REl - 0600113-10.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Do Mérito

Trata-se de recurso interposto por SILVANA GOMES BARRETO, candidata ao cargo de vereadora no Município de Porto Alegre/RS, contra sentença que desaprovou suas contas e determinou o recolhimento do valor de R$ 1.620,00 ao Tesouro Nacional, em razão de pagamentos efetuados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), por meio de cheques sem a devida identificação da contraparte, em contrariedade ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução o TSE n. 23.607/19.

De acordo com as informações constantes do sistema divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210000841566/extratos), os pagamentos referem-se às despesas pagas com os cheques n. 850001, 850004 e 850005, no valor de R$ 540,00 (quinhentos e quarenta reais) cada, compensados em 18.11.2020, em relação aos quais não há indicação dos CPFs das contrapartes nos extratos bancários.

Em suas razões, a candidata afirma que as despesas se referem a três contratações de serviços de militância, todas regularmente efetuadas, conforme documentação apresentada quando do envio da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Embora a prestadora tenha acostado aos autos recibos particulares de pagamento por prestação de serviços, correspondentes às operações em análise (IDs 44895237, 44895238 e 44895234), os extratos bancários não identificam os beneficiários dos créditos, de modo que não há comprovação de que os gastos foram realizados por meio de cheques nominais e cruzados, consoante prescreve o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

 

A exigência normativa, ao prescrever a emissão de cheque tanto nominal quanto cruzado, visa a impor o trânsito entre contas dos valores manejados em campanha, possibilitando que se verifique se os recursos foram realmente direcionados ao contratado indicado na documentação contábil e permitindo a rastreabilidade das quantias, bem como a confrontação da sua movimentação com informações de outros órgãos do Sistema Financeiro Nacional.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do título de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

In casu, a apresentação dos recibos de pagamentos não supre a inobservância do correto preenchimento dos títulos de crédito, pois resta incontroverso que os cheques foram descontados sem a identificação das contrapartes que teriam descontado os cheques em questão.

Essa circunstância inviabiliza a comprovação de que os recursos empregados em campanha foram efetivamente destinados às pessoas supostamente contratadas pela candidata, uma vez que há necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. FORMA INDEVIDA DE PAGAMENTO. CHEQUE NÃO CRUZADO. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ALEGAÇÃO DE DESCUIDO E JUNTADA DE NOTA FISCAL INSUFICIENTES. IRREGULARIDADE DE ELEVADO VALOR ABSOLUTO. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de realização de gastos por meio de cheque nominal não cruzado. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Pagamento de despesa com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, via cheque não cruzado, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A apresentação da nota fiscal não supre a inobservância do correto preenchimento do título, pois resta incontroverso que o cheque foi repassado a terceiro estranho à relação contratual, circunstância que inviabiliza a comprovação do pagamento.

3. Falha em percentual de 39,52% do total declarado e de valor absoluto elevado, não autorizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para atenuar o juízo de desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060021265, ACÓRDÃO de 23.9.2021, Relator: DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Assim, caracterizada irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC, o montante deve ser restituído ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, no caso concreto, a quantia irregular alcança R$ 1.620,00, que representa, aproximadamente, 27,83% das receitas declaradas pela candidata (R$ 5.820,00), importância relativa e nominal que inviabiliza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

Portanto, deve ser integralmente confirmada a sentença recorrida.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Silvana Gomes Barreto, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 1.620,00 (um mil, seiscentos e vinte reais) ao Tesouro Nacional.