REl - 0600229-08.2020.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2022 às 10:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Cuida-se de recurso de CARMEM DORISOLETE MATOS FERREIRA contra a sentença do Juízo da 36ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da candidata ao cargo de vereadora no Município de Quaraí relativas às eleições 2020, em razão de (1) utilização de recursos próprios acima do patrimônio declarado; (2) despesa irregular com combustível; e (3) quitação de gasto com recursos do FEFC sem a observância das prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A decisão determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.393,00 ao Tesouro Nacional.

Passo à análise do mérito do recurso.

1. Da utilização de recursos próprios acima do patrimônio declarado

A sentença aponta que a candidata indicou ausência de bens por ocasião do registro da candidatura, de forma que, ao fazer ingressar recursos próprios na campanha eleitoral, na quantia de R$ 610,00, teria havido desobediência a dispositivos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 15. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I - recursos próprios dos candidatos;

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

Indico inicialmente que, de fato, a declaração apresentada aponta ausência de bens, no que tem razão o juízo de origem.

Contudo, ressalto que este Tribunal possui jurisprudência pela cisão entre a capacidade financeira e a situação patrimonial declarada pelo candidato. Como bem indicado pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, há precedentes nesse sentido, e a situação dos autos é semelhante ao veiculado no processo n. 0600217-30.2020.621.0121, no qual o relator, Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, externou o irretocável raciocínio no sentido de que, se “o valor em questão é inferior a R$ 1.064,10, que qualquer eleitor pode despender pessoalmente em favor de candidato, sem sujeição à contabilização, nos termos do art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19”, não há que se falar em irregularidade do candidato sem patrimônio que contribui à própria campanha até o teto considerado irrisório, no que foi acompanhado à unanimidade:


RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVADAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. DOAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO NO REGISTRO DE CANDIDATURA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS. CAPACIDADE FINANCEIRA. PERCEBIMENTO DE RENDA. VALOR REDUZIDO. NÃO SUJEITO À CONTABILIZAÇÃO. VALOR INFERIOR A 10% DO LIMITE DE ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato a vereador, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento e utilização de recursos de origem não identificada. Aporte de rendimento próprio na campanha, em aparente oposição à ausência de patrimônio declarada por ocasião do registro de candidatura. 2. A situação patrimonial do candidato indicada no momento do registro da candidatura não se confunde com a sua capacidade financeira, a qual tende a acompanhar o dinamismo próprio do exercício de atividades econômicas, relacionando-se ao percebimento de renda, e não à titularidade de bens e direitos. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em valor superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação, como ocorrido na hipótese. 3. Dessa forma, qualquer que fosse o trabalho desempenhado pelo candidato em seu ramo de atuação, no caso, a agricultura, a remuneração mensal seria igual ou superior ao valor do salário-mínimo vigente, ultrapassando, portanto, o montante objeto de autofinanciamento apurado no presente feito, independentemente do patrimônio registrado em seu nome. Ademais, o valor em questão é inferior a R$ 1.064,10, que qualquer eleitor pode despender pessoalmente em favor de candidato, sem sujeição à contabilização, nos termos do art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. Consoante prescreve o art. 10, § 8º, do mesmo diploma normativo, a estimativa do limite de doação eleitoral por pessoas físicas, equivalente a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao do pleito, deve ser realizada com base no teto de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição quando se tratar de contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda. Assim, somente poderá ser considerada excessiva a doação eleitoral realizada por pessoa física a candidatos quando o valor seja superior, pelo menos, ao patamar de 10% do limite de isenção para apresentação de declaração de ajuste anual do imposto de renda. 5. Provimento. Aprovação das contas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060021730, ACÓRDÃO de 15.06.2021, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

No presente caso, a candidata declarou ser advogada.

Em breve consulta à seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, constatei que a recorrente detém situação regular e ativa, de forma que julgo razoável concluir que a quantia foi retirada das rendas auferidas da atividade de advocacia e entendo comprovada a origem dos recursos utilizados, afastando tanto a caracterização da quantia como recurso de origem não identificada quanto a ordem de recolhimento de R$ 610,00.

2. Da despesa irregular com combustível

Verifico que a recorrente utilizou R$ 483,00 oriundos do FEFC para um suposto adimplemento de despesa com combustíveis, mas não declarou uso de veículo em qualquer das hipóteses do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35 (…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

No ponto, a candidata limitou-se a apresentar uma declaração de Emerson Esteves Prestes, no sentido da cedência do veículo FIAT/UNO, placas IPH4934, “que circulou no período eleitoral 2020, com publicidade de campanha à vereança, da candidata Carmem Ferreira”, e notas fiscais emitidas pelo Posto Tamandaré.

As diligências mostram-se insuficientes, pois (1) não há indicação do valor estimado para a cessão de veículo; (2) os documentos vieram aos autos desacompanhados da comprovação de propriedade, indispensável para a verificação da cessão, conforme determina o art. 21, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19; (3) a legislação exige que veículos cedidos sejam declarados ao devido tempo na prestação de contas, pareados com relatório semanal no qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos e gastos, providência não tomada; e (4) a cessão de veículos deveria ter sido declarada na prestação de contas, para fins de aferição dos limites de gastos para o cargo e de doação com recursos próprios do candidato, circunstância igualmente inocorrente.

Ou seja, permanece configurada a falha e, tratando-se de verbas públicas, subsiste a necessidade do recolhimento de R$ 483,00 determinado em sentença.

3. Da quitação de gasto com recursos do FEFC sem a observância das prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19

A sentença identificou gasto de R$ 300,00 desacompanhado de comprovantes de pagamento na forma estabelecida pela legislação de regência, em operação contratada junto ao fornecedor Luiz Edegar Moreira Pereira. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 assim dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Em sede recursal, a recorrente silenciou a respeito da falha.

As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam que se estabeleça de modo fidedigno a utilização de recursos públicos para gastos de campanha, pois estes devem ser identificados mediante elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, o pagamento atestado por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário.

Nessa linha de raciocínio, igualmente aqui a falha subsiste e deve ser mantida a ordem de recolhimento do valor de R$ 300,00.

Por fim, indico que o total das falhas remanescentes permite o juízo de aprovação com ressalvas, pois, ainda que represente 37,10% do total de R$ 2.110,00 arrecadados, o módico valor nominal, R$ 783,00, é inferior a R$ 1.064,10, permitindo a aplicação do princípio da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento parcial ao recurso, aprovar as contas com ressalvas e determinar o recolhimento de R$ 783,00 ao Tesouro Nacional.