ocasionar a duplicidade de glosa em relação a determinados gastos.

Passa-se, portanto, ao exame dos gastos de campanha objeto da irresignação.

Quanto ao cheque n. 8, a candidata sustenta que o prestador de serviços o depositou na conta pessoal, ao invés de deposita-lo na conta empresarial.

Com efeito, de modo a comprovar a regularidade da despesa, no valor de R$ 500,00, foi juntada a nota fiscal eletrônica pertinente, emitida em 09.11.2020, por Peluis Guterres, CNPJ n. 29.740.715/0001-62, em favor de ELEICAO 2020 GENECI NIZ MELLO CAMPOS VEREADOR - CNPJ: 38.725.753/0001-37, relativa ao fornecimento de “serviço de divulgação de campanha política no período de 02/11 a 07/11 de 2020” (ID 44902899).

Em consulta ao extrato eletrônico, constante do sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87130/210000762124/extratos, observa-se que a ordem de pagamento em tela foi compensada em benefício de PELUIS GUTERRES, CPF n. 431.448.960-04, em 10.11.2020.

Destarte, o serviço que foi realizado por microempreendedor individual acabou sendo pago à respectiva pessoa física, de modo que, na linha do parecer ministerial, inexiste óbice para o reconhecimento da regularidade do dispêndio.

Adiante, no que atina ao cheque n. 11, aduz a recorrente que a fornecedora do serviço, ARIANE FIGUEREDO VARGAS, é esposa de JOSÉ AIRTON DOS SANTOS GARCIA, juntando certidão de casamento (ID 44902895) e declaração de que o casal possui conta conjunta, em nome do varão (ID 44902894).

Verifico no sistema de contas eleitorais que tal cártula, no importe de R$ 1.000,00, foi efetivamente compensada na conta bancária de JOSE AIRTON DOS SANTOS GARCIA, CPF 891.869.580-20, em 10.11.2020.

Dessa maneira, também deve ser considerada regular a despesa, vez que comprovado o vínculo conjugal entre a fornecedora do serviço e a pessoa que consta nos registros bancários como beneficiária do pagamento.

No mesmo sentido, colaciono, abaixo, precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMPENSAÇÃO DE CHEQUE REALIZADA POR TERCEIRO. ENDOSSO. COMPROVADO O VÍNCULO CONJUGAL ENTRE O CONTRATADO E A TITULAR DA CONTA FAVORECIDA. IMPROPRIEDADE DE NATUREZA FORMAL. SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. CHEQUE NÃO CRUZADO. VIOLAÇÃO DA NORMA ELEITORAL. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. Pagamento de despesa por meio de cheque cujo débito deu-se em nome de pessoa não constante em contrato. Sanada a irregularidade, uma vez comprovado o vínculo conjugal entre o contratado e a titular da conta favorecida com o crédito. Demonstrado que os recursos oriundos do FEFC foram efetivamente destinados ao fornecedor de campanha, não tendo sido gerado embaraço à rastreabilidade da verba pública. Caracterizada impropriedade de natureza formal, incapaz de macular as contas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600297-82.2020.6.21.0124, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.10.2021.).

Desse modo, tenho por considerar regular o dispêndio de R$ 1.000,00, devendo ser decotado do total das falhas glosadas R$ 2.000,00, porquanto esse gasto constou duplamente como irregular na tabela n. 1, dos débitos lançados no extrato eletrônico sem escrituração no SPCE, e na tabela n. 2, das despesas declaradas no SPCE sem correspondência no extrato.

No que concerne ao saque eletrônico, no valor de R$ 10,20, efetuado em 28.12.2020, restou demonstrado que o mesmo montante foi recolhido ao Tesouro Nacional, na mesma data, via GRU (ID 44902900).

Consoante determina o art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, “os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas”.

A candidata alega que a “devolução dos recursos FEFC, ocorre obrigatoriamente através de GRU, guia esta aceita somente no Banco do Brasil, para realizar tal recolhimento foi necessário o saque e o pagamento da guia no Banco do Brasil”.

Diante da documentação carreada aos autos e dos esclarecimentos, tenho que, em sintonia com o parecer do Parquet Eleitoral, deve ser afastada a irregularidade.

De outra banda, no que diz respeito aos demais gastos, cujos pagamentos com verbas do FEFC foram efetuados em favor de pessoas distintas daquelas constantes dos documentos apresentados pela candidata (nota fiscal, contrato, recibo, etc.), as falhas remanescem, na linha da jurisprudência desta Corte, por infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que visa a garantir que os valores sejam direcionados diretamente aos respectivos fornecedores de campanha, de modo a viabilizar a rastreabilidade dos recursos envolvidos, devendo ser mantida a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Acerca do ponto, impende assentar que declarações subscritas pelos supostos fornecedores dos serviços ou beneficiários dos pagamentos, buscando justificar o desconto das cártulas por terceiro (IDs 44902896 e 44902898), não se prestam para evidenciar a regularidade dos gastos.

Entrementes, importa perscrutar mais detidamente esses dispêndios julgados irregulares, de sorte a se expurgar do total o montante duplamente glosado.

Com efeito, para o exame dos gastos com recursos do FEFC, há que se observar se os comprovantes das despesas e o extrato bancário da conta utilizada para movimentação dos valores possuem correspondência, de modo a se aferir se os dados expressos nos documentos apresentados para demonstrar os dispêndios, como valor e fornecedor, são compatíveis com aqueles exibidos no extrato fornecido pela instituição financeira.

Desse modo, havendo inconsistência, não satisfatoriamente justificada, há de ser reputado irregular o gasto, por ausência de devida comprovação na utilização dos recursos públicos em referência.

Contudo, não se pode, em tal hipótese, interpretar a documentação atinente àquela despesa juntada pelo candidato, que foi considerada inábil pela Justiça Eleitoral para o propósito ao qual se destinava, como indicativa da existência de um distinto dispêndio, que, por ser desprovido de registro na conta bancária, seja considerado como irregular, tendo em vista que sua quitação teria se dado com o emprego de recursos de origem não identificada.

Vale dizer, não se admite que, mirando-se um gasto eleitoral por dois ângulos diferentes, haja o duplo sancionamento.

No caso vertente, foi examinado o SPCE e o extrato bancário. Porque havia dispêndio escriturado no SPCE que não estava em harmonia com o extrato, compreendeu-se como irregular, por falha no pagamento; de outro parte, averiguando o registro bancário que representaria aquele pagamento, por não constar no SPCE com dados idênticos, foi considerado como sendo uma irregularidade distinta, que teria sido quitada por recursos não esclarecidos.

Diante dessas premissas, tenho que, conforme o extrato bancário da conta FEFC, as despesas que contêm mácula são as seguintes, no valor global de R$ 1.650,00:

a) militância e mobilização de rua, informada no SPCE como sendo prestada por JESSICA BOEIRA GOULART e quitada pelos cheques n. 5, 10 e 13, de R$ 150,00 cada, mas paga a JORGE ERNANI RIBEIRO, pelos cheques n. 5, 10 e 13, de R$ 150,00 cada, totalizando R$ 450,00.

Tais gastos foram elencados nas tabelas n. 1 e 2, resultando em falhas de R$ 900,00. Logo, deve haver a redução para R$ 450,00, que efetivamente foi o montante de recursos utilizados do FEFC que carece de adequada comprovação.

b) militância e mobilização de rua, informada no SPCE como sendo prestada por JOÃO BATISTA DE SOUZA MORETTI e quitada pelo cheque n. 9, no importe de R$ 1.200,00, mas que foi paga a SUELEN DA SILVA, pelo cheque n. 9, no importe de R$ 1.200,00.

Esse dispêndio também foi lançado nas tabelas n. 1 e 2, resultando em falhas de R$ 2.400,00, razão pela qual deve haver redução para R$ 1.200,00, montante efetivamente utilizado do FEFC sem a devida comprovação.

Assim, tendo em vista que as máculas alcançam a importância de R$ 1.650,00, que representa 21,82% do total das receitas declaradas (R$ 7.562,86), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas.

 

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, pelo conhecimento dos documentos juntados com o apelo e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, a fim de, mantendo a desaprovação das contas de campanha de GENECI NIZ MELLO CAMPOS, relativas às eleições de 2020, reduzir para R$ 1.650,00 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.