REl - 0600493-70.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/02/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Trata-se de recurso interposto por JACI FREITAS contra sentença que desaprovou suas contas da campanha eleitoral de 2020, em razão da única irregularidade detectada na contabilidade apresentada, qual seja, o pagamento de despesa com combustível no valor total de R$ 300,00, não passível de ser considerada gasto eleitoral pela legislação, conforme o art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A legislação é expressa no sentido de que não configura gasto eleitoral o valor investido em combustível e manutenção do veículo utilizado pelo candidato. A disposição está contida no art. 35, §§ 6º, al. “a”, e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

[…]

§ 11ª Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

O recorrente não nega a aplicação do recurso, apenas juntou termo de cessão de dois veículos: um automóvel e uma motocicleta (ID 43522583). Ocorre que a norma eleitoral veda a aquisição de combustível para abastecer, com recursos da campanha, veículo utilizado pelo próprio candidato.

Registra-se que diversos candidatos no Município de Estrela, por exemplo, nas PCs n. 0600495-40.2020.6.21.0021 e n. 0600475-49.2020.6.21.0021, gastaram exatamente a mesma quantia de combustível (R$ 300,00), o que coincide com o valor de recurso do FEFC recebido. Essa prática, contudo, além de inibir a transparência das contas, demonstra inconsistências com relação à comprovação dos gastos, pois não há detalhamento do dia, hora, local, quantidade em litros de combustível e valor de cada abastecimento.

Dessarte, coaduno-me com o parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 44835044) e os apontamentos da unidade técnica, no parecer conclusivo (ID 43522683), ao referirem que:

Ocorre que o tanque de combustíveis do único veículo utilizado na campanha, Volkswagen Gol, não comporta a quantidade total adquirida: 65,232 litros, pois tem capacidade máxima de 55 litros,  consoante ficha técnica do automóvel  disponível em: https://correiobraziliense.vrum.com.br/fichatecnica/volkswagen/gol/2010/005228-0

Assim, diante das circunstâncias acima referidas, o candidato não logra comprovar a utilização desta parcela do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (R$ 300,00) para fazer frente aos seus gastos eleitorais, ensejando, assim, a devolução deste valor ao erário. Com efeito, o candidato declarou ter realizado um único abastecimento no único veículo cuja utilização foi declarada. Tal abastecimento, no entanto, é materialmente impossível, o que põe em descrédito a documentação apresentada. 

 

Assim, considero indevidamente utilizados os recursos do FEFC, mantendo a determinação da sentença de recolhimento dos recursos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/19.

De outro lado, o valor da irregularidade é de R$ 300,00, que representa 61,81% das receitas declaradas (R$ 485,34), o que, em princípio, levaria à desaprovação das contas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016."

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, de modo a reformar a sentença para aprovar com ressalvas as contas de JACI FREITAS, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 300,00 ao Tesouro Nacional.