REl - 0600640-24.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/02/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.930,00, em razão das seguintes irregularidades: a) pagamento de despesas com recursos do Fundo Partidário, mediante cheque não nominais e cruzados; b) ausência de registro de um depósito na conta bancária destinada ao recebimento de recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 3,30, realizado em 03.12.2021, e duas tarifas bancárias, nos valores de R$ 1,80 e R$ 1,50; e c) trânsito de “outros recursos” na conta bancária destinada ao recebimento de verbas do Fundo Partidário.

Em relação às irregularidades citadas nos itens “b” e “c”, não houve qualquer esclarecimento ou impugnação específica nas razões de recurso. Assim, não tendo sido a matéria devolvida à apreciação deste Tribunal, em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum, os fundamentos não atacados são aptos, por si sós, à manutenção da sentença quanto aos pontos, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC e da Súmula n. 26 do TSE.

Passo à análise do apontamento impugnado no recurso, relativo à emissão de cheques não nominais e cruzados para o pagamento de despesas de campanha com recursos públicos.

Pagamento de despesas com recursos do Fundo Partidário mediante cheques não nominais nem cruzados.

A irregularidade refere-se ao pagamento de despesas eleitorais, no total de R$ 1.930,00, com verbas do Fundo Partidário, por meio de cheques não nominais e não cruzados, consoante enunciou a sentença proferida pela Juíza Eleitoral da 45ª Zona, Dra. Marta Martins Moreira, a seguir reproduzida parcialmente:

[…].

O parecer técnico apontou ausência de comprovação do pagamento de despesas realizadas com recursos públicos, no montante de R$ 1.930,00. É dever do prestador comprovar as despesas realizadas durante a campanha, especialmente quando se trata de gastos realizados com recursos provenientes do Fundo Partidário, haja vista se tratarem de recursos públicos. A candidata apresentou cópia dos cheques emitidos (ID 61958682 – R$ 420,00, ID 61958683 – R$ 910,00 e ID 61958687 – R$ 600,00), contudo não estão nominais e cruzados aos fornecedores e no extrato eletrônico também não há identificação dos beneficiários (extrato disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88536/210000737365/extratos).

[…].

 

Analisando-se a documentação acostada aos autos, verifica-se que:

1) o cheque n. 900001, no valor de R$ 910,00, não está nominal nem cruzado e foi registrado como pagamento da nota fiscal n. 252, emitida pela empresa TATIANE SILVEIRA FUCKS- MEI, CPNJ: 33.942.114/0001-00 (ID 44835300);

2) o cheque n. 900002, no valor de R$ 420,00, não está nominal nem cruzado e foi registrado como pagamento da nota fiscal n. 254, emitida pela empresa TATIANE SILVEIRA FUCKS- MEI, CPNJ: 33.942.114/0001-00 (ID 44835299); e

3) o cheque n. 900003, no valor de R$ 600,00, não está nominal nem cruzado e foi registrado como pagamento da nota fiscal n. 1, emitida pela empresa RODRIGO FETTER MENEZES – MEI, CPNJ: 35.404.392/0001-39 (ID 44835304).

Em suas razões, a recorrente admitiu a emissão dos cheques não nominais e não cruzados aos fornecedores, porém afirma que comprovou a realização das despesas e o destino dos recursos, juntando aos autos cópias dos cheques e as notas fiscais emitidas pelas empresas.

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, dispõe o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

 

A exigência normativa, ao prescrever a emissão de cheque tanto nominal quanto cruzado, visa impor o trânsito entre contas dos valores manejados em campanha, possibilitando que se verifique se os recursos foram realmente direcionados ao contratado indicado na documentação contábil e permitindo a rastreabilidade das quantias, bem como a confrontação da sua movimentação com informações de outros órgãos do Sistema Financeiro Nacional.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

In casu, a apresentação das notas fiscais não supre a inobservância do correto preenchimento dos títulos de crédito, pois resta incontroverso que os cheques foram descontados sem a identificação dos beneficiários, conforme consulta no extrato bancário eletrônico disponível no Sistema DivulgaCand  (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030 402020/88536/210000737365/extratos), no qual não consta o CPF/CNPJ das contrapartes que teriam recebido os cheques em questão.

Portanto, essa circunstância inviabiliza a comprovação de que os recursos empregados em campanha foram efetivamente destinados às pessoas jurídicas contratadas pela candidata, uma vez que há necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. FORMA INDEVIDA DE PAGAMENTO. CHEQUE NÃO CRUZADO. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ALEGAÇÃO DE DESCUIDO E JUNTADA DE NOTA FISCAL INSUFICIENTES. IRREGULARIDADE DE ELEVADO VALOR ABSOLUTO. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de realização de gastos por meio de cheque nominal não cruzado. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Pagamento de despesa com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, via cheque não cruzado, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A apresentação da nota fiscal não supre a inobservância do correto preenchimento do título, pois resta incontroverso que o cheque foi repassado a terceiro estranho à relação contratual, circunstância que inviabiliza a comprovação do pagamento.

3. Falha em percentual de 39,52% do total declarado e de valor absoluto elevado, não autorizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para atenuar o juízo de desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060021265, ACÓRDÃO de 23/09/2021, Relator OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Nesse contexto, a emissão das ordens de pagamento não nominais e sem cruzamento é suficiente para inviabilizar o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Logo, restou caracterizada irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do Fundo Partidário, na quantia de R$ 1.930,00, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Conclusão

No caso concreto, portanto, as irregularidades verificadas alcançam o somatório de R$ 1.930,00, que representa, aproximadamente, 64,33% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 3.000,00), montas relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que desaprovou as contas de Daniele Barbieri Schneider, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento de R$ 1.930,00 ao Tesouro Nacional.