REl - 0601123-24.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2022 às 10:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Da Preliminar de Nulidade da Sentença Recorrida

A Procuradoria Regional Eleitoral, no parecer de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, suscita preliminar de nulidade da sentença recorrida, referindo que, “por se tratar de matéria de ordem pública, tem-se que, embora o recurso não tenha tratado dessa questão, deve ser reconhecida a nulidade da sentença recorrida, por violação ao art. 494 c/c o art. 502, ambos do CPC”.

Na hipótese, verifico que, em 24.6.21, foi proferida sentença aprovando as contas da candidata (ID 44855635), e certificado nos autos que a decisão transitou em julgado em 05.7.2021 (ID 44855638).

Em 29.8.21, a chefe de cartório certificou que:

[…] compulsando os autos, foi verificado que o documento id 57560187 referente à NFe n. 345 apresentado pela candidata, contém informações diversas da nota fiscal com mesmo número para confirmação de autenticidade (0198250000030187) disponível no site da prefeitura (link usado para autenticação https://www.nfs-e.net/fiscalweb.php), caracterizando documento não válido para a comprovação do gasto, conforme anexo.

Certifico, também, que a nota juntada aos autos apresenta valor de R$1.000,00 sendo o pagamento identificado no extrato bancário para a referida empresa de R$980,00.

Dou fé.

 

Foi, então, determinada a intimação da prestadora para manifestação, tendo sido consignado pelo juízo eleitoral que a mesma ocorrência em relação a notas fiscais fora verificada em outros processos de prestação de contas de candidatos do Progressistas - PP de Parobé, de forma que o órgão partidário também foi instado a prestar esclarecimentos (ID 44855642).

A candidata juntou aos autos declaração firmada pelo fornecedor mencionando “inconsistência no sistema de emissão de nota fiscal de serviços” (ID 44855649) e “Registro de Ocorrência Protocolo 2021 0805 5792 322”, da Delegacia Online da Polícia Civil, na qual o presidente do partido declara a contratação da empresa para confecção de panfletos para todos os candidatos do partido e a constatação de que o número de autenticidade é idêntico em todos os documentos recebidos, com “rasuras notáveis” (ID 44855650).

O presidente do partido também se manifestou no mesmo sentido (ID 44855651).

Sobreveio nova sentença que, com base na invalidade da nota fiscal apresentada, tornou “sem efeito” o julgamento anterior e desaprovou as contas de campanha da recorrente, com determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (ID 44855657), da qual colho trecho:

Trata-se de processo de prestação de contas eleitoral 2020 da candidata ao cargo de vereador ADELAIDE BEATRIZ DA SILVA, pelo partido PROGRESSISTAS no município de Parobé, o qual obteve sentença pela aprovação, documento id 89967055, com trânsito em julgado em 05/07/2021.

A posteriori, o cartório eleitoral trouxe aos autos a informação de que fora utilizada nota fiscal inválida referente à prestação de serviço do fornecedor NLB Comercial e Cópias Ltda, cujo pagamento teve origem em recursos públicos, FEFC - Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Intimada, a candidata alegou que: i) encaminhou a nota fiscal na prestação de contas não sabendo da irregularidade no documento; ii) ao tomar conhecimento da irregularidade buscou junto ao fornecedor declaração de confirmação quanto à prestação do serviço e pagamento realizado, e; iii) juntou declaração do fornecedor e boletim de ocorrência policial realizado pelo partido PP. Requereu o reconhecimento de sua boa-fé e a aprovação das contas, documento id 93048092 e anexos.

Intimado, o partido manifestou-se no sentido de que: i) realizou boletim de ocorrência policial ao tomar conhecimento das suspeitas em nome dos candidatos do partido; ii) a empresa NLB forneceu declaração confirmando a prestação dos serviços e o recebimento dos pagamentos, alegando problemas em seu sistema de emissão de notas fiscais de serviços; iii) a emissão de notas fiscais é de responsabilidade dos fornecedores; iv) os candidatos receberam o material e notas fiscais de boa-fé, não sendo sabedores das irregularidades dos documentos fiscais, e; v) juntou boletim de ocorrência policial.

Requereu, por fim, o reconhecimento da boa-fé do partido e a aprovação das contas, documento id 93048095.

Com vista dos autos, o órgão ministerial requereu "...seja tornada sem efeito a decisão anterior, pois embasada em documento inválido para demonstração do gasto eleitoral, com a subsequente decisão de DESAPROVAÇÃO das contas de campanha sob exame, nos termos do artigo 74, inciso III, da Resolução nº 23.607/2019 do Tribunal Superior Eleitoral." Requereu, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia referente à nota fiscal irregular e, após sentença, nova vista dos autos para providências na esfera criminal.

É o breve relato.

Decido.

Diante da gravidade do fato detectado, de adulteração de nota fiscal utilizada para a comprovação de gasto com recursos de origem FEFC, claramente demonstrado nos autos, ainda que superveniente, deve ser acolhido o requerimento do Ministério Público Eleitoral.

Os argumentos trazidos pela candidata e pelo órgão partidário não são suficientes para o esclarecimento diante da utilização de nota fiscal inválida. […].

 

Pois bem.

Na linha exposta pelo douto Procurador Regional Eleitoral, entendo incabível a reconsideração da sentença que aprovou as contas de campanha, na hipótese, em razão da ocorrência do trânsito em julgado da sentença anterior, acarretando a imutabilidade do comando contido em seu dispositivo.

Como se sabe, com o advento da Lei n. 12.034/09, os processos de prestação de contas de campanha adquiriram indiscutível natureza judicial, com possibilidade de interposição de recursos, conforme o disposto nos §§ 5º, 6º e 7º, do art. 30 da Lei das Eleições, o que implica a necessidade de estrita observância das disposições previstas na legislação eleitoral, não havendo possibilidade de mitigação da coisa julgada.

Nesse sentido os seguintes julgados do TSE: Agravo de Instrumento n. 74785, Relator designado MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, publicado em 08.11.2019; e Recurso Especial Eleitoral n. 139373, Relator MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, publicado em 24.08.2016.

Conforme ensina Elpídio Donizetti, “a coisa julgada material impede não apenas a reabertura daquela relação processual decidida por sentença, mas também qualquer discussão acerca do direito material objeto da decisão definitiva” (Curso Didático de Direito Processual Civil. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 183).

Na hipótese, a desconsideração da imutabilidade da coisa julgada não foi devidamente fundamentada, e não encontro nos autos qualquer elemento apto a configurar as hipóteses autorizadoras para tanto previstas no Código de Processo Civil, especialmente para embasar a anulação ex officio realizada em primeira instância.

A esse respeito, dispõe o diploma processual que:

Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

 

Aqui, não se trata de relação de trato continuado e nem se vislumbra permissivo legal para a retomada do exame das contas após o trânsito em julgado da sentença.

Sequer a ação rescisória seria cabível para rescindir a decisão, uma vez que, nesta Justiça especializada, tal medida apenas é cabível se ajuizada no prazo de 120 dias do trânsito em julgado de decisões de mérito proferidas no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e que tenham, efetivamente, declarado inelegibilidade (art. 22, inc. I, al. “j”, do Código Eleitoral).

Assim, como proposto pelo Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, é de se declarar a nulidade da segunda sentença proferida nestes autos, que é objeto do recurso, nos termos do art. 337, inc. VII, § 5º, do CPC, reconhecendo-se a ocorrência da coisa julgada da decisão que aprovou as contas da candidata.

A anulação da decisão, ressalte-se, não obstaculiza a apuração das responsabilidades pela eventual prática de infrações penais no âmbito da prestação de contas.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral para declarar a nulidade da segunda sentença proferida nestes autos, ora recorrida, nos termos do art. 337, inc. VII, § 5º, do CPC, reconhecendo o trânsito em julgado da decisão que aprovou as contas de ADELAIDE BEATRIZ DA SILVA, relativas ao pleito de 2020, bem como por autorizar a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópias dos presentes autos, a fim de enviá-las ao órgão ministerial na origem para apuração da prática, em tese, dos crimes dos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral.