ED no(a) REl - 0600429-73.2020.6.21.0146 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/03/2022 às 14:00

VOTO

Tempestividade

Consoante prevê o art. 275, § 1º, do Código Eleitoral: “Os embargos de declaração serão opostos no prazo de 3 (três) dias, contados da data de publicação da decisão embargada, em petição dirigida ao juiz ou relator, com a indicação do ponto que lhes deu causa”.

No caso, o sistema do Processo Judicial Eletrônico registrou ciência do acórdão embargado em 10.2.2022, uma quinta-feira, e o embargante opôs o recurso no dia 14.2.2022, segunda-feira, primeiro dia útil subsequente ao encerramento do prazo.

Tempestivo o recurso, portanto.

No mérito, LÍRIO RIGON entende ocorridas omissões no acórdão, pois a decisão não conteria manifestações relativas à ausência de determinação de sobrestamento/suspensão pelo Ministro Relator do feito na Repercussão Geral no RE n. 1040515; à “cadeia decisória do TSE” consubstanciada por precedentes que entendem ilícitas as gravações ambientais e, ainda, por entender que a decisão carece de fundamentos para rebater argumentos pela ilicitude das gravações ambientais clandestinas.

Tais situações resultariam, conforme afirma, em omissão “quanto ao artigo 926 do Código de Processo Civil, quanto ao precedente e quanto ao seu conteúdo” e, também, que a Corte regional não teria aplicado a “atual jurisprudência do TSE” relativa à licitude ou à ilicitude das chamadas gravações ambientais.

Ainda, aduz que o Tribunal “deve enfrentar a matéria à luz do precedente” de número 0600530-94.2020.6.26.0171 e que, não o fazendo, incorre em violação da jurisprudência da Corte Superior, à integridade, coerência e estabilidade da jurisprudência.

Requer o conhecimento e o provimento dos aclaratórios, de modo que sejam sanadas as omissões, atribuídos efeitos modificativos para reputar como ilícita a gravação ambiental, resultando na reforma da sentença e na improcedência da representação.

À análise.

Antecipo que os embargos não merecem acolhimento, pois veiculam apenas irresignação da parte relativamente ao conteúdo decisório contrário aos seus interesses.

Senão, vejamos.

De início, e com a ressalva de que os embargos inovam nas argumentações ao invocar “violação ao direito fundamental à privacidade, na perspectiva da reserva do diálogo” e “violação ao artigo 369 do CPC”, sem que tenha dedicado uma linha sequer sobre os temas no bojo do recurso contra a sentença, afasto estes e os demais argumentos trazidos pelo embargante, nomeadamente a ausência de justa causa para a promoção da conduta clandestina; o flagrante preparado e ilícito impossível; e violação ao art. 8º-A da lei que dispõe sobre as interceptações telefônicas, com a atual redação do pacote anticrime.

Transcrevo trechos do acórdão embargado:

(...)

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral vinha já há algum tempo consolidada no sentido de admitir que a gravação ambiental clandestina realizada por um dos interlocutores fosse utilizada como meio válido de prova em feitos cuja natureza seja cível.

Havia posicionamento pacífico daquela Corte Superior, do qual trago como exemplo o REspe n. 408-98, relator Ministro Edson Fachin, DJE de 08.8.2019, p. 71-72, no sentido de que, “à luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica”.

Destaco igualmente que o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral tem se debruçado sobre a questão majoritariamente em processos relativos às eleições de 2016, com quase três dezenas de casos admitindo a gravação ambiental, conforme indicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em voto de processo de sua relatoria, o REspe 0000385-19.

Tenho ciência de que, no referido julgamento, encerrado em 07.10.2021, o relator restou vencido, e a tese de ilicitude da gravação ambiental não autorizada judicialmente prevaleceu pelo placar de 4 a 3.

Contudo, pelo resultado dividido – e até aqui isolado – havido no TSE, considero que a questão somente será pacificada após a manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pois a matéria também é objeto de processo perante a Corte Suprema no RE 1.040.515, com repercussão geral declarada. Até o presente momento, apenas o Ministro Dias Toffoli apresentou voto, e a demanda aguarda apresentação de voto-vista de parte do Ministro Gilmar Mendes.

Portanto, por respeito ao art. 926 do Código de Processo Civil, entendo por manter a linha de julgamento preponderante no TSE e sedimentada também nesta Corte Regional, aqui manifestada recentemente no Recurso Eleitoral 0600412-08, Rel. Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 10.8.2021, e no Recurso Eleitoral 0600581-56, de minha relatoria, julgado em 20.10.2021.

Aliás, nas palavras do e. Desembargador Gerson Fischmann, as quais expressamente tomo como razões de decidir, “diante da introdução do art. 8º-A da Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova”, motivo pelo qual considero que há de ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Afasto, assim, a preliminar, sobretudo por entender lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, não decida de forma contrária à jurisprudência historicamente preponderante no Tribunal Superior Eleitoral.

(...)

Em juízo, Ana Cláudia afirmou (ID 44837991, ID 44837992, ID 44837993 e ID 44837994) que o motivo de ter realizado a gravação não estava relacionado com a eleição, mas com a prova de assédio de LIRIO à irmã de 19 anos que com ela residia, pois, em visita anterior, o recorrente teria oferecido R$100,00, além de um emprego após a eleição para que “saísse” com ele.

Como LIRIO estivesse insistindo em relação à sua irmã, Ana Cláudia decidiu gravar a visita, foi surpreendida pela oferta de R$ 200,00 em troca de seu voto, a qual aceitou “porque precisava, o marido estava desempregado”, e comprometeu-se a falar com familiares para pedir voto em troca de ajuda do candidato.

Saliento: ainda que realizada por motivos periféricos à seara eleitoral, certo é que a gravação ambiental efetivada por Ana Cláudia Barbosa não evidencia a hipótese de flagrante preparado invocada nas razões de recurso, pois para tal configuração a doutrina e a jurisprudência exigem que ocorra indução ou provocação à prática do ato ilícito.

 

Ora, todos os tópicos estão abordados pelo acórdão, quer de forma expressa, quer como decorrência do uso de fundamentação logicamente contrária ao afirmado pelo embargante. Sublinho que a jurisprudência entende pela desnecessidade de que o órgão julgador se manifeste expressamente a respeito de todas as teses e os dispositivos legais indicados pelas partes, nos casos em que esses não se mostrem capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão, bastando que se pronuncie sobre o que se mostra necessário e suficiente à fundamentação e ao afastamento da tese em contrário, nos termos do art. 489, § 1º, inc. IV, do Código de Processo Civil:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

[...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...].

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

 

Nesse norte, indico julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.

1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço. 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. (...) 4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum. 5. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no MS 21315 / DF – Relator Ministra DIVA MALERBI - PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento - 08/06/2016 -Data da Publicação/Fonte - DJe 15/06/2016)

 

Ademais, o embargante desafia a lógica ao pretender manifestação jurisdicional sobre um “não fato”, ou seja, sobre a não ocorrência do sobrestamento de outros feitos pelo Ministro Relator no processo que recebeu repercussão geral sobre o tema, o RE n. 1040515. Sublinho que a ausência de sobrestamento (de fato, prerrogativa de exercício facultativo) em nada influencia a fundamentação do acórdão, o qual se fundou exatamente na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que, desde o ano de 2016, espelha posicionamento favorável à utilização de gravação ambiental como prova nos processos eleitorais.

Entendo que a ausência de sobrestamento é sinalização óbvia de que, enquanto não houver decisão dotada de repercussão geral, os juízes e tribunais devem se valer da jurisprudência, e foi exatamente esse o caminho tomado pelo acórdão embargado.

Aliás, ponto alto da lógica, tivesse havido a determinação de sobrestamento, o próprio processo que se está a tratar haveria de aguardar o desfecho do julgamento paradigmático vinculante, e o acórdão embargado sequer existiria.

Ou seja, não há omissão, pois o ponto sobre o qual o embargante pugna manifestação em nada influenciaria o conteúdo decisório.

O debate consiste, na realidade, em considerar a existência de precedente apto a modificar a jurisprudência do TSE – o embargante sugere que seria o processo n. 0600530-94.2020.6.26.0171 pelo Superior Eleitoral, o qual denomina de leading case, julgado, deixo claro, desprovido de qualquer espécie de efeito vinculante. O acórdão embargado, por outro lado, indicou a necessidade de decisão em feito dotado de repercussão geral, o já indicado RE n. 1040515, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal.

Portanto, não assiste melhor destino aos embargos no que toca ao art. 926 do Código de Processo Civil. Muito tem se escrito sobre a uniformização da jurisprudência e seus vetores estabilidade, coerência e integridade.

Na doutrina, a par de discussões mais abrangentes, como a ocorrência, ou inocorrência, de uma aproximação do sistema jurídico romano-germânico ao sistema de precedentes da Common Law (o debate não possui razão de ser no presente voto), há consenso de que os conceitos de jurisprudência e de precedente possuem distinção quantitativa, pois “quando se fala em precedente faz-se referência a uma só decisão, relativa a um caso particular, e quando se trata de jurisprudência se faz alusão a uma pluralidade, bastante ampla, de decisões relativas a vários e diferentes casos concretos” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. Formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula. São Paulo: Atlas, 2017, p. 121).

E a distinção é, também, qualitativa. Os precedentes são julgados isolados aptos a modificar a jurisprudência, de forma que “(...) emanam exclusivamente das Cortes Supremas e são sempre obrigatórios – isto é, vinculantes” (MITIDIERO, Daniel. Precedentes. Da Vinculação à Persuasão. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 92-93)

Ou seja, o embargante comete equívocos ao (1) confundir os conceitos de jurisprudência e de precedente, pois o que o art. 926 do CPC determina é que os tribunais devem assegurar estabilidade, coerência e integridade à jurisprudência, ou seja, à massa relevante de julgados em determinado sentido, e (2) atribuir à decisão exarada no processo 0600530-94.2020.6.26.0171 a pecha de leading case (prefiro o termo precedente), de todo inviável, pois desprovido de efeito vinculante.

Repito: o acórdão embargado deixou claro que, para a modificação da jurisprudência, há de ocorrer o julgamento de um precedente – indicado nominalmente, o RE n. 1040515, dotado de repercussão geral, pois não existe um volume considerável de decisões dos tribunais eleitorais – e não necessariamente apenas do TSE, no sentido da ilicitude da gravação ambiental.

Dessa forma, a jurisprudência do TSE – desde que bem compreendido o termo “jurisprudência”, não restou violada como afirma o embargante, mas reforçada pelo acórdão embargado, pois o que há em sentido contrário ao decidido nestes autos são decisões esporádicas, decididas pelo placar de 4 votos contra 3 e que não podem ser consideradas como as hipóteses previstas nos incisos do art. 927 do CPC.

Retorno rapidamente à doutrina para indicar balizada crítica ao pensamento de que os arts. 926 e 927 do CPC devam ser entendidos como um sistema de precedentes. Lênio Luiz Streck, com a posição privilegiada de ter sugerido a inclusão dos termos “coerência” e “integridade” no art. 926 do CPC, leciona:

Antes da teoria do Direito que impede a consolidação das teses dos precedentalistas, existe o próprio ordenamento pátrio que impede a implementação de tais teses. Não ajudei a colocar a coerência e integridade no 926 para instalar o stare decisis ou engessar o sistema, criando Tribunais de Precedentes. Foi justamente por razões contrárias. Foi para que não tivéssemos “donos de sentidos” ou “adjudicadores de sentidos”. Minha pretensão sempre foi evitar qualquer espécie de positivismo jurisprudencialista. E o que os precedentalistas – assentados em um realismo jurídico – estão fazendo é ir na contramão do art. 926” (Precedentes Judiciais e Hermenêutica – o sentido da vinculação no CPC/2015. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 84 e 85).

 

Aliás, ao não tratar como precedente julgado meramente persuasivo que se opõe à jurisprudência do próprio Superior Eleitoral, o acórdão adotou posicionamento alinhado, ao menos no campo doutrinário, ao de um dos advogados que firmam os embargos ora julgados, que, em cuidadosa obra, assevera:

A esse respeito, calha afirmar que a jurisdição eleitoral não é um bom exemplo de como respeitar a coerência e integridade nos provimentos judiciais daí derivados. Com efeito, há vários exemplos de como a Justiça Eleitoral ignora tais pilares do exercício jurisdicional, onde nem mesmo o TSE respeita os seus próprios provimentos precedentes, bastando rememorar a recorrente afirmativa no âmbito da Corte, segundo a qual a jurisprudência dela varia de eleição para eleição – ou seja: “para aquela eleição a jurisprudência foi uma, para esta eleição é outra, etc.” (BARCELOS, Guilherme. Crítica Hermenêutica do Direito Eleitoral. O Julgamento da Chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Juruá. Curitiba: 2020, p. 237).

 

Diante do exposto, VOTO para rejeitar os embargos de declaração.