REl - 0600528-97.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Os recursos são tempestivos, pois interpostos no tríduo legal.

Após a interposição do recurso, ELIÉSER PARIZZI restou sem representação por advogado nos autos em razão da renúncia de sua procuradora.

Tenho por perfectibilizada a intimação do interessado para regularização da representação processual, tendo em vista que a intimação para tanto foi dirigida ao endereço constante dos autos, contudo a intimação retornou “sem ter sido entregue ao destinatário, constando o motivo ‘mudou-se” (ID 44865853).

Uma vez que não houve qualquer comunicação de mudança de endereço, o curso do prazo concedido iniciou-se a partir da juntada aos autos do comprovante de tentativa de entrega, nos termos do art. 274, parágrafo único, do Código de Processo Civil, pelo qual:

Art. 274. (...).

Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.

 

Tendo transcorrido in albis o prazo para constituição de novo procurador, deixo de conhecer do recurso de ELIÉSER PARIZZI, forte no art. 76, § 2º, inc. I, do Código de Processo Civil.

Em relação aos recursos de MÁRCIO RICARDO PAULA DA SILVA (MÁRCIO ALEMÃO) e do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE PASSO FUNDO, estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

 

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

Preliminarmente, MÁRCIO RICARDO PAULA DA SILVA suscita a nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa, uma vez que não foram admitidas no processo as declarações escritas firmadas por apoiadores das lives, as quais reportariam informações essenciais sobre os acontecimentos que ensejaram a condenação.

No ponto, colho a análise da referida prova realizada na sentença:

De pronto, deixo de considerar para análise dos fatos as Declarações juntadas com a petição de n.º 25369654, vez que se tratam de pessoas não arroladas para serem ouvidas na audiência de instrução. O deferimento de juntada da declaração da testemunha do representado Elieser se deu em razão da impossibilidade de seu comparecimento e por ter sido tempestivamente indicada no prazo legal. Não é o que se verifica em relação às demais pessoas cujas declarações foram acostadas pelo representado Márcio.

 

Não há nulidade a ser declarada.

As mencionadas declarações foram juntadas aos autos após a audiência de instrução e posteriormente à declaração expressa de encerramento da instrução, quando em curso o prazo para oferecimento de razões finais (ID 12769283).

É de se ressaltar também que a declaração extemporânea foi devidamente autorizada na mesma ocasião, quando a julgadora consignou que, “Estando ausente a testemunha Daiane, por impossibilidade de comparecimento, defiro a juntada, na data de hoje, até às 23h59min, da declaração da testemunha faltosa”.

A apresentação de elementos de prova no prazo para a apresentação de alegações finais subverte o andamento processual e prejudica a celeridade demandada nas ações da espécie, não havendo qualquer mácula na conduta adotada pelo juízo a quo.

Afasto, assim, a preliminar de nulidade invocada.

 

Do Mérito

Na hipótese, a inicial refere condutas realizadas em vídeos transmitidos ao vivo pela rede social Facebook (lives), nos quais estariam evidenciadas a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), o abuso de poder econômico e a utilização indevida de meio de comunicação social na Internet.

Para fins de delimitar as controvérsias, transcrevo o que constou na sentença:

[...].

No mérito, trata o presente feito da análise da prática de duas condutas pelos representados: captação ilícita de sufrágio e abuso do econômico e dos meios de comunicação social.

Para sistematizar a decisão, farei a análise em separado das condutas descritas.

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - Resta estabelecido no artigo 41-A da Lei 9.504/97 que constitui captação ilícita de sufrágio, e conduta vedada pela Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o final do dia da eleição.

Da análise da prova produzida nos autos e da oitiva das testemunhas arroladas pelo representado Elieser algumas conclusões se extrai:

[…].

De todo o exposto resta claro que a entrega de brindes e a participação de ambos nas lives e nos estabelecimentos em contato direto com os eleitores tinha por escopo, a par de gerar renda ao DJ Elieser, promover, impulsionar e captar votos ao candidato Márcio. Ainda que tenham iniciado antes mesmo da escolha do candidato, vinham acontecendo de modo regular, sendo as últimas delas, tal como evidenciado no Resumo que compõe o material acostado pelo MPE, ainda em meados de outubro de 2020.

O grande número de participantes, fato esse que fica demonstrado com os inúmeros comentários e compartilhamentos, detém a capacidade de gerar desequilíbrio entre os candidatos, na medida em que, nos exatos termos apontados pelo MPE, na última eleição o Vereador menos votado, foi eleito com apenas 1.051 votos (documento de n.º 17051721).

ABUSO DE PODER ECONÔMICO e UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - segundo decisão exarada nos autos do REspe n.º 972-29.2016.6.13/MG há uso indevido dos meios de comunicação quando há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros, de forma que esse desequilíbrio comprometa a normalidade e a legitimidade do pleito.

Como já ressaltei alhures a internet, nos dias atuais, tem alcance incalculável. A rapidez na propagação do comentário, do post ou do vídeo é tamanha, que em questão de minutos vários internautas assistiram ao seu conteúdo e o repassaram na sua timeline. Ademais disso, a categoria dos estabelecimentos envolvidos, a forma e a programação musical do DJ K8 evidenciam conteúdo direcionado ao público adulto, que confinados em seus lares por conta da pandemia, passou a consumir mais e mais material dessa natureza.

No mesmo sentido a decisão proferida na AC. de 26/04/2018 no agR-Ro n.º 317093, relator Ministro Jorge Mussi, que igualmente salienta a configuração do uso indevido dos meios de comunicação social (sendo a página do representado Elieser veículo de comunicação social e propaganda comercial) sempre que houver exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais.

A contribuição do representado Elieser, por fim, é evidente e determinante para que o candidato Márcio pudesse, juntamente com o representado, impulsionar sua candidatura se valendo de meio de comunicação de massa.

No entanto, conquanto entenda comprovado o abuso no uso das lives dirigidas pelo representado Elieser, não verifico a caracterização do abuso do poder econômico, na medida em que não há prova de aporte de recursos próprios do candidato que extrapolem os gastos permitidos, aliado ao fato de que os brindes eram custeados pelos patrocinadores (não tendo sido produzida prova em sentido contrário), que, em contrapartida, tinham a seu favor uma forma rápida e eficaz de divulgação de seus estabelecimentos.

Dito isso, ACOLHO PARCIALMENTE A REPRESENTAÇÃO para o fim de:

1)Entender por configurada a captação ilícita de sufrágio; Nos termos do artigo 41-A, CASSAR o registro de candidatura do representado Márcio Ricardo Paula da Silva, nome de urna MÁRCIO ALEMÃO, candidato a Vereador pelo PDT, nas eleições proporcionais de 2020, pelo Município de Passo Fundo (RCand n.º 0600161-73.2020.6.21.0128) e CONDENAR ao pagamento de multa no valor de 6mil Ufir ; e CONDENAR o representado Elieser Parizzi ao pagamento de multa no valor de 6mil Ufir;

2)Entender por configurado o uso indevido dos meios de comunicação social; Nos termos do artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90 DECLARAR A INELEGIBILIDADE, pelo prazo de 08 anos subsequentes à eleição de 2020, do representado Márcio Ricardo Paula da Silva; CASSAR o registro de candidatura do representado Márcio Ricardo Paula da Silva, nome de urna MÁRCIO ALEMÃO, candidato a Vereador pelo PDT, nas eleições proporcionais de 2020, pelo Município de Passo Fundo (RCand n.º 0600161-73.2020.6.21.0128); e DECLARAR A INELEGIBILIDADE, pelo prazo de 08 anos subsequentes à eleição de 2020, do representado Elieser Parizzi.

 

Sobressai, portanto, que a condenação em primeiro grau teve por fundamento a captação ilícita de sufrágio e o uso indevido dos meios de comunicação social.

De seu turno, a Procuradoria Regional Eleitoral entende que o primeiro fato deve ser enquadrado como abuso de poder econômico, tecendo as seguintes considerações:

(...) plenamente configurado o abuso do poder econômico e o uso indevido dos meios de comunicação social, cabendo, pois, a reconfiguração jurídica do quanto estabelecido na sentença no tocante à primeira prática.

Considerando, contudo, as consequências jurídicas previstas para as condutas em tela no inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, devem apenas ser mantidas a cassação do registro ou diploma do candidato Márcio Ricardo Paula da Silva, nome de urna “Márcio Alemão”, bem como a imposição, a ambos os réus, da inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição, afastando-se a pena de multa, por se tratar de punição exclusiva da captação ilícita de sufrágio.

 

Embora invocando “reconfiguração jurídica” da decisão proferida, tenho que essa só seria possível se houvesse, na sentença, margem que possibilitasse nova interpretação para a recapitulação do primeiro fato.

Na hipótese, foi consignado expressamente na sentença que o juízo a quo não verificou “a caracterização do abuso do poder econômico, na medida em que não há prova de aporte de recursos próprios do candidato que extrapolem os gastos permitidos”, tecendo considerações sobre a origem dos brindes que eram distribuídos pelos recorrentes Márcio e Eliéser.

Assim, eventual readequação e condenação por esta modalidade de abuso só seria possível mediante interposição de recurso pelo Ministério Público Eleitoral, o que não ocorreu nestes autos.

Dito isso, cabe aqui apenas verificar a ocorrência de captação ilícita de sufrágio e uso indevido dos meios de comunicação social, nos limites da matéria devolvida pelos recursos apresentados.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações teóricas sobre os temas em comento.

A finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

Assim, nos termos do entendimento firmado pelo TSE, a procedência da AIJE exige a demonstração de que os fatos foram graves a ponto de ferir a normalidade e a legitimidade do pleito, consoante ilustra o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS EM PROL DA CANDIDATURA DA IRMÃ DO PREFEITO. CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. RESCISÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS APÓS AS ELEIÇÕES E ANTES DA POSSE DOS ELEITOS. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA NO CASO CONCRETO APESAR DE NÃO PRATICADA NA CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA AO NÃO CANDIDATO. (...). 15. Nas ações que tratam de abuso de poder, como a AIME e a AIJE, exige-se, além de que o candidato tenha se beneficiado dele, que as circunstâncias que o caracterizam tenham gravidade, nos termos do inciso XVI do art. 21 da Lei das Inelegibilidades. 16. "Com a alteração pela LC 135/2010, na nova redação do inciso XVI do art. 22 da LC 64/90, passou-se a exigir, para configurar o ato abusivo, que fosse avaliada a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, devendo-se considerar se, ante as circunstâncias do caso concreto, os fatos narrados e apurados são suficientes para gerar desequilíbrio na disputa eleitoral ou evidente prejuízo potencial à lisura do pleito" (REspe 822-03/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 4.2.2015). (...).

(TSE - RO: 00022303720146030000 MACAPÁ - AP, Relator: MIN. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 06/03/2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 06.04.2018.) Grifei.

Iniciando pela captação ilícita de sufrágio, vale examinar a previsão legislativa estampada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

 

A corrupção eleitoral, como se depreende da leitura do caput, envolve o oferecimento ou a entrega de vantagem ao eleitor em uma negociação personalizada em troca do voto.

Em defesa, os recorrentes afirmam que os brindes sorteados foram doados por donos de pequenos comércios, com intuito de divulgação de seus estabelecimentos comerciais, e que a ferramenta utilizada para distribuição das benesses destinava-as também a eleitores de outros municípios que participavam dos sorteios realizados durantes as lives.

Nesse sentido, sustentam que a caracterização de captação ilícita de sufrágio demanda a oferta, entrega ou doação de bens em favor do eleitor identificável e determinado, o que não ocorreu no caso dos autos.

Ao que todos os elementos indicam, aqui se tratava de distribuição de brindes mediante sorteio.

O exame dos vídeos que constam do acervo probatório deixa claro que os eleitores que acompanharam as transmissões tinham ciência de que o sorteio contemplaria aqueles que interagissem com a postagem e que os brindes eram fornecidos pelos patrocinadores da página eletrônica, o que desqualifica a tese de que houve entrega de benesses ou negociações com fins de voto.

Em outras palavras, os brindes não eram uma dádiva advinda do candidato e, além do fator aleatório do sorteio, era necessária uma ação, uma interação na rede social, mormente por meio da publicação de “comentários”, para que o participante fosse eventualmente contemplado, o que tende a levar o eleitor a acreditar que teve mérito e sorte ao receber o prêmio, descaracterizando a figura da “contraprestação” ou da “dívida de gratidão” com o candidato, apta a corromper sua consciência.

Com o mesmo entendimento, colho o que constou no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes:

Contudo, seja pela forma como os apresentadores enfatizavam quem eram os responsáveis pelos brindes, seja pelo depoimento da testemunha David Biasi, gerente da Loja Brasil Calçados, que, de forma veemente, referiu que não via, quando das entregas dos brindes, qualquer referência à candidatura de Márcio Alemão, bem como de que, caso desconfiasse que as entregas existiam para esse fim, jamais teria exposto seu estabelecimento nas lives, parece claro que, ao menos no que se refere aos brindes (ID 12769283, link https://drive.google.com/file/d/1reaB1iXa1oHefDJOMJnYJe2zI5gxQlK3/view?usp=sharing), não houve a finalidade de obter voto, nem evidência de que se tratava de doação condicionada ao apoio nas urnas.

 

Assim, merece reforma a sentença em relação à caracterização de captação ilícita de sufrágio.

Passo ao exame da ocorrência de uso indevido dos meios de comunicação social e, a fim de melhor examinar o caso dos autos, retomo as premissas fixadas por este Tribunal Regional, em 25 de agosto de 2020, ao responder à Consulta n. 0600292-44.2020.6.21.0000, de relatoria do DES. ELEITORAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, envolvendo a questão das lives e transmissões ao vivo, tendo como parâmetro o pleito vindouro e as restrições ocasionadas pela pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Naquela ocasião, feita a ressalva de que se analisava a realização dessa espécie de evento na página do próprio candidato, ficou estabelecido que as vedações impostas às emissoras de rádio e televisão não alcançam as redes sociais em geral. No ponto, o relator consignou em seu voto que:

A Lei n. 9.504/97, em sua redação original, equiparava a internet às emissoras de rádio e televisão no que tange às restrições à propaganda eleitoral.

Contudo, as modificações promovidas pela Lei n. 12.034/09 (mais especificamente, a revogação do § 3° do art. 45) deixaram clara a intenção do legislador brasileiro de diferenciar esses meios de comunicação.

Como bem apontado pelo douto Procurador Eleitoral, o primeiro motivo para a distinção está em que as emissoras de televisão e rádio estão sujeitas à concessão, permissão ou autorização por parte do poder público (art. 223 da CF/88), ao contrário da imprensa escrita e dos sítios hospedados na internet, aí incluídas a rádioweb e a televisão web.

O segundo motivo de diferenciação ocorre em relação ao acesso à programação disponibilizada nas redes sociais que, diversamente dos programas de rádio e televisão, pressupõe uma conduta ativa do internauta.

 

A resposta à consulta, também consignou que não há irregularidade na manifestação voluntária de entrevistado em redes sociais de pré-candidatos, desde que seja espontânea.

Por fim, ficou expresso que não existe vedação à manutenção de anúncios na rede social do influenciador digital pré-candidato, desde que não realizado qualquer ato de pré-campanha, sob pena de violação ao disposto nos arts. 36, c/c  36-A, caput, §§ 2º e 3º, da Lei das Eleições, e a possibilidade de sujeição à sanção prevista no § 3º do art. 36 da Lei n. 9.504/97, sem prejuízo de que a conduta seja examinada em eventual Ação de Investigação Judicial Eleitoral por uso indevido dos meios de comunicação social (art. 22 da LC n. 64/90).

A consulta recebeu a seguinte ementa:

CONSULTA. ELEIÇÕES 2020. ART. 30, INC. VIII, DO CÓDIGO ELEITORAL. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. VEREADOR. CONSULTA FORMULADA ANTES DO INÍCIO DO PERÍODO DE INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUESTIONADAS. CONHECIMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 107/20. REDE SOCIAL. LIVES. INFLUENCER DIGITAL. PROPAGANDA ANTECIPADA. INDAGAÇÕES RESPONDIDAS.

 1. Matéria preliminar. 1.1. Legitimidade ativa. Apesar de a presente consulta informar que os questionamentos estão sendo apresentados pelo órgão municipal de partido político, o pedido acrescenta que a agremiação está sendo representada em juízo pelo presidente da legenda, detentor de mandato de vereador, o qual firmou o instrumento de mandato outorgado ao advogado que subscreve o requerimento. Entendimento de que os detentores do cargo eletivo de vereador são considerados autoridades públicas, com legitimidade, portanto, para acionar a competência consultiva desta Corte. 1.2. Suscitada a preliminar de não conhecimento da consulta, em razão de já se ter iniciado o período de incidência das normas questionadas. A consulta foi apresentada em 09.7.2020, antes, portanto, da incidência da data prevista na EC n. 107/20 para a matéria tratada (11.8.2020), devendo ser considerada a data de ajuizamento como parâmetro para aferir a vedação de conhecimento. Ademais, este Tribunal, no julgamento da Consulta n. 12870, da relatoria da Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez (DEJERS 12.8.2016), assentou o atual posicionamento pelo conhecimento de consultas durante o período eleitoral, quando presentes questões de relevo para a competição ao pleito, como ocorre no caso dos autos, em que se discute a aplicabilidade da recente Emenda Constitucional n. 107/20. Conhecimento.

2. Primeira indagação. O questionamento busca esclarecer se as transmissões e lives realizadas em perfil na rede social poderiam incorrer na infração ao disposto no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus, a Emenda Constitucional n. 107/20 alterou a data do pleito de 2020, assim como outros prazos previstos originalmente no calendário eleitoral, inclusive o estabelecido no § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/97. Portanto, a indagação deve ser respondida no sentido negativo, ou seja, o art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/97 e o art. 1º, § 1º, inc. I, da EC n. 107/20 não se aplicam aos eventos realizados nas redes sociais do pré-candidato.

3. Segunda indagação. O questionamento busca esclarecer se haveria propaganda eleitoral antecipada caso o pré-candidato recebesse apoio voluntário, em sua rede social, durante lives e transmissões ao vivo. Não há violação à legislação eleitoral caso entrevistados, em transmissões ao vivo por meio do perfil na rede social de pré-candidato, manifestem voluntariamente o apoio à sua candidatura. Entretanto, haverá violação à legislação eleitoral se o apoio voluntário à candidatura por parte de entrevistados, em transmissões ao vivo através do perfil da rede social de pré-candidato, comunicador social no exercício da profissão, ocorrerem em contexto em que reste caracterizado ato de pré-campanha, como na hipótese da manifestação de apoio à candidatura ser precedida de pedido de apoio político, divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

4. Terceira indagação. Questionamento quanto à atuação de “influencer digital”. O pré-candidato que também seja “influencer digital” poderá manter os anúncios em sua rede social, desde que não realize qualquer ato de pré-campanha, sob pena de violação ao disposto nos arts. 36, caput, c/c 36-A, §§ 2º e 3º, da Lei das Eleições, sujeitando-se à sanção prevista no § 3º do art. 36 da LE, sem prejuízo de eventual AIJE por uso indevido dos meios de comunicação social.

 5. Consulta conhecida e respondida.

(Consulta n 060029244, ACÓRDÃO de 25.08.2020, Relator: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

Logo, não se pode reputar como irregular a simples participação de Márcio Ricardo Paula da Silva (Márcio Alemão) nas lives e vídeos produzidos na página Live K8, o que, pelo que se depreende dos autos, ocorria, no mínimo, desde abril de 2020.

Ocorre que, em algumas dessas transmissões ao vivo, houve a divulgação da candidatura, bem como constata-se o compartilhamento de propaganda eleitoral na correspondente página eletrônica no Facebook.

A modalidade de abuso mediante o uso indevido dos meios de comunicação social na internet é tema bastante novo no Direito Eleitoral.

Em estudo específico sobre a utilização abusiva dos meios de comunicação digitais, Frederico Franco Alvim e Volgane Oliveira Carvalho (A responsabilidade eleitoral dos influenciadores digitais pelo uso indevido dos meios de comunicação. In: FRAZÃO, Carlos Eduardo, NAGIME, Rafael, CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de (Coord.). Reforma política e direito eleitoral contemporâneo: estudos em homenagem ao ministro Luiz Fux. Ribeirão Preto: Migalhas, 2019. 496 p.) propõem que se observem alguns parâmetros, tais como a remuneração pela atuação do influenciador, a utilização desses canais para disseminação de desinformação e, em especial, a capacidade individual que o emissor da mensagem tenha de desequilibrar o pleito, conforme transcrevo:

Em nossa visão, portanto, a responsabilização eleitoral dos influenciadores se encontra reservada aos casos em que a emissão de opinião deslegitime, abrindo azo a que a liberdade de expressão, em caráter excepcional, perca seu véu de proteção em prol da preservação da legitimidade dos processos eleitorais, direito difuso igualmente importante numa escala de ponderação.

Além disso, cabe ponderar a capacidade individual para o desequilíbrio de um pleito parece, em linha de princípio, improvável. Nesse diapasão, a probabilidade de abuso tende a aumentar nos casos em que a influência dos formadores de opinião virtuais conflua e atue em conjunto. Não se pode descurar que a anulação do processo eleitoral somente deve ocorrer quando a ação comunicativa comprometa indelevelmente a saúde da atmosfera informativa como um todo.

Sem embargo, em casos excepcionais é possível cogitar a capacidade de um único indivíduo comprometer uma eleição inteira. Fala-se, especialmente, de experiências nas quais se vislumbra uma grande desproporção entre o público atingido pelos atores da comunicação e o corpo de votantes de um determinado pleito.

Concluem os autores que “as decisões de cassação em medidas de exceção, reservadas para casos extremos”, visto que não se pode considerar que os eleitores sejam tomados como “espectadores passivos e incapazes de lidar com as informações que recebem”, tudo a demandar que se evite o desenvolvimento de conclusões exacerbadas sobre o efeito eleitoral das mensagens divulgadas pela internet, sendo que os autores externam sua preocupação com “a banalização de éditos condenatórios no bojo de ações judiciais que contemplem as hipóteses em exame”.

O entendimento doutrinário exposto vai ao encontro de precedentes do Tribunal Superior Eleitoral dos quais se extrai, em especial, que a cassação de mandato em razão do uso indevido dos meios de comunicação social é excepcional e que aos diversos tipos de mídia deve ser dado tratamento distinto. Exemplificativamente, menciono:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVAS. DEPOIMENTO PESSOAL. PROVA TESTEMUNHAL. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. MÍDIA IMPRESSA E ELETRÔNICA. INICIATIVA DO LEITOR. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. INTERESSES JORNALÍSTICOS. IMPROCEDÊNCIA.

[...].

8. Consoante as diretrizes estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, fatos ocorridos na mídia impressa e eletrônica (internet) possuem alcance inegavelmente menor em relação ao rádio e à televisão, tendo em vista que, nesses casos, a busca pela informação fica na dependência direta da vontade e da iniciativa do próprio eleitor.

9.  Apenas os casos que extrapolem o uso normal das ferramentas virtuais é que podem configurar o uso indevido dos meios de comunicação social, sem prejuízo da apuração de eventual propaganda irregular, que possui limites legais distintos da conduta prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Precedentes.

10. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

[…].

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n; 060186221, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Relator designado: MIN. JORGE MUSSI, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 227, Data 26.11.2019.) (Grifei.)

Tendo em conta tais premissas doutrinárias e jurisprudenciais, na hipótese, o que se verifica é a realização de propaganda eleitoral em lives na rede social Facebook, em página do DJ K8, as quais consistiam em transmissões em que se visualizava a imagem do DJ e do candidato, havendo música ao fundo, com narração/diálogos e veiculação de anúncios comerciais diversos.

Não fosse a imagem dos locutores e do fundo, poderia se falar em algo muito próximo de um programa musical de rádio.

Nos vídeos, o candidato auxiliava o locutor principal, bem como com a aparelhagem e com as mensagens recebidas da audiência (que eram acompanhadas pelo celular).

A sentença refere que a página do Facebook “Live K8" foi criada em 13 de maio de 2020 e, em outubro desse ano, contava com 10.164 seguidores. Anoto que o Município de Passo Fundo tinha 146.664 eleitores ao tempo das eleições 2020 e que o candidato Márcio obteve 607 votos (https://capa.tre-rs.jus.br/eleicoes/2020/426/RS87858.html), o que o distancia em mais de 100 votos do último classificado como eleito, com 712 votos.

A fim de evitar tautologia, retomo a análise do acervo probatório colhida do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto à utilização da live k8 para a exposição de propaganda eleitoral de Márcio Alemão, já na live de 27.08.2020 percebe-se que Márcio Alemão comenta: “e pra quem não sabe a gente está na peleia na mudança pra lá e pra cá, estamos aí em pré-campanha (17.6, 5:44). Contudo, as referências mais ostensivas à candidatura começam a aparecer na live do dia 29.09.2020, caso em que são mostradas imagens da propaganda eleitoral de Márcio Alemão, bem como lido, por este, o comentário de um espectador: “O Gui botou Eita meu Vereador, juntos pela mudança, é o que esperamos aí cara, só tenho a agradecer pela força e confiança aí, com certeza você vai ter um cara lá que vai brigar por você” (8.4, 10:04). “E a galera também dos agricultores aí, que estão lutando pela mudança, que estão se mobilizando no interior para dar apoio ao Márcio Alemão. Daiane, sem palavras, conta sempre conosco que nós vamos brigar e muito pelo melhor” (8.5, 2:24). E assim continuou agradecendo o apoio eleitoral dos espectadores. No início do vídeo 8.6, é colocada na tela, em destaque, uma foto de propaganda eleitoral do candidato Márcio Alemão, bem como o seu número e slogan, acompanhado de música de campanha, a qual fica tocando por cerca de um minuto. Em outra live, do dia 01.10.2020, logo após o DJ K8 falar sobre os presentes dos apoiadores, há o seguinte diálogo (7.5, 10:11 em diante):

Márcio Alemão: quero aproveitar o momento aí para pedir para toda essa turma maravilhosa o apoio aí né, que estamos numa caminhada aí, construtiva aí, que se Deus quiser vai dar tudo certo aí com o apoio dessa galera.

DJ K8: Prá quem não conhecia ainda o Márcio Alemão essa é a nossa oportunidade de estar aí apresentando você né, e nessa caminhada aí, o número certo é doze...

Márcio Alemão: 12333

DJ K8: 12333

Márcio Alemão: quem puder nos dar essa força, nos apoiar, com certeza juntos somos mais fortes, vamos juntos fazer a diferença.

DJ K8: Márcio Alemão para vereador, meu grande amigo, parceiro

(...)

DJ K8: Muita gente que não colocou o seu adesivo no carro, entre em contato conosco através do whatsapp que tá aí no rodapé, vamos apoiar o Márcio Alemão

E a propaganda segue pelo vídeo 7.6, por cerca de dois minutos, com a reprodução da música de campanha de Márcio Alemão. Na mesma live, o DJ K8 afirma o seguinte: “chama pra gente aí Márcio Alemão pra dar aquela trabalhada né meu amigo que tá em casa curtindo a gente, muito obrigado pela sua companhia meu irmão, por estar aí junto com a gente e participando das nossas lives, sabe que a gente tem total apoio com você e os nossos parceiros também está todo mundo fechadaço contigo, certo? Vamo que vamo junto, sábado   estaremos juntos (…) Atenção Sábado a gente vai estar junto com você para entregar o costelão do atacadão das carnes” (7.9, 10:08). Em live do dia 03.10.2020, enquanto está fazendo sorteio de um vale-pizza, o DJ K8 afirma: “mandar abraço especial Márcio Alemão, meu candidato a vereador de Passo Fundo, pode ser o seu também” (4.4, 5:33). Em outra live, K8 destaca: “Vou trazer aqui para a live, meu grande parceiro, né, meu grande irmão, Márcio  Alemão, cara pode contar com o nosso apoio aí, nessa corrida fantástica nas eleições 2020, né. Dia 15 de novembro todo mundo já sabe estamos fechados com Márcio Alemão serei o braço direito dele, aonde você precisar de qualquer coisa, venha até mim, que a gente vai fazer o possível sim para estar ajudando o próximo” (4.4, 10:58). Em live do dia 13.10.2020, o DJ k8 novamente: “Quero   convidar o Márcio Alemão, vai estar voltando pra live no programa de sábado (...) ele que está sempre nas correrias agora, mas então está junto comigo, já tem o convite feito sábado de manhã vai ser uma live diferente, a gente vai estar abordando alguns assuntos muito bacanas sobre a saúde, o esporte a educação em Passo Fundo, eu e o Márcio Alemão vamos estar aqui fazendo um bate papo bacana com esse cara para tirar as dúvidas da galera e a galera também, podendo fazer perguntas ao vivo com o cara” (3.1, 7:02). Em seguida, apresenta um dos patrocinadores e diz que “terá presente”. Importante referir que no início dessa live o apresentador cumprimenta, entre outros, Márcio Alemão, mencionando o seu número de urna (3.1, 0:40), e mais adiante, chama “Alô Márcio Alemão, cadê você 12333, vamos nessa dessa vez meu irmão” (3.1, 11:02). Depois, mais uma vez, após reproduzir um vídeo de Márcio Alemão agradecendo o apoio: “mandar um abraço, então, todo especial, Márcio Alemão, ele que está na caminhada, ele que vai ser candidato então, já é candidato, pré-candidato, vereador, vai ser vereador, é um cara que   está   aí   no   nosso   coração,   e   a   gente   tem   que   pedir   o   voto   para   esse   meu parceiro   aí   porque   ajudando   a   ele,   tá   ajudando   a   mim,   quero   ser   o   braço   direito desse cara, aí na Câmara de vereadores em Passo Fundo, para ter o acesso junto a vocês,   para   estar   ajudando,   tá   certo?”   (3.3,   0:35).   No   final   da   mesma   live, novamente: “sábado   de   manhã   a   gente   tem   encontro   marcado   com   o   homem, Márcio Alemão, aqui do meu lado, 12333, esse é o cara da vez, estamos juntos me ajude que eu te ajudo também, né, vamos nos apoiar” (3.3, 12:00).

[...].

Nesse sentido, há divulgação de propaganda política em 13.10.2020 (2.1, 1:36 a 2:03), 11.10.2020 (2.1, 2:18 a 2:28), 09.10.2020 (2.1, 8:29), 08.10.2020 (2.2, 1:39 a 2:13), 06.10.2020 (2.1, 3:40 a 4:14), 30.09.2020 (2.2, 8:31 a 9:18).

[…].

Assim, de fato, o número de pessoas que assistem às lives parece mesmo orbitar entre os setecentos e os mil e trezentos participantes. Convém destacar, por outro lado, que pode ainda haver pessoas que não visualizam as lives, mas que visualizam outros conteúdos ou simplesmente passam o olho pela página, ficando, portanto, expostas às propagandas eleitorais de Márcio Alemão que ali são veiculadas.

[…].

Também fica claro, apesar de haver algumas referências de alguns espectadores que eram de outras cidades, que a maior parte das interações se dá com a comunidade local de Passo Fundo.

 

Para bem delinear o caso que se examina, junto capturas de telas dos vídeos, uma retratando o formato regular das transmissões (Márcio Alemão e DJ K8 sentados, com a exibição de anúncios) e outra, a ocasião em que foi exibida propaganda eleitoral durante a live:

 

 

Como se percebe da análise da primeira imagem, a página do Facebook Live K8 tinha evidente finalidade comercial, o que se depreende dos anúncios exibidos, os quais se alternavam durante toda a transmissão e cujo conteúdo era reforçado por comentários dos recorrentes.

Diante das várias ocasiões em que foi veiculada propaganda eleitoral nas lives da página DJ K8, tenho que ficou configurada a realização de campanha eleitoral em página com finalidade comercial, hipótese que desborda das permissões legais e que extrapola o simples exercício da liberdade de expressão.

No mesmo sentido, vale lembrar que o art. 57-C da Lei das Eleições veda “a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”.

Na hipótese, a realização de propaganda eleitoral em página que não a do próprio candidato e que recebia anúncios comerciais, mesmo que eventualmente a remuneração pela publicidade ocorresse como retribuição pela participação na live, como forma de prestigiar a relação entre o candidato Márcio e o DJ K8, ou por qualquer outro modo, representa violação às normas eleitorais.

A inexistência da prova do pagamento, por si só, não pode servir de escudo para práticas como a que aqui se analisa, sob pena de que a difusão de propaganda eleitoral mediante a utilização de influencers passe a ser a tônica dos pleitos eleitorais.

Entretanto, a eventual ilicitude das propagandas eleitorais não acarreta, por si só, a necessária conclusão quanto ao abuso de poder, pois, consoante destaca Rodrigo López Zilio, “o critério de constituição do abuso de poder é dado pela gravidade das circunstâncias do ato” (Direito Eleitoral. 7. ed. Juspodivm, 2020, p. 652).

Nessa senda, precedentes do Tribunal Superior Eleitoral exigem que, para “que fique configurado o uso indevido dos meios de comunicação social, o órgão julgador deve apontar especificamente as circunstâncias que o levaram a concluir que a conduta é grave e comprometeu a normalidade e legitimidade do pleito”, acrescentando ainda que a “simples referência genérica ao caráter induvidoso da gravidade não é suficiente para que se possa afastar do exercício do cargo aqueles que foram eleitos, sob a alegação de uso indevido de meios de comunicação social” (Respe n. 39948, Relator MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 23.10.2015; AC nº 7341, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 23.10.2015).

Da mesma forma, a Corte Superior fixou que “para que se comprove o uso indevido dos meios de comunicação social, é essencial que se analise o número de programas veiculados, o período de veiculação, o teor deles e outras circunstâncias relevantes, que evidenciem a gravidade da conduta a que se refere o art. 22, XVI, da LC 64/90” (REspe 822–03, Relator: MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 4.2.2015) e que "o uso indevido dos meios de comunicação social não pode ser presumido e requer que se demonstre a gravidade em concreto da conduta, com mácula à lisura do pleito" (REspe 225–04, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 26.6.2018; RO n. 060159031, RELATOR MIN. SERGIO SILVEIRA BANHOS, DJE de 29.06.2020).

In casu, os demandantes juntaram extenso material extraído do sítio eletrônico em questão e o conteúdo de diversas lives, cada uma com mais de uma hora de duração, explicitando, na petição inicial, as URLs específicas daquelas realizadas nos dias 29.09.2020, 01.10.2020, 06.10.2020, 10.10.2020 e 13.10.2020 (ID 12211833, fl. 13), bem como quatro endereços de postagens de propagandas eleitorais de Márcio Alemão também compartilhadas na página “Live K8”.

A visualização dos programas revela que as referências de apoio à candidatura e demais propagandas eleitorais eram inseridas de maneira esporádica e em espaços de poucos segundos.

Os elementos disponíveis nos autos não permitem verificar de forma definitiva a quantidade de pessoas que assistiram às lives, número que não pode ser simplesmente presumido a partir do número de “seguidores” que a página eletrônica possui em dado momento (10.164 seguidores em outubro de 2020).

Consoante bem estimou a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, a partir das capturas de tela que acompanham a petição inicial, as visualizações de cada transmissão oscilaram entre 700 e 1.100, inclusos aqueles espectadores não residentes na circunscrição eleitoral, cujo quantitativo não pode ser aferido a partir da prova juntada.

Referidos números de visualizações são inferiores aos que o candidato detém em “curtidas” e em “seguidores” em seu próprio perfil pessoal no Facebook (https://www.facebook.com/marcioalemaoo/), superiores, cada, a 1.400 interações, as quais, caso se pudesse cogitar em uma relação direta entre desempenho virtual e eleitoral, já o favoreceriam a alcançar os 607 votos obtidos no pleito de 2020.

Assim, considerando o eleitorado de Passo Fundo (146.664 eleitores) e o alcance da página na qual veiculada a propaganda eleitoral, bem como o número de ocasiões em que foi realizada a publicidade e a quantidade de interações observadas no período, não vislumbro comprometimento à normalidade e legitimidade do pleito.

Tão somente considerando as peculiaridades que aqui se examinam, embora a conduta represente inequívoca propaganda eleitoral por meio ilícito, não se comprovou a gravidade apta a atrair desequilíbrio no pleito, de forma que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por fim, com base no art. 1.005 do Código de Processo Civil, que dispõe que “recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”, estendo os efeitos da decisão aqui proferida a ELIESER PARIZZI, ainda que não conhecido o recurso por ele interposto.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo não conhecimento do recurso interposto por ELIÉSER PARIZZI, nos termos do art. 76, § 2º, inc. I, do Código de Processo Civil, e, em relação aos recursos de MÁRCIO RICARDO PAULA DA SILVA (MÁRCIO ALEMÃO) e do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE PASSO FUNDO, por afastar a preliminar de nulidade e, no mérito, por dar provimento aos recursos, a fim de julgar improcedente a ação, estendendo os efeitos do acórdão ao litisconsorte ELIÉSER PARIZZI, na forma do art. 1.005 do CPC.