REl - 0600967-11.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/03/2022 às 14:00

VOTO

A preliminar de nulidade da sentença, em decorrência do indeferimento da juntada de documentos e reinquirição de testemunha, confunde-se com o mérito da demanda.

Na inicial, os investigantes requereram a oitiva da testemunha Paulo de Almeida Fochi, eleitor que teria tido seu voto comprado, conforme declaração desse, registrada no vídeo juntado com a exordial, denominado “VÍDEO 2 PAULO FOCHI – RANCHO” (ID 43548583). Esse vídeo foi mostrado para a testemunha na audiência realizada no dia 28 de junho de 2021, que negou ser a pessoa que constava na gravação. Ao ser questionado se usava óculos, respondeu negativamente, quando no vídeo aparecera de óculos. Diante da afirmação da testemunha, peticionaram nos autos requerendo a juntada de documentos que comprovariam o falso testemunho, pugnando pela reinquirição de Paulo de Almeida Fochi. O pedido foi indeferido pelo juízo, inclusive com a determinação de desentranhamento dos documentos (ID 43553383). Assim, os investigantes alegam que houve falso testemunho, juntam provas e pedem a reinquirição da testemunha.

Na espécie, a magistrada indeferiu a reinquirição da testemunha e a juntada de novos documentos diante do encerramento da produção de prova, em cumprimento ao disposto no art. 22 da LC n. 64/90 e ao seu mister de condutora do feito, detentora da prerrogativa de acolher os requerimentos de produção das provas, podendo indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Essa prerrogativa ainda é mais evidente quando se trata de repetição de uma prova já produzida e que seria absolutamente despicienda para o esclarecimento do fato.

Com efeito, pretendiam os recorrentes comprovar o delito de falso testemunho por Paulo de Almeida Fochi, matéria de natureza criminal, cuja apuração não se coaduna com o objeto destes autos.

Além disso, a reinquirição da testemunha Paulo de Almeida Fochi, referente ao FATO 2 - COMPRA DE VOTOS. FORNECIMENTO DE RANCHO PARA ELEITOR da peça exordial, seria inútil e não contribuiria para a procedência da ação por dois motivos: a) por ser testemunha singular (art. 368-A do CE); e b) porque no vídeo não há referência de que a vantagem (rancho) teria sido oferecida em troca de voto.

O art. 368-A, incluído ao ordenamento jurídico eleitoral por meio do art. 4º da Lei n. 13.165, de 2015, assim dispõe:

 

Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

 

Ressalto ser possível a comprovação de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder por prova exclusivamente testemunhal, desde que, por intermédio dela, seja demonstrada, de maneira incontroversa, a ocorrência do ilícito eleitoral, e que não seja uma única testemunha.

Sobre o tema, colaciono a seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. ALEGATIVAS DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E DE ABUSO DE PODER. PROVAS EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. INSIFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS CABAIS DO ILÍCITO. IMPROCEDÊNCIA DOS PLEITOS EXORDIAIS. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral inserido na legislação pelo art. 4 da recente Lei 13.165/2015, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar a perda do mandato.

2. Não há como aplicar as abrangentes sanções atinentes à AIJE, que exige demonstração inequívoca de autoria e materialidade do ilícito, com base em prova testemunhal contraditória e nitidamente frágil.

3. Quando as provas constantes dos autos não são suficientes para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, forçoso reconhecer a improcedência dos pleitos exordiais.

4. Recurso conhecido e não provido.

(TRE-PI- AIJE: 55694 CORONEL JOSÉ DIAS – PI, Relator: DANIEL SANTOS ROCHA SOBRAL, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 18, Data 31.01.2018, página 3.) (Grifo nosso)

 

É no mesmo sentido a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97.ELEIÇÕES 2016. PREFEITO E VICE. CANDIDATOS ELEITOS. PRELIMINAR DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ACOLHIDA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. PARTICIPAÇÃO NA FORMA DE CIÊNCIA OU ANUÊNCIA, NA COMPRA DE VOTOS POR TERCEIROS. AUSENTE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO

1. Preliminar de concessão de efeito suspensivo acolhida. Por força do art. 257, § 2º do Código Eleitoral, recurso recebido no duplo efeito.

2. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato. No caso, o juiz sentenciante fundamentou a condenação com base unicamente no depoimento de dois eleitores supostamente aliciados. Improcedência da ação.

2.1. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por terceiros, não candidatos. Ausente prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta ilícita não se admitem meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e o proveito eleitoreiro, devendo ser afastadas as condenações impostas. Provimento do recurso. Reforma da sentença.

(TRE-RS- RE: 55420 – SEGREDO/RS, Relator: Dr. Silvio RONALDO SANTOS DE MORAIS, Data de Julgamento: 17.7.2018, Data de Publicação: DEJERS Diário de Justiça Eletrônico TRE-RS, Tomo 129, Data 20.7.2018, Página 7.) (Grifo nosso)

 

Note-se que no vídeo sob ID 43548583 -VÍDEO 1 MULHER 2, nome do arquivo: VÍDEO 2 – PAULO FOCHI - RANCHO, em que figura a testemunha Paulo Fochi, não há sequer menção de que a oferta teria como objeto o seu voto.

Apesar de a testemunha afirmar a oferta do rancho, não há absolutamente nenhuma referência a pedido de voto a qualquer candidato, pelo que se constata da transcrição que segue:

 

(ESPOSA PAULO) Temo, é eu que eu acho que tenho que fazer a cirurgia de novo,

(VOZ MASCULINA) Mas falou com o Rogerio né disso?

(PAULO) Eu falei o Rogerio teve duas vezes aí, e daí eu não daí né eles ficaram de agendar e eu nem fui fazer a revisão ainda, entendeu

(VOZ MASCULINA) Sim né, ele

(PAULO) Um dia, eu vo te contar bem a verdade, um dia eles vieram aqui, nóis nem sabia pra nóis ir, e era pra ser as duas horas lá e eles vieram era quase uma e meia, era uma e vinte, Era uma e vinte e cinco, Vinte e cinco eu nem banho não tinha tomado, sujo, como que eu ia adivinhar daí ficaram brabo comigo, ma como que eu vou adivinhar, oia eu tenho telefone ela tem telefone, ligasse né

(VOZ MASCULINA) Sim!

(PAULO) O dela é de linha o meu é de cartão o dela eu pago 55,00 de telefone por mês, e daí eu não sei

(VOZ MASCULINA) Mas o senhor combinou com ele né da?

(PAULO) Oi?

(VOZ MASCULINA) Combinaram com ele né?

(VOZES) Pra?

(VOZES) da....

(VOZ MASCULINA) sim!

(ESPOSA PAULO) E dai ele tá esperando, mas não ligaram mais pra ele ir fazer lá em Marau com o médico que fez a cirurgia fazer a revisão

E eu vou dizer home do céu to com um monte de remediama, não quando que eu comprei que nóis fumo para receber e daí eu não recebi Sexta

É, sexta vocês não leva a mal que eu vou limpar aqui, passar um paninho né, mas eu e daí home do céu eu não sei se to encostado ou não to, arrecebi uma vez

(VOZ MASCULINA) Ta mas eles te deram uma mão né?

(PAULO) Deram, não isso aí sim né, deram deram i deram, eu vou dize pra vocês, eles mandaram nóis pega o rancho na segunda depois das eleição o Rogeiro veio na quinta aqui, convidei eles pra almoça tava fazendo a comida era eu que tava fazendo

(VOZ MASCULINA) Daí prometeu o rancho?

(PAULO) É, e dai eles não quiseram eles disseram que tavam com pressa, e daí não almoçaram aqui né, não não dinheiro não,

(VOZ MASCULINA) Não, rancho deu?

(PAULO) Deu deu nós fumo na segunda depois das eleição ele disse bem aqui, ele sentado ai e eu aqui o de pé, daí ele disse, segunda feira vocês podem irem buscar o rancho lá no seu Ivan, que já tava lá, daí nóis fumo lá, fumo mesmo porque nóis tava numa pior né, eu conto a verdade fuma lá mesmo, daí falei com o seu Ivan, dai falemo com ele lá na pracinha, com o Rogério mesmo né, que nóis viemo ne, é eu disse nós já falemo com o seu Ivan, só ele disse que é pra ficar quieto, nóis peguemo lá, só eles lá e a Dona Geni disse que não era pra conta pra ninguém, eu disse mas a gente sabe né.

(VOZ MASCULINA) Não da pra fala.

(PAULO) Não não, não contemo pra ninguém, só agora pra vocês porque né. Viu e daí que nem nós tava te contado eu fiz a perícia foi quarta feira né, quarta feira até agora não sei o resultado nóis fumo lá pra falar com a Marilise, daí ela não tá dai ficaram de me dá uma resposta hoje né qualquer coisa que sabia de lá do INSS eu peguei uma perita sabe.

 

Ademais, em audiência, a testemunha Paulo Fochi afirma não ser a pessoa que aparece na gravação e não ter conhecimento do vídeo. Com relação ao suposto rancho, alegou que ninguém lhe ajudou com dinheiro, sendo ele mesmo quem pagou pelas mercadorias adquiridas no mercado. Negou ter sido procurado em sua residência com pedidos de votos, ou para falar sobre as eleições, ou ter tido suas contas pagas por algum político.

Ainda, mesmo que no vídeo fosse realmente a testemunha Paulo Fochi, cuida-se de depoimento isolado e único, não constituindo prova suficiente a caracterizar a captação ilícita de votos, que exige acervo probatório robusto e contundente para sua comprovação:

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. COMPARECIMENTO DE CANDIDATO EM EVENTO GRATUITO, COM DISTRIBUIÇÃO DE COMIDA E BEBIDA. TESTEMUNHAIS CONTRADITÓRIOS. DISCURSO. IRRELEVÂNCIA. DOLO ESPECÍFICO. NÃO COMPROVADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a cassação do diploma. Dada a gravidade da pena, faz-se mister a existência nos autos de conjunto probatório apto a demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito.

2. O simples fato de o candidato se fazer presente em festividade não gera a presunção de que se trata de evento com fins eleitorais, mormente por não ser vedado, na legislação eleitoral aplicável, o comparecimento de candidato em evento festivo que não envolva a inauguração de obra pública nos 3 meses que antecedem o pleito ou a realização de showmício.

3. A realização de churrasco, com o fornecimento de comida e bebida de forma gratuita, acompanhada de discurso do candidato, não se amolda ao tipo do art. 41-A da Lei 9.504/97. Precedente: RCEd 766 [31791-37]/SP, Rel. Min. MARCELO RIBEIRO, DJe 10.5.2010.

4. Para que seja caracterizada a captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto do eleitor.

5. Na espécie, depreende-se do acervo probatório que o recebimento da vantagem - materializada na distribuição gratuita de comida e bebida - não foi condicionado à obtenção do voto, o que afasta a incidência do art. 41-A da Lei das Eleições, porquanto não demonstrado o especial fim de agir da conduta.

6. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 796257, Acórdão de 20.10.2016, Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Páginas 49-50.) (Grifo nosso)

 

[…]

Prefeito. Vice-prefeito. Vereador. Abuso do poder econômico. Captação ilícita de sufrágio [...]. Nos termos da jurisprudência cristalina desta Corte, a caracterização do ilícito do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 demanda a existência de prova contundente de que a doação, a oferta, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos. 4. Na espécie, o Tribunal Regional, a partir dos depoimentos testemunhais e das demais evidências carreadas aos autos, reconheceu a ausência de prova robusta quanto à finalidade eleitoreira do programa de limpeza de fossas sépticas, disponibilizado pela prefeitura, tendo em vista que: i) o serviço ocorreu também nos anos anteriores; ii) a seleção dos beneficiários se deu por meio da associação de moradores; e iii) inexistem indícios de campanha eleitoral ou pedido de votos [...]”

(TSE, Ac. de 28.3.2019 no AgR-AI nº 80154, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, a percuciente análise realizada pela magistrada a quo, que bem demonstra a escassez probatória em relação a todos os fatos que envolvem a demanda (ID 43554233):

 

[…]

FATO 1. DA COMPRA DE VOTOS. PROMESSA DE PAGAMENTO DE R$ 500,00

Narrou a inicial que o então candidato, Rogério Azeredo, foi pessoalmente à casa da eleitora Marilene Gonçalves da Rosa dos Santos, e lhe prometeu o pagamento da quantia de R$ 500,00 para que ela votasse nele, e que até hoje a promessa não estaria cumprida.

Há transcrições de uma conversa, conforme mídia juntada aos autos, em que a eleitora foi gravada dizendo que comentou com o político que precisava de R$ 500,00 para o pagamento de uma dívida que mantinha com a farmácia, sendo que o mesmo disse que se ganhasse as eleições a ajudaria.

Ouvida em audiência, Marilene disse que reside no Município de Mato Castelhano e que já morou na comunidade de Santo Antônio dos Gregolos. Afirmou que uma pessoa chamada Andrigo foi até a sua residência "inventar" história sobre o Prefeito Rogério, salientando que a depoente falasse que havia recebido dinheiro do mesmo. Foi orientada a falar mal de Rogério, sob a promessa de que Silvana, esposa do Prefeito anterior, lhe daria dinheiro. Disse não ter recebido dinheiro para votar no então candidato Rogério, sendo que Andrigo lhe orientou a falar isso, e que se o acusasse lhe daria o dinheiro, mas que não recebeu nada. Que seu ex-esposo disse que receberia algo, mas que também não recebeu, e que chegou a pedir dinheiro para Rogério, mas o mesmo negou-se, aduzindo ser compra de voto. Disse não saber que havia sido gravada. Confirmou que Rogério não lhe prometeu nada e que mentiu no vídeo ao dizer que recebeu dinheiro.

FATO 2. DA COMPRA DE VOTOS. FORNECIMENTO DE RANCHO PARA ELEITOR

Aduzem os requerentes que Paulo de Almeida Fochi, residente na Comunidade Rincão da Esperança, em Mato Castelhano, afirmou, em gravação transcrita na inicial, que recebeu um "rancho" em troca de voto em favor do então candidato Rogério, que foi retirado junto à um mercado local no dia seguinte às eleições, conforme previamente acordado entre o candidato e a proprietária, sendo que deveria ser mantido segredo acerca das entregas e recebimentos.

Em audiência, a testemunha Paulo disse que ninguém lhe ajudou com dinheiro, sendo ele mesmo quem paga suas contas. Negou ter sido procurado em sua residência com pedidos de voto. Não tem conhecimento sobre a gravação do vídeo, não sendo a pessoa que aparece no vídeo. Aduziu que foi ele quem pagou pelas mercadorias adquiridas no mercado, e que nenhum político pagou suas contas. Por fim, afirmou que ninguém lhe procurou para falar sobre as eleições.

Ainda, a testemunha Ivan Araújo disse que mora em Mato Castelhano e não soube informar nada acerca dos fatos narrados. Disse que é o proprietário do mercado e que conhece Paulo Fochi, que é seu cliente, e que Rogério nunca pagou nenhum conta em nome de Paulo no seu estabelecimento.

FATO 3. DA COMPRA DE VOTOS. PROMESSA DE PEÇAS PARA VEÍCULO DO ELEITOR

Segundo consta a exordial, a pessoa não identificada que teria gravado os vídeos manteve contato com o eleitor João Francisco Alves da Rosa, o qual teria afirmado que o então candidato Rogério lhe prometeu o fornecimento de peças automotivas para o conserto de seu veículo, fato esse que também teria sido confirmado pelo eleitor Adilson.

Questionada, a testemunha disse em audiência que reside em Mato Castelhano e que foi conduzido à audiência por um servidor da Secretaria Municipal de Saúde. Afirmou que não se lembra de alguém com ninguém acerca de eventual ajuda, e que não recebeu nada de Rogério em troca de voto. Contou que Andrigo e sua esposa gravaram o vídeo, sendo que ele trabalhava na Prefeitura, e que Silvana iria lhe dar dinheiro, segundo informação de Andrigo. Por fim, afirmou que Rogério não prometeu a entrega de nenhum dinheiro.

FATO 4. DA COMPRA DE VOTOS. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. PROMESSA DE BENEFÍCIOS AO ELEITOR

Narrou a inicial que houve indução à alteração do domicílio eleitoral em troca de benefícios, como preferência no atendimento à saúde e uma casa. Que os eleitores abordados, em verdade, residem em Passo Fundo, tendo sido, inclusive, providenciado um contrato falso de trabalho para servir como comprovante de residência em Mato Castelhano. Que os eleitores foram procurados por pessoas ligadas à candidatura de Rogério Azeredo e pelo vereador eleito Adilson Ribeiro Soares.

Consoante depreende-se do depoimento da testemunha Marilene Alves de Oliveira, a mesma alega que reside em Passo Fundo, sendo que foi procurada antes das eleições por uma pessoa chamada Elton, que esteve em sua residência acompanhada da esposa. Que o casal ofereceu R$ 100,00 para ela e R$ 100,00 para seu marido para votar, e que o dinheiro foi dado pela esposa do candidato que era o então Prefeito, mas que perdeu as eleições. Disse que não recebeu nenhuma visita de Rogério ou de Adilson, e que quem visitou a sua casa foi "a outra turma". Disse que não autorizou a gravação e nega a transferência de moradia, sendo que as pessoas moram em Passo Fundo mas votam em Mato Castelhano. Negou ter deixado documentos com outra pessoa para que fosse feita a transferência do título, e afirmou ter mentido no vídeo, pois estava sendo pressionada. Afirmou não possuir nenhum parente que trabalhe na Prefeitura de Mato Castelhano e que morava no referido Município na casa da sogra, que após ser vendida, mudou-se para Passo Fundo.

A testemunha Vilson de Olivera, por sua vez, que é marido de Marilene, confirmou que o casal reside em Passo Fundo, sendo que o casal mudou-se para Mato Castelhano, retornando à Passo Fundo. Aduziu que transferiram o título de eleitor para Mato Castelhano quando lá foram residir em razão de atendimento de saúde, pois necessita de alguns cuidados diários, sendo que em Município menor é melhor, e que não transferiu novamente o título à Passo Fundo em razão do inverno e da pandemia. Afirmou que tomou conhecimento das gravações em momento posterior, pois não sabia no momento que estava sendo gravado. Disse que recebeu a visita de Elton, seu conhecido, e do candidato Alexandre, tendo conversado sobre as propostas, e que quando os mesmos foram embora, deixaram vários santinhos com dinheiro no meio, e que o dinheiro foi usado. Que três dias antes das eleições compareceram em sua casa para conversar Elton e Roberta, candidata a vereadora, deixando novamente dinheiro e combinando de buscar o depoente para votar no dia das eleições. Afirmou que conhecia os projetos dos candidatos, concluindo que os do candidato Rogério eram melhores, confirmando que votaria nele novamente quanto fosse necessário. Que não pegou carona com ninguém no dia das eleições, e que não foi bem interpretado na conversa objeto das gravações. Questionado, disse que os materiais para seus curativos diários são fornecidos pelo Município de Passo Fundo, e que Rogério não lhe fez nenhuma promessa de vantagem, apenas apresentou projetos de governo. É amigo do primo de Rogério. Asseverou que quando transferiu o título de eleitor para Mato Castelhano em razão da utilização dos serviços de saúde, foi acompanhado pelo proprietário da localidade onde iria residir.

Como se vê, inobstante o alegado, não há comprovação da falsidade do contrato de trabalho apresentado pelas testemunhas, que inclusive alegaram versão plausível à transferência noticiada, tampouco nominata dos eleitores residentes em Passo Fundo que, sem vínculo algum teriam transferido seu domicilio eleitoral.

A prova, portanto, inexiste, e a mera alegação em sede de inicial não se presta a demonstrar o ilícito apontado.

FATO 5. DA COMPRA DE VOTOS. DOAÇÃO DE CARNE PARA FESTA

Afirmam os autores que, conforme as gravações anexas ao feito e cujos trechos foram degravados, o eleitor Vilson de Oliveira refere que o vereador eleito Adilson Soares Ribeiro lhe prometeu a fornecer carne para um churrasco, autorizando-o a convidar até 20 pessoas. Que o então candidato teria levado ao encontro cerca de seis a sete quilos de carne de javali, comprometendo-se a levar novamente no aniversário do próximo ano, em 2021. Que durante a festa apareceram Rogério e Vanderlan, e que também teve música ao vivo patrocinada pelos integrantes da coligação.

Sobre esse fato, foi ouvida a testemunha Abdias Felipe Franco, que afirmou quer ido à um jantar com um amigo, no qual foram feitos comentários sobre fatos havidos em Mato Castelhano. Contou que cria cavalos e que um amigo iria correr, pelo que fizeram uma posta em conjunto. Ato contínuo, compareceram à residência de Vilson para verificar o tempo do cavalo, o qual revelou que teria havido compra de votos e que muitas pessoas iriam votar em Mato Castelhano. Disse que ao questionar Vilson sobre a política local, o mesmo teria dito que a eleição de Mato Castelhano foi ganha em Passo Fundo, pois 14 pessoas votavam lá. Por fim, contou que o Prefeito eleito é quem teria feito a compra de votos. Negou ter havido pressão no momento das gravações, confirmando àquela que consta nos autos.

FATO 6. DA COMPRA DE VOTOS. PROMESSA DE CONSTRUÇÃO DE BANHEIRO E DOAÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

Afirma a inicial que, conforme as mídias juntadas, fica comprovado que vários eleitores receberam a promessa de construção de banheiro e doação de materiais de construção, tendo participado da conversa Lúcio Fernandes, Adelar da Rosa e Júlia da Rosa Fernandes.

Ouvida em juízo, Júlia afirmou que não foi procurada por nenhum político em troca de votos. Disse que após as eleições, Andrigo foi até a sua casa afirmando ter sido mandado por Rogério, lhe perguntando se precisava de ajuda. Que Rogério e Rejane nunca lhe ofereceram nada. Disse, ainda, que como é uma pessoa pobre chegou a pedir ajuda, mas que eles nunca lhe ofereceram nada, e que foi obrigada a falar.

FATO 7. DA COMPRA DE VOTOS. PROMESSA DE BANHEIRO E EMPREGO DE MOTORISTA

Quanto à este fato, aduzem os autores que houve promessa por parte de Rogério para construção de banheiro em sua casa além de um emprego de motorista na Prefeitura, tendo participado desta conversa, de igual forma, Lúcio, Adelar e Júlia.

Nenhuma testemunha foi questionada ou falou a respeito desse fato de forma específica.

FATO 8. DO USO DE BENS PRIVADOS. PROMESSA DE 50 VAGAS DE EMPREGO. TRANSFERÊNCIA IRREGULAR DE DOMICÍLIO ELEITORAL DE EMPRESÁRIA

Por fim, há informação na inicial de que a sócia proprietária da empresa ADG Plásticos, Juliette Gaspareto, que atua no ramo de peças agrícolas com sede em Passo Fundo, foi procurada pelo então candidato a Prefeito Rogério Azeredo. Que a mesma participou da campanha de candidatura do político, afirmando que tinha a intenção de instalar a sua empresa em Mato Castelhano, promovendo a geração de 50 novos postos de trabalho.

Aduz, ainda, que meses antes das eleições a sócia proprietária da empresa, que reside em Passo Fundo, transferiu seu título eleitoral para o Município de Mato Castelhano, bem como que fora, utilizados bens particulares na campanha, que vai de encontro aos ditames da legislação de regência.

Da mesma forma, nenhuma testemunha foi questionada ou falou a respeito desse fato de forma específica.

 

Por derradeiro, a exemplo do que consignou a magistrada na sentença, ainda que consideradas lícitas as gravações ambientais realizadas, sem o consentimento dos eleitores, matéria pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal, o contexto probatório é frágil e duvidoso, sendo que as testemunhas, quando ouvidas em juízo, afirmaram indução e pressão “a mentir” (ID 4354233):

[…]

Os depoimentos colhidos em juízo das testemunhas arroladas contradizem as falas obtidas através das gravações acostadas junto da inicial, o que as tornam fracas. Sem contar, ademais, que alguns dos fatos narrados sequer foram abordados quando da instrução. E quanto à alegação de transferência de domicílio da empresária Juliette, de igual forma a prova documental é um tanto quanto incoerente, uma vez que a mesma é sócia proprietária de uma empresa de produtos agrícolas, sendo que a "tela" do facebook juntada, cujo perfil pessoal traz o mesmo nome da empresária e tem o fim de comprovar que reside em Passo Fundo e não em Mato Castelhano, informa a profissão "psicóloga", presumindo-se que não se trata da mesma pessoa, sendo caso de homônimo.

Por fim, e não menos importante, vale ressaltar que a única prova que embasa a inicial são as referidas gravações, que ao que ficou demonstrado, foram obtidas sem o consentimento dos eleitores, ou seja, valeu-se de pessoas humildes, que foram abordadas dentro das suas residências ou nos seus locais de trabalho. Em audiência perante o juízo, confirmaram que foram induzidas e até pressionadas a mentir.

 

Nesse sentido, recente julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS À REELEIÇÃO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADOR. AFASTADAS AS MATÉRIAS PRELIMINARES. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE DA PROVA. INOVAÇÃO NAS RAZÕES DE RECURSO. MÉRITO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS. NÃO CARACTERIZADO O DELITO. CONDUTA REPROVÁVEL DOS ELEITORES. IMPOSSIBILIDADE DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. AUSÊNCIA DE LESÃO À LIBERDADE DE SUFRÁGIO. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação pela prática de captação ilícita de sufrágio proposta em face de então candidatos à reeleição aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, nas eleições 2020, por entender insuficiente a prova quanto à configuração da infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

2. Afastada a matéria preliminar. 2.1. Gravação ambiental. Diante da introdução do art. 8º-A da Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova. Mantida a jurisprudência deste Tribunal, em obediência ao art. 926 do Código de Processo Civil, no sentido da licitude da prova. 2.2. Alegada inovação nas razões de recurso quanto ao relato das circunstâncias fáticas. Não se trata propriamente do apontamento de fatos novos, mas de narrativa contundente e assertiva, na tentativa de reversão do juízo absolutório. Uso de descrições diferidas relativamente à exposição delineada na petição inicial sem, contudo, desbordar do cerne da demanda.

3. Para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que, segundo a jurisprudência do TSE, são a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer), a existência de uma pessoa física (eleitor) e o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

4. Na hipótese, o contexto de toda a prova carreada aos autos, não apenas a gravação ambiental, mas também os testemunhos prestados e os demais documentos, permite concluir que desde o início houve a finalidade de que os candidatos recorridos fossem condenados por compra de votos. Forjada como tal, a ilicitude foi afastada pela existência de verdadeira “trama”, em situação onde não há, sequer em hipótese, lesão à liberdade de sufrágio. Conduta reprovável de eleitores que denota a impossibilidade de ofensa ao bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

5. Provimento negado.

(TRE-RS, Rel 0600581-56.2020.6.21.103, Relator: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 20.10.2021.) (Grifo nosso)

 

Dessarte, deve ser mantida integralmente a sentença de improcedência da ação, diante da ausência de provas robustas e incontroversas, capazes de comprovar a prática dos ilícitos eleitorais.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.