ED no(a) REl - 0600619-83.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/03/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275, do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC.

O recorrente afirma, em síntese, que houve contradição no acórdão em relação à despesa com fornecedor em serviços não compatíveis com atividades de campanha eleitoral. Sustenta que a despesa realizada com a empresa SIAR SERVIÇOS DE PORTARIA E LIMPEZA LTDA., no valor de R$ 33.750,00, é regular, uma vez que, a despeito da descrição equivocada dos serviços na nota fiscal, se tratou de atividades de panfletagem e divulgação de material de campanha, conforme orçamento juntado aos autos, do qual consta o competente detalhamento de despesas, não sendo aplicável ao caso o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois o gasto em questão não se refere à despesa direta com pessoal, e sim à contratação de empresa terceirizada.

Com relação à despesa paga com cheque não cruzado, configurando a realização de gastos em desacordo com os requisitos previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o embargante afirma que o cheque utilizado para pagamento de despesa de R$ 1.600,00 foi preenchido de forma nominal para Maria Aparecida Ferreira, que efetivamente realizou o saque, estando satisfeito o requisito da transparência, com o que não se justifica a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, a qual somente é cabível nos casos em que não comprovada a utilização dos recursos ou demonstrado o seu uso indevido, conforme jurisprudência deste e. TRE RS e do e. TSE.

Sobre a existência de dívidas de campanha decorrentes do não pagamento de despesas contraídas, eis que não apresentou as informações e os documentos exigidos no art. 33, §§ 2° e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, aduz que o acórdão não traz fundamentação válida para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância correspondente à dívida de campanha (R$ 46.635,00), porque está fundado em norma revogada (art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17) e em entendimento equivocado sobre o seu teor, não havendo previsão legal para a determinação do recolhimento de valores.

Com razão, em parte, o embargante.

A primeira e segunda irregularidades são incontestes, por afronta direta aos arts. 35, § 12, e 38, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19; assim, não merecem acolhimento.

A irregularidade quanto à forma de pagamento da despesa de R$ 1.600,00 não merece reparo, visto que o cheque utilizado para pagamento, embora emitido de forma nominal, não foi cruzado, permitindo o saque na “boca do caixa” e, dessa forma, impedindo a identificação do beneficiário e maculando a higidez e a transparência das contas. Ademais, a microfilmagem do cheque trazida aos autos pelo embargante apenas comprova o endosso em branco do título de crédito, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei n. 7.357/85. Ou seja, o descumprimento do que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, não cruzar o cheque, impossibilita a certeza de que o valor se destinou a quem de fato prestou o serviço.

De outra banda, a decisão encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte, que segue a linha da jurisprudência atual do TSE, no sentido de que a determinação de recolhimento do montante ao erário somente é cabível na hipótese de ausência de comprovação da utilização dos recursos, ou sua utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE n. 23.607/19.

No presente caso, o recolhimento justifica-se pela utilização indevida dos recursos, uma vez que a ausência de cruzamento do cheque, ao impedir a identificação do destinatário do pagamento, inviabilizou a comprovação da correta destinação do recurso público.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

Com relação à despesa com fornecedor em serviços não compatíveis com atividades de campanha eleitoral, no valor de R$ 33.750,00, realizada com fornecedor incomum em campanha eleitoral, empresa de limpeza e vigilância SIAR SERVIÇOS DE PORTARIA E LIMPEZA LTDA., a despesa foi comprovada mediante apresentação da nota fiscal. Ocorre que o art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 elenca os gastos eleitorais sujeitos a registro e não inclui os serviços de vigilância. Em sede recursal, alega que o serviço diz respeito à contratação de serviço de panfletagem e divulgação de sua campanha, alegando ter havido equívoco do fornecedor ao descrever, na nota fiscal, a contratação de prestação laboral de vigilância. Ora, se há um erro reconhecido na emissão da nota fiscal, deveria ter ocorrido o seu cancelamento, nos termos do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não foi providenciado pelo prestador.

De fato, o que se tem é uma nota fiscal com uma descrição de serviço e um orçamento com descrição diversa, não permitindo inferir que as atividades relacionadas no primeiro reflitam o serviço efetivamente prestado. A descrição contida no orçamento não se mostra suficiente para demonstrar a regularidade da despesa, tampouco as fotografias de pessoas físicas realizando atividades de panfletagem e divulgação de sua campanha possuem o condão de suprir a irregularidade em tela, pois não há como relacionar ou vincular àquelas que teriam sido contratadas, as quais, aliás, sequer constaram no contrato apresentado pelo recorrente.

Não bastasse a insuficiência do documento fiscal, o contrato apresentado não possui o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, dos prestadores de serviço, das horas trabalhadas, das atividades executadas e da justificativa do preço estabelecido, como exige o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Portanto, além da insuficiência da nota fiscal, evidencia-se a imprecisão do contrato que lhe seria subjacente, razão pela qual persiste a irregularidade por ausência de comprovação da despesa. Desse modo, é de ser mantida a falha, assim como a determinação de recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional, visto que envolve aplicação irregular de recursos do FEFC.

Assim, os recursos do FEFC empregados indevidamente, no total de R$ 35.350,00 (R$ 33.750,00 + R$ 1.600,00), devem ser destinados ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Dessa forma, em relação à primeira e à segunda irregularidades, não há omissão, obscuridade, contradição ou erro material a serem sanados.

Já em relação à terceira irregularidade, a respeito da falta de comprovação de pagamentos no montante de R$ 46.635,00, tenho que acórdão foi omisso ao deixar de examinar o recurso, no ponto em que sustenta a ausência de fundamento legal para a determinação de recolhimento do valor ao erário.

Com efeito, ao examinar a terceira irregularidade, o acórdão não se manifestou quanto à base legal para a devolução da quantia ao Tesouro Nacional.

Assim, de modo a suprir a omissão, consigno que o art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional as importâncias relativas à ausência de comprovação de utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou FEFC, nada referindo quanto às dívidas de campanha.

Dessarte, reconheço a inexistência de fundamento legal para determinar a restituição do valor relativo à dívida de campanha e, assim procedendo, como corolário, afasto a determinação de recolhimento da importância de R$ 46.635,00.

Nesse sentido, o que constou no excerto do voto do eminente Desembargador Gerson Fischmann, nos autos do REl 0600201-94, julgado na sessão de 01.9.2021, nos seguintes termos:

[…]

não há como classificar as despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, o PDT, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

§ 6º Na hipótese de aquisição de bens permanentes com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estes devem ser alienados ao final da campanha, revertendo os valores obtidos com a venda para o Tesouro Nacional, devendo o recolhimento dos valores ser realizado por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) e comprovado por ocasião da prestação de contas.

§ 7º Os bens permanentes a que se refere o parágrafo anterior devem ser alienados pelo valor de mercado, circunstância que deve ser comprovada quando solicitada pela Justiça Eleitoral.

O pagamento de despesas contratadas, sem a identificação do fornecedor ou prestador do serviço nos extratos bancários por falta da emissão de cheques nominais e cruzados, jamais poderia representar uma sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo esse o caso dos autos.

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas, R$ 4.890,00, seja depositado pelo recorrente na conta bancária do PDT de Dom Pedrito, pois o § 1º do art. 50 da Resolução TSE 23.607/19 não alcança a situação verificada neste processo.

Tendo em vista que os pagamentos com cheques não nominais e sem cruzamento foram efetuados com valores privados, que transitaram pela conta bancária "Outros Recursos", as despesas não se enquadram como recursos de origem não identificada a serem recolhidos ao erário nem como sobras de campanha a serem devolvidas ao partido político.

A melhor conclusão a ser adotada, in casu, é a de que a ausência de informação sobre o beneficiário do pagamento ou sobre o retorno à campanha das quantias despendidas caracteriza o gasto como dívida de campanha, pois não está comprovada nos autos a efetiva destinação dos valores aos prestadores de serviço.

A falta de comprovação desses pagamentos representa dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido.

Art. 33. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

Ressalto que o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido poderá até mesmo acarretar a desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

Com esses fundamentos, considero que o valor total de pagamentos não comprovados, à razão de R$ 4.890,00, caracterizam dívida, e não sobra de campanha, retificando a sentença neste ponto. (Grifo nosso)

Colaciono a ementa do mencionado julgado (Rel 0600201-94, da Relatoria do Des. Gerson Fischmann):

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. COMPROVADA CAPACIDADE FINANCEIRA PARA APLICAR RECURSOS PRÓPRIOS NA CAMPANHA. EXERCÍCIO DA VEREANÇA. PROFISSÃO DE ADVOGADO. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. FALTA DE DADOS DO BENEFICIÁRIO DO VALOR. FALHA GRAVE. EXPRESSIVIDADE DA QUANTIA IRREGULARMENTE DESPENDIDA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE DEPÓSITO NA CONTA BANCÁRIA DO PARTIDO A TÍTULO DE SOBRA DE CAMPANHA. CARACTERIZADA COMO DÍVIDA DE CAMPANHA. RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas referentes às eleições municipais de 2020, diante da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura e posterior aplicação de recursos próprios na campanha e da emissão de cheques pagos por caixa, não cruzados nem preenchidos de forma nominal. Determinado recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e transferência para o órgão partidário.

2. Evidenciado, por meio de comprovantes de renda juntados aos autos, que o prestador concorreu à reeleição ao cargo de vereador, possuindo capacidade financeira para aplicar recursos próprios na campanha. Além disso, no requerimento de registro de candidatura, o candidato declarou exercer também a profissão de advogado, afigurando-se comprovada a existência de patrimônio financeiro, em atendimento ao art. 61, caput e parágrafo único, da Resolução TSE 23.607/19, restando sanada a falha e devendo ser afastada a determinação de recolhimento do valor ao erário.

3. Constatada irregularidade pela falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19) utilizado para recebimento na "boca do caixa", sem dados do beneficiário do valor. Apesar da alegação de que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, não foi possível identificar, no extrato bancário eletrônico, o atendimento à exigência do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor para confirmar se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o pagamento por meio do cheque. Expressiva quantia irregularmente despendida, equivalente a 58,63% da receita de campanha, impedindo a aprovação das contas sem qualquer ressalva.

4. Impossibilidade de classificação das despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19. Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da referida Resolução é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo este o caso dos autos.

5. A ausência de informação do beneficiário do pagamento ou do retorno dos valores gastos caracteriza a despesa como dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido. Retificada, de ofício, a determinação de transferência ao órgão partidário do valor total de pagamentos não comprovados, enquadrando esses recursos como dívida de campanha.

6. Parcial provimento. (Grifo nosso)

 

Portanto, sendo as despesas não comprovadas no valor de R$ 46.635,00 provenientes da conta “Outros Recursos” consideradas dívidas de campanha, deve ser integrado o acórdão com a fundamentação supra, afastando a determinação do recolhimento desse montante.

Com efeito, a falta de comprovação desses pagamentos representa dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido, como dispõe o artigo:

Art. 33. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

[...]

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

 

No caso telado, a existência de dívidas de campanha de R$ 46.635,00, sem que fossem acostados os documentos exigidos pelo art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativos à assunção do débito pelo partido, é irregularidade que deve ser mantida, apenas devendo ser afastada a determinação de recolhimento da importância ao erário, por ausência de previsão legal.

Dessarte, reconheço como dívida de campanha o valor de R$ 46.635,00, afastando a determinação de recolhimento desta cifra ao Tesouro Nacional, remanescendo a importância de R$ 35.350,00 a ser recolhida ao erário, por tratar-se de despesas não comprovadas com recursos oriundos do FEFC.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial acolhimento dos aclaratórios, ao intuito de agregar-lhes efeitos infringentes para, mantendo a desaprovação das contas, reduzir o valor a ser recolhido ao erário ao montante de R$ 35.350,00, nos termos da fundamentação.