REl - 0600439-12.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/02/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar. Juntada de novos documentos.

Inicialmente, a recorrente acosta, com suas razões, alguns documentos complementares, requerendo o seu conhecimento.

Consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

No caso dos autos, embora os documentos apresentados careçam de nitidez, em sua totalidade, é possível identificar de forma parcial que se trata de notas fiscais e cupons fiscais referentes à aquisição de combustível, alguns inseridos mais de uma vez, cupom fiscal de supermercado com vários itens e comprovante de encerramento de conta bancária.

Assim, entendo que são documentos de fácil análise e, por esse motivo, na linha da jurisprudência desta Corte, deles conheço.

Mérito

No mérito, as contas de GRACIELI SOUZA BARBOSA foram desaprovadas pelo magistrado a quo, em face da ausência de comprovação da utilização dos recursos do FEFC, no total de R$ 4.000,00, e da falta de registro integral da movimentação financeira de campanha, sendo-lhe determinada a devolução ao erário da respectiva importância, consoante excerto da sentença a seguir reproduzido:

(...)

Pois bem, compulsando os autos verifico que, de fato, há irregularidades graves consubstanciadas na omissão de prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, conforme apontado no exame técnico de ID 98083769, em manifesta contrariedade ao disposto na Resolução nº 23.607/2019.

Se não fosse só, constato que a prestadora de contas não juntou aos autos os documentos comprobatórios relativos às despesas, tampouco os respectivos comprovantes de pagamento através de cheque nominal cruzado ou comprovante de transferência bancária, no montante de R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, na forma determinada pelo art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019.

Devidamente intimada para manifestar-se e comprovar a despesa com documentos fiscais e o pagamento com cheque nominal cruzado ou comprovante de transferência bancária, a prestadora de contas quedou-se inerte (ID 98088108).

Com efeito, o § 1º do artigo 79 da Resolução TSE 23.607/19 é expresso ao dispor que: “verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança”.

Trata-se de irregularidades graves que comprometem a lisura das contas e a fiscalização pela Justiça Eleitoral, motivo pelo qual a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), na forma dos art. 74, inciso III c/c §1º do 79 da Resolução TSE 23.607/19, é medida que se impõe.

Saliento, outrossim, que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE 23.607/19.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, e com base no art. 74, III da Resolução TSE 23.607/19, julgo DESAPROVADAS as contas de Gracieli Souza Barbosa, relativas às eleições de 2020.

Determino, outrossim, o recolhimento do montante de R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), importância considerada como irregular, a ser destinada ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, nos termos do §1º do artigo 79 da Resolução TSE 23.607/19.

(...)

Entendo que a glosa deve ser mantida.

Com efeito, a candidata não logrou demonstrar que os recursos oriundos do FEFC foram aplicados, de modo escorreito, na campanha.

Friso que os documentos juntados com o recurso, da mesma forma, não cumpriram esse propósito.

Inicialmente, destaco que, para que as despesas com combustível sejam consideradas gasto de campanha, necessária a observância do disposto no § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, hipótese que não verifico nos autos.

Assim, somente por esse viés, o gasto de recursos do FEFC com combustível seria irregular.

Contudo, cumpre referir que as notas fiscais ns. 288 e 289, nos valores de R$ 50,00 e R$ 100,00, emitidas ambas em 11.11.2020, juntadas com o recurso, carecem de nitidez, sendo possível verificar que não demonstram exata correspondência de data com o gasto indicado, com a mesma empresa de combustíveis, no extrato da conta bancária da prestadora.

Da mesma forma ocorre com os cupons fiscais nos valores de R$ 50,05 e R$ 100,00, emitidos em 03.11.2020 e 09.11.2020, também referentes a despesas com combustíveis.

Lembro que, no extrato bancário, há indicação de que os gastos com combustível se deram por meio de cheque. Entretanto, não foi juntada aos autos a cópia da cártula, sendo impossível aferir a observância ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Não desconheço, na linha da jurisprudência desta Corte, ser possível a relativização dessa regra quando for comprovado por outro modo que o beneficiário do pagamento foi o fornecedor do produto.

Contudo, com os documentos juntados, impossível aferir se de fato o produto foi adquirido da empresa de combustíveis, e, mesmo que assim fosse comprovado, a irregularidade permaneceria, tendo em vista que o gasto não poderia ter ocorrido com recursos provenientes do FEFC.

No tocante ao cupom fiscal referente à compra de itens de supermercado, além de a candidata não ter demonstrado a ligação da aquisição dos produtos com a campanha eleitoral, a compra foi efetuada em dinheiro, descumprindo o que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Demais disso, assinale-se que sequer os dispêndios foram escriturados no ajuste contábil.

Insta salientar que, ainda que se trate de prestação de contas simplificada, faz-se necessária a apresentação dos comprovantes de gastos adimplidos com recursos do FEFC, consoante preceitua o art. 64, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

§ 5º Na hipótese de utilização de recursos provenientes do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além das informações transmitidas pelo SPCE, na forma do caput, o prestador de contas deverá apresentar os respectivos comprovantes dos recursos utilizados, na forma do disposto no § 1º do art. 53 desta Resolução.

Além disso, como bem ponderou o douto Procurador Regional Eleitoral, “o extrato eletrônico da conta bancária da recorrente constante do Divulgacand evidencia que a movimentação financeira da campanha foi realizada quase que exclusivamente mediante saques (R$ 700,00 em 23.10.2020; R$ 189,00 em 28.10.2020; R$ 700,00 em 30.10.2020; R$ 900,00 em 10.11.2020; R$ 500,00 e R$ 400,00 em 13.11.2020), o que não permite identificar a titularidade do destinatário dos valores, comprometendo a transparência e a regularidade da prestação de contas”.

Logo, verificada a falta de comprovação da adequada utilização de verbas do FEFC, restou caracterizada a mácula, revelando-se acertada a determinação de restituição do respectivo montante ao erário, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, as irregularidades representam 133% das receitas declaradas (R$ 4.000,00), percentual superior ao limite utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas. Além disso, o valor absoluto (R$ 4.000,00) é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), de modo que não há como invocar, para o caso telado, a incidência dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a sentença que desaprovou as contas de campanha de GRACIELI SOUZA BARBOSA, relativas às eleições de 2020, assim como a determinação de recolhimento da quantia de R$ 4.000,00 ao Tesouro Nacional.