REl - 0600533-32.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/03/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, a sentença desaprovou as contas de ERICA COITINHO XAVIER e determinou-lhe o recolhimento de R$ 574,98 aos cofres públicos, consoante excerto a seguir reproduzido:

A matéria posta nos autos é prevista nos artigos 28 e seguintes da Lei n. 9504/97 e está regulamentada, para as Eleições 2020, na Resolução TSE n. 23.607/2019.

Os processos de prestações de contas têm o escopo de permitir o controle, tanto pela Justiça Eleitoral, quanto pela sociedade, acerca dos recursos arrecadados e dos gastos efetuados durante a campanha eleitoral, de modo a conferir máxima lisura e legitimidade ao pleito.

No caso dos autos, verificou-se a ausência de documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019 e o atendimento apenas parcial das exigências da legislação eleitoral. Embora não se tenha constatado o recebimento de recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada, foi apurado descumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Consoante parecer conclusivo, a candidata, utilizando-se de recursos do FEFC, efetuou dois pagamentos, através de cheque, no valor de R$ 574,98, cada um, sem observar as prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 (pagamento por meio de cheque nominal cruzado).

Mesmo intimada, a candidata não juntou aos autos cópias dos cheques, documentos hábeis a comprovar a regularidade dos pagamentos.

Embora tenham sido apresentados contratos de prestação de serviço em nome de Maria Auzira Motta Machado e Carlos Alex Coitinho da Rocha, cada um no valor de R$ 574,98, tais instrumentos não são suficientes para suprir a falha quanto à modalidade utilizada na realização dos gastos dos recursos do FEFC. Inclusive, o contrato em nome de Maria Auzira sequer comprova a contratação do serviço, já que não está assinado pela contratada.

Assim, a falha identificada nos autos é grave, já que frustra a fiscalização da Justiça Eleitoral sobre as contas, e, por ter atingido a totalidade dos recursos públicos arrecadados, é suficiente para acarretar a desaprovação.

Por outro lado, considerando a apresentação do contrato, devidamente assinado, em nome de Carlos Alex Coitinho da Rocha, deixo de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional quanto respectivo valor, uma vez que não restou configurada a hipótese do art. 79, § 1ª, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Pelo exposto, julgo DESAPROVADAS as contas da candidata ERICA COITINHO XAVIER, referentes às Eleições 2020, com fulcro no art. 74, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019, e determino o recolhimento de R$ 574,98 ao Tesouro Nacional, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança, conforme artigos 79, § 1º, da resolução.

Em consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, percebe-se, a partir do exame do extrato eletrônico da conta bancária referente aos recursos do FEFC (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87912/210001240282/extratos), que, relativamente aos cheques n. 850010 e 850012, no importe de R$ 574,98 cada, supostamente empregados para pagamento de dispêndios de campanha contratados com MARIA AUZIRA MOTTA MACHADO e CARLOS ALEX COITINHO DA ROCHA, consta no campo “histórico” o registro de “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGENCIA”, sem especificação do CPF da contraparte.

Consoante constou da sentença, foi a candidata intimada a apresentar cópia das cártulas, o que poderia comprovar a regularidade dos pagamentos, mas quedou inerte.

Com efeito, a forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal ao fornecedor, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa a impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados no ajuste contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

In casu, os documentos juntados não evidenciam que os recursos públicos foram efetivamente destinados aos prestadores de serviços declarados, porquanto não consta no extrato bancário o nome dos beneficiários dos dois pagamentos de R$ 574,98, tampouco foi juntada cópia da cártula empregada para quitação da despesa.

Demais disso, o contrato de prestação de serviços ajustado com MARIA AUZIRA MOTTA MACHADO não se presta a qualquer comprovação, eis que desprovido da necessária assinatura da fornecedora.

Desse modo, ausente a devida demonstração da escorreita utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de a candidata proceder ao ressarcimento do Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assinalo que, conquanto tenham sido glosados pelo juízo singular ambos os dispêndios retroanalisados, foi comandada a devolução ao erário somente do que tange ao gasto cujo contrato carece de assinatura, de sorte que a situação da recorrente não pode ser agravada nesta instância, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.

Colho o ensejo para transcrever fragmento da judiciosa manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

A candidata não apresentou nos autos documentação comprobatória que ateste a lisura das despesas eleitorais. Um dos contratos de prestação de serviços apresentados, sem assinatura do contratado, não comprova sequer a contratação, muito menos a prestação de serviço, e, de todo modo, a maneira como feito o pagamento, por cheque não cruzado, não atende a previsão do art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Nesse ponto, embora a recorrente alegue que a compensação do cheque ocorreu no mesmo dia do depósito e que seria possível identificar o contratado pelo CPF, as informações constantes do extrato bancário, disponíveis no Divulgacand, não evidenciam tal correspondência. Ao contrário, não há no extrato eletrônico a identificação da contraparte, não se podendo, portanto, garantir que o cheque emitido beneficiou a pessoa contratada.

(...)

Ressalte-se que a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional deveria abranger todo o montante irregular; porém, na ausência de recurso do Parquet, não há como rever a sentença que considerou em parte comprovada a utilização dos recursos do FEFC, haja vista a proibição de reformatio in pejus. Isso não impede, porém, que o total das irregularidades seja considerado para o juízo de desaprovação das contas.

Nesse sentido, considerando que o valor das irregularidades soma R$ 1.149,96, sendo superior a 90% dos recursos arrecadados para a campanha e ultrapassando o teto (R$ 1.064.10) estabelecido pela jurisprudência dessa Corte para aprovação com ressalvas, deve ser mantida a sentença que desaprovou as contas da recorrente.

Assim, as falhas identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 1.149,96 (R$ 574,98 + R$ 574,98), cifra que representa 91,12% das receitas declaradas (R$ 1.262,00), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto da contabilidade, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

Destarte, impõe-se a manutenção do decisum que rejeitou as contas de campanha de ERICA COITINHO XAVIER e lhe determinou a restituição de R$ 574,98 aos cofres públicos.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.