REl - 0601135-38.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/02/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

SAMUEL DA SILVA ZATTA, candidato ao cargo de vereador no Município de Parobé/RS, recorre contra a sentença proferida pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas em virtude da constatação de irregularidade consistente na apresentação de nota fiscal cujo número de autenticidade se refere a outro documento fiscal, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância equivalente, no valor de R$ 1.000,00.

Consta que o candidato realizou a transferência de R$ 1.000,00 para a empresa NLB – Comercial de Cópias Ltda., sendo emitida em contrapartida a Nota Fiscal (ID 44855500) para cumprimento do disposto no art. 53, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Posteriormente, restou certificado nos autos (ID 44855525) que a nota apresentada (NF n. 346 – ID 44855500) possuía dados adulterados, estando em desconformidade com o documento digital, ressalvando que o ID nela constante se refere ao processo do primeiro grau:

Certifico que, compulsando os autos, foi verificado que o documento id 68542415 referente à NFe n. 346 apresentada pelo candidato, contém informações diversas da nota fiscal com mesmo número para confirmação de autenticidade (0198250000030187) disponível no site da prefeitura (link usado para autenticação https://www.nfs-e.net/fiscalweb.php), caracterizando documento não válido para a comprovação do gasto, conforme anexo.

 

Observo que o recorrente, junto ao recurso, colacionou Nota Fiscal (ID 44855547 – Nota Fiscal n. 331) no valor de R$ 1.000,00, emitida pelo mesmo fornecedor (NLB Comercial e Cópias Ltda.), no claro objetivo de reparar a irregularidade. Consta, ademais, declaração (ID 44855534) firmada, supostamente, pelo representante legal da empresa NLB Comercial e Cópias Ltda., na qual aventa a possibilidade de uma inconsistência no sistema de emissão de nota fiscal.

Portanto, forçoso reconhecer que restou desatendido o art. 53,  inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, na medida em que o prestador de contas não juntou documento idôneo, capaz de comprovar a despesa eleitoral. Neste ponto, nada a ser alterado na sentença recorrida.

Ademais, não é razoável o argumento de que ocorreu possível inconsistência no sistema de emissão de nota por parte da empresa prestadora de serviços. A nota fiscal deve espelhar exatamente os dados da negociação, sendo a adulteração do referido documento prova clara de que o recurso público foi mal aplicado. O argumento não se sustenta.

Registro que o processo de prestação de contas tem por objeto avaliar a regularidade da aplicação dos recursos durante a campanha eleitoral. A utilização de documento fiscal adulterado demonstra com clareza que existe vício no citado processo.

Contudo, na linha da jurisprudência do e. TSE, seguida por este Regional, as contas podem ser aprovadas com ressalvas, visto o reduzido valor da irregularidade, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse contexto, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da irregularidade diante do conjunto das receitas, o seu valor nominal se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, conforme colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Anoto, em desfecho, que o julgamento pela aprovação das contas com ressalvas não afasta a imposição legal de transferência dos valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional (art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por SAMUEL DA SILVA ZATTA, ao efeito de aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 32, caput, e 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19; e por autorizar a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópias dos presentes autos, a fim de enviá-las ao órgão ministerial na origem para apuração da prática, em tese, dos crimes dos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral.

É como voto, senhor Presidente.