REl - 0601123-78.2020.6.21.0134 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2022 às 10:00

VOTO

A matéria preliminar refere-se à arguição de inépcia da inicial, ilegitimidade ativa do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Canoas, nulidade da citação da recorrente Fernanda Danni Piccinini e cerceamento de defesa.

Na forma do art. 282, §§ 1º e 2º, do CPC, analiso somente a alegação de inépcia da petição inicial, a qual em verdade se trata da ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, inc. IV, do CPC), e merece acolhida. Por essa razão, deixo de enfrentar as demais prefaciais arguidas, por falta de prejuízo aos recorrentes.

A inicial, ajuizada em 5.11.2020, narra que os representados, ora recorrentes, divulgaram no WhatsApp e no Facebook uma pesquisa fraudulenta, após o trânsito em julgado de sentença que declarou a referida pesquisa irregular, proferida nos autos de outro processo eleitoral, Representação  n. 600106.07.2020.6.21.0134, ajuizado pelo PSDB contra o Amostra Instituto de Pesquisa LTDA. EPP.

Ocorre que, como alegaram os recorrentes em sede de contestação e no recurso, não foi atendido o art. 17, inc. III e § 2o, da Resolução TSE n. 23.608/19, que determina o ajuizamento da petição inicial da representação relativa à propaganda na internet “com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor”, “cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet”:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

I - com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso não seja alegada a presunção indicada no parágrafo único do art. 40-B da Lei nº 9.504/1997;

II - naquelas relativas à propaganda irregular no rádio e na televisão, com a informação de dia e horário em que foi exibida e com a respectiva transcrição da propaganda ou trecho impugnado; e

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor.

§ 1º Desconhecida a autoria da propaganda, a petição inicial poderá ser endereçada genericamente contra o responsável, desde que requerida liminarmente diligência para a identificação deste e fornecidos os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, sob pena de indeferimento da petição inicial.

§ 2º A comprovação da postagem referida no inciso III deste artigo pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em Direito, não se limitando à ata notarial, cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet.

 

Nas representações fundadas em irregularidade de propaganda veiculada pela internet é imprescindível que seja informado, na petição inicial, o localizador URL (Uniform Resource Locator ou Localizador Padrão de Recursos) da postagem ou página impugnada, a fim de que a Justiça Eleitoral possa verificar a existência e a legalidade do conteúdo e, eventualmente, determinar a sua exclusão.

Tal exigência, hoje prevista no art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, é aplicável às publicações realizadas em blogs, páginas de internet, e redes sociais como Twitter, Instagram, Facebook, etc., de forma a viabilizar não apenas a segura existência da exata postagem que se afirma irregular e a data da divulgação, como o seu real alcance, por intermédio da análise do meio pelo qual foi divulgada, se de forma pública, acessível de modo amplo ao eleitorado, ou privada, destinada a um reduzido e particular grupo de pessoas.

Somente a partir do fornecimento dessa informação obrigatória é que poderá ser aferido pelo órgão judicial “se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet”, conforme previsão contida no § 2o do art. 17 da Resolução TSE n. 23.608/19.

No caso dos autos, os representantes não informaram sequer em que dia houve a divulgação em questão, pois a inicial foi instruída apenas com documentos em extensão “PDF” contendo capturas, sem data, de tela de celular com imagens de conversa de WhatsApp, no grupo “Supra”, e de postagem do Facebook.

Não há dados de URL do endereço de internet e indicação do número do telefone dos contatos que efetuaram a publicação via WhatsApp, sendo inviável a confirmação da alegada divulgação.

Sem o endereço eletrônico não é possível verificar se a publicação foi realizada, em que data, e o interesse processual dos representantes em buscar a remoção, mormente no caso em tela, em que se noticia que conteúdo idêntico já havia sido impugnado, com determinação de remoção pelo juízo a quo.

Mas é inviável constatar se a divulgação tratada nestes autos ocorreu antes ou depois da sentença da RP n. 600106.07.2020.6.21.0134.

Conforme entendeu esta Corte no julgamento do Recurso Eleitoral n. 0600018-59.2020.6.21.0007, da relatoria do Des. Eleitoral Miguel Antonio Silveira Ramos, na sessão de 3.9.2020, “a prova documental, relativa a print ou impressão de tela de internet, não traz os elementos necessários ao exame da publicação, sendo possível até mesmo a perda do objeto e do interesse de agir dos representantes acaso o conteúdo, total ou parcialmente, já tenha sido excluído pelos representados”:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. FACEBOOK. REQUISITO PARA PETIÇÃO INICIAL – URL – NÃO PREENCHIDO. ART. 17, INC. III e § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.608/19. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou improcedente a representação por propaganda extemporânea.

2. Conforme disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a petição inicial da representação relativa à propaganda irregular veiculada em ambiente de internet será instruída, sob pena de não conhecimento, “com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor", “cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet”.

3. Na hipótese, a petição inicial faz menção a diversas publicações de internet consideradas ofensivas pelos representantes, mas não contém, em relação a qualquer dessas publicações, a indicação da URL para que o conteúdo alegadamente ilícito possa ser verificado pela Justiça Eleitoral.

4. Tratando-se de publicação realizada na rede social Facebook, a qual permite a criação de múltiplas páginas com nomes idênticos ou muito semelhantes, e de pedido de remoção de conteúdo veiculado por meio de vídeos e textos, a correta indicação do endereço eletrônico do conteúdo irregular se mostra ainda mais necessária. Não cabe à Justiça Eleitoral a realização de pesquisas na rede mundial de computadores para suprir o ônus que compete aos representantes em indicar o endereço eletrônico das publicações.

5. Conjunto probatório insuficiente para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, sendo forçoso manter a sentença de improcedência dos pleitos exordiais.

6. Provimento negado.

 

O mesmo ocorre quanto às capturas de tela contendo conversas de WhatsApp, que estão também sem data e sem número dos telefones que teriam postado a pesquisa impugnada.

É preciso ter presente que qualquer pessoa pode alterar, em sua agenda, um número de celular qualquer, e nomear como bem entender, uma vez que não foi noticiado, na inicial, o uso de ferramentas de preservação de conteúdo.

Na hipótese, a ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, inc. IV, do CPC) não pode ser corrigida pela via da emenda à inicial (art. 321, CPC), pois o prazo de ajuizamento da representação por divulgação de pesquisa eleitoral sem registro é a data das eleições (TSE, Ac. de 11.9.2014 no AgR-Rp n, 425898, rel. Min. Gilmar Mendes).

 

ANTE O EXPOSTO, acolho a preliminar de ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e VOTO pela extinção do feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, inc. IV, do CPC, e art. 17, caput e inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19.