REl - 0600339-44.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/03/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

SONIA ELISETI DE PAULA PEREIRA interpõe recurso contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha ao cargo de vereador nas eleições 2020, em razão de (1) recebimento de recursos de origem não identificada; (2) omissão de receitas e despesas; e (3) gastos irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 3.405,50 ao Tesouro Nacional.

Ao mérito.

1. Do recebimento de recursos de origem não identificada

O juízo de primeiro grau identificou declaração de receita de R$ 3.000,00, oriunda do FEFC, por meio de doação realizada à candidata pela Direção do Partido Trabalhista Brasileiro do Rio Grande do Sul, cujo registro não foi verificado nas contas do doador, e reconheceu erro material do prestador, pois o real doador originário foi a Direção Municipal do PDT de Porto Alegre.

Julgou o equívoco apto apenas a gerar ressalvas na aprovação das contas.

No que andou bem.

Entendo que as ressalvas devem ser mantidas, pois deixou a candidata de apresentar esclarecimentos e zelar pela lisura das contas, após o cometimento do equívoco. Para a retirada da ressalva, seria necessário o esclarecimento documental da operação, não ocorrido.

2. Da omissão de receitas e despesas

2.1 Da Despesa junto a fornecedor inscrito em programa social

Foi identificada a realização de despesas com panfletos e adesivos no valor de R$ 326,50, junto a fornecedora Ilza Veridiana de Azeredo, sócia administradora de empresa inscrita em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

A sentença entendeu haver “documentos fiscais que comprovam, ao menos formalmente, a ocorrência da prestação do serviço de publicidade/gráfica pela fornecedora” e que a falha haveria de implicar em ressalvas nas contas.

Destaco, contudo, que este Tribunal julgou caso semelhante envolvendo serviço prestado por microempreendedor individual, o processo 0600457-33.2020.6.21.0084, de relatoria do Des. Gerson Fischmann, e entendeu, na ocasião, pelo afastamento da irregularidade de forma unânime:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA VIA RECURSAL. POSSIBILIDADE. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA. REPRESENTANTE BENEFICIÁRIA DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. REGULARIDADE. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE CORRESPONDENTE REGISTRO. ART. 35 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. OMISSÃO DE DESPESAS. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DIVERGENTE. BASE DE DADOS DA JUSTIÇA ELEITORAL. EXTRATOS BANCÁRIOS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO NÃO DETERMINADO NA ORIGEM. FALHAS DE ELEVADO PERCENTUAL E VALOR NOMINAL. DESAPROVAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. O fato de a representante de empresa “MEI” ter recebido o auxílio emergencial, por si só, não configura a falta de capacidade financeira para que a pessoa jurídica realizasse o serviço contratado, relativo à confecção de material de propaganda. O art. 2°, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual. Afastada a irregularidade.

Nessa linha, afasto a irregularidade.

2.2 Da omissão de gastos eleitorais

Por meio do confronto de documentos fiscais integrantes da base de dados da Justiça Eleitoral, foram identificadas as Notas Fiscais de números 55212, 55337, 55556, 55805, emitidas contra o CPF do prestador pela empresa LAMPERT COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA, no valor total de R$ 882,00, sem correspondência nas informações registradas na prestação de contas, de forma que a sentença reconheceu utilização de recurso de origem não identificada para o pagamento e determinou o recolhimento da quantia.

Observo que omitir gastos na campanha eleitoral é considerado falha relevante, pois impede a apuração da origem dos recursos utilizados para a correspondente quitação, e a utilização de tais verbas tem, como consequência, o juízo de desaprovação das contas, como segue:

Resolução TSE n. 23.607/19

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

Argumenta o recorrente que houve erro no lançamento do CNPJ da candidata, não constatado a tempo de operar a retificação no sistema. Entendo que deva ser afastada a ordem de recolhimento.

Explico.

O Procurador Regional Eleitoral, em sua atuação de fiscal da lei, bem identificou que a Nota Fiscal N. 1501, objeto do item 3.1, registra no campo “Dados Adicionais – Informações Complementares” que o lançamento foi efetuado em decorrência da emissão das NFC-es: 54618/65, 55212/65, 55337/65, 55556/65 e 55805/65, e conclui que “estando as notas fiscais de ns. 55212, 55337, 55556 e 55805 abrangidas pela Nota Fiscal n. 000.001.501, declarada e acostada no ID 43485383, paga com recursos do FEFC, não há que se falar em pagamento com receitas de origem não identificada”.

Nessa linha de raciocínio, ainda que não esclarecida a nota remanescente de n. 54618/65, entendo que a irregularidade não subsiste em relação aos documentos apontados pelo órgão técnico, devendo ser afastada a ordem de recolhimento de R$ 882,00.

3. Dos gastos irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

3.1 Gastos irregulares com combustíveis

O prestador declarou dois gastos com combustível, nos valores de R$ 1.202,00 e 321,50, Notas Fiscais n. 1501 e n. 1503, junto ao fornecedor LAMPERT COMBUSTÍVEL LTDA., sem apresentar o correspondente registro de locação, cessão de veículo, publicidade com carro de som ou despesa com gerador de energia, hipóteses constantes do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35 (…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Nas razões, alega a parte recorrente que as despesas foram feitas via abastecimento de veículos da própria candidata e dos respectivos parentes, e que somente soube ser ilegal a prática quando não mais possível a retificação.

Ao indicar gastos de abastecimento, a recorrente praticou conduta que afronta a legislação de regência, pois há vedação expressa no sentido de que “não são considerados gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha (...) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha”.

No que concerne aos veículos cedidos por parentes, destaco que a legislação pertinente somente admite gastos com combustíveis para abastecimento de veículos cedidos quando destes houver a cessão declarada originariamente na prestação de contas e a apresentação de relatório semanal referindo volume e valor dos combustíveis, esclarecimentos não presentes na prestação de contas da recorrente.

Assim, não atendidos os requisitos exigidos para validação da despesa com combustíveis, mantém-se configurada a falha e, tratando-se de verbas públicas com origem no FEFC, correta a determinação de recolhimento de R$ 1.523,50, imposta na sentença.

3.2 Pagamento de despesa sem observância da legislação

A falha diz respeito à ausência de comprovação de pagamento de gasto eleitoral com verba do FEFC, decorrente de despesas declaradas nas Notas Fiscais N. 210, fornecedor Odair Anesio Kolling, R$ 600,00, e N. 12, fornecedor Getulio Souza Cruz, R$ 400,00.

No ponto, a Resolução TSE n. 26.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A recorrente de modo genérico alega que todas as despesas estão lançadas na prestação de contas e os cheques compensados.

Verifico no extrato bancário da conta FEFC a compensação de dois cheques nos valores em questão, estando o cheque de R$ 600,00 vinculado ao beneficiário João Paula de Oliveira Eireli ME, diverso portanto do fornecedor Odair Anesio Kolling, e o de R$ 400,00 sem indicação de contraparte.

Sublinho que a falha decorre da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária, como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral em trecho do parecer que transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei 7.357/85), assegura, outrossim, que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ter sido cruzado o cheque, permitindo o saque do mesmo sem depósito em conta, restou prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, vez que impediu fosse alimentado o sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário do cheque, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

 

Nesse norte, inexistindo a comprovação do vínculo entre os pagamentos e os credores declarados nas notas fiscais juntadas à prestação, remanesce a irregularidade e a correta determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.000,00.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para determinar o recolhimento de R$ 2.523,50 ao Tesouro Nacional, mantendo a desaprovação das contas.