REl - 0600001-38.2021.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/02/2022 às 14:00

VOTO

A recorrida suscita preliminar de intempestividade do recurso ministerial.

Sem razão.

A intimação da sentença foi expedida por meio do Processo Judicial Eletrônico - PJe. O decêndio para consumação da ciência eletrônica inicia no dia seguinte à disponibilização do ato de comunicação no sistema (art. 55, inc. I, da Resolução TRE-RS n. 338/19, que regulamenta a utilização do PJE na JE do RS), sendo que a intimação se perfectibiliza no décimo dia, quando há expediente judiciário, ou no primeiro útil seguinte (art. 55, inc. II, da Resolução TRE-RS n. 338/19), ou ainda caso efetivada a ciência pela parte antes desse prazo (art. 56 da Resolução TRE-RS n. 338/19)

Na espécie, verifica-se que a intimação foi disponibilizada às partes no dia 04.6.2021, sexta-feira (ID 42057683 e 42057733), a qual (intimação) restou corroborada pela certidão cartorária do ID 42057883.

Assim, como consignado pela douta Procuradoria Eleitoral, independentemente da data em que houve a efetiva abertura do prazo, considerando a intimação da sentença em 04.6.2021 (sexta-feira), o prazo apenas encerraria no dia 09.6.2021 (quarta-feira), exatamente a data em que interposto o apelo (ID 42057983).

Dessarte, o recurso é tempestivo, de modo que rejeito a prefacial de intempestividade suscitada em contrarrazões.

Mérito

A AIME proposta tem fundamento constitucional no art. 14, § 10, da Constituição Federal e comporta cabimento nas hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

 

A teor da jurisprudência da Corte Superior Eleitoral, “é possível apurar, em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), abuso de poder político entrelaçado com abuso de poder econômico. Trata-se de hipótese em que agente público, mediante desvio de sua condição funcional, emprega recursos patrimoniais, privados ou do Erário, de forma a comprometer a legitimidade das eleições e a paridade de armas entre candidatos" (TSE, AgR-REspe n. 36-11/SC, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 2.8.2018).

Nesse sentido também:

[…]

Ação de impugnação de mandato eletivo. Inadequação da via eleita.

[...]

1. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo é ação de natureza constitucional, prevista no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, cujas causas de pedir cingem-se às hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, e tem por finalidade a cassação do diploma ilegitimamente obtido por algum desses vícios.

2. A discussão acerca da divulgação de pesquisa eleitoral não registrada, porque dissociada das hipóteses constitucionais de cabimento, não pode ser versada em Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo.

3. A jurisprudência desta Corte Superior admite que se analise alegado abuso de poder político em sede de AIME, desde que entrelaçado com abuso de poder econômico, ou outro fundamento jurídico-constitucional previsto no art. 14, § 10, da Constituição Federal, o que não se verificou na hipótese vertente.

[...]

(Ac. de 24.9.2019 no AgR-AI nº 1396, rel. Min. Edson Fachin.)

 

Na espécie, é imputada à recorrida a prática de abuso do poder econômico e político, consistente no oferecimento de vantagens para fins de obtenção de votos por meio de duas condutas: a) agendamento antecipado de consultas médicas para uma eleitora, demonstrado por diálogo entre servidora e eleitora; b) distribuição de "cestas básicas" a eleitores, o que seria comprovado com filmagens anexadas à exordial.

A sentença (ID 42057633) foi no seguinte sentido:

[…]

A AIME foi interposta dentro do prazo legal e seguiu sua tramitação em segredo de Justiça.

A defesa, em preliminar, requereu que um dos fatos imputados à impugnada, especificamente o de que Alexandra teria, valendo-se de influência política, oferecido agendamento antecipado de consulta para eleitora, fosse afastado de apreciação nesta AIME, por extrapolar as questões que podem ser apreciadas nesta ação constitucional, ou seja, não se enquadraria em abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, mas sim em alegação de abuso do poder político.

Com razão a defesa no enquadramento deste fato imputado à Alexandra na tipologia do abuso do poder político.

O Glossário Eleitoral Brasileiro, presente no site do TSE, define abuso do poder político nos seguintes termos:

"O abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder, [...] vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto."

Cabe agora analisar se é cabível a análise de abuso do poder político na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME).

Verificando a jurisprudência do Egrégio TSE, é permitido a análise de abuso do poder político na AIME somente quando este estiver entrelaçado com o abuso de poder econômico.

"[...] 2. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Precedentes. [...]" (Ac. de 22.11.2011 no ED-REspe nº 73493, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)

“[...] Abuso de poder econômico entrelaçado com abuso de poder político. AIME. Possibilidade. Corrupção. Potencialidade. Comprovação. [...] 3. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Precedentes: REspe nº 28.581/MG, de minha relatoria, DJe de 23.9.2008; REspe nº 28.040/BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008. 4. No caso, os agravantes utilizaram-se do trabalho de servidores públicos municipais e de cabos eleitorais, que visitaram residências de famílias carentes, cadastrando-as e prometendo-lhes a doação de quarenta reais mensais, caso os agravantes sagrassem-se vencedores no pleito de 2008. 5. A reiteração do compromisso de doação de dinheiro, feita individualmente a diversos eleitores, não significa que a promessa seja genérica. Pelo contrário, torna a conduta ainda mais grave, na medida em que não implica apenas desrespeito à vontade do eleitor (captação ilícita de sufrágio), mas também tende a afetar a normalidade e a legitimidade das eleições (abuso de poder econômico). [...]"

(Ac. de 18.3.2010 no AgR-AI nº 11.708, rel. Min. Felix Fischer.)

Assim, situação stricto sensu de abuso do poder político, sem ligação com abuso de poder econômico, não pode ser atacada pela Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, sob pena de ferir o mandamento constitucional do artigo 14, § 10, da CF.

No segundo fato apontado na inicial para impugnação do mandato da Vereadora Alexandra, verifica-se que se trata de acusação de abuso do poder político stricto sensu, na medida em que imputa à impugnada a prática de ato se utilizando de sua posição de Secretária de Saúde por vários anos e vereadora para conseguir agendamento de consulta antecipada para uma eleitora.

Diante da fundamentação supra, essa imputação merece ser excluída da análise na presente AIME, por não se enquadrar nas situações previstas na Constituição Federal para sua aplicabilidade.

Assim, no mérito da presente ação terá análise apenas da imputação de entrega de cestas básicas para eleitores em troca de votos, infringindo o artigo 41-A da Lei nº 9.504/97 e consequente abuso de poder econômico previsto no artigo 25, in fine, da referida lei.

Segundo o MPE, essa imputação de compra de votos estaria demonstrada pelos vídeos de pessoas saindo com sacolas da residência da impugnada no período eleitoral, bem como os comentários feitos na internet sobre a situação de que a impugnada estaria oferecendo rancho em troca de votos.

Analisando o conjunto probatório angariado aos autos, não resta efetivamente comprovada a imputação grave de abuso do poder econômico pela compra de voto com a entrega de cestas básicas.

Das pessoas ouvidas em juízo, chama atenção o informante Edemar Alves Feller, o qual teria contratado a gravação dos vídeos de pessoas saindo da casa da impugnada com cestas básicas nas mãos, mas não chama a atenção por ser ele do mesmo partido da impugnada e nem por ser o primeiro suplente e beneficiário da efetiva cassação da impugnada, mas da forma como foram realizadas as filmagens, pois em nenhuma delas se verifica pessoas saindo de dentro do pátio da casa da impugnada, mas apenas do lado de fora em diante.

O informante Feller mencionou que teria determinado que um de seus funcionários fosse filmar a casa da impugnada por existir comentários de que ela estaria entregando rancho para eleitores. O que se percebe nas filmagens é que a casa da impugnada possui muro de vidro e que seria bem fácil filmar alguém saindo da porta da casa, ou ao menos do pátio dela para fora. No entanto, o que se verifica são filmagens de pessoas partindo da parte externa da casa apenas, o que seria passível de eventual fraude para prejudicar a impugnada.

Não há como gerar um juízo de cassação de mandato em prova que não se tem a certeza de sua ocorrência. Não há dúvida de que caso houvesse prova da saída de eleitores ou correlegionários da impugnada de dentro da sua residência com cestas básicas em época de eleição seria considerada conduta gravíssima, com potencialidade lesiva de desequilibrar o pleito eleitoral e gerador de legítima de cassação.

No entanto, as provas dos autos não dão certeza da prática do alegado abuso do poder econômico por parte da vereadora eleita, conforme visto acima na análise das filmagens, sendo que comentários de páginas de internet, sem a devida comprovação, não podem levar a um juízo cassatório.

"Recursos. Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso do poder econômico. Infração não configurada, pela ausência de prova cabal da prática dos atos imputados aos impugnados. Provimento negado à irresignação recursal dos impugnantes. Recurso adesivo não conhecido, ante a inexistência de sucumbência recíproca. Comprovada a litigância temerária e a alteração da verdade dos fatos por parte dos autores recorrentes, sendo estes, por conseqüência, penalizados por litigância de má-fé e condenados ao pagamento de honorários advocatícios." (RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO n 332005, ACÓRDÃO de 22/11/2005, Relator DRA. LIZETE ANDREIS SEBBEN, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, TRE RS, Tomo 221, Data 28.11.2005, Página 88.)

 

A decisão merece ser confirmada.

Consoante sustentado pelo recorrente, a vereadora impugnada distribuía, por meio de pessoa de sua confiança, e valendo-se de sua influência política por ter sido Secretária Municipal de Saúde por muitos anos, agendamentos antecipados de consultas médicas, comprovados pela conversa da servidora Magali com a eleitora Miriam no aplicativo WhatsApp.

Entretanto, na esteira das conclusões do Parquet, ainda que se admitisse o viés econômico da conduta, que poderia caracterizar o dito “entrelaçamento entre abuso de poder político e econômico”, apenas haveria indício de prova de facilitação de uma consulta médica em relação a uma eleitora, fato isolado, não suficiente a afetar a normalidade e legitimidade do pleito (ID 4483644):

No presente caso, ainda que tivesse havido a captação ilícita de sufrágio alegada, seria tão somente em relação a uma eleitora, sendo que, em consulta ao resultado das eleições de 2020, verifica-se que a impugnada foi reeleita Vereadora com 2.022 votos (4,30%), sendo a candidata mais votada.

Destarte, esse fato isolado, sem qualquer prova de outros eleitores que tenham recebido promessa de serviço de saúde em troca de voto, não é suficiente para afetar a normalidade e legitimidade do pleito, o que afasta a possibilidade de cassação do mandato.

Nesse sentido, a vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, a cassação do mandato para os casos de abuso de poder ou corrupção devem consistir em exceção, ultima ratio no processo eleitoral, e somente diante da ocorrência de condutas graves, e substanciosamente comprovadas, viáveis a comprometer a normalidade e legitimidade do sufrágio.

Assim, não restando comprovado nos autos corrupção, abuso de poder econômico ou fraude, com gravidade para afetar o bem jurídico tutelado pela AIME, a manutenção do julgamento de improcedência é medida que se impõe.

 

De outro vértice, o recorrente imputa à recorrida a conduta de distribuição de "cestas básicas" a eleitores, o que seria comprovado com filmagens anexadas à exordial.

A prova trazida com a inicial ( 4 vídeos ) não demonstra a distribuição das ditas “cestas básicas” a eleitores, pois apenas registra pessoas com sacolas em locais próximos da casa da vereadora, sem que se possa inferir tenha a vereadora realizado a entrega das benesses ou verificar o conteúdo das sacolas.

Nesse sentido, peço vênia para transcrever a análise de cada uma das filmagens, realizada pelo diligente Procurador Eleitoral:

Ao contrário do que alega o recorrente, verifica-se que os 4 (quatro) vídeos trazidos com a exordial (ID 42052983, 42053033, 42053083 e 42053133), não comprovam a participação da Vereadora impugnada com a alegada entrega de benesses a eleitores.

Com efeito, no primeiro vídeo (ID 42052983), cuja filmagem foi realizada à noite, sem, contudo, possuir indicação de data específica, visualiza-se apenas uma pessoa carregando duas sacolas na calçada em frente a uma casa, a qual seria de propriedade da impugnada, segundo apurado pelo impugnante em procedimento investigatório (Notícia de Fato nº 00795.001.263/2020).

No segundo vídeo (ID 42053033), cuja filmagem foi realizada também à noite, mas sem indicar também uma data específica, visualiza-se uma mulher saindo com 3 (três) sacolas da calçada à frente da residência da impugnada. Este vídeo traz a mera possibilidade de que a pessoa tenha saído do pátio da residência, não porque isso seja visível (na filmagem a pessoa já está na calçada), mas apenas por um som que parece de portão batendo.

No terceiro vídeo (ID 42053083), cuja filmagem foi realizada durante o dia, mas sem conter também indicação da data, visualiza-se um homem, já na calçada à frente da residência da impugnada, carregando duas sacolas. Em seguida, visualiza-se a mesma pessoa atravessando a rua e entrando em um veículo de cor escura estacionado do outro lado da calçada cuja placa não pode ser identificada.

O quarto vídeo (ID 42053133) apenas indica onde seria a residência da demandada.

Ocorre que a impugnada e/ou qualquer outra pessoa ligada a sua campanha eleitoral (cabo eleitoral) não aparecem nos vídeos dando acesso ao pátio ou ao interior da residência para entregar as sacolas, cujo conteúdo é desconhecido.

Por outro lado, tendo em vista que o “muro” da residência é de vidro, conforme o vídeo trazido com a exordial (ID 42053133), não haveria qualquer dificuldade para a pessoa que fez a filmagem captar as imagens anteriores, ou seja, o exato momento em que a impugnada e/ou qualquer outra pessoa abre a porta de entrada da residência, permite o acesso ao pátio, para entregar as sacolas.

É dizer, o fato de não terem as filmagens iniciado nos instantes anteriores, onde seria visível a entrega das sacolas ou o recolhimento das mesmas dentro do pátio frontal da residência traz dúvida quanto à idoneidade das filmagens, abrindo a possibilidade de ter sido realizada montagem, com o intuito de forjar prova contra a impugnada.

Nesse sentido, qualquer um poderia produzir vídeo colocando duas ou três pessoas carregando sacolas na calçada à frente da residência da impugnada.

Outrossim, se a conduta ilícita era tão frequente que foi possível em horários distintos constatá-la, nada justifica que, sendo possível a filmagem da parte interna da propriedade diante da divisa de vidro, não tenham sido realizadas filmagens das pessoas recebendo as sacolas da impugnada ou pessoa a seu serviço, ou pegando as sacolas dentro do pátio da residência, o que, se fosse verdade, teria ocorrido instantes antes do início das filmagens realizadas.

Não há, portanto, certeza de que tenha havido a entrega de benesses a eleitores por parte da impugnada.

 

Como se percebe do exame dos autos, não se constata a existência de prova de condutas que possam caracterizar a prática de abuso do poder ou corrupção como forma de ensejar desequilíbrio grave a afetar a normalidade e legitimidade das eleições em benefício da campanha eleitoral da recorrida, de modo que se impõe a manutenção da sentença que julgou improcedente a ação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, a fim de confirmar a sentença que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.