REl - 0600538-63.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2022 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

As condutas imputadas aos recorridos foram bem descritas no relatório da sentença sob ID 41483333:

[…]

na semana das últimas eleições municipais, teria ocorrido a distribuição de cestas básicas em número excessivo, tendo sido sobrestada distribuição por um período de dois meses antes do pleito para, então, na semana da disputa terem sido distribuídas 120 (cento e vinte ) cestas básicas. Aludiu que o ato configuraria abuso de poder político, uma vez que os investigados foram apoiados pelo então Prefeito. Narrou também que o, então mandatário municipal teria promovido a recontratação de servidores em cargos de confiança, conferindo vantagens econômicas a estes, com o ânimo de favorecer os investigados, então postulantes aos cargos majoritários, nas eleições. Na mesma toada, aduziu que teriam sido concedidos diversos benefícios para servidores, como pagamentos de gratificações, auxílios e adicionais, configurando as referidas práticas abuso de poder político, uma vez que a estrutura da Administração Pública Municipal foi utilizada para favorecer os ora investigados. Invocou o art. 22, caput e inciso XIV da Lei Complementar nº 64/1990, defendendo ser o ato abusivo grave, configurador de captação ilícita de sufrágio, na forma do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997. Por conseguinte, deveria ser reconhecida a inelegibilidade dos investigados. Postulou pela procedência da demanda, com a cassação do diploma dos investigados e cominação de multa no patamar de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) e R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

 

O magistrado, apesar de admitir que o TSE havia sinalizado pela superação do precedente, que considerava indispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário entre o autor da conduta e o candidato beneficiado, em nome do sobreprincípio da segurança jurídica e de que os atos abusivos teriam sido exclusivamente praticados pelo anterior prefeito, que efetivamente detinha o poder de mando e podia praticá-los em benefício dos candidatos ora investigados, os quais eram pessoas alheias à Administração Municipal, reconheceu a imprescindibilidade do litisconsórcio necessário passivo, julgando extinta a ação, com julgamento de mérito, pela decadência, nos seguintes termos:

 

O Egrégio TSE, notadamente a partir das eleições de 2016, passou a consagrar o entendimento de que nas demandas cuja causa de pedir fosse o abuso de poder político e/ou econômico, deveria haver necessariamente a formação de litisconsórcio passivo entre o responsável pelo ato e o beneficiário. Para bem aclarar a questão, transcrevo o precedente:

 

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO.

JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

1. Até as Eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no sentido de não ser necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso

do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes.

2. A revisão da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral deve ser prospectiva, não podendo atingir pleitos passados, por força do princípio da segurança jurídica e da incidência do art. 16 da Constituição Federal.

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

4. Tendo sido as provas dos autos devidamente analisadas pela Corte Regional, não há omissão ou contradição no acórdão recorrido, mas apenas decisão em sentido contrário à pretensão recursal. Violação ao art. 275 afastada.

5. A condenação por captação ilícita de sufrágio (Lei nº 9.504/97, art. 41-A) exige a demonstração da participação ou anuência do candidato, que não pode ser presumida. Recurso provido neste ponto.

6. O provimento do recurso especial para afastar a prática de captação ilícita de sufrágio não impede que os fatos sejam analisados sob o ângulo do abuso de poder, em face do benefício auferido, o qual ficou configurado na hipótese dos autos em razão do uso da máquina administrativa municipal, mediante a crescente concessão de gratificações no decorrer do ano eleitoral, com pedido de votos.

7. A sanção de inelegibilidade tem natureza personalíssima, razão pela qual incide somente perante quem efetivamente praticou a conduta. Recurso provido neste ponto para afastar a inelegibilidade imposta ao candidato beneficiado, sem prejuízo da manutenção da cassação do seu diploma.

Ação cautelar e mandado de segurança julgados improcedentes, como consequência do julgamento do recurso especial.

(Recurso Especial Eleitoral nº 84356, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Volume , Tomo 170, Data 02.9.2016, Página 73/74.) (grifei).

 

Portanto, nos casos em que há uma diferenciação entre a pessoa que praticou o ato abusivo e o beneficiário desse ilícito, a formação do polo passivo exigiria a presença desses dois indivíduos, não se satisfazendo somente com a presença do candidato. A relação jurídica deduzida, aos olhos do Tribunal, seria incindível, não se podendo escolher punir apenas o beneficiário do ato, deixando o responsável, no mais das vezes, um agente público, como in casu, incólume. Ademais, pela ampla defesa, seria exigível a presença deste responsável pelo ato para defender a higidez do comportamento que ele e não o beneficiário praticou.

 

Por oportuno, convém esclarecer que as sanções aplicáveis pela Justiça Eleitoral não se circunscrevem à pessoa do candidato podendo, rectius, devendo atingir se for o caso, todo aquele responsável pelo ilícito eleitoral. É fato que sanções como a cassação de diploma ou registro de candidatura limitam-se, por sua própria natureza, aos candidatos, porém, não é menos verdade que as sanções aplicáveis pela Justiça Eleitoral não se resumem a essas, variando em penalidades como multas, inelegibilidades etc. Essa outra gama variável de sanções é aplicável também àquele que não é ou foi candidato, mas sim apenas praticou em prol de um dado candidato e/ou partido político um ilícito eleitoral.

 

De tal modo, não procede o argumento do Ministério Público na manifestação do evento nº 84514702. A circunstância de haver a possibilidade de punição do responsável pelo ato na seara comum em nada altera a responsabilidade perante a Justiça Eleitoral, não interferindo na exigência de litisconsórcio passivo necessário na espécie.

 

A orientação acima exposta, no sentido de não ser possível cindir a situação do responsável pelo ilícito e de seu beneficiário é ainda vigente no Direito Eleitoral pátrio.

 

[…]

 

É verdade, no entanto, que o precedente ora analisado vem sendo desgastado ao longo do tempo, já tendo havido, inclusive, sinalização de sua possível superação. Nesse sentido:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. PREFEITO. VICE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. APONTADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 275 DO CE E 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LIMITES DO PEDIDO DEMARCADOS PELA RATIO PETENDI SUBSTANCIAL. SÚMULA Nº 62/TSE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. TESE AFASTADA. PREFEITO. AUTOR DO ILÍCITO E BENEFICIÁRIO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. FLAGRANTE PREPARADO. INEXISTÊNCIA. LICITUDE DA PROVA. PRECEDENTES. CONFIGURAÇÃO DA PRÁTICA ABUSIVA. COMPRA DE APOIO POLÍTICO. ACERVO PROBATÓRIO ROBUSTO. GRAVIDADE RECONHECIDA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. CONVERGÊNCIA DO DECISUM RECORRIDO COM A ORIENTAÇÃO DESTA CORTE. SÚMULA Nº 30/TSE. ART. 22 DA LC Nº 64/90. VIOLAÇÃO. CASSAÇÃO E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFRONTA. AUSÊNCIA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DESPROVIMENTO.

(...)

III. Da tese de litisconsórcio passivo necessário

9. Não obstante o tema do litisconsórcio passivo necessário nas ações que visem apurar abuso do poder econômico exigir acurada reflexão desta Corte Superior para as eleições vindouras, fato é que, para o pleito de 2016, o entendimento firmado é no sentido de ser obrigatório o chamamento cumulativo dos responsáveis pelo ato ilícito e seus beneficiários. (REspe nº 624-54/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 11.5.2018.). (…) Conclusão 22. Não há, nas razões postas no agravo interno, argumento capaz de modificar os fundamentos da decisão agravada, motivo pelo qual a mantenho integralmente. 23. Agravo regimental desprovido.

 

(Recurso Especial Eleitoral nº 45943, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 170, Data 26.8.2020, Página 136/157.) (Grifei.)

 

O Ministro Barroso, no REspe no 501-20.2016.6.13.0002/MG, em obiter dictum, bem argumentou acerca da necessidade de futura superação do precedente. Em que pese os bem lançados argumentos, com os quais este Magistrado concorda, o fato é que a Corte não promoveu ainda a superação precedente (overruling), consoante demonstraram os julgados acima citados.

 

Diante de tal realidade, convém salientar que somente o próprio TSE poderia revogar o seu precedente. Nesse sentido, bem ensina Daniel Mitidiero (Precedentes. Da persuasão à vinculação. 2ª ed. RT. São Paulo. 2017. p. 87) , ao conceituar a técnica do overruling:

 

O overruling é a superação total do precedente e constitui um poder dado apenas aos órgãos que foram encarregados da sua formulação mediante um complexo encargo argumentativo, que envolve a demonstração do desgaste do precedente no que tange à sua congruência social e consistência sistêmica.

 

Este Juízo poderia até cogitar da utilização da técnica do anticipatory overruling, desconsiderando o precedente na expectativa de que já não será mais aceito pela Corte Superior. Não obstante, há de se ter em mira que, em nome do sobreprincípio da segurança jurídica que orienta todo o Estado de Direito (art. 1º da CF),tal técnica só pode ser utilizada de forma excepcionalíssima.

 

No caso posto, os próprios julgados posteriores às decisões em que emanadas as sinalizações já contraindicam a utilização dessa técnica. Ademais, e o que se mostra mais decisivo, a matéria ora versada diz respeito ao Direito Eleitoral, sendo imperativo que novas orientações jurisprudenciais só passem a valer para o futuro, devendo ser seguida a orientação constante no art. 927, § 3º do CPC:

 

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

 

Mais do que só valer para o futuro, é importante, na seara eleitoral, que tais alterações só sejam aplicadas para pleitos futuros, a fim de preservar a coerência, segurança e isonomia do processo eleitoral já perfectibilizado.

 

Em assim sendo, a orientação que deve comandar este decisum é aquela ainda dominante no E. TSE, a do precedente primeiramente citado.

 

A regra jurisprudencial que exige a formação de litisconsórcio entre o responsável e o beneficiário do ato comporta, contudo, uma distinção já consagrada pelo próprio TSE, qual seja: quando o responsável pela prática do ato abusivo for mero mandatário, preposto, executor, longa manus do beneficiário, ou seja, quando o próprio beneficiário acaba por ser também responsável pelo ato. Nessas hipóteses, a formação do litisconsórcio com a integração deste mandatário é dispensada.

 

A argumentação do investigante foi feita justamente com base nesse distinguishing (evento nº 84464785). Não obstante o bom trabalho desenvolvido pelo advogado do investigante e o esforço empreendido por ele, o caso posto não se adequa à distinção invocada.

 

A partir dos próprios precedentes invocados pelo investigante, pode-se perceber que o candidato fora o principal responsável pelo ato e não meramente seu beneficiário, detinha, valendo-me da expressão consagrada no Direito Penal, "o domínio do fato", sem ele, sem os poderes dele, o ato abusivo não poderia ser materializado, ou ainda, de outro modo, tinha ele poderes para impedir a concretização do abuso.

 

No primeiro julgado invocado AgR-Al 693-54, o investigado era o candidato à reeleição para o cargo de Vereador, tendo sido apontado como um dos responsáveis direto pela concessão irregular de benefícios com fins eleitorais, ou seja, o ato foi diretamente imputado ao investigado. Vide o que foi destacado pelo Ministro Tarcísio Vieira no corpo do julgado:

 

É o que se colhe, por exemplo, da passagem do voto condutor do acórdão recorrido, na qual assentado que, "no curso da instrução, restou cabalmente demonstrado que o recorrente [ ... ] participou da concessão, de forma fraudulenta, do programa assistencial denominado Cheque Cidadão com intuito eleitora!" (fi. 949v), bem como do seguinte excerto: "em verdade, o que revelam as provas dos autos é que vários eleitores foram beneficiados pelo esquema em apreciação, restando comprovado que o recorrente fez uso de 964 cheques cidadão" (Grifei).

 

Como se vê, o próprio candidato beneficiário também era o agente público responsável pelo ato, sendo, por conseguinte, dispensável o litisconsórcio.

 

Por seu turno, no REspe n° 323-72.2016.6.21.0156/RS, o investigado era o próprio prefeito candidato à reeleição, sendo também, portanto, responsável pelo ato de abuso de poder político, ainda que este tenha sido cometido em concorrência com os secretários dos municípios, mandatários, a toda evidencia, do próprio prefeito candidato à reeleição. Vide o que restou destacado, no corpo do acórdão, pelo Ministro Admar Gonzaga:

 

Considerada a moldura fática do acórdão recorrido, o entendimento da Corte de origem está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que é desnecessária a formação do litisconsórcio passivo quando os secretários agirem como meros mandatários do chefe do Poder Executivo.

 

No AgR-REspe n° 311-08.2012.6.16.0166/PR, a situação é a mesma destacada nos julgados acima, o investigado era candidato a reeleição, sendo prefeito quando da prática do ato abusivo, ou seja, mais uma vez, a pessoa do responsável pelo ato e do beneficiário se confundiam. Para aclarar o ponto, veja o que foi mencionado pelo Ministro Noronha no corpo do julgado:

 

Todavia, conforme ressaltado na decisão agravada, os agentes públicos responsáveis pela prática da conduta vedada são os próprios agravantes, e não a secretária de ação social. A ordem para suspender a conduta deve ser direcionada, no caso, aos chefes do Poder Executivo, ou seja, aos agravantes, que são as autoridades com poder de determinar a sua cessação. Também serão eles que suportarão eventual responsabilização por improbidade administrativa decorrente dos mesmos fatos. (grifei).

 

Por fim, no Resp. 634-49.201 2.6.1 3.01 81, mais uma vez, o investigado era o próprio prefeito candidato a reeleição, sendo que o agente público executor do ato era um mero motorista, evidentemente um mandatário. Vide o que foi referido pela Ministra Rosa Weber:

 

Quanto à alegação de ilegitimidade passiva dos recorrentes e de que deveria constar o motorista do veículo plotado como litisconsórcio passivo unitário, extraio da moldura fática delineada no acórdão regional, às fls. 1.213 e 1.214, que Huemerson de Oliveira não atuou como agente independente, mas, sim, subordinadamente aos representados, tendo sido até mesmo contratado pela Prefeitura para transportar mercadorias.

 

Como se percebe, em todos os casos invocados pelo ora investigante, o próprio agente público responsável pelo ato de abuso de poder político, com poder de mando, já se encontrava no polo passivo da demanda, tendo, pois, plenas condições de defender o ato, sendo, portanto, dispensável o litisconsórcio.

 

No caso ora posto, no entanto, acontece justamente o contrário. Os atos abusivos teriam sido exclusivamente praticados pelo anterior prefeito, que efetivamente detinha o poder de mando e podia praticá-los, em benefício dos candidatos ora investigados, os quais eram pessoas alheias à Administração Municipal. Ora, nessa hipótese, o litisconsórcio é imperativo.

 

O beneficiário ora investigado poderia até estar mancomunado com o prefeito, é até de se esperar isto no tipo de situação alegada, todavia isso não corresponde a lhe conferir o efetivo poder de mando na Administração Municipal anterior, como se o então prefeito fosse um mero executor dos atos do beneficiário.

 

É importante ressaltar a responsabilidade dos candidatos pelos atos não foi nem ao menos ventilada na inicial. Na peça portal, o prefeito anterior, terceiro nesta demanda, foi responsabilizado direta e unicamente pelos atos que compõe a causa de pedir, só se depreendendo da narrativa que os investigados foram beneficiários de tais atos.

 

[…]

 

Reconhecida a exigência do litisconsórcio passivo na espécie, a rigor, a medida a ser tomada seria àquela prevista no art. 115, parágrafo único do CPC, com a determinação da promoção da citação dos litisconsortes, não promovida de início pelo investigante. Não obstante, conforme abaixo se verá, a medida não pode mais ser implementada no presente caso.

 

2.1.2 Decadência.

 

O prazo final para o ajuizamento da AIJE ou da representação por captação ilícita de sufrágio, que segue o mesmo procedimento (art. 41-A, caput, da Lei nº 9.504/1997), é a data da diplomação dos candidatos eleitos. Nesse sentido, expressamente alude o § 3º do art. 41-A da nº 9.504/1997. In verbis:

 

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

 

No caso posto, a presente demanda foi ajuizada no dia 15/12/2020. A diplomação dos candidatos ocorreu no dia 16/12/2020. Em que pese o ajuizamento da demanda tenha respeitado o marco legal, com a superveniente necessidade de formação do litisconsórcio passivo acima indicada, forçoso é reconhecer a consumação da decadência na hipótese.

 

[…]

 

Em assim sendo, na esteira dos julgados paradigmas, impõe-se reconhecer a decadência no caso em tela. (Grifo nosso)

 

 

 

Contudo, após a prolação da sentença (ID 41483333), o TSE, no julgamento do Recurso Ordinário Eleitoral n. 060304010, firmou a tese no sentido de não ser mais exigido o litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita, salientando que o novo entendimento tem aplicação para as eleições de 2018 e seguintes. O acórdão restou assim ementado:

 

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. CARGO DE GOVERNADOR. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CONDUTA VEDADA. CABIMENTO DO APELO NOBRE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE CANDIDATO BENEFICIÁRIO E AUTOR DA CONDUTA ILÍCITA. DESNECESSIDADE. HIPÓTESE NÃO ABRANGIDA PELO ART. 114 DO CPC/2015. AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA EM AIJE POR ABUSO DO PODER POLÍTICO. ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APLICAÇÃO PROSPECTIVA. SEGURANÇA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS PREVIAMENTE REQUERIDA. RETORNO DOS AUTOS DIGITAIS À ORIGEM. AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA. INVIABILIDADE. PROVIDO O RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE.

Preliminares

1. Se o processo trata de inelegibilidade ou de cassação de diploma ou mandato referente a eleições federais ou estaduais, cabe recurso ordinário, ainda que o feito tenha sido extinto prematuramente. Precedente.

2. O erro material na indicação do número do processo na petição do recurso não tem o condão de obstar o seu conhecimento.

3. Tratando–se de litisconsórcio facultativo unitário, é aplicável o efeito expansivo subjetivo previsto no art. 1.005 do CPC/2015, não havendo falar em trânsito em julgado para o litisconsorte que não interpôs recurso específico.

4. Constando pedido de reabertura da fase instrutória para posterior julgamento do mérito da demanda, tem–se, por lógica, a pretensão de análise dos fatos versados na petição inicial, não havendo falar em violação ao art. 492 do CPC/2015.

Mérito recursal

1. A jurisdição eleitoral, considerados os bens jurídicos que se presta a defender, não pode criar óbice à efetividade da norma eleitoral nem exigir a formação de litisconsórcio sem expressa previsão no ordenamento jurídico.

2. O art. 114 do CPC/2015 prevê a formação do litisconsórcio necessário em apenas duas hipóteses: (a) por disposição de lei; e (b) quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

3. Não há, no ordenamento eleitoral, disposição legal que exija a formação de litisconsórcio no polo passivo da AIJE.

4. Inexiste relação jurídica controvertida entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita nas ações de investigação judicial por abuso do poder político.

5. Firma–se a tese no sentido de não ser exigido o litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita em AIJE por abuso do poder político.

6. A fixação do novo entendimento tem aplicação prospectiva, para as eleições de 2018 e seguintes, por força do princípio da segurança jurídica.

7. Após a citação, a ampliação objetiva da lide depende da aquiescência dos demandados. E, ainda que houvesse aquiescência, na espécie, a descoberta de novos fatos ocorreu após o prazo decadencial de propositura da AIJE, o que obsta a utilização do instituto.

8. Recurso ordinário provido em parte, tão somente para afastar a necessidade de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiário e os autores da conduta ilícita e determinar o retorno dos autos digitais ao TRE/DF, a fim de que realize a instrução probatória quanto aos fatos narrados na petição inicial.

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL nº 060304010, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 122, Data 01.7.2021.) (Grifo nosso)

 

 

No julgado acima, o relator, Min. Mauro Campbell, consignou que nas eleições de 2016 o entendimento da necessidade da formação do litisconsórcio necessário passivo teve por escopo a ampliação do exercício da ampla defesa, tanto pelo candidato como pelo agente público.

Entretanto, a Corte revisitou o tema e, ao fundamento da defesa da lisura do pleito e da máxima efetividade da norma eleitoral, alterou sua jurisprudência para considerar não adequada a extinção de uma ação eleitoral, tão somente pela ausência no polo passivo do responsável pelo ato ilícito. Ademais, de acordo com o Min. Mauro Campbell Marques, inexistente, no ordenamento eleitoral, disposição legal que exija formação de litisconsórcio no polo passivo da AIJE.

Nesse contexto, imperiosa a reforma da sentença, para afirmar a desnecessidade do litisconsórcio passivo necessário com o prefeito, à época dos fatos, Iad Choli.

Na sequência, cumpre examinar se é possível prosseguir no julgamento.

Como bem apontado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, não há necessidade de retorno dos autos à origem, nos exatos termos do art. 1.013, § 4º, do CPC, pois a causa se encontra madura para julgamento, pois encerrada a instrução e oferecidas alegações finais.

Assim, sigo no exame de mérito da lide.

MÉRITO

As razões recursais circunscrevem-se à prática de abuso de poder político e econômico, e suposto esquema de compra de votos durante a gestão, no Município de Barra do Quaraí, do ex-Prefeito Iad Choli, consistente na distribuição de cargos e concessão de vantagens a servidores públicos municipais, em especial os ocupantes de cargo de livre nomeação e exoneração, com o fim de beneficiar a candidatura do investigado MAHER JABER MAHMUD no pleito de 2020.

Apenas as declarações prestadas pela testemunha Simoni da Silva Morais corroboram a alegação de que teria havido pedido de voto nos candidatos investigados em troca da mudança de cargo em comissão exercido.

Não tendo sido produzido, durante a instrução processual, qualquer outro elemento de prova a amparar as imputações contidas na inicial, deve prevalecer o disposto no art. 368-A do Código Eleitoral, segundo o qual “a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Sobre a prova testemunhal, colaciono o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, que analisou de forma percuciente o conjunto probatório (ID 44868992):

 

A testemunha Simoni da Silva Morais, arrolada pela parte autora, prestou compromisso. No ID 41479783, a partir de 02:37, referiu que trabalhou na Prefeitura Municipal de Barra de Quaraí por cerca de três anos e, durante a campanha eleitoral, viu o candidato MAHER frequentar o gabinete do ex-Prefeito Iad Choli, por duas a três vezes na semana, sem, contudo, agendar as visitas. Confirmou que foi exonerada do seu cargo e em seguida nomeada para outro com elevação de nível, mas continuou exercendo a mesma função no setor de protocolo que fica em frente ao gabinete do Prefeito. Asseverou que o motivo da elevação de nível seria a depoente e sua família votar nos candidatos MAHER e Richard (candidato a vereador pelo mesmo partido de MAHER), foi Richard que ligou para a depoente para fazer a proposta, salientando, no entanto, que foram MAHER e Richard que prometeram a mudança de nível. Afirmou que, durante o horário de expediente, foi pressionada pelo Secretário Roberto, para por “12” nas redes sociais, destacando que MAHER e Iad tinham conhecimento desse fato, pois, naquela manhã, estavam juntos no gabinete e o Roberto saiu e falou com a depoente. Disse que conhece Caroline Zapirai, Bruno Sagardia, Vanusa de Almeida, Patrícia de Souza, João Vítor, Michaela e Cristiana Cordeiro, pois trabalham na Prefeitura e tiveram mudança de cargo com elevação denível pelo mesmo motivo, qual seja, votar no MAHER e em outros vereadores, ressaltando que foram os referidos servidores que falaram isso para a depoente. Pela defesa dos investigados (a partir de 09:24), questionada acerca dos áudios trazidos com a inicial (IDs 41479083 e 41479133), enviados para alguém no aplicativo WhatsApp, em que diz que o vereador Richard conversou com a depoente e pediu para votar nele e no candidato MAHER, respondeu que Richard e MAHER ligaram para a depoente. Perguntada se os dois falaram ao mesmo tempo, explicou que Richard disse que MAHER estava junto dele e que os dois iriam ajeitar para a depoente conseguir a elevação de nível, mas não chegou a falar com MAHER durante a ligação. Mencionou que a elevação de nível acarretou um aumento de R$ 300,00 e que lhe foi prometido também um cargo na gestão de MAHER em troca do apoio, salientando que, quando Richard ligou, estava de licença médica e, quando retornou, a exoneração e a nomeação já estavam assinadas, diante disso a depoente disse “fiquei na minha”. Destacou que achou “sacanagem” e errado o que Richard e MAHER fizeram, razão pela qual se comprometeu a depor contra eles.

Destarte, a depoente afirmou que, próximo às eleições, foi exonerada e, logo após, nomeada para cargo distinto, com melhor remuneração, mas sem alteração do seu trabalho. Inicialmente, alegou que o investigado MAHER e o vereador Richard prometeram a mudança de nível em troca de voto da depoente e de seus familiares. Contudo, ao final do depoimento, questionada em que circunstâncias ocorreu a promessa, respondeu que recebeu uma ligação de Richard e de MAHER, sendo que foi Richard quem disse que MAHER estava junto dele, mas afirmou que não falou com MAHER durante a ligação.

Portanto, não há certeza de que MAHER se encontrava junto com Richard quando esse fez a proposta de compra do voto.

Para confirmar as declarações da sua testemunha, a parte autora requereu a oitiva de alguns servidores municipais que foram nominados no depoimento de Simoni, quais sejam, João Vitor Rodrigues Ribeiro, Bruno Sargadia e Patrícia de Souza (testemunhas referidas).

As testemunhas referidas, uma delas ouvida como informante, confirmaram a mudança de cargo durante o período eleitoral, mas negaram que, em troca, tenham recebido pedido de voto. Senão vejamos.

João Vitor Rodrigues Ribeiro, prestou compromisso. No ID 41482133, a partir de 01:36, mencionou que exerceu o cargo de auxiliar administrativo no governo

passado durante um ano, sendo que, em razão da pandemia, exerceu outras funções para cobrir os colegas que estavam afastados. Confirmou que foi exonerado em outubro de 2020 e no dia seguinte nomeado para outro cargo, salientando que não obteve nenhuma vantagem, pois era nível 5 e foi para nível 3, tendo indagado o ex-Prefeito Iad o motivo da mudança e este lhe disse que precisava fazer uma restruturação administrativa. Asseverou que ninguém lhe ofereceu dinheiro ou alguma vantagem para votar no candidato MAHER, e que não viu este candidato e nem o vereador Richard no prédio da Prefeitura durante o período eleitoral.

Afirmou que não falou com sua colega Simoni sobre a troca de cargo e não sabe dizer se ela mudou de cargo com elevação de nível. Disse que apoiou o candidato MAHER, tendo participado inclusive de caminhada, e que Simoni apoiava declaradamente o candidato adversário CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO.

Bruno Sargadia, prestou compromisso. No ID 41482083, a partir de 02:03, referiu que, há sete anos e dez meses, exerce cargo de livre nomeação e exoneração na Prefeitura Municipal de Barra do Quaraí e que sempre trabalhou no setor de licitação. Confirmou que foi nomeado ao cargo de Coordenador de Assuntos da Mulher no dia 07.10.2020, porém nunca exerceu qualquer função relacionada a essa coordenação, continuando a trabalhar no setor de licitação.

Esclareceu que a mudança acarretou elevação de nível, e aumento de remuneração. Pela defesa dos investigados (a partir de 06:43), questionado se alguém lhe ofereceu dinheiro ou alguma vantagem para votar no candidato MAHER, respondeu que não. Disse que não viu candidatos no prédio da Prefeitura no período eleitoral.

Patrícia de Souza, foi ouvida como informante. No ID 41482033, a partir de 02:56, mencionou que trabalhou como servidora por sete anos, no governo do Prefeito Iad Choli, exercendo cargo de livre nomeação e exoneração na Prefeitura Municipal de Barra do Quaraí. Confirmou que exercia suas funções na Secretaria de Planejamento, Gestão e Habitação, porém possuía um cargo em comissão de Assessor da Coordenadoria da Mulher, lotada no gabinete do Prefeito. Confirmou, igualmente, que foi exonerada desse cargo no dia 06.10.2020 e nomeada no dia 07.10.2020 para exercer o cargo de Chefe de Divisão de Agropecuária e Interior vinculada à Secretaria de Agricultura, mas não teve mudança de nível. Pelo MP (a partir de 08:14), reiterou que não houve acréscimo salarial em razão da mudança de cargo, tampouco algum benefício, destacando que permaneceu no mesmo nível do cargo anterior. Questionada pelo juízo, confirmou que continuou realizando o mesmo trabalho (09:00). Questionada se sabe o motivo da mudança e qual a indenização recebida quando foi exonerada, respondeu que ninguém lhe repassou qualquer informação e que recebeu as verbas indenizatórias a que tinha direito (13º e férias proporcional). Perguntada se a mudança de cargo foi para compensar ou beneficiar algum candidato, disse que não e que era proibido qualquer tipo de manifestação e comentário no prédio da Prefeitura em favor de qualquer candidato durante o período eleitoral. Indagada se conhece Simoni da Silva Moraes e se ela teve mudança de cargo, respondeu que conhece Simoni pois ela trabalhava no prédio principal, no setor de protocolo, mas não sabe informar a situação funcional de Simoni e que nunca conversou com ela ou outro servidor a respeito desse assunto.

Vê-se, portanto que as testemunhas referidas Dionísio, Bruno e Patrícia, em nenhum momento, corroboram a versão de Simoni de que o candidato MAHER frequentava o gabinete do ex-Prefeito Iad Choli, por duas a três vezes na semana, durante o período eleitoral, e que o motivo da mudança de cargo com elevação de nível seria o de votar no candidato MAHER.

Vale ressaltar também a versão de Simoni de que, numa manhã, o ex- Prefeito Iad estava reunido no gabinete dele com o candidato MAHER e o Secretário Municipal Roberto, e que este teria saído da reunião para pressioná-la no sentido de “por 12 nas redes sociais”, ressaltando que MAHER e Iad sabiam desse fato. Ocorre que tal versão, de que MAHER e Iad possuíam ciência e aquiesceram com a ação de Roberto, além de se tratar de mera ilação da testemunha, não restou comprovada por uma única prova, sequer por um colega de trabalho do setor de protocolo, que, segundo Simoni, fica em frente ao gabinete do Prefeito.

Outro detalhe do depoimento que não restou esclarecido e que chamou atenção é como Simoni poderia afirmar que as “2 ou 3” visitas semanais feitas por MAHER a Iad não eram agendadas se ela trabalhava no setor de protocolo, e não no gabinete do Prefeito? Tal afirmação também não restou comprovada por nenhum outro servidor municipal.

Considerando que a testemunha Simoni recebeu o pedido de voto do candidato a vereador Richard, não se pode descartar que a compra de votos fosse destinada tão somente a esse candidato. Nesse sentido, a testemunha Bruno, que também passou pela mudança de cargos no período eleitoral, com melhoria salarial, afirmou que o seu candidato a vereador era o Richard.

Sendo que o Secretário de Administração, Sr. Álvaro Generaly de Souza, é irmão do candidato Richard.

Ainda no sentido de que eventual captação ilícita de sufrágio era destinada ao candidato a vereador, Richard Antônio de Souza Generaly, temos que não é usual que a compra de votos para a eleição majoritária se dê junto a pessoa que já é filiada ao partido. Nesse ponto, Simoni (desde 2015) e Patrícia eram filiadas ao PDT, partido do candidato MAHER.

Veja-se que, para quem pretende praticar o ilícito em questão, faz sentido a compra de votos dentre os filiados apenas para a eleição proporcional, pois os candidatos do partido concorrem entre si pela ordem de votação na legenda. Porém, para a eleição majoritária, os filiados do partido, no caso o PDT, em tese, só possuem um candidato.

Assim, não tendo a testemunha Simoni recebido pedido de voto dos próprios candidatos investigados, sendo a única testemunha que comprovaria a captação ilícita de sufrágio, tendo o pedido de voto sido feito por candidato a vereador, que, diferente do candidato à eleição majoritária, teria real interesse em comprar o voto de eleitora filiada ao seu partido, não restou comprovada a participação ou anuência do candidato MAHER ou do seu candidato a Vice-Prefeito na compra de votos da eleitora Simoni ou dos demais servidores que foram ouvidos.

Para o acolhimento da impugnação, com suporte na captação ilícita de sufrágio, faz-se necessário que haja prova robusta da prática imputada como ilícita, o que não é o caso dos autos, razão pela qual, aplicando-se o princípio in dubio pro suffragium, se recomenda o desprovimento da insurgência recursal neste ponto.

 

[….]

 

Dos depoimentos prestados, acima referidos, verificou-se a prática de atos administrativos em desvio de finalidade. Isto porque, dos quatro servidores ouvidos, que exerciam cargo em comissão na Prefeitura de Barra do Quaraí, três confirmaram que foram exonerados e logo após nomeados para outros cargos, com remuneração mais elevada (isso em relação a Simoni e Bruno), sendo que não houve qualquer alteração no serviço que realizavam.

Nesse sentido, foram os depoimentos de Simoni da Silva Morais, Bruno Sargadia e Patrícia de Souza.

Simoni, conforme os decretos anexados à petição inicial, exercia o cargo de Chefe de Seção de Expediente, nível II, lotada na Secretaria Municipal de Planejamento, Gestão e Habitação, sendo exonerada desse cargo em 16 de outubro de 2020 para ser nomeada, em 19 de outubro de 2020, ao cargo de Chefe de Seção de Cemitérios, nível IV, lotada na Secretaria Municipal de Obras, Transportes e Trânsito. Ocorre que, ouvida em juízo, Simoni foi categórica ao declarar que, após essa mudança, continuou realizando as mesmas atividades no setor de protocolo.

Bruno, conforme os decretos anexados à petição inicial, exercia o cargo de Chefe de Seção de Conservação e Limpeza, nível IV, lotado na Secretaria Municipal de Administração, sendo exonerado desse cargo em 06 de outubro de 2020 para ser nomeado, em 07 de outubro de 2020, ao cargo de Coordenador de Assuntos da Mulher, nível VI, lotado no Gabinete do Prefeito. Ouvido em juízo, Bruno afirmou que, apesar dessa mudança, continuou realizando as mesmas atividades que exercia no setor de licitações.

Em relação à Patrícia, não encontramos os decretos de exoneração e nomeação da mesma, porém ela confirmou, em juízo, que, no dia 06.10.2020, foi exonerada do cargo em comissão de Assessor da Coordenadoria da Mulher, lotada no gabinete do Prefeito, sendo nomeada no dia 07.10.2020 para exercer o cargo de Chefe de Divisão de Agropecuária e Interior vinculada à Secretaria de Agricultura.

Confirmou, igualmente, que continuou exercendo idêntica atividade. Mencionou, contudo, que, diferente de Simoni e Bruno, não teve aumento na remuneração, mas recebeu suas verbas rescisórias.

Dos aludidos depoimentos resta claro que suas exonerações e posteriores nomeações não se justificam em razão da existência de vagas decorrentes da pandemia ou de qualquer reestruturação administrativa, como quiseram fazer crer o Prefeito Municipal à época, Iad Choli, e o Secretário de Administração e irmão do vereador Richard, Álvaro Generaly de Souza, ouvidos em juízo como testemunhas.

Sabendo-se que os aludidos servidores foram nomeados para cargos diversos, o que ensejou aumento de remuneração e/ou pagamento de verbas rescisórias, sem qualquer alteração das suas atividades e setores em que trabalhavam, evidente que a motivação foi eleitoreira, diante da data em que ocorreu e porque não existe outra justificativa para essas mudanças de cargo havidas na Prefeitura de Barra do Quaraí às vésperas da eleição.

Ocorre que não há prova da participação dos candidatos investigados na determinação ou anuência em relação a esses atos administrativos praticados pelo ex-Prefeito Municipal de Quaraí. Porém, independentemente disso, se beneficiados pela conduta, e se houvesse a gravidade para afetar a normalidade e legitimidade do pleito, seria possível a cassação dos seus diplomas/mandatos.

Nos presentes autos, foram ouvidos quatro servidores em relação aos quais houve a mudança de cargos e, com a petição inicial, ainda foram acostados decretos de exoneração e nomeação de mais quatro servidores (Mikaela Moraes de Abreu, Yasmin Araújo Alfonso, Vanuza de Almeida de Souza e Caroline Zapirain de Souza Cardoso).

Estamos falando de oito servidores (se incluirmos os quatro que não foram ouvidos). Em relação à votação dos servidores nos candidatos investigados, além de não comprovada a participação ou anuência dos réus em eventual captação ilícita de sufrágio, como referido no tópico anterior, entendemos que os atos administrativos praticados em desvio de finalidade não tiveram o condão de afetar a normalidade e legitimidade do pleito, pois, como anteriormente referido, parte desses servidores (Simoni e Patrícia, sendo que quatro servidores não foram ouvidos) era filiada ao PDT, partido dos candidatos investigados. É dizer, trata-se de pessoas que, naturalmente, já iriam votar no candidato do PDT para a eleição majoritária.

Poder-se-ia cogitar que essa prática de beneficiar servidores vinculados aos candidatos da situação tinha por objetivo incentivá-los para participarem na campanha dos investigados, o que efetivamente teria ocorrido em relação a Bruno, João Vitor e Patrícia, conforme imagens acostadas nas alegações finais da parte autora e que não foram impugnadas pelos investigados.

Ocorre que, independentemente da mudança de cargo, tratando-se de servidores que se encontravam, de longa data, trabalhando como cargos em comissão do ex-Prefeito Iad Choli, certamente a maior motivação que possuíam para atuar na campanha do candidato MAHER não seriam os fatos objeto do presente feito, mas sim a própria manutenção do exercício de cargo em comissão na Prefeitura de Barra do Quaraí na próxima gestão.

As mazelas do nosso processo eleitoral muitas vezes decorrem da ausência de uma limitação a cargos em comissão na legislação pátria. É o que se vê no presente caso. Contudo, se dada prefeitura possui muitos cargos em comissão, é

natural que aqueles que o exercem vão procurar fazer campanha para o candidato da situação e não haverá ilicitude eleitoral nisso desde que o façam fora do horário de expediente.

Não há ilicitude, mas é uma realidade que, da mesma forma que a reeleição, termina por, naturalmente, beneficiar na campanha o candidato da situação.

A sociedade deveria começar a exigir uma mudança por parte dos legisladores, com a redução drástica dos cargos em comissão no Executivo e Legislativo, para permitir uma gestão pública técnica e eficiente, e garantir maior igualdade nas disputas eleitorais.

Contudo, enquanto são permitidos inúmeros cargos em comissão nas prefeituras do nosso país, não terá sido a mudança de cargo objeto do presente feito que ensejou uma maior participação dos servidores na campanha, o que se daria de qualquer forma, independentemente desses fatos, pelo mero exercício de um cargo em comissão e a pretensão de se manter empregado junto à próxima gestão. Assim, não se vislumbra que as condutas em questão tenham tido gravidade suficiente para trazer prejuízo à normalidade e legitimidade do pleito.

Exatamente pelas razões acima deduzidas, é possível que a finalidade eleitoreira na mudança dos cargos não estivesse relacionada aos candidatos da eleição majoritária (para os quais já seria natural a votação e participação na campanha daqueles que exercem cargos em comissão), mas sim ao candidato a

vereador, Richard Antônio de Souza Generaly, irmão do Secretário de Administração de Barra do Quaraí, que talvez dependesse da votação desses servidores inclusive para ficar à frente dos seus colegas de partido na ordem de votação. Porém, a presente AIJE não foi deduzida contra o referido candidato.

A vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, as sanções de cassação do diploma e inelegibilidade previstas no inc. XIV do art. 22 da LC 64/90 para os casos de abuso de poder devem consistir em exceção, ultima ratio no processo eleitoral, e somente diante da ocorrência de condutas graves, devidamente comprovadas, viáveis a comprometer a normalidade e legitimidade do sufrágio, o que não se verificou no presente caso.

De qualquer sorte, ainda que não reste configurado o abuso de poder político e econômico em razão da ausência de gravidade, considerando que a prova do ilícito se resume a poucos servidores da Prefeitura da Barra do Quaraí, é certo que a conduta praticada pelo então Prefeito Iad Choli tem de ser apurada no âmbito da improbidade administrativa.

Assim, imperioso que se encaminhe cópia dos autos à Promotoria Eleitoral para apurar eventuais atos de improbidade envolvendo a exoneração e nomeação dos servidores acima nominados, alguns com aumento de remuneração, sem que tivesse havido qualquer alteração nas suas atividades, em evidente desvio de finalidade e em prejuízo ao erário. (grifo nosso)

Assim, como referido anteriormente, sendo a prova testemunhal singular, resumindo-se ao depoimento de Simoni da Silva Morais, imperioso que prevaleça o disposto no art. 368-A do Código Eleitoral, no sentido de não ser aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

Além disso, Simoni, ao explicitar os detalhes da promessa do cargo em troca de voto, respondeu que a oferta foi realizada pelo candidato Richard, sendo que MAHER estaria ao lado dele no momento da ligação, sem que tenha havido qualquer diálogo ou conversa entre o recorrido MAHER e a depoente, de modo que não há demonstração da participação do candidato no ilícito.

Ademais, as testemunhas referidas, uma delas ouvida como informante, apenas confirmaram a mudança de cargo durante o período eleitoral, mas negaram que, em troca, tivessem recebido pedido de voto.

Assim, inexistente sequer demonstração de que a finalidade eleitoreira na mudança dos cargos estivesse relacionada aos candidatos da eleição majoritária, na esteira da jurisprudência da Corte Superior, não é possível a formação de juízo de condenação capaz de elidir a legitimidade do mandato popular obtido nas urnas:

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE ABUSO DO PODER ECONÔMICO E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. VEICULAÇÃO DE MILHARES DE MENSAGENS TELEFÔNICAS NO DIA DA ELEIÇÃO MUNICIPAL. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS DELINEADOS NO ACÓRDÃO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E CONSISTENTE QUANTO À SUA AUTORIA, BEM COMO RELATIVAMENTE AOS SEUS BENEFICIÁRIOS. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA MANTER OS RECORRENTES NOS SEUS RESPECTIVOS CARGOS ELETIVOS.

1. Considerando a moldura fática delineada no acórdão do egrégio TRE do Rio de Janeiro e a transcrição dos depoimentos, é possível a revaloração jurídica do que nele consignado, sem que isso importe em reexame da prova produzida no

processo.

2. Inexistência, neste caso, de prova robusta e coerente quanto à responsabilização dos recorrentes pela prática da conduta ilícita, porquanto, excluídos os depoimentos e os elementos colhidos de inquérito policial anulado, restam como elementos probatórios os dois depoimentos colhidos em juízo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa; um deles inconclusivo quanto à responsabilização dos recorrentes pela autoria da conduta ilícita e, o outro, prestado pelo Delegado que presidiu o inquérito anulado - afirmando que teria visto, na casa de pessoa ligada à campanha dos recorrentes, manuscrito com o teor da mensagem ilícita -, não configura prova suficientemente robusta e indubitável da prática da conduta pelos recorrentes.

3. Ausência de benefício direto aos recorrentes: o teor da mensagem ilícita (O TRE informa: O candidato a Prefeito SERGIO SOARES - 11 - está impugnado e seus votos não serão computados; não jogue seu voto fora) só beneficiaria os

recorrentes caso fossem os únicos adversários do candidato prejudicado com o aludido informe. No caso, quatro candidatos estavam na disputa pelo cargo de Prefeito e todos, exceto SERGIO SOARES, beneficiaram-se, em tese ou em abstrato, com o teor da mensagem veiculada a cerca de 50.000 eleitores no dia do pleito.

4. Nos termos do escólio do Professor Ministro LUIZ FUX, a retirada de determinado candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo batismo popular, somente deve ocorrer em bases excepcionalíssimas, notadamente em casos gravosos de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio manifestamente comprovados nos autos. (Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 115-116). Esta lição doutrinária leva à conclusão de que meras alegações, alvitres ou suposições de ilícitos, se não lastreados em dados concretos e empíricos, coerentes e firmes, não bastam à formação de juízo de condenação capaz de elidir a legitimidade do mandato popular obtido nas urnas.

5. Recurso provido para julgar improcedente o pedido formulado na Representação, mantidos os recursantes nos seus respectivos cargos eletivos. Prejudicada a análise da Ação Cautelar 454-49/RJ - apensada a estes autos - por meio da qual o Presidente do TRE/RJ deferiu o pedido dos ora recorrentes para que fossem mantidos nos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Itaboraí/RJ, até o julgamento deste recurso.

(Recurso Especial Eleitoral nº 90190, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 50/2017, Data 14.3.2017.) (grifo nosso)

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para afastar a decadência e julgar improcedente a ação proposta por CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO contra MAHER JABER MAHMUD e MÁRIO GUILHERME JOVANOVICHS SCAPIN, respectivamente, candidatos eleitos ao cargo de prefeito e vice-prefeito do Município de Barra do Quaraí, na eleição de 2020.

Diante da possível prática de atos de improbidade administrativa, determino a disponibilização dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral para que, querendo, remeta cópia à Promotoria de Justiça com atribuição junto ao Município de Barra do Quaraí, para as providências cabíveis.