PC-PP - 0600227-49.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/03/2022 às 14:00

VOTO

Cuida-se da prestação de contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO VERDE (PV), regida pela Lei n. 9.096/95 e pela Resolução TSE n. 23.546/17, e, no âmbito processual, pela Resolução TSE n. 23.604/19, relativamente à arrecadação e à aplicação de recursos no exercício financeiro de 2019.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), após exame da movimentação contábil e dos documentos e argumentos apresentados pelo órgão partidário, inclusive das falhas indicadas pelo Parquet Eleitoral, concluiu em seu parecer pela persistência de irregularidades envolvendo o percebimento e a aplicação de verbas do Fundo Partidário, bem como o recebimento de recursos de origem não identificada, que recomendam a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento da importância de R$ 82.752,58 ao erário.

Passo, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos.

I. Do recebimento de recursos do Fundo Partidário em período em que o repasse se encontrava suspenso.

A SAI apontou que o prestador de contas recebeu do Diretório Nacional do PV quotas do Fundo Partidário em período cujo repasse estava vedado.

O parecer conclusivo assim abordou a questão (ID 44875447):

1. Conforme constou no item 1 do exame das contas, analisando os extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, referentes à conta utilizada pela agremiação para movimentação de recursos do Fundo Partidário (conta 71070-9, agência 883 do Banco do Brasil), observaram-se repasses de Fundo Partidário advindos da Direção Nacional do PV, no montante de R$ 81.852,58, conforme datas e valores registrados na tabela que segue:

A respeito, no exame apontou-se que a direção estadual do PV na circunscrição eleitoral do Rio Grande do Sul encontra-se cumprindo sanção de impedimento de recebimento de recursos do Fundo Partidário, por falta de apresentação de contas dos exercícios financeiros de 2005, 2009, 2010, 2011 e 2012, sendo que a totalidade do valor repassado ao prestador (R$ 81.852,58) ocorreu em período de vedação de recebimento desse tipo de recurso, sujeito, pois, a recolhimento ao Tesouro Nacional. Em resumo:

O partido entendeu por incorreto o apontamento no que se refere aos períodos de suspensão relativos aos anos de 2005 e 2009, uma vez que não constam no sistema SICO do TSE, conforme pesquisa realizada pela agremiação em 02/08/2021.

Nesse ponto, cumpre esclarecer que os registros no sistema SICO iniciaram a partir do ano de 2010. E, até o exercício de 2014, o procedimento adotado para a implementação da suspensão aos partidos inadimplentes com a prestação de contas seguia o rito previsto na Resolução TSE 21.841/2004.

Além desse fato, cabe ressaltar que o Diretório Nacional do PV recebeu os ofícios n. GP 279/2006 e n. P 106/2010 do Gabinete da Presidência deste TRE-RS mediante cartas registradas com as comunicações da inadimplência do diretório estadual referentes aos anos de 2005 e 2009, respectivamente.

Registra-se, também, que em 07/11/2019 o prestador requereu a este TRE o fornecimento de Certidão de Regularidade das Prestações de Contas, por seu Secretário Especial de Finanças, Sr. Luis Afonso Gravi Teixeira, ainda no cargo. (Processo SEI 0008469-39.2019.6.21.800). A solicitação foi atendida em 14/11/2019 mediante envio de certidão na qual constou a situação dos processos referentes às prestações de contas do requerente, e os anos de inadimplência do partido até aquela data, sendo estes os anos apontados no item 1 do exame das contas. Assim, desde o recebimento da referida certidão (juntada ao final deste parecer conclusivo), o partido está ciente que os períodos de suspensão de repasses do Fundo Partidário referem-se aos anos de 2005, 2009, 2010, 2011 e 2012.

A manifestação do prestador faz referência, ainda, ao § 3º-A do art. 37 da Lei 9.096/95, contudo tal dispositivo legal prevê sanção em caso de desaprovação das contas. O que se observa nos citados anos é a omissão de prestação de contas.

Assim, por recebimento de recursos do Fundo Partidário em período em que cumpria suspensão na forma do artigo 48 da Resolução TSE 23.546/2017, considera-se irregular o montante de R$ 81.852,58, passível de devolução ao Erário conforme determinação do artigo 59, § 2º, da mesma resolução.

O partido deixou de oferecer alegações finais, entretanto, em sua defesa anteriormente apresentada, nos termos do art. 37, § 7º, da Resolução TSE n. 23.604/19, asseverou haver incorreção nos períodos apontados pela área técnica, que indica a existência de inadimplência do dever de prestar contas também em relação aos anos de 2005 e 2009, diferentemente do que revela o sistema SICO do TSE, em que inexiste sanção concernente a tais exercícios. Aduziu que não lhe cabia questionar o Diretório Nacional sobre os repasses recebidos em 2019, tendo em vista que compete somente àquele órgão o cumprimento da determinação de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário, e invocou o art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95 (ID 44144183).

A tese defensiva não procede.

Primeiramente, consoante informado pela SAI, os registros no sistema SICO iniciaram a partir de 2010 e por essa razão não constam os lançamentos atinentes aos anos de 2005 e 2009, que foram devidamente comunicados à agremiação, na forma então vigente.

De qualquer sorte, a prestação de contas sub examine versa sobre o ano de 2019 e no mencionado sistema eletrônico figurava a suspensão decorrente da omissão do dever de prestar contas pertinente aos anos de 2010, 2011 e 2012, que, consoante informado pela unidade técnica, iniciou em 02.5.2011, perdurando, ao menos, até a data de 02.8.2021.

Demais disso, não se sustenta o argumento de que não lhe incumbia “questionar junto à Nacional por tal repasse, posto ser esta a responsável por atender a determinação de suspensão de repasses do Fundo Partidário aos diretórios estaduais que assim foram penalizados”.

Ora, além de desafiar a lógica, a proposição de que a penalidade de suspensão teria efeitos exclusivamente sobre o órgão partidário distribuidor da verba, e não sobre o diretório beneficiário, saliento que a Resolução TSE n. 23.546/17, em seu art. 48, caput, prescreve que a falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário, verbis:

Art. 48.  A falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário, enquanto não for regularizada a situação do partido político.

Patente, portanto, a vedação em tais circunstâncias, tanto do repasse de recursos pelo órgão distribuidor quanto de seu recebimento pelo favorecido, o qual está obrigado a manter supervisão constante sobre suas movimentações bancárias, para, no prazo devido, emitir recibos de doação (art. 11, caput e inc. IV, da Resolução TSE n. 23.546/17) e devolver valores creditados indevidamente (art. 11, § 5º, e art. 14, caput e § 1º, do mesmo diploma regulamentar).

Aliás, a Resolução TSE n. 23.546/17 é expressa em dispor que é defeso ao diretório, durante o cumprimento da sanção em tela, ter suas obrigações assumidas por outros órgãos, caso pagas com recursos do Fundo Partidário (art. 23, caput e § 1º).

Noutro giro, no que toca à invocação do preceito contido no art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, melhor sorte não lhe socorre.

Eis a redação do dispositivo legal:

§ 3º-A.  O cumprimento da sanção aplicada a órgão estadual, distrital ou municipal somente será efetivado a partir da data de juntada aos autos do processo de prestação de contas do aviso de recebimento da citação ou intimação, encaminhada, por via postal, pelo Tribunal Regional Eleitoral ou Juízo Eleitoral ao órgão partidário hierarquicamente superior.

A norma foi incluída pela Lei n. 13.877, de 27 de setembro de 2019, ou seja, muito depois das datas de publicação das diversas decisões sancionatórias e, consoante consolidada jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, seguida por este Regional, “as prestações de contas devem ser julgadas e sancionadas consoante as regras previstas na legislação vigente à época dos fatos, em atenção ao princípio do tempus regit actum (PC n. 90176, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe 15.6.2015)”.

Mais especificamente, decidiu aquela Corte Superior que “a alteração trazida pelo art. 37, § 3º-A, da Lei dos Partidos Políticos não produz efeitos retroativos ante a falta de comando normativo nesse sentido. Assim, aplicam-se ao caso concreto as disposições normativas então vigentes, por força do princípio tempus regit actum (PC n. 261-34.2015.6.00.0000, Relator Min. Edson Fachin, DJe 04.6.2020)”.

Inaplicável à hipótese, portanto, a referida norma.

Impende ressaltar que o TSE, em recente acórdão, o qual faz remissão a julgado do STF, assentou que a notificação se dá por via da publicação da decisão sancionatória, informação que deve ser conferida pelo órgão nacional antes de efetuar o repasse de recursos do Fundo Partidário, de modo que se revela prescindível a intimação específica do órgão partidário superior para deixar de efetuar o repasse aos diretórios vinculados:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DIVERSAS IRREGULARIDADES. CONTAS DESAPROVADAS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. INCONFORMISMO. PRETENSÃO DE REEXAME DA MATÉRIA. REJEIÇÃO. SÍNTESE DO CASO.

(...)

4. Repasse irregular de recursos do Fundo Partidário para diretórios com contas desaprovadas. Ficou consignado no acórdão embargado que a notificação se dá a partir da publicação da decisão que rejeitou as contas dos órgãos municipais e estaduais, informação que deve ser conferida pelo órgão nacional antes de efetuar o repasse de recursos do Fundo Partidário.

5. Em 28.8.2020, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 28, IV, da Res.–TSE 21.840. Ficou consignado no voto vencedor que "o diretório hierarquicamente superior tem apenas o ônus de deixar de efetuar o repasse, sendo prescindível, para fins de aplicação da cláusula do devido processo legal, a sua intimação específica".

6. A conclusão do julgamento improcedente da ADI 6395, pelo Supremo Tribunal Federal, implica a manutenção do entendimento firmado nesta Corte Superior de que "a sanção de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário imposta aos diretórios regionais e municipais, em razão da desaprovação das suas contas, deve ser cumprida pelo diretório nacional a partir da publicação da respectiva decisão, e não da data de sua comunicação pelos Tribunais Regionais" (PC 301–50, Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 28.6.2019).

7. Não havia, à época da aplicação da sanção, previsão na legislação eleitoral determinando que esta Justiça Especializada procedesse à intimação dos órgãos nacionais a respeito das decisões que desaprovassem as contas dos diretórios regionais e municipais, com a sanção de suspensão do recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário.

(...)

(Prestação de Contas n. 25879, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 208, Data 15.10.2020).

Dessa forma, reputam-se irregulares os repasses de quotas do Fundo Partidário ocorridos em 2019, porquanto o diretório estadual se encontrava impedido de auferi-las, em decorrência da falta de apresentação de contas dos exercícios financeiros de 2005, 2009, 2010, 2011 e 2012.

Assentada essa premissa, impende determinar-se ao prestador de contas o ressarcimento aos cofres púbicos da quantia espúria, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.546/17, in litteris:

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/1995, art. 37).

(…).

Art. 59. (…).

[…].

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13, o órgão partidário e os seus responsáveis devem ser notificados para fins de devolução ao Erário, se já não houver sido demonstrada a sua realização.

(…).

Art. 62. O disposto nos incisos I e II do caput do art. 60 e no art. 61 também é aplicável no caso das prestações de contas que tenham sido aprovadas com ressalvas, nas quais tenha sido identificada irregularidade que, independentemente do seu valor, deve ser ressarcida aos cofres públicos.

Esse entendimento está em estrita consonância com a jurisprudência do TSE, a seguir colacionada:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL DE PARTIDO POLÍTICO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO QUE SUSPENDEU O RECEBIMENTO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é irregular o recebimento de valores transferidos pelos demais órgãos partidários durante o cumprimento da pena de suspensão do Fundo Partidário por um de seus diretórios. Precedentes.

2. Em casos dessa natureza, tem-se aplicado de forma conjunta a suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário e a devolução ao Erário da quantia apurada, procedimento que não implica bis in idem (PC 957-46/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 22.10.2014).

3. A restituição do dinheiro alheio ao seu legítimo proprietário constitui, na verdade, o mero retorno ao status quo ante, e não a imposição de uma penalidade. A sanção legal propriamente dita surge em momento posterior, quando ao órgão partidário infrator é imposta pela Justiça Eleitoral a devolução do valor correspondente à burla.

4. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 7695, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, Data de Julgamento: 28.4.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 90, Data: 14.5.2015, pp. 180-181) (Grifei.)

Desse modo, ante a irregularidade verificada no manejo de recursos públicos, impõe-se à grei política a devolução ao erário do quantum de R$ 81.852,58.

Anoto, obiter dictum, que eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União no caso de condenação pelo TSE do Diretório Nacional, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum (art. 275 do CC).

Assim, tenho que, na fase do cumprimento de sentença, o órgão partidário poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do CPC para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente.

Nesse sentido, colaciono precedentes deste Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2017. RECEBIMENTO E USO IRREGULAR DE VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO ENQUANTO VIGORAVA A SUSPENSÃO DOS REPASSES. RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ART. 31 DA LEI N. 9.096/95. DUPLO TRATAMENTO DAS DOAÇÕES PERCEBIDAS ANTES E APÓS O ADVENTO DA LEI N. 13.488/17. DEPÓSITOS SEM IDENTIFICAÇÃO DE ORIGEM – RONI. ARTS. 7º, 8º e 13 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. QUANTIA IRREGULAR CORRESPONDENTE A 26,66% DAS RECEITAS. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE ILÍCITO, COM ACRÉSCIMO DE 5% DE MULTA, AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PELO PERÍODO DE UM MÊS. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas de diretório estadual partidário referente ao exercício de 2017. Parecer conclusivo apontando o recebimento de verbas do Fundo Partidário durante período em que cumpria sanção de suspensão no repasse de quotas, além do aporte de recursos de fonte vedada e de origem não identificada.

2. Da utilização de recursos do Fundo Partidário em período de impedimento ao repasse de novas verbas da espécie. Inaplicabilidade do art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.877/19. O dispositivo invocado pelo partido foi acrescentado à Lei dos Partidos em data posterior à contabilidade apresentada, não cabendo sua aplicação ao feito atual em respeito ao princípio do tempus regit actum. O termo inicial da penalidade é a data de publicação da respectiva decisão, e não de sua comunicação pela Justiça Eleitoral aos órgãos partidários. Dessa forma, irregulares os repasses posteriores à data do comando judicial sancionador. Falha que conduz à obrigação de devolver as quantias ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.464/15. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União em caso de condenação do Diretório Nacional pelo TSE, no processo próprio de contas, em razão da ilegalidade do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum, nos termos do art. 275 do Código Civil. Oportunidade em que o órgão partidário poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do Código de Processo Civil para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente.

(...)

(TRE-RS, Processo PC-PP n. 0600278-31.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 12.5.2021).

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2018. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO NÃO COMPROVADOS POR DOCUMENTOS IDÔNEOS. BENEFICIÁRIOS DE PAGAMENTOS NÃO IDENTIFICADOS. “CÓPIAS CARBOGRÁFICAS” NÃO REPRESENTAM CÓPIA FIEL E INTEGRAL DE CHEQUE. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DETALHADA DAS ATIVIDADES EXECUTADAS PELOS FORNECEDORES CONTRATADOS. NÃO EVIDENCIADO O PAGAMENTO ÀS EMPRESAS AÉREAS DECLARADAS. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO VINCULADA ÀS ATIVIDADES PARTIDÁRIAS. CHEQUE ÚNICO PARA PAGAMENTO A MAIS DE UM FORNECEDOR. NÃO COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR DECLARADO. CONSTITUIÇÃO DE FUNDO DE CAIXA EM MONTANTE SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO EM PERÍODO VEDADO. APORTE DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. INVIABILIDADE DA INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APLICAÇÃO DE MULTA. DESAPROVAÇÃO.

(...)

10. Recebimento de quotas do Fundo Partidário, direcionadas pelo diretório nacional do partido, em período cujo repasse estava vedado (cumprimento de penalidade de suspensão no repasse de novas quotas). Improcedente a tese defensiva de que, ao receber os recursos públicos, o partido estava amparado por certidão emitida pela Justiça Eleitoral que atestava a inexistência de impedimento, uma vez que, ao tempo da emissão da primeira certidão, todos os repasses irregulares já haviam ocorrido. Determinação de ressarcimento ao Tesouro Nacional do respectivo montante recebido irregularmente. Nesse sentido, jurisprudência do TSE. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União, no caso de condenação do diretório nacional, pelo TSE, em processo próprio de contas, em razão da ilicitude do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum (art. 275 do Código Civil). Oportunidade em que o órgão partidário poderá alegar, por meio de impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do Código de Processo Civil para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente.

(TRE-RS, PP-PC 0600269-35.2019.6.21.0000, Relatora Des. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, julgado em 24.01.2022).

II. Da aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário.

Examinando a conta bancária atinente aos recursos provenientes do Fundo Partidário, a unidade técnica apontou em seu relatório conclusivo irregularidades no montante de R$ 59.964,35, que a seguir reproduzo (ID 44875447):

2. No item 2 do Exame da Prestação de Contas foram apontados gastos com Fundo Partidário efetuados por meio da conta-corrente nº 71070-9, agência 883, do Banco do Brasil, em desacordo com o art. 18; art. 29, VI, combinados com o art. 35, § 2º, todos da Resolução TSE 23.546/2017. Do montante apontado no exame, permanecem não sanados os gastos abaixo, no total de R$ 59.964,35:

A respeito dos apontamentos acima, assim se manifestou o prestador (ID 44144183):

2.1. Quanto aos gastos com serviços de contabilidade, pagos a Luis Afonso Gravi Teixeira, no valor de R$ 967,63 e mais seis pagamentos de R$ 6.000,00, totalizando R$ 36.967,63:

Dentre as funções do contador temos, entre outras, o acompanhamento da arrecadação de recursos e a realização de gastos, registros contábeis pertinentes e auxílio ao partido político na elaboração da prestação de contas, sempre com estreita observação às normas determinadas pelo CFC, além das regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral.

Contudo, conforme já analisado no exame das contas, os recibos referentes às despesas apontadas não apresentam descrição detalhada dos serviços, fazendo referência genérica à “serviços técnicos de contabilidade”, insuficiente para o ateste de regularidade de gasto com recursos públicos. O partido também relacionou os seguintes serviços como prestados:

- Luis Afonso Gravi Teixeira: Prestação de contas e assessoria contábil ao Diretório Estadual nos anos de 2017/2018/2019. Prestação de contas e assessoria contábil aos Diretórios Municipais de: Guaíba em 2019; Rio Grande em 2017/2018/2019; Cachoeirinha em 2019; Gravataí em 2019; Cruz Alta em 2019; Triunfo em 2019; Santana do Livramento em 2019; Tramandaí em 2018/2019; Sapucaia do Sul em 2018.

Regularização de CNPJ junto ao TRE/RS e Receita Federal do Diretório Estadual e todos os Diretórios Municipais.

No entanto, não foram apresentadas comprovações da contratação e da efetiva prestação desses serviços, nos termos do § 2º do art. 35 da Resolução TSE 23.546/2017.

Conforme ressaltado pelo Ministério Público Eleitoral na Promoção de ID 42270633, verifica-se no próprio contrato a ausência de detalhamento dos serviços contábeis a serem prestados visto que o objeto, estipulado na cláusula primeira, refere genericamente que “A prestação de serviços se dará nas atividades de contabilidade e assessoria no que tange ao partido em todas as esferas partidárias do Rio Grande do Sul” (ID 6134433, pág. 1). A ausência de descrição detalhada do serviço contratado impede a fiscalização da sua efetiva prestação.

Ainda, sobre o gasto no valor R$ 967,63, não há comprovação do efetivo pagamento ao prestador de serviços, visto que não foi efetuado por meio de operação bancária identificada com CPF ou CNPJ do beneficiário. Também, a respeito do gasto, o parecer ministerial aponta que “sequer existe documento fiscal que justifique tal pagamento, uma vez que tal montante não possui suporte no contrato apresentado, além de não constar, nos extratos bancários eletrônicos, a identificação do beneficiário do pagamento, na forma exigida pelo art. 18, § 4º, da Resolução TSE nº 23.546/2017.”

2.2 Gastos com serviços de advocacia e consultoria, no total de R$ 18.000,00, pagos a Augusto Vieira Stramdahl:

[…] o advogado presta serviços de consultoria e advocacia ao partido, tanto no dia a dia, com acompanhamento processual quanto na prestação de contas do partido.

Contudo, conforme já mencionado no exame das contas, verifica-se que o prestador constituiu advogado diverso para apresentação da prestação de contas do exercício de 2019. O partido também relacionou os seguintes serviços:

- Dr. Augusto Vieira Stromdahl: Assessoria jurídica e responsável jurídico pela apresentação da prestação de contas junto ao TRE/RS do Diretório Estadual anos 2017/2018/2019; responsável jurídico pela apresentação da prestação de contas dos Diretórios Municipais de: Guaiba ano 2019; Rio Grande anos 2017/2018/2019; Cachoeirinha ano 2019; Gravataí ano 2019; Cruz Alta ano 2019; Triunfo ano 2019; Santana do Livramento ano 2019; Tramandaí anos 2018/2019; Sapucaia do Sul ano 2018; regularização de CNPJ junto ao TRE/RS e Receita Federal do Diretório Estadual e de todos os Diretórios Municipais.

No entanto, não foram apresentadas comprovações da efetiva prestação desses serviços, nos termos do § 2º do art. 35 da Resolução TSE 23.546/2017. O partido também aduziu que:

Os gastos com honorários de serviços de contabilidade e de advocacia não se submetem a individualização para determinação dos beneficiados, constituem-se despesas utilizadas pelo partido político para a sua manutenção e consecução de seus objetivos.

A esse respeito, cumpre referir que na análise técnica deve-se verificar se o gasto está previsto no art. 17 (art. 44 da Lei nº 9.095/95) e comprovado na forma do art. 18 e demais dispositivos aplicáveis constantes da Resolução TSE 23.546/2017.

Quanto aos pagamentos em questão, além da ausência de detalhamento da documentação apresentada, assim apontou o Ministério Público Eleitoral:

[...] também se verifica, no que concerne ao valor de R$ 15.000,00 (cheques 850005, 850006, 850007, 850014 e 850016), que o beneficiário do pagamento não está identificado nos extratos bancários acostados, circunstância explicada pelo fato de os cheques utilizados para tal não terem observado a forma cruzada (ID 6145383), conforme exigido pelo § 4º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.546/2019.

Por fim, também não se explica porque o contrato assinado em 01.04.2019 teria abrangido pagamentos de R$ 3.000,00 ao longo de seis meses, quando, já em 31.07.2019, quatro meses após, houve a assinatura de um novo contrato a título de “advocacia e assessoria” com a fornecedora Luciana Rocha de Bom, o qual abrangeria “todos os processos jurídicos do contratante” (ID 6145433).

Com relação às irregularidades acima, o órgão partido não se manifestou e permanecem não sanadas.

2.3 Gastos com telefonia móvel nos valores de R$ 593,42, R$ 623,52, R$ 645,43 e R$ 640,14, pagos à Global Telecom S.A. (VIVO). Em relação a tais gastos, o exame das contas apontou que os documentos fiscais apresentados não estavam em nome do partido. No que se refere a essa irregularidade, o prestador assim se manifestou:

Com efeito, por falha quando da juntada dos documentos, não foi observado que o nome do Partido Verde consta somente na folha nº 2 dos documentos fiscais.

E juntou os quatro documentos fiscais completos (ID 44144233, 44144283, 44144333 e 44144383), nos quais constam nome e CNPJ do partido, sanando as irregularidades apontadas no exame das contas.

O parecer ministerial apontou que, além de tais irregularidades, “também se verifica que os endereços cadastrados diferem do endereço do partido político, com o agravante, no tocante ao último gasto informado, de que a fatura diz respeito a conta de telefone fixo.” Assim se manifestou o partido:

Quanto ao endereço constante nos documentos fiscais, irregularidade apontada pelo Ministério Público (ID 42270633-pg.62), optou-se pela entrega do documento no endereço do Secretário da agremiação, responsável por disponibilizar tais documentos para pagamento, evitando atrasos, extravio ou falta de pagamento dos consumos mensais, posto que o Secretário, devido suas atividades laborais, não tem disponibilidade de dirigir-se à sede do partido diariamente.

Contudo, nas referidas notas fiscais verifica-se que o pagamento está em débito automático, e, ainda que assim não fosse, não há como aferir com base nos documentos apresentados que o endereço cadastrado na operadora trata-se do endereço de entrega da fatura, e não do endereço de instalação. Assim, tem-se como aplicação irregular de recursos públicos, não sendo possível atestar que trata-se de gasto permitido nos termos do art. 17, § 1º e incisos, da Resolução TSE 23.546/19.

2.4 Gastos com telefonia fixa no valor de R$ 106,51 pagos à Telefonica Brasil S.A. (VIVO).

Em relação a tal gasto, o exame das contas apontou que no documento fiscal apresentado não consta CNPJ apto a identificar o órgão partidário contratante do serviço. No que se refere a essa irregularidade, a nota fiscal não foi reapresentada de forma completa, embora haja essa referência na manifestação do partido, permanecendo a irregularidade.

Ainda, conforme apontado no parecer ministerial, ocorre nesse caso, a mesma irregularidade com relação ao endereço constante na nota fiscal (Rua Doze de Outubro, cs 63, Partenon), visto não tratar-se do endereço do órgão partidário, e nem do endereço constante nas notas fiscais dos serviços de telefonia móvel. Assim, tem-se como aplicação irregular de recursos públicos, não sendo possível atestar que trata-se de gasto permitido nos termos do art. 17, § 1º e incisos, da Resolução TSE 23.546/19.

2.5 Gasto com locação no valor de R$ 2.000,00, pagos a Márcio Souza da Silva, permanece não sanado diante da irregularidade apontada no parecer ministerial:

[…] não consta o beneficiário do pagamento nos extratos bancários, cabendo a juntada do correspondente cheque nº 850012 (informado no recibo juntado) na forma cruzada, conforme determinado pelo § 4º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.546/2017.

2.6 Gasto com produtos alimentícios no valor de R$ 283,65, pagos à Mercado e Padaria Dona Lis EIRELI, permanece não sanado. O documento fiscal não está em nome do partido e a vinculação da despesa com as atividades partidárias não foi comprovada. Embora na manifestação do prestador haja referência a “encontro da Secretaria da Juventude em Canoas”, não foi apresentada comprovação da efetiva realização do evento (tais como convites, ata de reunião, fotos, lista de presença...), nos termos do § 2º do art. 35 da Resolução TSE 23.546/2017.

2.7 Em relação aos gastos de R$ 43,95 e R$ 59,90 não foram apresentados documentos fiscais, havendo referência na manifestação do prestador de que tais despesas se destinaram à “manutenção do site do PV.” Também não há comprovação de pagamento visto que nos extratos bancários eletrônicos o beneficiário não está identificado, na forma exigida pelo art. 18, § 4º, da Resolução TSE nº 23.546/2017.

Assim por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Partidário (Tabela1) na forma dos artigos art. 18 e 29, inciso VI, combinados com o artigo 35, § 2º, todos da Resolução TSE 23.546/2017, considera-se irregular o montante de R$ 59.964,35, passível de devolução ao Erário conforme determinação do artigo 59, § 2º, da Resolução TSE 23.546/2017.

Observa-se, pois, que, no pertinente aos itens 2.1 e 2.2, não restaram devidamente comprovadas as despesas com serviços de contabilidade, contratadas com Luis Afonso Gravi Teixeira, no total de R$ 36.967,63, e de advocacia e consultoria, ajustadas com Augusto Vieira Stramdahl, no importe de R$ 18.000,00.

Quanto aos gastos com contador, os recibos referentes às despesas apontadas não contêm descrição detalhada dos serviços, fazendo referência genérica a “serviços técnicos de contabilidade”, insuficiente para ser atestada a regularidade de gasto com recursos públicos.

Dispõe o art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 18.  A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 4º Os gastos partidários devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19.

(...)

Art. 35.  Constatada a conformidade da apresentação de conteúdos e peças, nos termos do caput do art. 34, as contas devem ser submetidas à análise técnica para exame:

(...)

II – da regularidade na distribuição e aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário, especificando o percentual de gastos irregulares em relação ao total de recursos;

(...)

§ 2º A regularidade de que trata o inciso II do caput abrange, além do cumprimento das normas previstas no art. 2º, a efetiva execução do serviço ou a aquisição de bens e a sua vinculação às atividades partidárias.

Portanto, sem a apresentação de documentos que descrevam detalhadamente os serviços executados, não se pode avaliar a correção do dispêndio, tanto para verificar sua vinculação às atividades partidárias quanto para relacionar à sua economicidade, tendo em vista que realizada com recursos públicos.

Igualmente, quanto ao gasto no valor R$ 967,63, inexiste comprovação do efetivo pagamento ao prestador de serviços, visto que não foi efetuado por meio de operação bancária identificada com CPF ou CNPJ do beneficiário, devendo ser, desse modo, glosado.

Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente deste Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2018. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO NÃO COMPROVADOS POR DOCUMENTOS IDÔNEOS. BENEFICIÁRIOS DE PAGAMENTOS NÃO IDENTIFICADOS. “CÓPIAS CARBOGRÁFICAS” NÃO REPRESENTAM CÓPIA FIEL E INTEGRAL DE CHEQUE. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DETALHADA DAS ATIVIDADES EXECUTADAS PELOS FORNECEDORES CONTRATADOS. NÃO EVIDENCIADO O PAGAMENTO ÀS EMPRESAS AÉREAS DECLARADAS. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO VINCULADA ÀS ATIVIDADES PARTIDÁRIAS. CHEQUE ÚNICO PARA PAGAMENTO A MAIS DE UM FORNECEDOR. NÃO COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR DECLARADO. CONSTITUIÇÃO DE FUNDO DE CAIXA EM MONTANTE SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO EM PERÍODO VEDADO. APORTE DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. INVIABILIDADE DA INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APLICAÇÃO DE MULTA. DESAPROVAÇÃO.

(...)

3. Identificadas despesas sem comprovação dos pagamentos aos fornecedores, sem a descrição detalhada das atividades contratadas ou demonstração de sua efetiva execução, descumprindo os arts. 18, caput e § 4°, e 35, § 2°, ambos da Resolução TSE n. 23.546/17. Documentos acostados, inclusive os recibos de pagamentos a autônomo (RPAs), não produzem prova idônea e contemporânea acerca das contratações em tela, com detalhamento das atividades desempenhadas, de sua composição remuneratória e da vinculação às atividades partidárias, nos termos exigidos pela legislação. Descabida a alegação recursal de inovação no parecer conclusivo.

(...)

6. Irregularidade quanto à realização de pagamentos a dois ou mais fornecedores utilizando apenas um cheque das contas usadas para movimentar recursos do Fundo Partidário. Indispensável o emprego de cheque nominativo cruzado ou transação bancária indicando o CPF ou CNPJ do beneficiário (art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17). Recolhimento de valores ao erário.

(...)

9. Despesas com verbas do Fundo Partidário sem descrição detalhada da atividade desenvolvida pelos fornecedores, sem indicação de datas, carga horária, roteiros, municípios abrangidos pela atuação dos profissionais, ou apresentação dos contratos celebrados. Inobservância do disposto nos arts. 18, 29, inc. VI, e 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17. A aplicação de recursos públicos pressupõe a estrita observância aos princípios da impessoalidade, da economicidade e da moralidade, sendo incabíveis acordos orais, custeados com verbas do Fundo Partidário, estabelecidos segundo a mera vontade do dirigente. Nesse sentido, jurisprudência do TSE. Gastos desprovidos de adequada comprovação. Determinação de recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

Nesse passo, restou caracterizada irregularidade quanto a tais gastos.

Ainda em relação a esse tópico, o Parquet Eleitoral opina no sentido de que seja “repassada às Zonas Eleitorais de Guaíba, Rio Grande, Cachoeirinha, Gravataí, Cruz Alta, Triunfo, Santana do Livramento, Tramandaí e Sapucaia do Sul a informação de que o contador Luis Afonso Gravi atuou nas prestações de contas dos respectivos diretórios municipais, uma vez que tais diretórios teriam que justificar a eventual contratação de outro contador” (ID 44936676).

Entretanto, contrariamente à manifestação ministerial, entendo por não haver utilidade na medida, tendo em conta que os gastos realizados em favor do mencionado contador restaram não comprovados.

No que concerne aos dispêndios com serviços advocatícios, no total de R$ 18.000,00, pagos a Augusto Vieira Stramdahl, também não há suficiente comprovação de sua realização, em violação ao art. 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Por oportuno, anoto que a sigla, quando da apresentação da prestação de contas do exercício de 2019, constituiu advogado diverso. Ainda que tenha sido alegado que o causídico atuou em outros feitos em prol desse diretório estadual e de municipais, não foram apresentadas as necessárias comprovações.

Demais disso, na linha do apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral (ID 42270633), verifica-se, “no que concerne ao valor de R$ 15.000,00 (cheques 850005, 850006, 850007, 850014 e 850016), que o beneficiário do pagamento não está identificado nos extratos bancários acostados, circunstância explicada pelo fato de os cheques utilizados para tal não terem observado a forma cruzada (ID 6145383), conforme exigido pelo § 4º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.546/2019”, de modo a, também por esse motivo, serem considerados irregulares.

No que se refere ao item 2.3, que versa sobre gastos com telefonia móvel nos valores de R$ 593,42, R$ 623,52, R$ 645,43 e R$ 640,14, pagos à Global Telecom S.A. (VIVO), tenho que estão suficientemente comprovados.

O fato de o endereço constante das faturas de telefonia celular não coincidir com o endereço da sede do partido não importa, por si só, irregularidade das despesas.

Saliento que todos os gastos referem-se ao “Nº da Conta 0261219128”, que agrupa três números telefônicos móveis, incluindo o 51-98011-4343, que consta da certidão extraída do SGIP como sendo do partido (ID 6165133).

Regulares, assim, esses gastos, no somatório de R$ 2.502,51.

Quanto ao item 2.4, persiste a falha relacionada ao gasto com telefonia no valor de R$ 106,51, pago à Telefonica Brasil S.A. (VIVO), em virtude de falta de comprovação de que se deu em favor da agremiação, nos termos exigidos pelo art. 17, §1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

No que tange ao item 2.5, que examina o dispêndio de R$ 2.000,00 pago a Márcio Souza da Silva, alusivo à locação, deve ser considerado irregular, ante o fato de o pagamento não ter sido realizado observando-se o prescrito no art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17 (emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário).

Da mesma forma, atinente ao item 2.6, mostra-se indevido o gasto de R$ 283,65, pago a Mercado e Padaria Dona Lis EIRELI, em produtos alimentícios, pois o documento fiscal não registra o nome do partido e inexiste comprovação de sua vinculação com as atividades partidárias.

No que diz respeito ao item 2.7, os gastos de R$ 43,95 e R$ 59,90 não estão respaldados por documento fiscal, tampouco foram pagos de acordo com as regras de regência (art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17).

Por conseguinte, são irregulares as despesas com recursos do Fundo Partidário, no somatório de R$ 57.461,64.

Entrementes, não há de ser imposto o ressarcimento dessa importância aos cofres públicos.

Explico.

A totalidade dos valores do Fundo Partidário recebidos pelo prestador de contas no exercício de 2019, R$ 81.852,58 foi entendida irregular porque ocorreu durante o cumprimento de sanção de suspensão de quotas, consoante analisado no item I acima, tendo sido determinado seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Como cediço, “o dever de recolhimento ao Erário dos valores do Fundo Partidário empregados de maneira irregular, previsto no art. 34 da Res.-TSE n. 21.841/2004, não possui natureza jurídica de sanção, mas de obrigação de ressarcimento” (TSE, AgR-REspe n. 447-57.2015.6.00.0000/PR, Acórdão, Relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 03.5.2016).

Segundo a jurisprudência do TSE, “as hipóteses de recolhimento de valores ao Erário são as referentes a recursos de origem não identificada e de fontes vedadas, ausência de comprovação de despesa e aplicação irregular com recursos oriundos do Fundo Partidário, de acordo com a legislação de regência” (AgR-PC n. 968-75.2010.6.00.0000/DF, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, julgado em 30.9.2015).

Logo, na espécie, não há que se falar em penalidade, e sim tão somente em devolução de verbas públicas irregularmente manejadas, de sorte que, nesse cenário, não podem ser somadas falhas distintas perpetradas com o emprego de um determinado valor, para o fim de restituição ao ente estatal.

Nessa ordem de ideias, na hipótese de um órgão partidário que aufira o total de R$ 1.000,00 do Fundo Partidário, na mesma situação verificada nestes autos, durante período em que o repasse se encontrava suspenso (falha 1), e o utilize para a quitação de multas relativas a atos infracionais (falha 2), e, além disso, pague o gasto com cheque emitido em favor de terceiro (falha 3), não será obrigado, pelo fato de ter praticado esses três atos espúrios, a “restituir” ao erário R$ 3.000,00, mas apenas R$ 1.000,00.

III – Recebimento de recursos de origem não identificada.

A SAI apontou o recebimento de recursos de origem não identificada pela agremiação, em relatório vazado nos seguintes termos (ID 44875447):

3. Conforme o item 3 do Exame da Prestação de Contas, da análise dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE (Banrisul, agência 100, conta-corrente 624884304), constatou-se ingresso de recurso de origem não identificada, uma vez que em desacordo com inciso IV, art. 5º combinado com o art. 7º todas da Resolução TSE 23.546/2017:

Assim se manifestou o prestador (ID 44144183): “O recurso acima tem como doadora a Sra. Maria Inês Pinheiro, [….] Secretária de Finanças do órgão do PV em Cachoeirinha à época, conforme se observa na certidão de composição anexa à presente, daí sua relação com referido CNPJ.”

A manifestação do partido reitera a declaração apresentada na prestação de contas (ID 6134333, pág. 1) acerca de equívoco na identificação do doador por ocasião do depósito em dinheiro, entretanto a ausência da correta identificação das receitas no extrato bancário não pode ser sanada por documento declaratório desacompanhado de extrato bancário da conta da declarante, uma vez que insuficiente para o ateste da real origem do recurso.

Ainda, de registrar que em consulta aos extratos eletrônicos do Diretório Municipal de Cachoeirinha verifica-se que não houve movimentação financeira no exercício de 2019:

Conforme a legislação eleitoral, toda e qualquer doação ou contribuição feita a partido político, deve respeitar a exigência de identificação do CPF do doador ou contribuinte nos extratos bancários apresentados à Justiça Eleitoral, à exceção da doação oriunda de outras esferas do partido, em que deverá constar o CNPJ da agremiação doadora no extrato e a informação do CPF do doador originário no sistema SPCA.

Assim, não é possível atestar a real procedência do valor apontado, configurando recurso de origem não identificada, no valor de R$ 900,00, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 14 da Resolução TSE 23.546/2017.

Vê-se, pois, que o órgão partidário recebeu em sua conta bancária o depósito em espécie da quantia de R$ 900,00, com a identificação do CNPJ n. 04.327.972/0001-46 pertencente ao Diretório Municipal do PARTIDO VERDE (PV) de Cachoeirinha, em que pese esse órgão partidário não tenha realizado movimentação financeira no exercício.

O prestador de contas informou que o funcionário da instituição bancária e a alegada doadora, Sra. Maria Inês Pinheiro, Secretária de Finanças do diretório municipal, cometeram equívoco, porque foi registrado o CNPJ da legenda, em vez do CPF da doadora.

Saliente-se que não restou demonstrado que o valor foi sacado da conta bancária da suposta doadora para então ser creditado na conta do órgão partidário estadual.

Desse modo, não há meios de evidenciar a procedência dos valores, razão pela qual o montante deve ser considerado como recurso de origem não identificada e, via de consequência, transferido ao Tesouro Nacional.

Conclusão.

Ultimada a análise dos apontamentos em debate nos presentes autos, tem-se que as irregularidades, nos valores de R$ 81.852,58 (item n. 1) e R$ 900,00 (item n. 3), alcançam o total de R$ 82.752,58.

Tal quantia representa 84,82% da receita total arrecadada no exercício (R$ 97.564,58), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar a relevância das máculas sobre o conjunto das contas.

Por todo o exposto, impõe-se a desaprovação das contas partidárias, com fulcro no art. 46, inc. III, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Além disso, das irregularidades que envolvem o manejo dos recursos do Fundo Partidário decorre a obrigação de restituição do valor de R$ 81.852,58 ao Tesouro Nacional (item n. 1), com fulcro no art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17, bem como o dever de recolhimento da quantia de R$ 900,00, em face do recebimento de recursos de origem não identificada, a teor do art. 13, parágrafo único, inc. I, al. “b”, da mesma Resolução.

Ademais, deve incidir, ainda, multa de até 20% sobre o total das irregularidades verificadas, nos termos do art. 49, caput, da Resolução TSE n. 23.546/17 (art. 37 da Lei n. 9.096/95), que, conforme estabelece o § 2º do referido dispositivo legal, deve ser dosada de forma proporcional e razoável, observando o cotejo entre o montante da irregularidade detectada e o total de recursos movimentados no exercício e, igualmente, o valor absoluto da falha.

Nessa esteira, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, entendo pela aplicação da penalidade no patamar de 15%, fixando-se, assim, a multa no valor de R$ 12.412,89.

Noutro vértice, destaco que descabe a aplicação da penalidade de suspensão no recebimento de quotas do Fundo Partidário, porquanto tal representa consequência específica do percebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Assinalo que a Lei n. 13.165/15 modificou o art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95, que previa que a “desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário”, passando a estabelecer que a desaprovação das contas provoca exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa.

Cumpre enfatizar, outrossim, que o art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17, que preceitua que o recebimento de valores de procedência não revelada importa suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário “até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral”,  evidencia que seu campo de aplicação confina-se à tramitação do feito até o julgamento final, não se podendo estender após esse marco, pois poderia significar cominação de pena ad infinitum.

Nesse sentido, já decidiu este Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. MANUTENÇÃO DA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS E DO RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. REDUÇÃO DA MULTA E AFASTAMENTO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Percepção de recursos oriundos de origem não identificada. Documentação supostamente ensejadora de esclarecimentos apresentada a destempo e incapaz de, por si só, sanar as falhas apontadas sem a necessidade de nova análise técnica. Não conhecimento.

2. Não comprovação de gastos efetuados e de outros omitidos. Inexistência de provas aptas a afastar a falha.

3. Manutenção do juízo de reprovação das contas e do recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. Redução da multa para 5%, consideradas as circunstâncias do caso concreto. Afastamento da penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(TRE-RS, RE 10-68.2018.6.21.0083, Acórdão unânime, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 23.01.2020)

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO VERDE (PV) e, nos termos da fundamentação, pela condenação da agremiação:

a) ao ressarcimento do valor de R$ 82.752,58 ao Tesouro Nacional, com supedâneo no art. 59, § 2º, da Resolução TSE 23.546/17;

b) ao pagamento de multa de 15% sobre o montante irregular, perfazendo a cifra de R$ 12.412,89, com arrimo nos arts. 37 da Lei n. 9.096/95 e 49 da Resolução TSE n. 23.546/17.