REl - 0601121-54.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Do Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

O prestador de contas junta, com suas razões, novo documento, requerendo o seu conhecimento.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica (TRE-RS; REl n. 0600894-71.2020.6.21.0085; Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO DAZEVEDO AURVALLE, sessão de 08.09.2021).

É esse, exatamente, o caso, uma vez que o documento juntado ao ID 44855134 é nota fiscal relaciona ao gasto questionado nos autos.

Desse modo, conheço do documento por prescindir de análise técnico-contábil e por pertinente à falha identificada no presente caso.

Do Mérito

A sentença recorrida desaprovou as contas do recorrente com fundamento na apresentação de nota fiscal adulterada para a comprovação de gasto realizado com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$700,00 (setecentos).

No recurso, o candidato não controverte a falsidade do primeiro documento fiscal, imputando tal responsabilidade ao fornecedor dos bens, bem como colaciona novo comprovante de gastos – Nota Fiscal de Serviços Eletrônica – Série NFS-e n. 324 (ID 44855134), o qual entende suficiente ao saneamento da irregularidade.

Ocorre que o novo documento fiscal apresentado foi emitido em 19.8.2021, ou seja, quase um ano após o seu fato gerador, ocorrido em 29.10.2020, e no campo de descrição do serviço consta somente o registro de “colinhas e santinhos eleição”, contrariando o disposto no art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pelo qual “a comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido”.

Além disso, é responsabilidade do prestador de contas, e não do fornecedor, apresentar informações e documentos autênticos à Justiça Eleitoral.

Não bastassem tais inconsistências, não se pode ignorar que a apresentação inicial de uma nota fiscal com indicativos de adulteração evidencia, por si só, a ausência de transparência e o mau uso dos recursos públicos na operação, conforme já decidiu este Tribunal Regional em julgamento de caso análogo, originário do mesmo Município de Parobé:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADE EM DOCUMENTO FISCAL. DESATENDIDA A NORMA DE REGÊNCIA. VALOR REDUZIDO. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da constatação de divergência na apresentação de nota fiscal. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância equivalente.

2. Constatada a apresentação de nota fiscal cujo número de autenticidade se refere a outro documento. Certificado nos autos, posteriormente, que a nota apresentada continha dados adulterados, estando em desconformidade com o documento digital. Desatendimento ao art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, na medida em que o prestador de contas não juntou documento idôneo, capaz de comprovar a despesa eleitoral.

3. Inviável o argumento de possível inconsistência no sistema de emissão de nota por parte da empresa prestadora de serviços. A nota fiscal deve espelhar exatamente os dados da negociação, sendo a adulteração do referido documento prova consistente de que o recurso público foi mal aplicado. O processo de prestação de contas tem por objeto avaliar a regularidade da aplicação dos recursos durante a campanha eleitoral. A utilização de documento fiscal adulterado demonstra com clareza que existe vício no citado processo.

4. Na linha da jurisprudência da Corte Superior e deste Regional, diante do reduzido valor da irregularidade, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), viável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Circunstância que não afasta o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

5. Autorizada a extração de cópias dos presentes autos pela Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de enviá-las ao órgão ministerial na origem para apuração da prática, em tese, dos crimes dos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral.

6. Parcial provimento.

(TRE-RS; REl 0601135-38.2020.6.21.0055; Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI; Data de Julgamento: 09.02.2022.) (Grifei.)

Dessa forma, o gasto em análise persiste sem a adequada comprovação por meio de documento fiscal idôneo, persistindo, assim, a irregularidade envolvendo a utilização de recursos do FEFC e impondo o recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional.

Conclusão

Assim, subsiste a mácula relativa à ausência de comprovação de despesa no valor de R$ 700,00, a qual representa 21,5% das receitas declaradas (R$ 3.250,00).

Nesse contexto, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da irregularidade diante do conjunto das receitas, o seu valor nominal se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, conforme colho da seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo. Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator: MIN. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE de 29.9.2017.) (Grifei.)

 

Registro, ainda, que, de acordo com a diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (TRE-RS, REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, sessão de 10.08.2021).

Anoto, em desfecho, que o julgamento pela aprovação das contas com ressalvas não afasta a imposição legal de transferência dos valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional (art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de ANTONIO JARBAS DE SOUZA, relativas às Eleições 2020, mantendo a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 700,00 (setecentos), bem como por autorizar a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópias dos presentes autos, a fim de enviá-las ao órgão ministerial na origem para apuração da prática, em tese, dos crimes dos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral.