REl - 0600822-43.2020.6.21.0131 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/03/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos processuais, merece conhecimento.

No mérito, PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO, RAQUEL STROHSCHOEN DE MELLO e CLEONICE RAVANI BOSING insurgem-se contra a sentença que desaprovou as contas da agremiação relativas às eleições 2020. A irregularidade que ensejou a desaprovação das contas diz respeito à utilização de recursos de origem não identificada - RONI, recebidos por meio de dois depósitos bancários em espécie que ultrapassaram o limite de R$ 1.064,10.

A decisão hostilizada determinou o recolhimento de R$ 939,33 ao Tesouro Nacional e a perda do direito de receber quotas do Fundo Partidário ao longo de todo o ano seguinte ao da decisão.

Sublinho que a legislação eleitoral dispõe no art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Em sua defesa, a parte recorrente alega que os valores se referem a duas doações, a primeira, de candidato à eleição proporcional; e, a segunda, de doadora, em procedimentos equivocados sem que tenha havido tempo hábil para devolução.

Adianto que não assiste razão aos recorrentes.

Conforme o parecer técnico conclusivo apresentado ao magistrado da origem, as doações foram realizadas em espécie, na "boca do caixa", por meio de depósitos realizados no dia 23.11.2020,  valor de R$ 1.855,00, e no dia 15.12.2020, valor de R$ 1.213,43.

Ou seja, ambos individualmente ultrapassaram o teto regulamentar de R$ 1.064,10.

Nesse norte, ainda que os recorrentes indiquem supostos depositantes, o procedimento desatendeu ao estabelecido no texto legal, pois as doações oriundas de recursos próprios ou de terceiros devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias dos doadores e do recebedor.

A título de mero exemplo – pois o caso dos autos não parece se tratar de tal tipo de situação –, um candidato poderia receber dinheiro em espécie de uma empresa interessada em sua eleição ao cargo de vereador, repassar para qualquer pessoa física desimpedida e doar; e esta, munida do maço de notas, dirigir-se-ia até a agência bancária e depositaria na conta de campanha, declarando-se o doador.

Por tal motivo, pela necessidade de clareza absoluta relativamente à origem e ao destino dos valores manejados em campanha eleitoral, é que as circunstâncias são detalhadamente regradas, em ponto delicado no que diz respeito ao percebimento de recursos financeiros por parte de candidatos. Nesse sentido, julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo. 2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante. 3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018. 4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE. 5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes. 6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental. 7. Agravo regimental desprovido. (TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69)

Nessa linha de raciocínio, caracterizados os recursos como de origem não identificada, impõe-se a manutenção da determinação de recolhimento constante na sentença.

Destaco que o juízo de origem determinou o recolhimento da quantia excedente aos R$ 1.064,10, no caso, R$ 939,33, em posicionamento diferente do tomado por este Tribunal, que se dá no sentido de que a integralidade dos valores irregularmente doados devam ser recolhidos, de modo que a quantia a ser recolhida deveria ser de R$ 3.068,43.

No entanto, e como não houve recurso relativo ao tópico, resta inadmissível a piora da situação do partido recorrente, ainda que possa ser considerado para fins de entender inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois R$ 3.068,43 é valor que se encontra acima do parâmetro de R$ 1.064,10 visto como modesto pela legislação de regência.

Sendo que a questão foi devolvida a este Tribunal mediante as razões recusais, entendo deva ser mantida a desaprovação.

Ainda no que concerne ao aspecto sancionatório e à aplicação do postulado da proporcionalidade, verifico que o valor de R$ 3.068,43 corresponde a 14,95% da arrecadação do partido (R$ 20.518,88), não merecendo a suspensão equivalente a um ano, como determinada na sentença, devendo, em consonância ao art. 74, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, ser reduzida para 2 meses.  

No ponto, transcrevo parecer do órgão ministerial que bem esclarece a questão, e o adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Por outro lado, em que pese o recorrente não aborde diretamente a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário, requerendo apenas a aprovação das contas, “ainda que com ressalvas”, é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade na definição do prazo de duração dessa penalidade, tal como previsto no art. 74 da Resolução TSE nº 23.607/19:

Art. 74. Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 73 desta Resolução, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo (Lei nº 9.504/1997, art. 30, caput): (...)

§ 5º O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e à aplicação de recursos perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico (Lei nº 9.504/1997, art. 25). (...)

§ 7º A sanção prevista no § 5º deste artigo será aplicada no ano seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que desaprovar as contas do partido político ou do candidato, de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) a 12 (doze) meses, ou será aplicada por meio do desconto no valor a ser repassado da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão caso a prestação de contas não seja julgada pelo juízo ou tribunal competente após 5 (cinco) anos de sua apresentação (Lei nº 9.504/1997, art. 25, parágrafo único).

 

Essa é, igualmente, a jurisprudência deste e. TRE-RS, que aponta no mesmo sentido, como se observa a seguir:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2018. INOBSERVÂNCIA DA DESTINAÇÃO DE RECURSOS NO PERCENTUAL MÍNIMO DE 30% PARA CANDIDATURAS FEMININAS. PRELIMINARES. PARECER TÉCNICO. CARÁTER OPINATIVO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. CONSECTÁRIO LEGAL DA PRÁTICA DA IRREGULARIDADE. ANISTIA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - ARTS. 55-A A 55-D DA LEI N. 9.096/95. CAMPO DE INCIDÊNCIA. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE EXERCÍCIOS FINANCEIROS. MÉRITO. RECURSOS DESTINADOS PARA FOMENTO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. INOBSERVÂNCIA. RECOLHIMENTO DOS VALORES IRREGULARES. SUSPENSÃO DE RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. (...)

4. O valor que deixou de ser direcionado ao custeio de candidaturas femininas deve ser transferido ao Tesouro Nacional, no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de adoção dos procedimentos pertinentes de cobrança, nos termos do art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. A infringência também importa a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, a qual, atendendo ao parâmetro de proporcionalidade a partir do percentual total da irregularidade (17,18%), resta fixada pelo período de 02 (dois) meses, que deverão ser cumpridos no ano seguinte ao que se efetivar o trânsito em julgado da presente decisão de desaprovação das contas, consoante o art. 77, §§ 4º e 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

5. Desaprovação. (Prestação de Contas n 060221746, ACÓRDÃO de 27.11.2020, Relator(aqwe) ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE )

Dessa forma, tendo em vista que as irregularidades atingiram 14,95% do total das receitas do partido, julgo que o prazo de suspensão das quotas do Fundo Partidário merece ser proporcionalmente reduzido e fixado em 2 (dois) meses.

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso para reduzir a suspensão de quotas do Fundo Partidário para 2 (dois) meses, mantendo a desaprovação das contas.