ED no(a) REl - 0600077-14.2020.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/02/2022 às 14:00

VOTO

Trata-se de embargos de declaração que retornam para novo julgamento, após a anulação do acórdão regional anterior, por efeito de decisão do egrégio Tribunal Superior Eleitoral que deu parcial provimento ao Agravo Interno em Recurso Especial interposto pelo ora embargante, sob o entendimento de que o acórdão que rejeitou os embargos de declaração deduziu fundamentação genérica, razão pela qual a Corte Superior determinou o retorno dos autos a este Tribunal Regional Eleitoral, “a fim de que sane as duas omissões indicadas”, consistentes nas alegações de que “(a) houve superávit no exercício seguinte – o que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, tem o condão de afastar a inelegibilidade; (b) naquele ano, dois eventos de ordem climática tiveram grande repercussão no Município” (ID 44871846).

Quanto ao mérito, os embargos de declaração atacam o acórdão que confirmou a sentença que julgou procedente a impugnação ao registro de candidatura de Mário Roberto Utzig Filho, ao efeito de manter o indeferimento do seu registro de candidatura ao cargo de prefeito do Município de Santa Bárbara do Sul, por incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

O acórdão embargado restou ementado nos seguintes termos:

RECURSO. ELEIÇÃO 2020. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. PROCEDENTE. INELEGIBILIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CONTAS JULGADAS IRREGULARES. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. DOLO. COMPROVADOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO.

1. Impugnação julgada procedente e indeferido registro de candidatura. Rejeição das contas públicas pela Câmara de Vereadores, por irregularidade insanável, configurando ato doloso de improbidade administrativa, atraindo a inelegibilidade.

2. Conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, mas somente aquelas que preencherem, cumulativamente, (i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

3. Comprovado que o recorrente, na qualidade de prefeito, teve contra si contas julgadas irregulares, referentes ao exercício financeiro de 2012, pela respectiva Câmara Municipal, por meio do Decreto Legislativo n. 011/19. Inviável afastar a improbidade, pois a inelegibilidade encontra-se qualificada com o elemento subjetivo da conduta. O dolo resta evidenciado por força da desobediência aos arts. 1º, § 1º, e 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

4. Desprovimento. Manutenção da sentença de indeferimento do registro de candidatura.

(TRE-RS; REl 0600077-14.2020.6.21.0115, Relator: DES. ELEITORAL ARMINIO JOSE ABREU LIMA DA ROSA, julgado em 13.11.2020, unânime.)

 

Em relação ao primeiro vício alegado, o embargante sustenta que o acórdão incidiu em omissão quanto ao fundamento de defesa no sentido de que “o orçamento elaborado pelo ora embargante para o exercício de 2013 contemplara a cobertura da insuficiência financeira verificada, hipótese em que, nos termos da jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, não se há falar em irregularidade insanável”.

Prossegue o embargante com os seguintes argumentos:

De fato, a insuficiência financeira detectada ao final do exercício de 2012, correspondente aos empenhos lançados como restos a pagar na ordem de apenas 6,04% da Receita Corrente Líquida do Município, foi completamente sanada no exercício de 2013, como se extrai da Instrução Técnica Final que amparou o respectivo parecer do Tribunal de Contas do Estado (id. ):

5.2- Do Equilíbrio Financeiro

As informações constantes no Modelo 9 – Demonstrativo dos Limites (fls. 206 a 208), demonstram a existência de disponibilidades financeiras suficientes para a cobertura dos valores inscritos em Restos a Pagar, restando atendido o disposto no § 1º do art. 1º da LC Federal nº 101/2000. (Destacou-se.)

Trata-se, pois, de fundamento extremamente relevante para a defesa, que, assim, não podia deixar de ser enfrentado por essa colenda Corte, principalmente quando se tem presente a firme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que “o déficit de execução orçamentária superado no exercício seguinte, com superávit, configura irregularidade sanável, que não configura a inelegibilidade do art. 1, I, g, da LC 64/90”.

 

Ocorre que, conforme destacado pelo próprio recorrente, a reproduzida manifestação da Corte de Contas refere-se ao exercício financeiro de 2013 (ID 8164233), quando o ora embargado já não ocupava a chefia do Poder Executivo Municipal, ou seja, a aventada superação da deficiência financeira para a cobertura de restos a pagar teria ocorrido somente sob gestão diversa, pois, no ano de 2012, findou o último dos dois mandatos consecutivos ocupados por Mário Roberto Utzig Filho à testa do Município de Santa Bárbara do Sul.

Tais circunstâncias são suficientes para diferenciar o presente caso daqueles referidos pelo recorrente, em que o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu que “O déficit orçamentário resolvido no ano seguinte não caracteriza irregularidade insanável, ainda que ocorrido em mandato posterior”, conforme recentemente reafirmado, por maioria, no julgamento do RESP n. 0600145-71.2020.6.26.0099, em 11.05.2021, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Relator designado: MIN. ALEXANDRE DE MORAES, DJE de 23.08.2021.

Assim, não é razoável que o gestor público, ao encerrar seu mandato eletivo com rejeição das contas por déficit orçamentário, em infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal, tenha mitigada a gravidade de sua conduta a partir de eventual reequilíbrio fiscal alcançado na administração de seu sucessor.

Na hipótese, o parecer do TCE-RS relativo às contas do ano de 2012 observa que “havia disponibilidades financeiras suficientes para a cobertura dos Restos a Pagar no encerramento do exercício de 2008, demonstrando situação de desequilíbrio financeiro durante a gestão” (ID 8163083, fl. 2), a partir do que se conclui que o ora embargante conduziu a situação de déficit fiscal até o final de seu mandato, quando já não lhe seria mais possível sanear os problemas orçamentários.

Quanto ao mais, a análise do requisito da irregularidade insanável que configure ato de improbidade administrativa, a caracterizar causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, restou enfrentada no acórdão embargado, cabendo a transcrição do seguinte excerto:

Quanto às irregularidades apontadas nas contas, e objeto dos recursos, merecem relevância as questões relativas ao desatendimento às determinações da Lei Complementar n. 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), sobretudo o descumprimento dos arts. 1º, § 1º, e 42, do aludido regramento.

Cumpre transcrever trechos do voto pelo Pleno do TCE-RS (ID 8163183):

CONTAS DE GOVERNO.

Insuficiência financeira para o pagamento das despesas inscritas em Restos a Pagar, ocasionando desequilíbrio nas finanças do Município, fato que compromete as Contas de Governo. Multa e Parecer Desfavorável ao Administrador principal. Advertência ao atual Gestor. Parecer Favorável ao Administrador Secundário.

(…)

Da Gestão Fiscal:

Item 5.1 (fls. 237/238, 240 e 334/336) – Não atendimento aos preceitos inscritos no artigo 42 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, tendo em vista que não há suficiente disponibilidade financeira em determinados recursos vinculados, no montante de R$ 1.112.713,97, para as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato.

Item 5.2 (fls. 238/239, 240 e 334/336) – Insuficiência financeira de R$ 1.305.508,08 quando do encerramento do exercício de 2012. Observa a Supervisão que havia disponibilidades financeiras suficientes para a cobertura dos Restos a Pagar no encerramento do exercício de 2008, demonstrando situação de desequilíbrio financeiro durante a gestão. Não atendimento ao disposto no §1º do artigo 1º da Lei Complementar nº 101/2000.

Ressalva o Órgão Instrutivo, conforme levantamento realizado pela Confederação Nacional de Municípios – CNM, que as desonerações do IPI, concedidas pelo Governo Federal, no exercício de 2012, implicaram uma queda de arrecadação para o Município no montante de R$ 134.820,78, o qual não seria suficiente para a cobertura das insuficiências financeiras apuradas nos itens 5.1 e 5.2.

(…)

Voto.

No que tange ao não atendimento de ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal, notadamente em relação à insuficiência financeira para pagamentos das despesas inscritas em Restos a Pagar, inclusive aquelas empenhadas nos últimos oito meses de mandato (arts. 1º, § 1º, e 42), observo que a insuficiência apresentada (R$ 1.305.508,08) representa 6,04% da Receita Corrente Líquida do Município (R$ 21.595.573,31) e foi gerada durante a última gestão do Administrador, haja vista que essa situação inexistia no encerramento do exercício de 2008.

O montante de Restos a Pagar sofreu uma evolução de 756,22% no período, passando de R$ 201.233,22 para R$ 1.722.994,76, situação que revela desequilíbrio financeiro durante a gestão e que, a meu ver, enseja a emissão de Parecer Desfavorável sobre as Contas.

(...)

De fato, no encerramento, o exercício de 2012 apresentou “déficit” financeiro no montante de R$ 1.305.508,08, indicando a não adoção de ações planejadas com o intuito de alcançar o equilíbrio financeiro necessário ao atendimento do art. 1º, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ainda, o candidato teria desobedecido ao art. 42 do diploma da responsabilidade fiscal, pois teria assumido, nos dois últimos quadrimestres do mandato, obrigação de despesa que não poderia cumprir integralmente no mesmo exercício financeiro.

No que toca à insanabilidade das irregularidades, a inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo compreensão do Tribunal Superior Eleitoral, consiste em irregularidade insanável, apta a ensejar a inelegibilidade de que trata o art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

Nesse sentido, encontram-se diversos julgados segundo os quais “o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal é irregularidade insanável e constitui, em tese, ato doloso de improbidade administrativa, que enseja a incidência da inelegibilidade descrita no art. 1º, inc. I, al. ”g”, da LC n. 64/90.” (Recurso Especial Eleitoral n. 29217, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 28.11.2016).

No mesmo sentido os precedentes AgR-RO 1782-85, rel. Min. Luiz Fux, PSESS em 11.11.2014; REspe 325-74, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 17.12.2012; e AgR-REspe 165-22, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 08.9.2014.

[...].

O que se nota, portanto, é que o requisito referente à insanabilidade das irregularidades foi devidamente preenchido, visto que o recorrente, enquanto gestor municipal, deixou de observar regras fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

No tocante à segunda omissão sustentada no recurso, o embargante alega que “o v. aresto embargado, além de não indicar, no caso concreto, as circunstâncias que autorizariam o enquadramento da irregularidade como ato de improbidade, também se omitiu quanto a outro relevantíssimo fundamento da defesa, consistente na demonstração de que o atípico incremento de despesas no exercício de 2012 decorreu de eventos de força maior que exigiram a pronta e inescusável reação da Prefeitura, conforme amplamente comprovado nos autos (id. 8163933 a id. 8164083)”.

Este último aspecto suscitado envolve “o imprevisto aumento de despesas decorrente de dois eventos climáticos de grande monta, que, além de serem de conhecimento geral, foram reconhecidos pelas autoridades competentes”.

Ocorre que tais teses defensivas foram igualmente deduzidas perante o TCE-RS, por ocasião do julgamento das contas de governo em questão, e repelidas pelo órgão competente como justificativas para o descumprimento das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, consoante transcrevo (ID 8163183, fl. 4):

O Administrador argumentou, em síntese, que a redução dos valores repassados pelo Fundo de Participação dos Municípios – FPM influenciou negativamente nas contas do Município, afirmando, ainda, que situações de anormalidade levaram à decretação de estados de emergência, que demandaram despesas extraordinárias que provocaram desequilíbrio de caixa.

Registra que, além da queda da arrecadação em face das desonerações do IPI, concedidas pelo Governo Federal (R$ 134.820,78), também houve redução no repasse do FPM, no valor estimado de R$ 601.819,13, conforme dados obtidos da FAMURS.

Como bem lançado pela Supervisão e no parecer Ministerial, mesmo se considerássemos os valores alegados como repassados a menor pelo Fundo de Participação dos Municípios — FPM, ainda assim esses não seriam suficientes para dar cobertura aos Restos a Pagar destacados nos subitens 5.1 e 5.2. Da mesma forma, quanto às alegadas situações de emergência, a documentação juntada não comprova que as mesmas teriam gerado as insuficiências financeiras apontadas.

 

Uma vez apreciadas as questões pela Corte de Contas, não cabe à Justiça Eleitoral, em sede de registro de candidatura, realizar um novo julgamento das questões então debatidas na análise das contas de governo em virtude do que dispõe a Súmula n. 41 do Tribunal Superior Eleitoral, in verbis: “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Nessa linha, constou expresso no acórdão embargado:

Não se trata de nova apreciação das contas do administrador público, já julgadas pelo órgão competente. Cabe, na realidade, à Justiça Eleitoral, a partir dos fundamentos empregados no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

Em conclusão, os embargos devem ser parcialmente providos para que se integre ao acórdão a fundamentação exposta em relação aos pontos trazidos pelo embargante, sem modificação no conteúdo ou sentido do julgado embargado, mantido em sua totalidade.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e parcial acolhimento dos embargos de declaração, para complementar o acórdão nos termos da fundamentação, negando-lhes, entretanto, efeitos infringentes.