REl - 0600420-71.2020.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/03/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Preliminares. 1.1. Enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso. Não conhecimento. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica. (grifei)

2. Mérito. No caso dos autos, as falhas foram corrigidas pela documentação acostada, com a comprovação das doações, de forma a coincidir com a arrecadação dos valores oriundos das Direções Municipal e Estadual da agremiação, bem como pela compatibilidade das declarações de doador e candidata. Irregularidades sanadas. Confiabilidade e transparência das contas de campanha da candidata que não restaram comprometidas. Aprovação.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07.3.2018, Relator: DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2018, Página 2) Grifei.

Sendo essa a hipótese dos autos, pois apresentadas com a peça recursal as cópias dos cheques emitidos pela candidata, conheço dos documentos juntados no ID 44846814.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas, com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.930,20, em razão dos pagamentos de serviços advocatícios e de atividades de militância com recursos do FEFC, em contrariedade ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prescreve a emissão de cheque cruzado e nominal ao fornecedor declarado.

No parecer conclusivo, a unidade técnica realizou os seguintes apontamentos (ID 44846806), os quais foram albergados pela sentença recorrida:

8. EXAME DE REGULARIDADE DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (ART. 56, II, C, DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

8.1. Foram identificadas as seguintes inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contrariando o que dispõe o art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, as quais representam 19,53% em relação ao total das despesas realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

 

[...].

A respeito dos apontamentos feitos no item 8.1, a candidata não apresentou manifestação e não é possível identificar a contraparte nos extratos, visto que os cheques não foram emitidos nominalmente e cruzados como dispõe o art. 38 da Resolução 23.607/2019, procedimento este que visa garantir que os pagamentos sejam realizados às pessoas descritas nos contratos, recibos e nos cheques. Os pagamentos também não foram realizados através de transferência bancária procedimento que tem por objetivo garantir a regularidade e transparência dos gastos com recurso público, assim configuram inconsistência grave, uma vez que caracteriza a não comprovação ou a comprovação irregular de recursos cuja natureza é pública, gerando a obrigação de ressarcir ao Erário, geradora de potencial julgamento pela não prestação das contas, em razão da ausência de informação ou documento essencial ao exame.

Assim, as falhas ensejam recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.930,20.

[...].

 

A recorrente sustenta que todos os débitos em discussão envolveram o pagamento de trabalhadores da campanha e que as despesas estão demonstradas por meio dos termos contratuais e das cópias dos cheques cruzados que acompanham o recurso.

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

Analisando-se os contratos e a cópia dos cheques (ID 44846814) acostados aos autos, verifica-se que:

1) o cheque n. 850002, no valor de R$ 300,00, está cruzado e nominal para OSVALDO SOSA GULARTE, e foi registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância (ID 44846764);

2) o cheque n. 850005, no valor de R$ 280,00, está cruzado e nominal para ANA AMÉLIA DOS SANTOS DE ALMEIDA, e foi registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância (ID 44846768);

3) o cheque n. 850006, no valor de R$ 280,00, está cruzado e nominal para MARA REGINA PEREIRA DOS SANTOS, e foi registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância (ID 44846769);

4) o cheque n. 850007, no valor de R$ 280,00, está cruzado e nominal para JOSYELLEM DOS SANTOS DOS SANTOS, e foi registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância (ID 44846781); e

5) o cheque n. 850008, no valor de R$ 210,00, está cruzado e nominal para VINICIUS GUEDES SOUZA, e foi registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância (ID 44846774).

Assim, relativamente a tais operações, está demostrado que a recorrente cumpriu com o disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o afastamento das irregularidades em relação a tais operações, na quantia total de R$ 1.350,00 (R$ 300,00 + R$ 280,00 + R$ 280,00+ R$ 280,00 + R$ 210,00).

Entretanto, constata-se que os cheques n. 850009 (R$ 300,00), emitido para FELIPE RIBEIRO SILVEIRA TORRES; n. 850010 (R$ 250,00), emitido para IAGARA RIBEIRO SILVEIRA TORRES; n. 850012 (R$ 300,00), emitido para VIVALDINO LOPES CHAGAS, e n. 850014 (R$ 730,20), emitido para DANIELA DE OLIVEIRA BRASIL DE ALMEIDA, estão nominais aos beneficiários, porém não foram cruzados, perfazendo o somatório de R$ 1.580,20.

Apesar de a candidata afirmar que comprovou a realização da despesa com a juntada dos documentos previstos no art. 60 Resolução TSE n. 23.607/19, ou seja, com “documento fiscal idôneo ou outros meios que possibilitem a verificação de sua natureza e regularidade”, trata-se de exigências distintas e simultâneas, que atendem a finalidades diversas.

Embora a prova oferecida seja suficiente para a caracterização da contratação do gasto, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases.

Além disso, documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência de emissão de cheque nominal e cruzado.

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor de depositá-lo em conta bancária para compensá-lo, permitindo à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores e conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator: DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.7.2021.).

Ainda, conforme extrato bancário disponível no Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato2020/203042020/88455/210000800503/extratos), os saques dos cheques em questão foram realizados diretamente no caixa do banco, sem identificação das contrapartes favorecidas.

Nesse contexto, a emissão das ordens de pagamento nominais e sem cruzamento é suficiente para inviabilizar o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Em circunstâncias como as dos presentes autos, este Tribunal Regional sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa de julgado de minha relatoria que reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTO ELEITORAL. DESPESAS EM DESACORDO COM A REGRA PREVISTA NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE GASTO ELEITORAL COM RECURSO PRIVADO, EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. ALTO PERCENTUAL. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

2. Ausência de comprovação de gasto eleitoral. Detectada a emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato. O lançamento de nota fiscal sem a correspondente contabilização na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A omissão de despesa paga com verbas que não transitaram nas contas específicas de campanha configura utilização de recurso de origem não identificada, impondo o dever de recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, consoante o previsto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Comprovação de despesa com recursos do FEFC, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na espécie, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases. Ademais, os documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços acostados aos autos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência do cheque nominal e cruzado. Nessa linha, esta Corte sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gasto eleitoral com recursos privados, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Despesas pagas com o manejo de recursos privados e a utilização de cheque nominal, porém não cruzado. A alegação de que a exigência da norma impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

5. A totalidade das falhas apontadas representa, aproximadamente, 20,34% das receitas declaradas pelos candidatos, comprometendo o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha. Mantidas a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

 6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060051796, ACÓRDÃO de 07.12.2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE. ) (Grifei)

 

Logo, remanescem as irregularidades quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC na quantia de R$ 1.580,20, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, o pedido de parcelamento do débito condenatório deverá ser deduzido após a intimação da candidata para efetuar o pagamento da quantia, na fase administrativa de cumprimento, perante o juízo de origem, após o trânsito em julgado da decisão, consoante prescrevem os arts. 4º e 12 da Resolução TRE-RS n. 371/21, não sendo possível o seu conhecimento na presente fase recursal.

Conclusão

No caso concreto, portanto, as irregularidades remanescentes alcançam o somatório de R$ 1.580,20, que representa, aproximadamente, 10,53% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 15.000,00), montas relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para reduzir a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional para R$ 1.580,20 (mil quinhentos e oitenta reais e vinte centavos), mantendo a desaprovação das contas de Rafaela Araujo Larranaga dos Santos, relativas ao pleito de 2020.