REl - 0600364-63.2020.6.21.0151 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/02/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 32 e 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/19.

Acertadamente, a sentença foi no seguinte sentido (ID 43157333):

Analisando os autos, verifico que o feito observou as normas previstas na Resolução TSE n. 23.607/2019, que disciplina a prestação de contas à Justiça Eleitoral relativa à arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos em campanha eleitoral.

Realizado o exame técnico das contas com a aplicação dos procedimentos técnicos de exame aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido oportunizada a manifestação da prestadora nos autos, o parecer técnico conclusivo apontou as seguintes impropriedades/ irregularidades: i) omissão de receitas e gastos eleitorais relativamente ao fornecedor JORGE LUIZ INOCENTE NAIBERT 95440038000,CNPJ 26.394.597/0001-90, no valor de R$ 70,00 (setenta reais); ii) irregularidades relativas à comprovação dos pagamentos feitos com verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor total de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais).

II.I Omissão de receitas e gastos eleitorais relativamente ao fornecedor JORGE LUIZ INOCENTE NAIBERT 95440038000,CNPJ 26.394.597/0001-90, no valor de R$ 70,00 (setenta reais).

Em que pese a alegação da prestadora de que os serviços prestados pelo fornecedor JORGE LUIZ INOCENTE NAIBERT relativos à NF 3156371 foram englobados ou realocados na NF 31758844, é forçoso concluir que, mesmo que se acolhesse a justificativa apresentada, o procedimento não observou adequadamente a legislação aplicável à espécie, já que a nota fiscal não foi cancelada, conforme consignado no relatório de exame da prestação de contas e ratificado no parecer conclusivo. A declaração do prestador do serviço não tem o condão de suprir a irregularidade, tendo em vista que o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/2019 dispõe que “o cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular”.

Assim, não tendo sido devidamente cancelada a nota fiscal emitida, na forma da legislação tributária, comprovada está a realização da contratação da despesa, sem que tenha sido efetuado o respectivo lançamento na escrituração contábil da candidata, a configurar recurso de origem não identificada, ou seja recurso que não transitou pelas contas de campanha, conforme a hipótese prevista no art. 32, VI, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

A omissão de gastos eleitorais, em que pese o valor de pouca monta, configura irregularidade grave, mormente porque, ao transitarem fora da conta de campanha, os recursos utilizados para o pagamento de gastos eleitorais não declarados impedem o controle social e a fiscalização da Justiça Eleitoral sobre a contabilidade do candidato. Além disso, em não sendo possível identificar a origem dos recursos, estes são considerados recursos de origem não identificada, os quais sujeitam-se a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput, acima transcrito.

A jurisprudência do TRE-RS tem entendido que a omissão de despesas na prestação de contas é conduta grave que compromete a confiabilidade e a transparência do procedimento. Cito, para ilustrar, o acórdão proferido no Recurso Eleitoral n. 53006, de 08/03/2018, Relator Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, DJE: 12/03/2018, p.8 (grifei):

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. COMPROMETIDA A TRANSPARÊNCIA DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Cabimento de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica.

2. Mérito. Falhas quanto à divergência em relação ao fornecedor de serviço de publicidade, bem como a ausência de documentos que comprovem a alegada contratação das despesas e seu ulterior cancelamento. Caracterizada a omissão de despesas e receitas, circunstância que compromete a transparência e a confiabilidade da movimentação financeira de campanha.

3. Negado provimento.

II.II Irregularidade relativa aos pagamentos feitos com verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor total de R$ 690,00 (seiscentos e noventa reais).

O examinador técnico apontou no exame da prestação de contas irregularidade relativa ao pagamento de gastos eleitorais com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 690,00 (seiscentos e noventa reais). Com efeito, tendo sido oportunizada a manifestação da prestadora nos autos acerca das irregularidades verificadas, não restou comprovado o pagamento dos gastos em consonância com o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que estabelece taxativamente os meios de pagamentos admitidos pela legislação eleitoral. Eis o que disciplina a norma (grifei):

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

Analisando os documentos anexados aos autos, vejo que as despesas relativas aos fornecedores Elusa Camila Borba de Oliveira – referente ao contrato de prestação de serviços anexado ao ID 83816647, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) – e Alexsandro Rutkoski Dumke – referente ao contrato anexado ao ID 83816649, no valor de R$ 90,00 (noventa reais) –, foram pagas em desconformidade com as prescrições legais, pois não consta dos extratos eletrônicos a identificação do beneficiário (contraparte) e também não vieram aos autos cópias de cheques nominais e cruzados que tivessem sido porventura emitidos.

Ao prescrever que os gastos eleitorais só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado ou por uma das outras três modalidades previstas nos incisos do art. 38, a norma claramente exclui qualquer outra modalidade de pagamento. Ou seja, ao prescrever que (os gastos eleitorais) "só podem ser efetuados por meio de" a norma exclui quaisquer outros meios de pagamento que não os previstos nos incisos que se seguem ao caput do art. 38.

Não é possível acolher a justificativa da prestadora no sentido de que a juntada de cópia do recibo e dos extratos bancários seriam suficientes para comprovar o pagamento regular dos gastos eleitorais (ID 83816609), haja vista que os pagamentos não observaram as formas admitidas pela legislação. Ademais, não consta dos extratos bancários eletrônicos a informação da contraparte, comprometendo, assim, a transparência dos gastos.

Ressalte-se que os referidos extratos eletrônicos são divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral na página de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, para fins de controle social. Portanto, a observância estrita da legislação eleitoral no que diz respeito à comprovação dos pagamentos é imprescindível, mormente quando se trata de verba oriundo de fundo público, como é o caso das receitas do FEFC.

A exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos financeiros (origem e destino), o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso. De fato, o pagamento feito por cheque nominal cruzado ou, então, por transferência eletrônica confere maior transparência aos pagamentos realizados pelos candidatos, permitindo a rastreabilidade dos recursos.

Assim, a realização de pagamento em desacordo com as modalidades previstas na legislação traz prejuízos para a transparência e a fiscalização pela sociedade da prestação de contas de candidatos e partidos políticos.

Nessa senda, a utilização de meio de pagamento em desacordo com o previsto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 impossibilita a identificação do beneficiário do pagamento no extrato eletrônico. O objetivo da norma é justamente tornar mais transparente a utilização dos recursos pelos candidatos. Esse desiderato adquire ainda mais relevância quando se trata de pagamentos realizados com recursos de origem pública, como é o caso dos pagamentos realizados com verbas oriundas do FEFC. Desse modo, a utilização de meio de pagamento não autorizado pela legislação é uma irregularidade grave, pois que compromete a transparência das contas e, consequentemente, a fiscalização da Justiça Eleitoral.

É dizer, além de dificultar o rastreamento dos recursos financeiros e a fiscalização das contas pela Justiça Eleitoral, a inobservância das normas atinentes ao pagamento de gastos eleitorais dificulta também o conhecimento e a fiscalização pela sociedade acerca da informação dos beneficiários das transações envolvendo os recursos de campanha de origem pública.

A importância de R$ 690,00 (seiscentos e noventa reais), relativa aos pagamentos efetuados com verba oriunda do FEFC em desacordo com o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019, eivada, portanto, de irregularidade, representa em torno de 53% do total das despesas contratadas pela candidata, conforme verifica-se no extrato da Prestação de Contas Retificadora (ID 77755716). Desse modo, as irregularidades abrangem percentual expressivo das contas, comprometendo sua regularidade.

Nesse sentido, convergem a recomendação do examinador técnico e o parecer do Ministério Público Eleitoral pela desaprovação das contas e pela determinação da devolução da importância de R$ 760,00 ao Tesouro nacional, relativa aos recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e ao valor dos recursos de origem não identificada.

II.III Conclusão

Portanto, tendo em vista a verificação de omissão de gastos eleitorais (e das respectivas receitas) no valor de R$ 70,00 (setenta reais), configurando recursos de origem não identificada conforme art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019 - e, ainda, diante da verificação de irregularidades em pagamentos efetuados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 690,00 (seiscentos e noventa reais), caracterizando utilização indevida de recursos do FEFC, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, a solução é a desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento/ devolução ao Tesouro Nacional da importância de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), eivada de irregularidade.

III - DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO DESAPROVADAS AS CONTAS do(a) candidato(a) ao cargo de vereador, ROSITA RUTKOSKI SCHULZ, relativas às Eleições Municipais de 2020 no Município de BARRA DO RIBEIRO, nos termos do art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/2019, e DETERMINO a devolução/ recolhimento da importância de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), a ser recolhida ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Dois são os pontos combatidos no presente recurso: quanto à utilização de recursos de origem não identificada e quanto à forma de pagamento com recursos do FEFC (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19).

A primeira irregularidade consiste na utilização de recursos de origem não identificada, isto é, nota fiscal não declarada, cujo adimplemento se deu com valores que não transitaram na conta de campanha, na quantia de R$ 70,00.

A recorrente não contesta o fato, apenas justifica ter o valor da NF 315637 sido “recolocado” em outra nota fiscal (NF 3175884), a qual englobaria a totalidade de serviços contratados com o mesmo prestador, JORGE LUIZ INOCENTE NAIBERT, inscrito no CNPJ n. 26.394.597/0001-90.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

[…]

 

Observe-se que, no presente caso: a) foi emitida nota fiscal contra o CNPJ da prestadora, porém não declarada na prestação de contas; b) não foi observado o procedimento para o cancelamento da referida nota fiscal, previsto no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e c) não houve comprovação dos recursos utilizados para o adimplemento da obrigação.

Assim, tendo sido paga a despesa relativa à nota fiscal com valores que não transitaram pelas contas bancárias da campanha, configura-se o aporte de recursos de origem não identificada, conforme o art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE 23.607/19. E, caracterizada a utilização de recursos de origem não identificada, cabível a determinação de recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional.

Assim, inexistente o trânsito desses recursos pela conta de campanha, deve ser mantida a sentença no ponto.

No que tange à segunda irregularidade, ou seja, pagamento com recursos do FEFC de forma diversa do previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19: A prestadora não realizou o pagamento das despesas contraídas com os fornecedores Elusa Camila Borba de Oliveira (R$ 600,00) e Alexsandro Rutkoski Dumke (R$ 90,00) por meio de cheque nominal e cruzado, pois se verifica no extrato bancário (ID 4315658 - fl. 3) e no Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85375/210000681291/extratos, acesso em 24.01.2022) que houve dois saques desses recursos na "boca do caixa", nos valores de R$ 600,00, em 10.11.2020, e R$ 90,00 em 25.11.2020. Dessa forma, houve violação ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira devem ser efetuados por meio de:

  1. cheque nominal cruzado;
  2. transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;
  3. débito em conta; ou
  4. cartão de débito da conta bancária.

 

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44896894):

(...) os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado por meio de saques na "boca do caixa", restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha, impedindo o controle e a fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Outro ponto que restou prejudicado, já que os valores, embora oriundos dos cofres públicos, não transitam pelo sistema financeiro nacional, foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenceram à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 44896894):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

 

Quanto à comprovação da despesa, a recorrente informou que as despesas se encontram demonstradas pelos contratos de prestação de serviços, notas fiscais, extrato bancário e cópias dos cheques (ainda que não cruzados). Contudo, a juntada de cópia do recibo e dos extratos bancários não é suficiente para evidenciar o pagamento regular dos gastos eleitorais, uma vez que não foram observadas as formas admitidas pela legislação. Ademais, não consta dos extratos bancários eletrônicos a informação da contraparte, comprometendo, assim, a transparência dos gastos.

Ainda, as irregularidades no valor de R$ 760,00 representam 44,97% das receitas declaradas (R$ 1.690,00), percentual superior ao limite utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas o que, em princípio, levaria à desaprovação das contas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada.

1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE.

1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária.

1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016.).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário dos recursos do FEFC utilizados indevidamente, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de ROSITA RUTKOSKI SCHULZ, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 760,00 ao Tesouro Nacional.