ED no(a) REl - 0600488-54.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/03/2022 às 14:00

VOTO

Tempestividade

Consoante prevê o art. 275, § 1º, do Código Eleitoral: “Os embargos de declaração serão opostos no prazo de 3 (três) dias, contado da data de publicação da decisão embargada, em petição dirigida ao juiz ou relator, com a indicação do ponto que lhes deu causa”.

No caso, o sistema do Processo Judicial Eletrônico registrou ciência do acórdão embargado em 24.01.2022, e os embargantes opuseram a irresignação no dia seguinte,  25.01.2022.

Tempestivo.

No mérito, os embargantes entendem ocorridas omissões no acórdão acerca de pedido de depoimento pessoal das candidatas Amali Teresinha Silva e Natiele Luz da Silva, questionam a necessidade de reiterar o pedido já realizado, além de afirmar que “não houve negativa específica do magistrado”.

Transcrevo trecho do acórdão embargado:

Originariamente, a parte autora trouxe como causas de pedir um conjunto de fatos que, conforme alegado, demonstraria a inexistência de candidatura de fato de parte de NATIELE e AMALI, e tais circunstâncias seriam a ausência de propaganda eleitoral das candidatas nas redes sociais; o desconhecimento da existência de materiais de propaganda impresso; um baixo número de votos auferidos, e a não obtenção de recursos ou realização de despesas, de parte das candidatas.

Na sentença hostilizada, contudo, a conclusão foi de que outras situações afastavam o cometimento de fraude, pois houve publicações de campanha veiculadas pelas candidatas mulheres no Facebook, bem como a contratação de profissional da área contábil para a prestação de contas da campanha eleitoral e a confecção de “santinhos”, em atos típicos de campanha eleitoral.

E as razões de recurso, como bem indicado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não se insurgem propriamente contra os fundamentos da sentença, mas sim quanto ao indeferimento da oitiva das pessoas indicadas na inicial e da juntada das prestações de contas das candidatas investigadas NATIELE LUZ e AMALI SILVA, bem como requerem:

Dessa forma, considerando que desde a exordial se requereu o depoimento das candidatas laranjas, na condição de testemunha, bem como a juntada das prestações de contas respectivas, visto que elas não constavam do PJE, pede-se a invalidação da sentença por negativa de prestação jurisdicional para que outra seja proferida ou, a reforma do julgado para prosseguimento do feito à semelhança do processo paradigma, sob pena de cerceamento de defesa e contraditório. (ID 41934383, fl. 4 do PDF)

Sem razão os recorrentes. A sentença há de ser mantida pelos próprios fundamentos, e também pela condução da instrução do feito que não merece reparo.

A magistrada concedeu oportunidade para ambas as partes se manifestarem acerca da produção de provas, em especial da prova oral, na data de 26.02.2021:

Vistos. Considerando que a inicial imputa aos requeridos a suposta utilização fraudulenta de candidaturas femininas e fim de perfazer o quota de gênero, inegável que as candidatas objeto da suposta fraude possuem legitimidade para figurarem no polo passivo. Ainda, dê-se ciência da ação ao MPE e, após, intimem-se as partes para declinarem objetivamente o interesse na produção de provas em 10 dias, sendo que em caso de pedido de prova oral/testemunhal deverão de pronto indicar o rol de pessoas a serem ouvidas, a fim de se adequar a pauta. Intimem-se. Encruzilhada do Sul, 28 de fevereiro de 2021. Magali Wicket de Oliveira Juíza Eleitoral

Destaco que tanto a parte autora quanto os demandados deixaram transcorrer o prazo em branco, conforme certificado nos autos eletrônicos:

CERTIFICO que, na data 18.3.2021, transcorreu o prazo de 10 dias concedido no despacho anterior (ID 80354226) para que as partes demonstrassem interesse na produção de prova oral/testemunhal. Dou fé. Encruzilhada do Sul, 19 de março de 2021.

 

Ou seja, a prova que os embargantes insistem seja produzida se mostrou inútil ao magistrado diante dos elementos trazidos ao processo – aliás, elementos objetivos, documentais, como a ocorrência de realização de propaganda eleitoral das candidatas indicadas para depoimento e a contratação de profissional da área contábil para o oferecimento da prestação de contas.

A prova, repete-se, muito embora a transcrição acima realizada, é do juízo sentenciante, comandante da instrução com a colaboração das partes. O processo é dinâmico (aliás, a semântica da própria palavra assim indica, sem a necessidade de conhecimento jurídico para tanto) e, tendo verificado a modificação do quadro probatório após a apresentação, em contestação, de documentos no sentido de que as candidaturas não seriam fraudulentas, o juízo de origem questionou novamente as partes sobre a utilidade da prova testemunhal.

E os embargantes silenciaram.

Aliás, a insistência pela produção de tal espécie de prova, tanto nas razões de recurso quanto nos presentes embargos, não estaria a acontecer caso os embargantes tivessem se desincumbido de ônus que lhes cabia em diligência simples mediante banal acompanhamento do processo, o que parece não ter ocorrido no relativo à intimação para manifestação acerca da manutenção do pedido de depoimentos, pois deixaram o prazo escoar sem aproveitamento.

Ora, ao não se manifestar, permitiram nítida preclusão, e o questionamento sobre “a necessidade de reiteração do pedido” demonstra o esquecimento de princípios fundamentais do processo, nomeadamente o da dialeticidade e o da colaboração entre as partes, pois o pedido de produção de prova originariamente realizado se mostrou dispensável ao magistrado – repito, para que reste bem claro – após a apresentação de documentos pela parte demandada.

Sublinho ser notória e frequente a dispensa de meios de prova que se mostrem inúteis ao deslinde da demanda, pois apenas redundariam em demora infundada na entrega da prestação jurisdicional, como, aliás, manifestou a Procuradoria Regional Eleitoral por ocasião da prolação do acórdão ora embargado.

Ademais, e reste claro, mesmo que os embargantes tivessem sido diligentes e se manifestado pela realização da oitiva, a produção de prova poderia ter sido indeferida, situação amiúde ocorrente quando, como já referido, houver inutilidade ou a parte não especificar de modo concreto os motivos pelos quais entende que a prova deve, de fato, ser produzida.

Quanto ao ponto, destaco que, nas razões de recurso ou nos presentes embargos, muito embora a insistência em repetir à exaustão que os depoimentos seriam indispensáveis, em momento algum os embargantes indicaram, afinal de contas, que específico fato ou circunstância determinada desejariam esclarecer com a prova, o que, por si só, já acarretaria, na presente instância, a manutenção da sentença hostilizada.

A título de desfecho, transcrevo novamente trecho do acórdão embargado, o qual indica expressamente a referência a dispositivos constitucionais relativos à ampla defesa:

Nesse norte, a fase do rito foi acobertada pela preclusão, pois foi concedido prazo após a contestação, momento em que poderia haver mudança de entendimento quanto à necessidade da prova. Como bem salientado no parecer ministerial, a alegação dos recorrentes de que houve cerceamento de defesa não procede, pois durante a instrução processual lhes fora oportunizado declinar objetivamente o interesse na produção de provas, notadamente prova oral.

E igualmente não procedem os argumentos no sentido de tratamento desigual em relação à AIJE n. 0600489.39.2020.6.21.0019, proposta contra o Partido Democrático Trabalhista do mesmo município, pois naquela demanda fora proferida decisão idêntica, também sem aproveitamento pelas partes, conforme certificado.

Contudo, em decorrência de petição dos autores, sobreveio decisão deferindo a juntada da prestação de contas das supostas candidatas fictícias, bem como designando audiência para oitiva, em circunstâncias que fazem diferir um processo de outro, pois aqui não foi apresentada petição, quer tempestiva ou intempestiva.

Novamente, valho-me do bem lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que “(...) no caso em tela, após oferecida a contestação e tendo em vista que as partes, intimadas para declinarem o interesse na produção de provas, restaram silentes, entendeu o Juiz a quo que o conjunto fático-probatório produzido era suficiente ao deslinde da controvérsia.”

A situação veio bem esclarecida na decisão de rejeição dos embargos de declaração opostos pelos recorrentes contra a sentença hostilizada:

Basicamente, os autores questionam dois pontos da sentença atacada: a não oitiva das pessoas indicadas na Inicial e a ausência das prestações de contas das candidatas na instrução dos autos. Quanto ao primeiro ponto, determinei, ainda em 26.02.2021, a intimação dos autores para que declinassem objetivamente o interesse na produção das provas, com indicação do rol de pessoas a serem ouvidas (despacho ID nº 80323692), visto que as pessoas indicadas na inicial não constavam como testemunhas, mas sim como partes do processo. As partes, então, foram intimadas (ID 80354226) mas não se manifestaram, deixando transcorrer o prazo concedido (ID 83062965), ao oposto do que ocorreu no processo mencionado pelos embargantes (AIJE 0600489-39.2020.6.21.0019), no qual repisaram os pedidos de produção de provas (ID 83630658), reputando-se, assim, desistentes da prova genericamente postulada na inicial. No tocante ao segundo ponto questionado, referente aos processos de prestação de contas de campanha, trata-se de diligência que poderia ter sido providenciada pela própria parte, uma vez que os processos de prestação de contas eleitorais são públicos e encontram-se disponíveis para acesso pela internet, não havendo falar em prejuízo à instrução processual. Por último, com relação aos fundamentos jurídicos mencionados na parte final da peça, esses foram amplamente abordados no decisório, inclusive com indicações de precedentes que enfrentaram tema semelhante (RE 8-83.2017.6.21.0164, RE 7-98.2017.6.21.0164 e RE 1-92.2017.6.21.0099), não havendo qualquer omissão na sentença vergastada. Ou seja, conforme exaustivamente exposto e embasado em julgados anteriores dos tribunais eleitorais, o baixo número de votos alcançados pelas candidatas e o reduzido valor financeiro empregado na campanha não fazem, por si sós, provas de que o pleito fora fraudado com candidaturas fictícias, impondo-se uma comprovação robusta e concreta para configurar tal comportamento fraudulento. Pelo exposto, recebo os embargos, desacolhendo-os para manter a sentença em seus próprios fundamentos. […]. (ID 41934233)

É consabido que o princípio da ampla defesa está cravado no catálogo dos direitos e garantias fundamentais – inc. LV, art. 5º, da CF, e um dos pontos altos de efetivação do princípio está, justamente, no direito de a parte produzir provas, bem como sejam elas consideradas materialmente pelo magistrado - ou tribunal.

Contudo e em resumo, não há princípios absolutos, impondo-se limites à amplitude do direito de defesa exatamente para que ela não se torne arbitrária e fira postulados de igual jaez constitucional como os princípios da isonomia e da igualdade perante a lei. No caso, o primeiro limite é a preclusão.

Preclusa a oportunidade, como de forma incontroversa os autos estampam, não há se falar em cerceamento.

 

Diante do exposto, VOTO para rejeitar os embargos.