ED no(a) PC-PP - 0600269-35.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2022 às 10:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC.

Por sua vez, o embargante sustenta, em síntese, que houve omissão no acórdão pela falta de análise adequada da tese contida nos parágrafos 38, 81, 91 das razões finais da prestação de contas e da violação ao art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Também, sustenta obscuridade na decisão que determinou a devolução da quantia de R$ 956.317,31, tendo em vista que não assentou de forma expressa como os descontos ocorrerão, se em prestação única ou em parcelas sucessivas.

Adianto que não assiste razão ao embargante.

Os parágrafos 38, 81 e 91 das razões finais da prestação de contas abordaram os seguintes temas:

38 – O Parecer Conclusivo traz a tabela abaixo colacionada a qual, nos termos postos pelo órgão técnico, diz respeito a situações nas quais “não houve comprovação dos pagamentos aos fornecedores” ou, “também não foi apresentada fatura ou duplicata da agência de viagem”: (...)

 

81 – Inicialmente, cumpre referir que a campanha de filiação pelo Prestador foi comprovada nos autos::

A campanha de filiação foi idealizada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em setembro de 2019 em todo o país. O DRRS, em reunião no dia 15 de janeiro de 2018, oficializou a estruturação da campanha no Rio Grande do Sul através de Resolução. No ANEXO PONTO 1.13 foi juntado: a) O print screen do site oficial do PT NACIONAL (disponível em https://pt.org.br/campanha-defiliacao-do-pt-sera-lancadanesta-sexta/) que noticia, em 21.09.2017, o lançamento da campanha naquele mês; b) A Resolução do DRRS de 15 de janeiro de 2018 que implementa a campanha no RS; c) O ofício resposta enviado pelo PT NACIONAL com o quadro de filiações no ano de 2018 no Rio Grande do Sul onde 5.262 novos filiados ingressaram no PT; d) Quadro evolutivo das filiações no país onde, no final do ano de 2018, se chega a 2.196.206 filiados; e) Fotografias de algumas atividades da Campanha de Filiação no Rio Grande do Sul. ID. Num. 5890883 - Pág. 1 a Pág. 8. (…)

 

91 – Em relação a outros períodos, se repisa, que de acordo com a certidão acima, não pendiam restrições ao recebimento de cotas pelo Diretório Regional no exercício de 2018. (…)

 

A matéria foi analisada no voto condutor do julgado, de minha relatoria, nos seguintes termos:

(…)

No que se refere ao item 1.3, envolvendo despesas com passagens aéreas, no somatório de R$ 14.661,07, não houve a devida comprovação de reversão das quantias pagas às empresas declaradas, seja por meio de cheque nominal e cruzado ou outra operação bancária com identificação do beneficiário, em violação ao art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Outrossim, atestou o órgão técnico de análise que, embora solicitadas durante a instrução do processo, não foram apresentadas as faturas ou duplicatas para verificação da aquisição das passagens aéreas pelo partido, em desatendimento ao previsto no art. 18, § 7º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17, in verbis:

Art. 18. (...).

[...].

§ 7º Os comprovantes de gastos devem conter descrição detalhada, observando-se que:

[...].

II – os gastos com passagens aéreas serão comprovados mediante apresentação de fatura ou duplicata emitida por agência de viagem, quando for o caso, desde que informados os beneficiários, as datas e os itinerários, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro documento para esse fim (Lei nº 9.096/1995, art. 37, § 10); e

De seu turno, a agremiação afirma que as passagens aéreas foram compradas em site específico do setor “Decolar.com”, que não emite duplicata ou fatura. Assevera que consta do documento a identificação de passageiro, itinerário, datas de ida e volta, código localizador do voo e atividade da qual participou, acompanhada dos bilhetes aéreos. Aduz que a norma não estabelece que as passagens aéreas sejam compradas única e exclusivamente em agências de viagem.

Contudo, ainda que, realmente, não haja obrigação de compra de passagem aérea via agência de turismo, não houve comprovação dos pagamentos aos fornecedores, descumprindo o art. 18, § 4°, da Resolução TSE n. 23.546/17, vale dizer, não restou identificado, por documentos idôneos, que o pagamento foi direcionado ao fornecedor, a partir da conta bancária da agremiação.

Tal poderia ser comprovado por cheque cruzado e nominal ao fornecedor ou por transação bancária que identificasse o CNPJ do beneficiário, o que não ocorreu.

(…)

4. Do pagamento de despesas com verbas do Fundo Partidário, com inobservância do disposto nos arts. 18, 29, inc. VI, e 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17

A unidade técnica deste Regional apontou que houve despesas em que a descrição da atividade desenvolvida pelos fornecedores não estava detalhada, ou constava a expressão “prestação de serviços de assessora” (item 4.1), e que existem dispêndios com sucinta descrição das atividades exercidas pelos profissionais, sem indicação de datas, carga horária, roteiros, municípios abrangidos por sua atuação, não sendo sequer juntados aos autos os contratos celebrados (item 4.2).

Reproduzo, na sequência, as considerações constantes do parecer conclusivo (ID 42779333):

4) Referente ao item 4 do Exame da Prestação de Contas, foi apontado que a agremiação realizou despesas com recursos do Fundo Partidário (contas 113000-5 e 23528-8, ambas da agência 10 do Banco do Brasil) em desacordo com os artigos 18, 29, inciso VI, e 35 § 2º, todos da Resolução TSE 23.546/2017.

O partido manifestou-se no ID 5890233, juntando esclarecimentos quanto às irregularidades apontadas. Após análise da manifestação da agremiação, restaram as seguintes falhas, que serão reportadas:

4.1) Referente aos gastos constantes na tabela que segue:

Inicialmente, o partido apresentou RPAs onde descrição da atividade desenvolvida pelos fornecedores não estava detalhada, ou constava a expressão “prestação de serviços de assessora”.

Na manifestação acerca dos apontamentos do Exame da Prestação de Contas, a agremiação declarou que os fornecedores Patrick de Almeida Bortoluzzi e Janaina dos Santos Barros exerceram função de auxiliar na Secretaria de Organização na preparação dos documentos dos candidatos à Eleição 2018. Quanto a Rosangela Jorge Goulart, foi declarado que exerceu a função de secretariado e organização da documentação da Secretaria e das atividades da pasta.

Permanece a irregularidade, pois a descrição das atividades exercidas não cumpre o comando do art. 18, caput da Resolução TSE 23.546/2017. Descrições sucintas de atividades exercidas por profissionais remunerados por “RPAs” não são suficientes para que o examinador possa atestar a correta utilização de verbas públicas. Sequer foi apresentado contrato de trabalho, que pudesse elucidar período e local de atuação, quantidade de candidatos atendidos pelos profissionais, remuneração por carga horária, etc.

Irregularidade: não atendimento do art. 18, caput e art. 35, §2º, ambos da Resolução TSE 23.546/2017, pois o documento fiscal apresentado não contém a descrição detalhada das atividades desenvolvidas pelos fornecedores, e também não é possível atestar a efetiva execução das atividades contratadas, devendo o valor de R$ 5.005,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional.

4.2) Referente às despesas arroladas na tabela que segue:

Foi apontado que os fornecedores foram remunerados, conforme documentos fiscais apresentados pelo partido, como prestadores de serviços de assessor, profissionais envolvidos em atividades de assessoria política, ou, ainda, atividades de assessoria.

Na manifestação acerca dos apontamentos do Exame da Prestação de Contas, a agremiação declarou que os fornecedores elencados na tabela retro (manifestação conforme IDs da tabela) exerceram atividades na Campanha Estadual de Filiação. Para comprovar a atividades dos fornecedores foram juntadas, no ID 5890883, págs. 1 a 8, fotografias de encontros referentes à Campanha Estadual de Filiação, além documentos como proposta de resolução, ofício do diretório nacional do PT que demonstra a evolução do número de filiações no estado do Rio Grande do Sul e também notícia veiculada no site do PT Nacional acerca do início da campanha de filiação.

Analisando a manifestação e documentação apresentada, não é possível atestar a efetiva execução das atividades pelos profissionais contratados. De início, esbarra-se na sucinta descrição das atividades exercidas pelos profissionais. Ademais, não há indicação de datas, carga horária, roteiros, municípios abrangidos pela atuação dos fornecedores. Sequer foram juntados aos autos os contratos celebrados entre os profissionais e o partido.

Importante lembrar que os desembolsos efetuados para os pagamentos dos profissionais foram realizados com recursos do Fundo Partidário.

Irregularidade: não atendimento do art. 18, caput e art. 35, §2º, ambos da Resolução TSE 23.546/2017, pois o documento fiscal apresentado não contém a descrição detalhada das atividades desenvolvidas pelos fornecedores, e também não é possível atestar a efetiva execução das atividades contratadas, devendo o valor de R$ 104.592,24 ser recolhido ao Tesouro Nacional.

O total de irregularidades do item 4 alcança o valor de R$ 109.597,24 (subitem 4.1 – R$ 5.005,00 + subitem 4.2 – R$ 104.592,24), sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional.

O partido político sustenta, no que toca ao subitem 4.1, que Patrick de Almeida Bortoluzzi, Janaina dos Santos Barros e Rosangela Jorge Goulart exerceram atividades na preparação dos documentos dos candidatos às eleições 2018. Aduz que, dada a complexidade do procedimento, é natural a contratação de pessoas para dar conta de tal tarefa. Quanto à demonstração da execução de tais serviços, a extensa nominata de candidatos do PT nas eleições de 2018 comprova o labor desses prestadores, pois, caso contrário, não teria havido o registro das candidaturas. Em relação à inexistência de contratos de trabalho, alega que não há obrigação de contrato, sendo apenas um dos meios de prova. Aponta que o exame final de contas não exigia a comprovação de jornada laboral, local de trabalho, quantidade de candidaturas atendidas, mas referia apenas que “os documentos fiscais apresentados, constam somente as expressões “atividades de Assessoria” ou prestação de serviços de Assessor”, descabendo ser suscitada a exigência unicamente no parecer conclusivo.

No que tange ao subitem 4.2, a agremiação argumenta que a materialidade da campanha de filiação restou comprovada pelo conjunto de documentos apresentados. Afirma que a realização da campanha de filiação e seus resultados justificamos gastos, incluída a contratação de pessoal. Relativamente à “descrição detalhada das atividades”, ainda que pudesse ser implementada de melhor forma, estar-se-ia diante de irregularidade formal, incapaz de conspurcar a transparência e o controle das contas. Reitera a desnecessidade de contrato, e inovação do parecer conclusivo.

Não assiste razão ao prestador de contas.

Tenho que o fato de inexistirem contratos formais entre a agremiação e os profissionais, envolvendo despesas custeadas com recursos públicos, por si só, é suficiente a ensejar glosa.

Ora, no pacto é que deveriam estar estipulados os deveres e direitos das partes, de modo a posteriormente poder ser fiscalizado pelo órgão de controle, no caso, a Justiça Eleitoral.

Inaceitável que uma sigla de grande porte, como no caso presente, possa efetuar pagamento a pessoas, às expensas do erário, por serviços que não decorram de um contrato escrito. Se não havia essa espécie de ajuste, supõe-se que as obrigações deveriam ser verbais, e, nessa hipótese, como poderia o órgão partidário exigir o cumprimento do objeto contratado? Como poderia haver a posterior fiscalização das despesas, de sua vinculação às atividades partidárias e, inclusive, da efetiva realização dos serviços convencionados?

A aplicação de recursos públicos pressupõe a estrita observância aos princípios da impessoalidade, da economicidade e da moralidade, não havendo espaço para serem chancelados por esta Justiça acordos orais, custeados com verbas do Fundo Partidário, estabelecidos segundo a mera vontade do dirigente e apenas registradas lacônicas palavras mágicas para descrever o conteúdo do acerto.

Tal entendimento se coaduna com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, consoante julgado abaixo coligido:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POPULAR SOCIALISTA DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. IRREGULARIDADES. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DE DUAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS.

(...)

6. Recibos de pagamento a autônomos (RPA) com informações genéricas que não se fizeram acompanhar dos respectivos contratos ou esclarecimentos específicos não são suficientes para comprovar a regularidade das despesas. Precedentes.

(...)

9. As notas fiscais devem conter a descrição específica da natureza dos serviços, não podendo consignar apenas a lacônica expressão "serviços prestados". Esta Corte tem decidido, à luz do art. 9º da Res.-TSE nº 21.841/2004, aplicável ao mérito das contas de 2013, ser "suficiente a documentação fiscal discriminada pela natureza do serviço prestado e corroborada por contratos ou outros documentos. Interpretação do art. 9º, I, da Res.-TSE nº 21.841/2004" (PC nº 266-61, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 2.6.2017).

(...)

(Prestação de Contas n. 30672, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 07.5.2019.) Grifei.

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

(...)

Ausência de documentos para comprovação de despesas

10. A unidade técnica constatou a ausência de documentação comprobatória de diversas despesas com pagamentos realizados pelo partido por meio de duas contas correntes, nos valores totais de R$ 271.337,16 e R$ 15.027,18, respectivamente, e, apesar da diligência determinada, a agremiação não apresentou documentos ou justificativas para sanar as falhas, deixando de comprovar a efetiva prestação dos serviços e a sua vinculação com a atividade partidária, nos termos dos arts. 18 da Res.–TSE 23.464 e 44 da Lei 9.096/95, razão pela qual o montante total de R$ 286.364,34 deve ser restituído ao erário.

(...)

Despesas com pagamentos a profissionais autônomos

14. O partido juntou aos autos diversos Recibos de Pagamento a Autônomo (RPA), os quais não foram assinados e apresentam a descrição genérica "serviços gerais", e não apresentou os respectivos contratos de prestação de serviços, relatórios dos serviços executados ou outros elementos que evidenciassem a regularidade dos gastos e a sua vinculação com a atividade partidária, configurando–se irregularidade na quantia total de R$ 393.299,21, devendo a agremiação ressarcir tal montante ao erário.

15. Conforme já decidiu este Tribunal Superior, "recibos de pagamento a autônomos (RPA) com informações genéricas que não se fizeram acompanhar dos respectivos contratos ou esclarecimentos específicos não são suficientes para comprovar a regularidade das despesas. Precedentes" (PC 306–72, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 7.5.2019).

(...)

(Prestação de Contas n. 060043841, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 216, Data 23.11.2021.) (Grifei.)

No caso, a documentação coligida, visando demonstrar a prestação de serviços administrativos e de assessoria, foi consubstanciada em recibos e documentos fiscais. Tais documentos não contêm descrição detalhada, apta a permitir inteiramente o controle, inclusive de sua vinculação aos misteres partidários, nem regulam a relação jurídica estabelecida. Poderiam, ao lado de contratos, ser empregados para fazer a devida prova, mas não isoladamente.

Nessa toada, considero desprovidos de adequada comprovação os gastos no total de R$ 109.597,24, que resultam da soma dos valores constantes dos subitens 4.1 (R$ 5.005,00) e 4.2 (R$ 104.592,24), devendo tal montante ser recolhido ao Tesouro Nacional, por ser proveniente do Fundo Partidário.

5. Do recebimento de recursos do Fundo Partidário em período em que cumpria penalidade de suspensão no repasse de novas quotas

A SAI apontou que o prestador de contas recebeu do Diretório Nacional do PT quotas do Fundo Partidário em período cujo repasse estava vedado.

O parecer conclusivo assim abordou a questão (ID 42779333):

5) No item 6 do Exame da Prestação de Contas, foi apontado que a direção estadual do PT/RS recebeu recursos do Fundo Partidário, em períodos que o órgão regional cumpria sanções de recebimento de recursos, conforme datas, e valores especificados na tabela que segue:

O partido apresentou manifestação no ID 5890233, págs. 72/74, alegando o que segue:

“O órgão partidário requereu ao E. TRE –RS a emissão de certidão de prestação de contas.

Consoante o certidão emitida pela Corte em 24 de abril de 2018 a única restrição para percebimento de repasses do Fundo Partidário que naquele exercício pesava sobre o órgão partidário decorria de PC referente a 2014 e havia se encerrado em 31 de janeiro deste, acosta-se em anexo a certidão.

Nestes termos, pendendo restrição ao recebimento até fins de janeiro de 2018 não tem o órgão partidário razões à objetar glosa quanto a eventual percebimento de cotas neste período.

Diversa é a situação em relação a outros períodos, eis que conforme certidão acima referida não pendiam restrições ao recebimento de cotas elo Diretório Regional noutros meses daquele exercício.

Em meados de maio, para surpresa do órgão partidário, foi emitida certidão a retificar as informações antes prestas na qual passam a constar suspensões para os períodos de 09 de abril a 09 de junho de 2018 (PC 4610) e, de 05 de fevereiro a 05 de junho (PC 7793), acosta-se em anexo certidão.

Desta forma, consoante o acostado se demonstra que o órgão partidário agiu sem animus mallus¸ eis que estribado em certidão emitida pelo juízo tinha por assentada inexistência de restrição ao percebimento de cotas do Fundo Partidário para além de 31 de janeiro.”

Importante aqui traçar uma linha do tempo, com datas relevantes a serem observadas:

- o partido recebeu recursos do Fundo Partidário em 19/01/18, 01/03/18, 14/03/18, 16/03/18 e 26/03/18;

- em 04/04/18, o prestador de contas peticionou ao TRE-RS (protocolo 8353/2018), requerendo certidão acerca de períodos de suspensão das verbas do Fundo Partidário, conforme imagem que segue:

- na data de 24 de abril de 2018, foi emitida certidão (ID 5897083, págs. 1 e 2)solicitada pelo partido, e, na data de 15 de maio de 2018, fornecida ce rtidão retificada (ID 5897033, págs. 1 e 2).

Analisando as datas acima listadas, observa-se que o diretório estadual do PT-RS solicitou certidão que identificasse os períodos de suspensão do Fundo Partidário em data posterior (04/04/2018) à data dos últimos créditos irregulares na conta do partido (26/03/2018).

Ainda, em 15/05/2018, o prestador de contas teve ciência de que recebeu recursos do Fundo Partidário em períodos que cumpria suspensão de recebimentos desse tipo de recurso, pois a certidão retificada foi encaminhada por e-mail ao partido. Apesar disso, não foi observada a devolução dos valores apontados como irregulares, quando consultados os extratos bancários das contas utilizadas pela agremiação para movimentação de recursos do Fundo Partidário (contas 113000-5 e 23528-8, ambas da agência 10 do Banco do Brasil).

Nesse contexto, o valor recebido em datas nas quais o órgão regional cumpria sanções de recebimento de recursos do Fundo Partidário enseja o recolhimento do valor recebido irregularmente, no montante de R$ 518.277,68, ao Tesouro Nacional, conforme entendimento do TRE-RS.

O partido assevera que obteve do Tribunal certidão dando conta de que não pendiam restrições ao recebimento de quotas do Fundo Partidário no exercício de 2018, mas que, em maio daquele ano, foi emitida certidão retificatória, passando a constar suspensões para os períodos de 09 de abril a 09 de junho (PC 4610) e de 05 de fevereiro a 05 de junho (PC 7793). Argumenta que agiu com boa-fé, eis que, ao receber os recursos públicos, estava estribado em certidão que atestava a inexistência de impedimento ao percebimento de tais valores para além de 31 de janeiro. Pugna pelo afastamento da glosa, apontando não ser razoável cominar a devolução do montante de R$ 518.277,68 à agremiação por ter recebido valores em período vedado e não ter realizado a devolução ao erário no prazo fixado na Resolução. Não sendo esse o entendimento, roga que a devolução de valores ao Tesouro ocorra por meio de descontos nos recursos do Fundo Partidário a que faz jus, em quantias que não inviabilizem a atividade partidária.

A tese defensiva não procede.

O diretório estadual recebeu quotas do Fundo Partidário nas datas de 19.1.2018, 01.3.2018, 14.3.2018, 16.3.2018 e 26.3.2018.

A primeira certidão (ID 5897083) foi lavrada pela Secretaria Judiciária em 24.4.2018, e atestava, no que concerne ao ponto, que, de 01.01.2018 a 31.01.2018, o partido encontrava-se em cumprimento de sanção de vedação de recebimento de recursos do Fundo Partidário, em decorrência de penalidade imposta na PC n. 1715-98. A segunda certidão (ID 5897033), datada de 15.5.2018, entretanto, em retificação à anterior, dava conta de que, além daquele período, 1º.01.2018 a 31.01.2018, a grei também estava proibida de receber quotas do fundo público nos interregnos de 09.4.2018 a 09.6.2018 (PC n. 46-10) e de 05.02.2018 a 05.6.2018 (PC 77-93).

Desse modo, ao tempo da emissão da primeira certidão pela Justiça Eleitoral todos os repasses irregulares já haviam ocorrido, de sorte que desafiaria a lógica escusar o partido da mácula sub examine em virtude de erro verificado em certidão emitida a posteriori e que perdurou por cerca de apenas 20 dias.

Gizo que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, "a sanção de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário imposta aos diretórios regionais e municipais, em razão da desaprovação das suas contas, deve ser cumprida pelo diretório nacional a partir da publicação da respectiva decisão, e não da data de sua comunicação pelos Tribunais Regionais" (PC 301–50, Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 28.6.2019).

Assim, reputando-se irregulares os repasses de quotas do Fundo Partidário posteriores à data do comando judicial sancionador, impõe-se o ressarcimento ao erário do respectivo montante pelo órgão partidário cujas contas ora se analisa.

Nessa linha, este Tribunal, no julgamento do REl n. 0600001-48.2019.6.21.0010, na sessão de 22.01.2021, reconheceu a irregularidade e determinou a restituição do valor equivalente ao Tesouro Nacional em relação a diretório municipal que auferiu verbas do Fundo Partidário em período em que estava proibido de obter tais recursos, cumprindo transcrever trecho do voto do eminente Relator, Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, que bem caracteriza a falha do órgão beneficiário dos valores:

A providência obrigatoriamente esperada de qualquer pessoa física ou jurídica que receba recursos financeiros por equívoco ou erro de terceiros, como parece ter ocorrido no caso, é a imediata devolução ao depositante. Mas não foi essa a atitude do partido, que se apropriou indevidamente do recurso público e o utilizou de forma totalmente irregular.

Portanto, a irregularidade conduz à obrigação de devolver as quantias ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.546/17 litteris:

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/1995, art. 37).

(…).

Art. 59. (…).

[…].

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13, o órgão partidário e os seus responsáveis devem ser notificados para fins de devolução ao Erário, se já não houver sido demonstrada a sua realização.

(…).

Art. 62. O disposto nos incisos I e II do caput do art. 60 e no art. 61 também é aplicável no caso das prestações de contas que tenham sido aprovadas com ressalvas, nas quais tenha sido identificada irregularidade que, independentemente do seu valor, deve ser ressarcida aos cofres públicos.

Esse entendimento está em estrita consonância com a jurisprudência do TSE, a seguir colacionada:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL DE PARTIDO POLÍTICO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO QUE SUSPENDEU O RECEBIMENTO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é irregular o recebimento de valores transferidos pelos demais órgãos partidários durante o cumprimento da pena de suspensão do Fundo Partidário por um de seus diretórios. Precedentes.

2. Em casos dessa natureza, tem-se aplicado de forma conjunta a suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário e a devolução ao Erário da quantia apurada, procedimento que não implica bis in idem (PC 957-46/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 22.10.2014).

3. A restituição do dinheiro alheio ao seu legítimo proprietário constitui, na verdade, o mero retorno ao status quo ante, e não a imposição de uma penalidade. A sanção legal propriamente dita surge em momento posterior, quando ao órgão partidário infrator é imposta pela Justiça Eleitoral a devolução do valor correspondente à burla.

4. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 7695, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, Data de Julgamento: 28.4.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 90, Data: 14.5.2015, pp. 180-181). (Grifei.)

Desse modo, ante a irregularidade verificada no manejo de recursos públicos, impõe-se à grei política a devolução ao erário do quantum de R$ 518.277,68.

Anoto, obiter dictum, que eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União no caso de condenação do diretório nacional, pelo TSE, em processo próprio de contas, em razão da ilicitude do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum (art. 275 do CC).

Assim, tenho que, na fase do cumprimento de sentença, o órgão partidário poderá alegar, por meio de impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do CPC para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente.

Nesse sentido, colaciono precedente deste Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2017. RECEBIMENTO E USO IRREGULAR DE VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO ENQUANTO VIGORAVA A SUSPENSÃO DOS REPASSES. RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ART. 31 DA LEI N. 9.096/95. DUPLO TRATAMENTO DAS DOAÇÕES PERCEBIDAS ANTES E APÓS O ADVENTO DA LEI N. 13.488/17. DEPÓSITOS SEM IDENTIFICAÇÃO DE ORIGEM – RONI. ARTS. 7º, 8º e 13 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. QUANTIA IRREGULAR CORRESPONDENTE A 26,66% DAS RECEITAS. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE ILÍCITO, COM ACRÉSCIMO DE 5% DE MULTA, AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PELO PERÍODO DE UM MÊS. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas de diretório estadual partidário referente ao exercício de 2017. Parecer conclusivo apontando o recebimento de verbas do Fundo Partidário durante período em que cumpria sanção de suspensão no repasse de quotas, além do aporte de recursos de fonte vedada e de origem não identificada.

2. Da utilização de recursos do Fundo Partidário em período de impedimento ao repasse de novas verbas da espécie. Inaplicabilidade do art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.877/19. O dispositivo invocado pelo partido foi acrescentado à Lei dos Partidos em data posterior à contabilidade apresentada, não cabendo sua aplicação ao feito atual em respeito ao princípio do tempus regit actum. O termo inicial da penalidade é a data de publicação da respectiva decisão, e não de sua comunicação pela Justiça Eleitoral aos órgãos partidários. Dessa forma, irregulares os repasses posteriores à data do comando judicial sancionador. Falha que conduz à obrigação de devolver as quantias ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.464/15. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem ou enriquecimento sem causa da União em caso de condenação do Diretório Nacional pelo TSE, no processo próprio de contas, em razão da ilegalidade do repasse efetuado, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre as diferentes esferas pelo ilícito comum, nos termos do art. 275 do Código Civil. Oportunidade em que o órgão partidário poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do Código de Processo Civil para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, inclusive eventual satisfação da obrigação, superveniente à condenação, por outro devedor demandado separadamente.

(...)

(TRE-RS, Processo PC-PP n. 0600278-31.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 12.5.2021.)

(…)

Verifica-se, de forma clara, que todas as teses lançadas no presente recurso, sob a alegação de omissão, foram afastadas nos termos da fundamentação do acórdão recorrido.

O embargante alega, ainda, omissão na sentença por falta de análise do art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Contudo, tendo em vista se tratar de prestação de contas referente ao exercício de 2018, inaplicável a referida Resolução ao feito.

Entretanto, analisando sob o prisma do art. 36, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, que traz a mesma previsão, não verifico omissão no acórdão.

Isso porque inaplicável a hipótese aos autos, diante da inexistência de inovação no parecer conclusivo. O parecer conclusivo, na verdade, trouxe detalhamentos a respeito das irregularidades inicialmente constatadas, analisando as falhas de forma mais aprofundada.

Destaco que a agremiação foi devidamente intimada para manifestação do parecer final da unidade técnica e que apresentou alegações finais. Assim, foram a ela ofertadas todas as oportunidades legais para esclarecer as irregularidades apontadas, não podendo alegar surpresa.

Na verdade, o embargante busca a rediscussão do assunto afeto ao acerto ou desacerto da decisão (mérito), pretensão que não se coaduna com a finalidade da via processual eleita.

Por derradeiro, a grei sustenta obscuridade no acórdão por não abordar a forma como ocorrerá a devolução da quantia de R$ 956.37,31 a título de Fundo Partidário.

Contudo, as matérias suscitadas dizem respeito especificamente à fase de cumprimento de sentença, momento em que poderão ser oportunamente arguidas, nos termos do art. 523 e seguintes do CPC, bem como das disposições contidas na Resolução TSE n. 23.546/17.

Ainda, no tocante ao prequestionamento das matérias indicadas nos embargos, para fins de interposição de recurso perante as instâncias superiores, ressalto que o primordial para o conhecimento dos recursos especial e extraordinário é o enfrentamento da questão jurídica discutida nos autos, o que ocorreu adequadamente no caso em tela.

Por fim, cumpre referir que o art. 1.025 do CPC adotou o prequestionamento ficto, tendo em vista que assim dispõe: "consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.