REl - 0600478-09.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a inviabilidade de conhecimento dos documentos apresentados com o recurso.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados à peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Entretanto, esse entendimento não tem aplicabilidade em casos, como o destes autos, em que o prestador junta ao recurso demonstrativos contábeis retificando a prestação de contas.

O art. 71 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que somente é admitida a retificação das contas perante o juízo originário para o processamento do feito, restringindo-se a duas hipóteses, “sob pena de ser considerada inválida”: “I – na hipótese de cumprimento de diligência que implicar a alteração das peças inicialmente apresentadas;” e “II – voluntariamente, na ocorrência de erro material detectado antes do pronunciamento técnico”.

Assim, o conhecimento dos novos elementos demandaria a realização de análise detida dos lançamentos contábeis, em cotejo com os extratos bancários e demais batimentos integrantes dos procedimentos técnicos de exame, atividade a ser realizada, nas eleições municipais, em primeiro grau, não podendo ser suprida nesta instância recursal.

Com o mesmo entendimento, colaciono a seguinte ementa:

RECURSO. RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. COMPROVAÇÃO PARCIAL DE DESPESAS E AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE RECEITAS. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA EM RECURSO NÃO CONHECIDA. MOMENTO PROCESSUAL INADEQUADO. INVIÁVEL ANÁLISE DO ACERVO CARREADO EM SEDE RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RITO PREVISTO NA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19 NÃO ATENDIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de comprovação parcial das despesas realizadas e da ausência de comprovação das receitas informadas na prestação de contas.

2. Instrução do processo sem os comprovantes das receitas e despesas, o que inviabiliza a aprovação dos registros contábeis. Documentação coligida aos autos em sede recursal não conhecida. O momento apropriado para a juntada dos documentos restou precluso, sem que o prestador justificasse, minimamente, sua inércia. O rito previsto nos arts. 69, 70, 71 e 72 da Resolução TSE n. 23.607/19 foi desrespeitado pelo recorrente, o que inviabiliza o conhecimento dos documentos nesta esfera recursal.

3. Este Tribunal entende possível a análise de algum documento pontual, desde que a primo ictu oculi, com a simples leitura, possibilite a compreensão pelo saneamento de irregularidade. Na hipótese, o acervo juntado em segundo grau demandaria nova análise da contabilidade, situação que torna inviável seu conhecimento diante da supressão de instância, visto que não examinados pela unidade técnica, tampouco pelo juízo a quo. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060042883, ACÓRDÃO de 15/12/2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE ) (Grifei.)

 

Desse modo, não conheço dos documentos juntados com o recurso.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

 

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.000,00, em razão das seguintes irregularidades: a) omissão de registro de doação direta realizada pelo Diretório Nacional do Partido; b) divergências entre os registros de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização; c) falta de documentos comprobatórios relativos às despesas eleitorais com recursos do FEFC; e d) ausência de registro da conta bancária de campanha.

 

Passo ao exame particularizado de cada apontamento.

 

a) Omissão de registro de doação direta realizada pelo Diretório Nacional do Partido.

A primeira irregularidade se refere à omissão de registro na prestação de doação direta realizada pelo Diretório Nacional do Partido Político, no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Nos autos, verifica-se que tais valores não foram declarados na prestação de contas do candidato, uma vez que os demonstrativos no campo pertinente ao recebimento de recursos financeiros (ID 44887294) estão com todas as colunas zeradas.

Em suas razões o recorrente não trouxe argumentos plausíveis a justificar o não lançamento da doação recebida em sua prestação de contas, limitando-se a alegar que juntou os documentos que revelam a regularidade das contas.

Entretanto, de fato, o candidato recebeu o valor de R$ 2.000,00 provenientes da Direção Nacional do Democratas - DEM, efetivada em 26.10.2021, conforme se pode depreender dos registros na prestação de contas do Democratas – DEM disponibilizada no Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/partido/2020/2030402020/BR/2/25/integra/despesas).

Dessa forma, há divergência entre a prestação de contas do candidato e a do Diretório Nacional do Democratas - DEM, eis que o partido lançou a doação em espécie para a campanha do candidato, que, por sua vez, não registrou o recebimento dessas doações no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE), conforme determinado pelo art. 53, inc. I, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:.

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I – pelas seguintes informações:

[…].

c) recursos arrecadados, com a identificação das doações recebidas, financeiras ou estimáveis em dinheiro, e daqueles oriundos da comercialização de bens e/ou serviços e da promoção de eventos;

[...].

 

Nesse contexto, está caracterizada a omissão das receitas cuja declaração é exigida pela Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, a ausência de registro de doação direta realizada pelo Diretório Nacional do Partido inviabiliza o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

No mesmo sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. INVIÁVEL A PRODUÇÃO DE PROVAS EM GRAU RECURSAL. PRAZO TRANSCORRIDO SEM MANIFESTAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. OMISSÃO DE RECEITAS ELEITORAIS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou as contas desaprovadas, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude da não apresentação dos extratos das contas bancárias ou declaração emitida pelo banco declarando ausência de movimentação financeira, não havendo extratos eletrônicos encaminhados pelas instituições financeiras mediante convênio com o TSE; e omissão de receitas eleitorais recebidas do diretório nacional do partido político. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar afastada. Postulada, em instância recursal, a produção de prova por meio de diligências à instituição bancária. No momento processual adequado, quando intimado do exame preliminar, o prestador quedou-se inerte. Inviável a providência neste momento processual, pois já decorrida a emissão de parecer conclusivo (art. 69, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19) e julgadas as contas em primeira instância. Ademais, inexiste nos autos indício de prova apta a gerar dúvida razoável acerca da irregularidade cometida.

3. Não apresentados os extratos das contas bancárias ou declaração emitida pelo banco declarando ausência de movimentação financeira,. Tampouco presentes na prestação os extratos eletrônicos encaminhados pelas instituições financeiras mediante convênio com o TSE. A ausência de documentos obrigatórios não conduz necessariamente à sentença de não prestação de contas, desde que existam documentos suficientes para que as contas sejam examinadas. Na hipótese, correto o juízo de desaprovação tendo em vista a ausência dos extratos, peças obrigatórias que devem integrar a prestação de contas, conforme o art. 53, inc. II, al. "a", c/c o art. 57, § 1º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Omissão de receitas eleitorais recebidas do diretório nacional partidário. Em sua prestação de contas, o partido lançou a doação em espécie para a campanha do candidato, que, por sua vez, se furtou de registrar o recebimento dessas doações no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro), restando caracterizada a omissão das receitas cuja declaração é exigida pelo art. 53, inc. I, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A falta de comprovação de gastos realizados com recursos públicos enseja o recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. As irregularidades apontadas perfazem valor superior ao das receitas declaradas na prestação de contas do candidato e aos parâmetros da Justiça Eleitoral para considerar o valor módico.

6. Provimento negado. Mantida a desaprovação das contas. Recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060036950, ACÓRDÃO de 16/12/2021, Relator: DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Logo, deve ser mantida a sentença quanto ao ponto.

 

b) Divergências entre os registros de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral.

O parecer técnico (ID 44887308) identificou omissão de gastos eleitorais em razão da divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, obtidas mediante circularização de informações com os órgãos fazendários, emitidas pelo fornecedor RADAR COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS LTDA (CNPJ 87.209.235/0003-38), no valor total de R$ 800,00, conforme o seguinte quadro:

No aspecto, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceituam os arts. 59 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura dos dispositivos, depreende-se que, se há a nota fiscal, se presume que houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução:

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

De seu turno, o candidato sustenta que os documentos que revelam a regularidade das contas foram juntados na prestação de contas final, em 28.12.2020.

Ocorre que os extratos e demonstrativos em questão foram apresentados sem movimentação financeira (ID 44887303 e seguintes), sendo certo que não houve o esclarecimento sobre as emissões de documentos fiscais para o CNPJ de campanha. O cancelamento das notas não foi realizado nem se comprovou a impossibilidade de sua efetivação.

Dessa forma, a omissão de registro de despesas contraria o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...).

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

Nesse trilhar, o seguinte julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

(...).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...).

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) (Grifei.)

 

Por conseguinte, não merece reforma a sentença quanto ao tópico.

 

c) Falta de documentos comprobatórios relativos às despesas eleitorais com recursos do FEFC.

Em prosseguimento, o parecer conclusivo identificou despesas pagas por meio de recursos do FEFC e não registradas na contabilidade, conforme extrato de conta bancária juntado aos autos (ID 44887309).

Assim, embora o prestador tenha apresentado seus demonstrativos contábeis com ausência de movimentação financeira, observou-se o efetivo trânsito de recursos pela conta bancária identificada pelo sistema eletrônico da Justiça Eleitoral, com o registro de créditos e débitos efetuados com verba do FEFC e não declarados na contabilidade.

Nas razões recursais, o candidato afirma que, tratando-se de prestação de contas simplificada, entendeu não haver necessidade de apresentar outros documentos além daqueles exigidos e já apresentados à Justiça Eleitoral.

De fato, o art. 62 da Resolução TSE n. 23.607/19 prevê a prestação de contas simplificada “para candidatos que apresentarem movimentação financeira correspondente, no máximo, ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.

Ocorre que a adoção do procedimento simplificado de apresentação e análise não dispensa o registro de toda as receitas e despesas eleitorais, de modo a permitir à Justiça Eleitoral a fiscalização integral da movimentação financeira de campanha, consoante evidenciam os arts. 64, § 1º, e 65, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 64. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas alíneas "a", "b", "d" e "f" do inciso II do art. 53.

§ 1º A adoção da prestação de contas simplificada não dispensa sua apresentação por meio do SPCE, disponibilizado na página da Justiça Eleitoral na internet.

[…].

 

Art. 65. A análise técnica da prestação de contas simplificada será realizada de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

(Grifei.)

 

Da mesma forma, os documentos contábeis devidos nas contas simplificadas não se restringem àqueles descritos nas alíneas "a", "b", "d" e "f" do inc. II do art. 53 da citada Resolução, pois, havendo o recebimento de valores de origem pública, reclama-se, além da anotação contábil, a demonstração escorreita da destinação da verba por meio de documentos idôneos, consoante estipula o art. 64, § 5º, da multicitada Resolução, aplicável à hipótese:

Art. 64.  (…).

[…].

§ 5º Na hipótese de utilização de recursos provenientes do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além das informações transmitidas pelo SPCE, na forma do caput, o prestador de contas deverá apresentar os respectivos comprovantes dos recursos utilizados, na forma do disposto no § 1º do art. 53 desta Resolução.

 

Solicitada a especificação e comprovação das despesas em primeira instância, o que poderia ser alcançado por meio da apresentação de contas retificadoras e das notas fiscais dos gastos, o ora recorrente deixou transcorrer o prazo in albis (ID 44887313).

Em um segundo aspecto, não bastasse a omissão de informações e dos documentos comprobatórios, o adimplemento das despesas não observou o comando do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária. (Grifei.)

 

A exigência de cheque nominal e cruzado visa impor que o pagamento do gasto eleitoral ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Na hipótese, a sonegação de dados e documentos essenciais inviabilizou o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Em circunstâncias como as dos presentes autos, este Tribunal Regional sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos idôneos e que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.) (Grifei.)

 

Portanto, estão caracterizadas as irregularidades na comprovação dos gastos realizados com recursos do FEFC, na quantia de R$ 2.000,00, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

d) Ausência de registro da conta bancária de campanha.

No tocante ao último apontamento, o órgão técnico assinalou a existência da conta bancária n. 38989, Banco Bradesco, Agência 0983, destinada à movimentação de recursos do FEFC, mas não declarada na prestação de contas, concluindo que houve “omissão na prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha”.

A conta bancária eleitoral somente foi declarada pelo prestador a partir dos documentos de retificação apresentados em grau recursal, os quais, conforme anteriormente analisado, não bastam ao suprimento das falhas, em razão da preclusão, uma vez ultrapassada a fase dos procedimentos técnicos de fiscalização e conferência, bem como da submissão dos dados informados ao controle social, por meio do sistema de divulgação de candidaturas e contas eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/).

Assim, não prospera a pretensão recursal também quanto ao presente tema.

Do Julgamento das Contas

Considerando que o recorrente apresentou os relatórios contábeis de forma zerada, as irregularidades identificadas alcançam a totalidade dos recursos públicos movimentados na campanha e comprometem de modo substancial o controle e a fiscalização das receitas utilizadas, impondo a manutenção da sentença de desaprovação das contas.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Rodrigo Vianna Pereira, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Tesouro Nacional.