REl - 0600301-95.2020.6.21.0132 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/02/2022 às 14:00

VOTO

As sentenças merecem ser confirmadas.

No recurso REl n. 0600301-95, a recorrente postula a cassação do diploma e a declaração da inelegibilidade dos candidatos eleitos como prefeito e vice-prefeito de Erval Seco, Leonir Koche e Vilmar Viana Farias, respectivamente, e do servidor público Juliano Pilger Amaral, por prática de abuso de poder político, captação ilícita de sufrágio e violação à isonomia entre os candidatos, com base no seguinte áudio, abaixo transcrito, enviado em conversa de aplicativo WhatsApp por Juliano ao eleitor Silas Daniel Santos Vieira:

Viu, um conselho que te dou, eu que to no fervo e tenho que puxar pra um lado entendeu, só que você que está neutro, fica neutro pia, ano que vem vai ter concurso, vai ter processo seletivo, você precisa tipo, quando vê tu consegue um emprego bom, uma coisa boa, não se exponha, essa eleição não tem pro PT, eu te digo não tem pro PT, essa aí o PT pode puxar o livro lá do, do, do, que achar, essa aí não tem.

 

Conforme concluiu a sentença, tal fato não comprova a alegação de prática abusiva, pois na fala não se verifica “nenhum tipo de promessa ou oferta de cargo, muito menos em troca de votos. Também, não se vislumbra nenhum tipo de pedido de votos do representado Juliano, para os representados Leonir e Vilmar”.

Com propriedade, a julgadora também entende que “não pode-se afirmar, com certeza, se a intenção do representado Juliano era captar votos de forma ilícita em favor dos demais representados, ou se somente tinha a intenção de pedir que o Sr Silas não se envolvesse em discussões políticas desnecessárias, conforme alega a defesa”.

Para além disso, é preciso considerar que a magistrada apontou não existir “nenhuma prova de que os representados Leonir e Vilmar tinham conhecimento ou participaram da conversa entre Juliano e Silas, muito menos que se beneficiaram de tal ocorrência”.

Em suas razões, a Coligação Erval Seco nas Mãos do Povo alega que, “Caso intenção fosse, a de meramente alertar ou avisar o munícipe sobre fatos, como tenta justificar a defesa dos recorridos, não haveria a necessidade de Juliano vincular fatos com cargos e processos seletivos futuros, sob alegação de o munícipe Silas conseguir um bom emprego”.

Todavia, no áudio, o servidor deixa claro que está a tratar de processo seletivo, sem menção alguma à promessa de cargo público para o eleitor, em troca do voto.

O recurso também refere que um processo seletivo realizado pela Prefeitura de Erval Seco RS no ano de 2017, na anterior gestão dos recorridos Leonir e Vilmar, foi objeto de Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público de Seberi RS, em virtude de denúncia, realizada por uma das participantes, de que as avaliações não cumpriam o mínimo de objetividade. A ação foi julgada procedente, declarando-se nulo o processo e determinando-se a contratação de pessoal por meio de provas ou provas e títulos, de maneira objetiva.

Segundo a recorrente, o áudio evidencia que os candidatos “estariam dispostos a repetir a conduta em troca de votos para garantir sua reeleição”.

Ocorre que a fala em questão não se amolda ao ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que somente se perfectibiliza se “o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública”.

Quanto à prática de abuso de poder, tem-se que a fala de Juliano não apresenta gravidade significativa para interferência na lisura do pleito, mormente porque direcionada a apenas um eleitor, de forma privada, sem maiores detalhes sobre irregularidades na realização de futuros processos seletivos pela municipalidade.

Conforme dispõe o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Apesar da irresignação da recorrente quanto à improcedência do pedido condenatório, no caso em apreço, o fato narrado nos autos não se apresenta grave o suficiente para desequilibrar o pleito de Erval Seco.

Desse modo, o recurso não comporta provimento.

 

No recurso REl n. 0600306-20, a Coligação Erval Seco nas Mãos do Povo afirma que Leonir Koche e Vilmar Viana Farias praticaram abuso de poder político e econômico, condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio mediante o uso da máquina pública, na forma de aumento de despesas com doações de cestas básicas, fornecidas pela administração municipal no período eleitoral.

A sentença recorrida considerou que, na gestão dos recorridos frente ao Executivo de Erval Seco, houve aumento de quase 20% (18,81%) nos valores destinados aos repasses de cestas básicas às famílias carentes, mas que “a LC 173/2020 transferiu valores da União aos Municípios, com o intuito de reduzir os impactos da pandemia, e desta forma, ocorreu automaticamente um incremento nos valores destinados a este fim”.

De fato, os recorridos demonstraram que, com a Lei Complementar n. 173/20, de 27.5.2020, editada para enfrentamento dos prejuízos financeiros causados pela pandemia, o município recebeu recursos para a compra de cestas básicas destinadas à população carente no total de R$ 20.000,00.

A juíza a quo também se reportou aos depoimentos prestados por Patricia Maria Manfio da Rosa, Secretaria Municipal de Assistência Social, e Alcindo Renan Bemfica Garcia, servidor da Prefeitura de Erval Seco e contador, no sentido de que o Conselho Municipal de Assistência Social aprovou a distribuição de cestas básicas em reunião de 23.9.2020, que não houve participação dos recorridos na entrega do benefício ou captação de votos e que, em virtude da pandemia, houve incremento dos recursos destinados ao auxílio de pessoas carentes, nos seguintes termos, assim transcritos na sentença:

A senhora Patrícia afirmou:

Que a Administração Municipal recebeu uma portaria que se referia a uma verba destinada para a Assistência Social e para a Saúde;

Que a verba da Assistência Social era para atender as famílias vulneráveis, de baixa renda;

Que devido ao desemprego causado pela pandemia, as crianças que antes iam para a escola e faziam a única refeição lá, aumentou a demanda da necessidade de distribuição de alimentos;

Que Erval Seco possui um Conselho Municipal de Assistência Social e que esta distribuição de cestas básicas teve apreciação e aprovação deste conselho;

Que não houve participação do prefeito Leonir na entrega das cestas básicas para a população;

Que não houve nenhuma intenção de captar votos por meio da distribuição de cestas básicas.

O senhor Alcindo, afirmou:

Que não notou alguma diferença excessiva na distribuição de cestas básicas no ano de 2020;

Que em virtude da pandemia houve a entrada de um recurso aprovado pela Lei Complementar nº 173/2020;

Que foi recebido aproximadamente 920 mil reais, e que 850 mil reais eram recursos livres, que era para compensar a perda efetiva da arrecadação e em torno de 70 mil reais era para serem distribuídos entre saúde e assistência social;

Que destes 70 mil reais, 50 mil reais foram destinados para a saúde e 20 mil reais para a assistência social;

Que este recurso foi classificado como orçamentário, não se tratando de transferência voluntária e sim de uma transferência legal baseada na LC 173;

Que não viu o prefeito Leonir realizar promoção pessoal por meio da distribuição das cestas básicas.

 

Além disso, a julgadora apontou ser “de conhecimento geral que a pandemia causou sérios danos a economia mundial, principalmente prejudicando as pessoas mais pobres, sendo necessário um suporte ainda maior por parte do ente público”, e concluiu que nos autos não há sequer indício de prova relacionada às alegações de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio em benefício dos candidatos.

A recorrente reitera a narrativa da inicial no sentido de que, em 4 meses do ano eleitoral, houve gastos de quase o dobro da despesa com cestas básicas realizada nos 8 meses anteriores, e alega que “não há como dizer que as pessoas não estavam em estado de necessidade alimentar em janeiro de 2020, onde estávamos nos aproximando de 1 ano de pandemia”.

Tal argumentação não tem força suficiente para infirmar a conclusão da sentença, mormente considerando os fundamentos contidos na defesa dos recorridos para explicar o aumento da despesa com cestas básicas no período eleitoral.

Os candidatos demonstraram que, segundo relatório divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) sobre o custo de cestas básicas, houve uma variação de preço de 39,40% entre o período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, que receberam do governo federal a quantia de R$ 20.000,00 para a aquisição do benefício e que não há provas de que a distribuição foi realizada com caráter eleitoreiro.

Quanto à alegação de que a intenção de captar votos estaria demonstrada pelo fato de que os gastos do último quadrimestre (R$ 21.504,54) foram o dobro da despesa dos 8 primeiros meses de 2020 (R$ 10.577,60), acompanho o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que “a pandemia foi decretada apenas em março e as ações sociais não foram imediatas, mas foram aumentando conforme a disseminação do vírus se desenvolvia no Brasil”.

Nesse sentido, os recorridos justificam, na contestação, que, “Obviamente que o empenho somente foi realizado após o recebimento do recurso, no valor de R$ 20.000,00 conforme a ata supra referida” (reunião de de 23.9.2020) (ID 44839078).

Desse modo, não há prova segura de prática de abuso de poder, condutas vedadas ou captação ilícita de sufrágio, conforme também concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, nos seguintes termos:

Diríamos que o gasto maior no último quadrimestre suscita a possibilidade de utilização eleitoreira na distribuição das cestas básicas próximo a período eleitoral. Contudo, não basta a possibilidade da prática do ilícito, havendo necessidade de certeza a respeito, o que não é alcançado no presente feito, vez que o advento da pandemia do Covid-19 faz incidir uma dúvida fundada sobre o desvio de finalidade na prática do ato administrativo.

De salientar que não há prova de que o referido gestor municipal tenha promovido sua candidatura com a distribuição gratuita de cestas básicas.

Assim, em relação à captação ilícita de sufrágio não há prova de que a entrega das cestas básicas tenham sido condicionada ou acompanhada de pedido de voto nos candidatos investigados, afastando o ilícito eleitoral.

Já no tocante ao abuso de poder político e econômico, como j referido, há dúvida fundada quanto ao desvio de finalidade na prática do ato administrativo, o que é suficiente para a improcedência do pleito diante da aplicação do princípio in dubio pro suffragium que incide nas ações desconstitutivas de diploma e mandato, como é o caso.

Nesse sentido, a vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, as sanções de cassação do diploma e inelegibilidade previstas no inc. XIV do art. 22 da LC 64/90 para os casos de abuso de poder devem consistir em exceção, ultima ratio no processo eleitoral, e somente diante da ocorrência de condutas graves, e plenamente comprovadas, viáveis a comprometer a normalidade e legitimidade do sufrágio.

 

Acompanho a leitura do órgão ministerial sobre o caso trazido a julgamento, pois os fatos não se amoldam às hipóteses de conduta vedada aos agentes públicos previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97, não tendo sido, da mesma forma, comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições), por meio de negociação da entrega de cestas básicas em troca do voto dos eleitores, com o especial fim de agir, consistente na doação do benefício com finalidade eleitoral, está suficientemente demonstrado.

De igual modo, não foi apresentada prova da caracterização dos fatos como abuso de poder econômico, que ocorre somente quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem na disputa do pleito.

Com esses fundamentos, correta a sentença ao julgar improcedentes os pedidos condenatórios, devendo ser mantida a decisão.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento dos recursos.